a saga de um analfabeto
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A saga de um analfabeto é um cordel que conta a história de uma pessoa que nunca foi à escola e por isso teve que enfrentar grande problemas na vida.TRANSCRIPT
A saga de um analfabetoAutor: Francisco de Assis Henrique do Nascimento
ISanto Deus OnipotenteDê-me santa inspiração
E me guie nestas palavrasQue servirão de lição
Ao povo brasileiroQue às vezes sem dinheiro
Vive apenas de ilusão.
IINo Nordeste brasileiroPouca gente acredita
Que somente a educaçãoPode lhe tirar da lista
Daqueles que passam fomeQuando a seca os consome
Neta região malvista.
IIINasci e cresci na roça
Ouvido o meu pai dizer:-Quem estuda é vagabundo,
Que não tem o que fazer.Ele tinha experiência,
Mas faltava-lhe consciência,Pois nada sabia ler.
IVAcreditando em meu pai
Eu nunca fui à escola,Pois ele nunca estudouE nunca pediu esmolas!
Nunca morou em palhoça,Seu estudo era a roça
E o seu lápis a sachola.
VSe ele conseguiu tudo
Sem nunca ter estudado!Pensei: estudar pra quê,Se nada tem me faltado?Outra coisa é que aquiEstudo não vai servir
Pra quem cuida de roçado!
VIO meu pai não era rico,Mas era bem sucedido.Tinha terra, tinha gado,
Sempre estava bem vestido.Quando a seca apertavaEle não se incomodava
Era um homem prevenido.
VIIComo todo filho pensa
Que os pais são imortaisEu nunca me preparei,
Pois pensava que jamaisO velho fosse morrer
E nem ao menos padecerNos leitos dos hospitais.
VIIICom toda aquela higidezEu não podia imaginar
Que uma simples doencinhaFosse capaz de tirar
A vida de um cidadãoQue nunca foi mandrião
Gostava de trabalhar.
IXO meu pai já era idoso
E veio a falecerEu entrei em desesperoSem saber o que fazer
Em sem querer fazer médiaEu já previa a tragédiaQue ia me acontecer!
XNossa família era unida,
Mas quando o meu pai morreuCada filho quis cuidarDaquilo que era seu
E eu sem saber de nadaAcabei numa roubadaE o pior aconteceu!
XIFomos fazer a partilha,
Mas ninguém imaginavaQue quando juntássemos tudo
O gado ninguém contavaE sem contar os pomares
De terra, mil hectaresPra cada filho tocava!
XIIAo término da divisão
Com todos nós satisfeitosMeu irmão mais velho disse:
-Agora, cuidem direito,Pois se alguém fizer burrada
E um dia ficar sem nadaNinguém vai poder dar jeito!
XIIIAquelas palavras soaramComo uma praga à mim,
Mas pensei: não é possívelQue ele seja mau assim!E pra quê me preocupar
Se gado pra se criarSó precisa de capim!
XIVComo eu não sabia nadaUm gerente eu contratei
E pra ele gerenciarCarta branca eu lhe deiFoi uma grande toliceE pela minha burrice
Veja o preço que eu paguei!
XVO sujeito muito esperto
Todo dia me traziaUm montão de documentos
O que era eu não sabiaSó lembro que tinha uns traços,
Uma linha e um espaçoOnde o dedo eu metia.
XVISempre assinei com o dedo
Confiando no safadoE pouco tempo depoisA metade do meu gado
E as terras mais atrativasPor serem mais produtivasPra ele eu tinha passado.
XVIIQuando eu descobri tudo
Já era tarde demais!Na hora do desespero
Pus a culpa em meu paiPorque ele me preparou
Pra ser um agricultorProprietário, jamais!
XVIIIFiquei de cabeça quenteE nem parei para pensarVendi o que me sobrou
E sai pra procurarUm outro meio de vida
Que não fosse tão sofridaNem precisasse roubar.
XIXPus o dinheiro no bolso
E peguei logo um transporteCom destino à São Paulo
Contando apenas com a sortePra que eu pudesse viverE também pra esquecerTudo que vivi no norte.
XXQuando eu cheguei em São Paulo
Não tinha aonde ficar,E sem conhecer ninguémQue pudesse me ajudar
Peguei a grana que eu tinhaE aluguei uma casinha
Para me acomodar.
XXIA casinha eu alugueiApenas para dormir
Pois antes do sol nascerEu precisava sair
A procura de serviçoE talvez por ser noviçoAndava sem conseguir.
XXIINão tinha mais esperançaQuando numa construção
Vi um fila de genteEsperando no portão
Sem saber pra que serviaPensei que ali seria
A minha única solução.
XXIIIEu entrei naquela fila
Sem saber pra que servia,Mas na minha situação
Qualquer coisa eu topariaFiquei ali de castigo
E quando fui atendidoJá era o final do dia.
XXIVEu entrei desconfiadoE um sujeito me falou-Você parece nervoso,
Fique tranquilo Senhor!Um emprego todos querem,
Mas me diga aí a sérieQue o senhor estudou.
XXVA pergunta me pegou
Um tanto desprevenido.Eu falei para o sujeito:
-Escuta meu amigo,Eu nunca fui à escola
Mesmo assim ninguém me enrolaPensas que sou um bandido?
XXVIO sujeito me encarou
E disse: -Tá dispensado,Preciso de operários
Que sejam qualificadosEu fico até confuso,
Mas não quero nenhum burroPastando no meu cercado!
XXVIIForam várias tentativas,Mas aonde eu chegavaNa hora da entrevista
O chefe me dispensavaEra sempre uma surra
Ao ouvir que gente burraCom eles na trabalhava.
XXVIIIDepois de muita procura
Sem encontrar um serviçoDesisti de procurar
E fui pras ruas catar lixoHoje eu tiro o meu sustento
De um trabalho nojentoQue muitos é malvisto.
XXIXPor eu não ter estudadoFoi tudo que me restou
Trabalho digno é possível,Mas só pra quem estudouE quem nunca foi à escola
Acaba pedindo esmolasOu então como eu estou!
XXXSe essa história é fictícia
O problema é realVê gente desempregadaHoje em dia é normalE se não tiver estudo
Mesmo se for um sortudoA disputa é desleal!