a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

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Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC Centro Sócio Econômico CSE Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais A REVOLUÇÃO CUBANA E A BUSCA PELA DEMOCRACIA EM CUBA FERNANDA DA ROSA DUARTE FLORIANÓPOLIS, 2013

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Page 1: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Centro Sócio Econômico – CSE

Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais

A REVOLUÇÃO CUBANA E A BUSCA PELA DEMOCRACIA EM

CUBA

FERNANDA DA ROSA DUARTE

FLORIANÓPOLIS, 2013

Page 2: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

2

FERNANDA DA ROSA DUARTE

A REVOLUÇÃO CUBANA E A BUSCA PELA DEMOCRACIA EM

CUBA

Monografia submetida ao Departamento de Ciências

Econômicas para obtenção da carga horária na

disciplina CNM 5420 – Monografia, como requisito

obrigatório para a aquisição do grau de Bacharelado.

Orientador: Professor Nildo Domingos Ouriques

FLORIANÓPOLIS, 2013

Page 3: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

3

FERNANDA DA ROSA DUARTE

A REVOLUÇÃO CUBANA E A BUSCA PELA DEMOCRACIA EM

CUBA

Monografia apresentada como requisito obrigatório para obtenção do grau de Bacharel

em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Área de

concentração: Economia.

Data da aprovação:

A Banca Examinadora resolveu atribuir nota 9,0 à aluna Fernanda da Rosa Duarte na

disciplina CNM 5420 – Monografia, pela apresentação deste trabalho.

Banca Examinadora:

-------------------------------------------------

Prof. Dr. Nildo Domingos Ouriques

Universidade Federal de Santa Catarina

--------------------------------------------------

Prof. Dr. Waldir José Rampinelli

Universidade Federal de Santa Catarina

-------------------------------------------------

Prof. Daniel Corrêa da Silva

Universidade Federal de Santa Catarina

Page 4: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

4

RESUMO

A Revolução Cubana e o sistema político adotado em Cuba a partir de 1959 é motivo de

muita polêmica acerca da questão de se tratar ou não de uma democracia. Para

compreender o que aconteceu na ilha, vamos conceituar brevemente o que é

dependência e como ela é construída a partir do colonialismo e do neocolonialismo. Em

seguida será feita uma análise do período pré-revolucionário e de como foram criadas as

condições para uma revolução social. Estabelecido o governo revolucionário,

verificamos as mudanças sofridas na economia e na política do país. Trataremos dos

conceitos de democracia liberal e socialista para que a partir deles possamos caracterizar

o sistema político cubano.

Palavras-chave: Revolução Cubana; Democracia.

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5

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 6

1.1. Tema e problema ..................................................................................................... 6

1.2. Objetivos ................................................................................................................... 7

1.2.1. Objetivo Geral ...................................................................................................... 7

1.2.2. Objetivos Específicos ............................................................................................ 7

1.3. Justificativa .............................................................................................................. 7

1.4. Metodologia .............................................................................................................. 8

2. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ................................................. 9

3. A REVOLUÇÃO CUBANA .................................................................................... 15

3.1. Cuba Pré-Revolucionária ..................................................................................... 15

3.1.1 Período Colonial .................................................................................................. 15

3.1.2 Período pós-independência - Neocolonial .......................................................... 19

3.2 A tradição de luta do povo cubano ....................................................................... 25

3.3 Greve Geral ............................................................................................................. 30

3.4 Cuba Revolucionária .............................................................................................. 32

3.4.1 Transição para a etapa socialista ....................................................................... 35

3.4.2 A política estadunidense de hostilidade a Cuba ................................................ 38

3.4.3 O governo revolucionário ................................................................................... 40

4. DEMOCRACIA ........................................................................................................ 47

4.1 Democracia Liberal ................................................................................................ 47

4.2. Democracia Socialista............................................................................................ 54

5. CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA POLÍTICO CUBANO ............................ 57

6. CONCLUSÕES ......................................................................................................... 62

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 64

ANEXO .......................................................................................................................... 66

Page 6: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

6

1. INTRODUÇÃO

1.1. Tema e problema

A democracia é uma questão bastante polêmica e controversa, especialmente

quando debatida com profundidade e atenção. O que é democracia? Quais regimes

políticos podem ser considerados democráticos? Não pretendo aqui esgotar o assunto,

mas abordar como uma revolução social pôde promover mudanças políticas e

econômicas tão radicais em um país.

Para fazer compreender o que significa a Revolução Cubana, em primeiro lugar

foi necessário entender Cuba desde sua colonização, quando o país serviu à Espanha e

depois, já independente, como os Estados Unidos conseguiram manter a ilha em uma

relação neocolonial que servia apenas ao seu interesse, e aos interesses de uma

burguesia cubana que, por sua vez era fraca - como toda burguesia nascida em países

dependentes -, incapaz de tomar as rédeas de sua própria economia frente a uma

exploração estrangeira.

Cuba se transformou em uma grande feitoria de açúcar à disposição dos Estados

Unidos; não tinha nem mesmo uma razoável diversificação na produção, tendo,

portanto, que importar não apenas bens de consumo, mas até mesmo alimentos. Os

Estados Unidos impunham a Cuba uma política oposta a praticada em seu território,

onde a diversificação sempre foi uma preocupação, afinal afeta diretamente a liberdade

do país: quanto maior a autossuficiência em manter as necessidades básicas da

população, menos vulnerável ele se torna.

A situação em Cuba era muito crítica para a maioria da população, o que

motivou os movimentos populares, que ganharam o respaldo dos cubanos em geral, de

tal forma – me arrisco a dizer – poucas vezes vista na periferia. Quando, através da

guerrilha o movimento revolucionário chega ao poder, derrubando o exercito e a

ditadura de Fulgêncio Batista, se iniciam as mudanças estruturais no país.

A revolução foi feita pelo povo, portanto deveria servir fundamentalmente ao

interesse do povo. As relações comerciais que Cuba mantinha com os Estados Unidos

eram incompatíveis com os interesses da nação, sofrendo, portanto, alterações.

Entretanto, os Estados Unidos não costumam tolerar a soberania alheia e, em função

disso, romperam relações diplomáticas com Cuba e implementaram um bloqueio

econômico que perdura até os dias atuais trazendo enormes prejuízos econômicos,

Page 7: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

7

políticos e culturais para o povo cubano.

O caráter socialista da revolução é assumido quando o governo revolucionário

percebe que dentro do capitalismo não é possível atender às demandas da população. A

democracia liberal não seria capaz de garantir as reformas necessárias no país e muitos

menos assegurar as conquistas sociais criadas pelo movimento revolucionário.

Vamos conceituar brevemente as duas formas de democracia conhecidas na

contemporaneidade, a liberal e a socialista. E, finalmente, caracterizar o sistema político

cubano, sempre com a intenção de responder à pergunta: trata-se de uma democracia?

1.2. Objetivos

1.2.1. Objetivo Geral

Analisar a Revolução Cubana e o direcionamento político e econômico

tomado ao substituir o capitalismo pelo socialismo.

1.2.2. Objetivos Específicos

Identificar o processo de evolução do colonialismo ao neocolonialismo,

que leva posteriormente ao estabelecimento da situação de dependência

do país.

Analisar as motivações da Revolução Cubana e descrever como ocorreu

o processo revolucionário em Cuba.

Caracterizar o sistema político cubano a partir dos conceitos de

democracia liberal e socialista.

1.3. Justificativa

A Revolução Cubana não tem o espaço merecido nas pesquisas acadêmicas,

sendo absolutamente intrigante a análise dos fatores que possibilitaram, e ainda

possibilitam, a despeito de toda hostilidade, a sustentação de uma revolução de cunho

socialista em um mundo capitalista.

Existe muita especulação a respeito do sistema econômico cubano e de como

vive, desde 1959 até os dias de hoje, a população em Cuba. As informações que

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8

recebemos da grande mídia - que, por sua vez, alimenta o senso comum - não

correspondem aos índices de qualidade de vida dos cubanos, nem mesmo aos relatos de

quem conhece o país, fato que terminou por motivar minha pesquisa.

1.4. Metodologia

O presente trabalho de pesquisa constitui-se em uma revisão bibliográfica sobre

a Revolução Cubana, a partir de autores marxistas, bem como a análise dos conceitos de

colonialismo, neocolonialismo e dependência.

É feita a caracterização do sistema político cubano conquistado através da

revolução e sua comparação com os conceitos de democracia liberal e socialista.

Page 9: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

9

2. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Nas fases iniciais do desenvolvimento colonial, onde não havia mão de obra

suficiente para dar conta da produção de cana-de-açúcar, algodão e tabaco, a escravidão

foi a única forma possível de o grande capitalista praticar a monocultura extensiva em

grande escala, através do estabelecimento de uma organização social e econômica

composta por exploradores e explorados. Portanto, a escravidão não aconteceu em

condições normais, mas sim por motivos econômicos, de forma que possibilitasse esse

sistema exploratório. “A escravidão não nasceu do racismo: pelo contrário, o racismo

foi consequência da escravidão. O trabalho forçado no novo mundo foi vermelho,

branco, preto e amarelo; católico, protestante e pagão.” 1.

No Novo Mundo, o indígena foi o primeiro escravo, em seguida substituído pelo

escravo branco e pobre, que trabalhavam em troca do próprio sustento. O negro

substituiu os escravos brancos e indígenas por ter maior capacidade de trabalho e

resistência, sendo assim considerado muito superior em capacidade produtiva.

(...) a escravidão negra foi apenas uma solução, em certas circunstâncias

históricas, para o problema de mão de obra no Caribe. Açúcar significava

mão de obra – às vezes essa mão de obra foi escrava, outras vezes foi

nominalmente livre; às vezes negra, outras vezes branca, indígena ou

amarela. A escravidão não implicava de maneira nenhuma e em nenhuma

acepção científica a inferioridade do negro. Sem ela, o grande

desenvolvimento das fazendas canavieiras do Caribe, entre 1650 e 1850, teria

sido impossível. 2

Através da escravidão e do monopólio, o capitalismo mercantil desenvolveu a

riqueza da Europa no século XVIII, colaborando com a criação do capitalismo industrial

do século XIX, que em momento oportuno, acabou com a escravidão e com todo o

sistema mercantil. A ascensão e queda do mercantilismo significaram também ascensão

e queda da escravidão. E a crise do sistema escravista inicia a partir do momento em

que a produção escravista se tornou mais cara que o produto do trabalho livre.

Observou-se que, além da mão de obra escrava não ser qualificada, trabalhava com

relutância e sem motivação -, por não consumir e ser resumida a uma propriedade. “O

1 WILLIAMS, 2012, p. 34.

2 WILLIAMS, 2012, p. 62.

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10

trabalho escravo é mais caro do que o livre sempre que exista uma abundância de

trabalho livre.” 3

O levantamento da questão da falta de consumo do escravo provocou um

conflito estrutural entre os interesses da sociedade industrial nascente e a manutenção de

um sistema escravista, onde o número de consumidores é reduzido, já que escravos não

recebiam salário. Esse processo histórico cria condições para o surgimento do trabalho

assalariado e é fundamental para o desenvolvimento do capitalismo. O trabalhador livre,

já separado dos meios de produção, não tem outra forma de manter seu sustento senão

vendendo sua mão de obra ao capitalista. Com o salário, gera consumo para a indústria

nascente, e o capitalista ainda se apropria da mais-valia de seu trabalho. O único insumo

que produz valor é o trabalho. Portanto, o trabalho livre é um grande negócio em pelo

menos três sentidos: (i) a qualidade do trabalhador livre; mais preocupado com sua

própria qualificação, se torna superior a do trabalho escravo, (ii) não é mais preciso

comprá-lo; o trabalhador livre está disponível no mercado gratuitamente, e libera o

contratante de arcar com o seu sustento, transferindo para si o que antes era

preocupação de quem tinha sua posse. E, finalmente, (iii) amplia o consumo, tendo nos

antigos escravos um novo mercado consumidor. Como o trabalhador está separado dos

meios de produção, tem que se sujeitar ao salário pago pelo capitalista se quiser

sobreviver, se alimentar, subsistir.

O Neocolonialismo é o conceito que define a situação do continente africano,

quando foi literalmente repartido entre países centrais, e que também utilizado para

explicar a condição de colônia que se perpetua nos países latino-americanos, mesmo

após suas respectivas declarações formais de independência. O país é classificado como

dependente quando perde a soberania e tem sua política e sua economia regidas de fora

para dentro, em função de interesses externos. Constitui-se, portanto, uma relação

imperialista, onde o país dependente é utilizado em benefício dos países centrais. No

caso de Cuba, o neocolonialismo aconteceu na mudança de status de colônia espanhola

para país declarado independente, mas que na verdade estava se tornando dependente

dos Estados Unidos. Produzindo - de acordo com as determinações dos Estados Unidos,

conforme os interesses da nova metrópole - bens de baixo valor agregado e comprando -

dos Estados Unidos - bens de maior valor agregado, como manufaturas.

3 WILLIAMS, 2012, p. 33 apud H. Merivale, Lectures on Colonization and Colonies, 1928, p.

303.

Page 11: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

11

Um fator decisivo para a manutenção da dependência é a questão da acumulação

de capital da periferia sempre permanecer alguns estágios atrás, em nível de

industrialização e tecnologia, em relação aos países centrais. Isso acontece devido a três

grandes fatores – mercado interno reduzido, exército de reserva imenso e maquinaria

obsoleta.

O mercado interno nos países dependentes tem um tamanho bastante reduzido.

A população não tem poder de compra relevante, então a produção tem que se voltar ao

mercado externo, tornando-se mais vulnerável a problemas internacionais. Contudo, o

problema mais grave é que se organiza uma economia que não se apoia desenvolvendo

o mercado interno de massas, tornando-se incapaz de suprir às próprias demandas

básicas.

O grande exército de reserva que faz com que os salários sejam baixos. Como há

um grande número de desempregados e também um enorme mercado de trabalho

informal com elevado grau de exploração da força de trabalho, os salários tornam-se

mais baixos nos países dependentes, afinal o “preço” do trabalhador, ou seu salário,

segue às regras de oferta e demanda: quanto mais trabalhadores disponíveis, mais baixa

será a remuneração oferecida; esta situação coloca o trabalhador da periferia em

desvantagem, com um salário abaixo do que é pago nos países centrais.

Ademais, a tendência à industrialização com tecnologia ultrapassada

impossibilita os países periféricos de competir em caráter de igualdade com países

centrais. Além disso, em função desse atraso tecnológico, a periferia acumula dívidas ao

adquirir máquinas dos países imperialistas, na tentativa de se desenvolver

economicamente. Existe, portanto, transferência de valor – da periferia para o centro -

também através do pagamento dos juros gerados nessas dívidas.

Outro problema ligado à situação de dependência é a ausência de uma produção

diversificada, que prejudicou o abastecimento de alimentos nos países periféricos. Seu

papel na economia internacional foi a prática do monocultivo, conforme os interesses

imperialistas:

Uma extensão de terra cada vez maior é utilizada para o cultivo de produtos

agrícolas destinados à exportação, para satisfazer as necessidades das

metrópoles e não das populações locais; só na África a produção de café

aumentou em 300% entre 1959 e 1967. A crescente proletarização do campo

e o subemprego e desemprego cada vez maiores criam um hiato crescente

entre a produtividade potencial e a produtividade média do trabalho na terra. 4

4 MANDEL, 1985, p. 264.

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12

A maior parte do sobreproduto social nos países coloniais e semicoloniais não

foi utilizada para fins produtivos. A acumulação nesses países consistia em capital

estrangeiro e capital monetário investido, em geral, improdutivamente, no lugar de

capital industrial. A situação neocolonial dos países periféricos pode ser resumida pela

falta de direcionamento da produção ao mercado interno e pela estagnação tecnológica.

E caracterizado por uma troca desigual, de quantidades desiguais de trabalho. No

mercado mundial a hora de trabalho do país central é considerada mais produtiva e

intensiva que a da nação dependente, ocasionando uma “(...) transferência de valor

resultante da troca de quantidades desiguais de trabalho no mercado mundial.” 5.

Colônia produtora de metais preciosos e gêneros exóticos, a América Latina

contribuiu em um primeiro momento com o aumento do fluxo de

mercadorias e a expansão dos meios de pagamento, que, ao mesmo tempo em

que permitiam o desenvolvimento do capital comercial e bancário na Europa,

sustentaram o sistema manufatureiro europeu e propiciaram o caminho para a

criação da grande indústria. 6

A América Latina involuntariamente ajudou a financiar o desenvolvimento

industrial europeu com metais preciosos extraídos de suas terras e levados à Europa, e

em seguida auxiliou na manutenção dessa estrutura, exportando bens primários em troca

de manufaturas de consumo e contraindo dívidas com a metrópole para financiar a

diferença gerada na balança comercial, causada por esse tipo de troca.

A compensação da perda de renda gerada pela troca desigual entre nações no

comércio internacional (especialmente quando se trocam bens primários por

manufatura, mas também quando a troca ocorre entre produtos industriais) é feita

através de uma maior exploração do trabalhador. Ao mesmo tempo, esse mecanismo faz

com que aumente a mais-valia relativa 7 nos países industriais, pois com o preço do

alimento reduzido, diminui o valor dos “bens-salário”, ou seja, o tanto necessário à

reprodução do trabalhador, aumentando, portanto o excedente produzido. 8

Na periferia a produção de alimentos precisa ser ampliada para que se consiga

produzir valor o suficiente para pagar pelas manufaturas importadas. Esse excesso de

produção de alimentos reduz seu preço, possibilitando esse aumento da mais-valia

relativa nos países centrais. Ao mesmo tempo, o trabalhador da periferia sofre uma

5 MANDEL, 1985, p. 255.

6 MARINI, 2005, p. 140.

7 Desvalorização dos bens-salário. Barateamento das mercadorias que entram na composição do

consumo individual do trabalhador. 8 Dados: MARINI, 2005.

Page 13: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

13

maior exploração de sua força de trabalho pela impossibilidade se compensar a troca

desigual de outra forma, senão através desse aumento de produção. Não havendo

condições de aumentar a produção através do incremento de sua capacidade produtiva, a

saída encontrada é o aumento da intensidade do trabalho. Essa acumulação é baseada na

superexploração do trabalhador.

A industrialização latino-americana, quando ocorre, não é para atender à

demanda interna, afinal a população não tem renda para isso. Ao mesmo tempo em que

nos países centrais a produção abastecia o comércio interno com bens de consumo, a

periferia seguiu produzindo alimentos e bens primários, mesmo após atingir certo nível

de industrialização.

A industrialização latino-americana não cria, portanto, como nas economias

clássicas, sua própria demanda, mas nasce para atender a uma demanda pré-

existente, e se estruturará em função das exigências de mercado procedentes

dos países avançados. 9

O aumento do lucro não é buscado através da demanda interna, e sim no

“aumento da massa de lucro em função do preço unitário do produto.” 10

E a forma

encontrada para efetivar esse aumento no lucro é reduzindo os salários.

(...) dado que o baixo nível tecnológico faz com que o preço de produção seja

determinado fundamentalmente pelos salários, o capitalista industrial valer-

se-á do excedente de mão de obra criado pela própria economia exportadora e

agravado pela crise que esta atravessa (crise que obriga o setor exportador a

liberar mão de obra), para pressionar os salários no sentido descendente. Isso

lhe permitirá absorver grandes massas de trabalho, o que, acentuado pela

intensificação do trabalho e pela prolongação da jornada de trabalho,

acelerará a concentração de capital no setor industrial. 11

Não sendo capaz de criar uma demanda interna por bens supérfluos, que na

periferia esse consumo se restringe às camadas altas e aos capitalistas, a América Latina

se tornou dependente de expandir seu mercado para o exterior, centrando mais uma vez

sua produção a partir do mercado mundial, e não em função do mercado interno.

A exportação de manufaturas, tanto de bens essenciais quanto de produtos

supérfluos, converte-se então na tábua de salvação de uma economia incapaz

de superar os fatores desarticuladores que a afligem. Desde os projetos de

integração econômica regional e sub-regional até o desenho de políticas

agressivas de competição internacional, assiste-se em toda a América Latina

à ressurreição do modelo da velha economia exportadora. 12

9 MARINI, 2005, p. 170.

10 MARINI, 2005, p. 171.

11 MARINI, 2005, p. 171.

12 MARINI, 2005, p. 179.

Page 14: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

14

A herança deixada pelo colonialismo e neocolonialismo é uma economia

dependente e subordinada à dinâmica de acumulação dos países industriais. Nas

economias dependentes, foi criado um abismo entre produção e circulação a partir da

existência de um mercado interno que não consome. E estabelecida a superexploração -

que é o próprio fundamento da dependência - da classe operária, uma categoria social

formada por trabalhadores cuja remuneração é sempre inferior ao valor do produto de

seu trabalho.

Neste contexto, a referência mais importante para a elaboração deste trabalho

final foi a teoria marxista da dependência, desafio lançado originalmente por Ruy

Mauro Marini e que conta também com autores marxistas importantes, como Ernest

Mandel quem, em sua vasta obra, também tratou temas como a dependência, o

neocolonialismo e o imperialismo.

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15

3. A REVOLUÇÃO CUBANA

3.1. Cuba Pré-Revolucionária

3.1.1 Período Colonial

Invadida pela Espanha em 1492, onde viviam os índios Siboneys 13

, Cuba se

tornou uma colônia espanhola, mas não muito importante. Após a extração do pouco

ouro e madeiras preciosas que existiam na ilha, o interesse básico girou em torno de sua

posição geográfica estratégica, localizada entre outras colônias espanholas, e perto do

México e das Américas Central e do Sul. Dessa forma auxiliava na logística da

Espanha, especialmente para o transporte de armamento utilizado para auxiliar na

manutenção da dominação das colônias. Os principais bens produzidos na ilha no

período colonial eram o café, o tabaco e o açúcar.

O café, introduzido em Cuba em 1768, rendeu investimentos em mão de obra

escrava, uma necessidade do produto, que exigia maior quantidade de pessoas

envolvidas em seu cultivo. Mas o produto que obteve destaque foi o açúcar, que logo

consumiu a maior parte dos investimentos, das terras e dos escravos.

Os colonizadores criaram uma organização tecnológica e de infraestrutura para a

realização do cultivo mercantil do açúcar. Florestan cita algumas mudanças:

(...) introdução da maquinaria a vapor nos trapiches cubanos, em 1820;

aprofunda-se com a construção de estradas de ferro, (...) invenção dos trilhos

de aço e o consequente barateamento dos custos: as vias férreas ligam entre si

as várias partes do engenho ou as zonas de açúcar com os portos de

armazenagem e de embarque (...). 14

Essa tecnologia entrou em choque com o sistema colonial direto. Contrastava

com a quantidade de escravos, cada vez maior.

(...) el numero de esclavos llegados a la isla cresce em forma extraordinaria:

pasó de unos 3271 anuales en el período 1796 – 1800, a el promedio de

17000 anuales, o sea, alredor de médio millón de esclavos em la primera

mitad del siglo XIX. 15

13

HARNECKER, 2000. 14

FERNANDES, 2007, p. 56. 15

PIERRE-CHARLES, 1985, p. 19 - 20.

Page 16: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

16

A época em que chegam escravos em grande quantidade em Cuba é a mesma em

que acontece a revolução do Haiti (1789 – 1804), até então maior produtor mundial de

açúcar. A revolução haitiana retirou o país desse mercado quando rompeu com a

monocultura em sua busca por uma mudança estrutural, de diversificação de produção.

Então um amplo capital estrangeiro se instalou em Cuba, e a ilha passou a substituir o

Haiti como o principal abastecedor de açúcar mundial.

O clima quente e úmido de Cuba favorecia a plantação de cana, que acabou

devastando fauna e flora e prejudicando a fertilidade da terra, por se tratar de uma

monocultura. O monocultivo empobrece o solo e expõe o país à cotação mundial;

quando o produto tem o preço em queda muitas vezes cria uma grave crise financeira no

país, por ser sua principal e praticamente única fonte de renda. Quando o preço sobe

muito, os produtores enriquecem e prejudica parte da população, que chega a passar

fome por não poder pagar pelo aumento de preço gerado no produto e em seus

derivados. E ainda impossibilita uma produção diversificada, mantendo o país

dependente até mesmo para obter a alimentação básica.

Os Estados Unidos se interessaram pelo açúcar cubano e passaram a

comercializar com o país. Em 1818 a Espanha autorizou formalmente o comércio livre

entre sua colônia e os Estados Unidos, que em meados do século XIX já tinham

investimentos na ilha em créditos de açúcar. Com esse dinheiro Cuba investia em

maquinaria e na compra de escravos.

A produção de açúcar demandava tecnologia e ao mesmo tempo mão de obra

escrava. A convivência entre introdução tecnológica e a manutenção do trabalho

escravo vai colaborar mais adiante com o despertar crítico e revolucionário dos

trabalhadores.

Nessa época existiam duas correntes contrárias ao império espanhol: a

reformista, composta por parte da oligarquia mais poderosa, unida através do Partido

Liberal (depois chamado de Partido Liberal Reformista) e o independentismo, que era

composto por um grupo revolucionário, entre eles estavam Antonio Maceo y Grajales,

Máximo Gómez, Juan Gualberto Gómez, Calixto García e José Martí, posteriormente

membros do Partido Revolucionário Cubano.

A primeira luta independentista contra a invasão espanhola, em Cuba, foi a

Guerra dos Dez Anos, ente 1868 a 1878, quase 400 anos após o continente ser

“descoberto”. Foi iniciada por Carlos Manuel de Céspedes, um latifundiário cubano que

tentou provocar a independência de Cuba dando liberdade a seus escravos, na fazenda

Page 17: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

17

La Demajagua, localizada na província de Oriente. Em seguida, o mesmo foi feito por

Francisco Vicente Aguilera, Maceo Osório, entre outros, em descontentamento com o

regime colonial espanhol.

Entretanto, essa guerra foi repudiada pela maior parte dos latifundiários, que

temiam o fim da escravidão e que o controle político do país ficasse nas mãos de grupos

de orientação democrática. Devido o teor radical assumido pelo movimento, que

buscava uma emancipação nacional, provavelmente seriam alteradas as posições

sociais, econômicas e políticas privilegiadas. E o desejo desses latifundiários em se

manter nos altos estamentos da sociedade era maior que o de ter uma nação

independente. Dessa forma, a guerra foi encerrada com o Pacto de Zanjón, em 1878, um

acordo firmado entre a burguesia cubana e o império.

Os Estados Unidos auxiliaram a Espanha nesse acordo, para evitar uma

emancipação nacional – o que quase nunca interessa aos estadunidenses, quando não se

trata deles mesmos - que prejudicaria seus interesses na ilha. A localização e a situação

fragilizada despertou a possibilidade de transformar Cuba em uma feitoria

agroindustrial moderna. E para isso era conveniente que houvesse a permanência da

colônia, a mantendo distante de qualquer independência nacional.

Esse interesse era justificado em função do açúcar ter sido um dos produtos mais

importantes para o comércio da Europa, na América colonial. Assim como o ouro e a

prata, também ajudou a impulsionar o desenvolvimento industrial de países como a

Holanda, França, Inglaterra, e depois, Estados Unidos. 16

Em 1880 os Estados Unidos passaram a investir diretamente na colônia

espanhola através da indústria refinadora e em minério. Estimasse um investimento

estadunidense em Cuba, em 1895, em torno de 50 milhões de dólares 17

. A relação de

dependência estava sendo fortemente construída. De 1880 a 1886, 62% das exportações

cubanas foram para os Estados Unidos. 18

Houve um aumento expressivo na produção de açúcar e ao mesmo tempo uma

redução dos engenhos, demonstrando uma significativa concentração produtiva: em

1877, a safra de açúcar foi de 520 mil toneladas, com 1.119 engenhos. A safra de 1894

16

Dados: GALEANO, 2010. 17

Dados: FERNANDES, 2007, p. 64. 18

Dados: PIERRE-CHARLES, 1985, p. 22 apud Julio Le Riverend, Historia económica de

Cuba, 1967, p.186.

Page 18: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

18

foi de mais de 1 milhão de toneladas, com 450 engenhos. Essa produção correspondia a

85% das exportações cubanas. 19

No fim do século XVIII as plantações de fumo foram reduzidas, produtos como

café e charque, antes exportados pela ilha, tiveram suas produções suspensas em função

do açúcar, e passaram a ser importados. O país se tornou o principal comprador de

madeira dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que florestas eram queimadas para

dar lugar à cana. Milhares de riachos secaram por causa do desmatamento. 20

O movimento popular, contrário a essa política da monocultura se firmou nas

massas construindo a própria estratégia e organização, centralizando as forças no

Partido Revolucionário Cubano, fundando por José Martí em abril de 1892. Tratava-se

de um projeto de caráter anti-imperialista, que defendia não apenas a independência de

Cuba, mas a libertação de toda a América Latina.

Em fevereiro de 1895 iniciou a Guerra da Independência, assim como a Guerra

dos Dez Anos também de caráter independentista. Durante um combate, em 19 de maio

de 1985, morre José Martí, herói e inspiração da Revolução Cubana.

De abril a agosto de 1898 aconteceu a Guerra Hispânico-Americana, quando os

Estados Unidos decidem intervir nas relações entre Cuba e Espanha sob o pretexto de

garantir a independência de Cuba. Diferentemente da Guerra dos Dez Anos, onde a

Espanha teve apoio estadunidense para evitar uma emancipação nacional de Cuba, que

naquele momento não convinha a eles. Contudo, durante a Guerra da Independência

Cuba já estava sob o domínio indireto dos Estados Unidos em função de sua penetração

econômica na ilha, estabelecida através dos negócios que envolviam a produção de

açúcar.

O poder militar, político e econômico possibilitava aos Estados Unidos manter

Cuba sob seu comando de forma indireta - vantajosa por evitar uma simples ocupação e

formalizar diplomática e legalmente a dominação, que de fato já acontecia. Essa

dominação bastava para impedir qualquer soberania nacional e poupava os Estados

Unidos dos custos e das responsabilidades quem envolvem uma dominação direta. Em

outras palavras, Cuba independente satisfazia seus interesses de maneira mais prática,

não sendo necessário evitar sua independência formal.

19

Dados: PIERRE-CHARLES, p. 24 apud Oscar Pino Santos, História de Cuba, aspectos

fundamentales, La Habana, Editora nacional de Cuba, 1964, p. 208. 20

Dados: GALEANO, 2010.

Page 19: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

19

Os Estados Unidos receberam o apoio de políticos cubanos e da maior parte da

burguesia local, a quem também não interessava um efetivo projeto nacional, afinal,

pela maneira como as relações foram estabelecidas, dependia dos Estados Unidos na

mediação dos negócios para obter sua parcela da riqueza.

Assim, a revolução dentro da ordem colonial não se extingue pela negação

em seu contrário, a revolução nacional. Ela se redefine e se reconfigura

graças ao aparecimento de um poder externo, bastante forte para absorver

aquela revolução dentro da ordem colonial em uma inexorável “expansão de

fronteiras” e para impor a dominação indireta na forma de uma tutela

institucional, aceita e legitimada constitucionalmente pelos cubanos 21

.

Cuba e Porto Rico foram suas últimas colônias da Espanha que, já decadente,

resistiu sem êxito. Em 1898 Cuba torna-se independente da Espanha e passa a ser uma

(neo) colônia estadunidense. “El poderio imperialista se asienta sobre la isla que ingresa

así a una nueva forma de coloniaje.” 22

3.1.2 Período pós-independência - Neocolonial

Em primeiro de janeiro de 1899 um governo militar estadunidense foi instalado

no país, apoiado pelos setores estrategistas da burguesia, aqueles vinculados ao açúcar,

iniciando o período neocolonial de Cuba.

Os Estados Unidos criaram instrumentos jurídicos para que a dependência

cubana fosse oficializada através de acordos, como a Emenda Platt e Tratado de

Reciprocidade Comercial. A Emenda Platt 23

foi um adendo à constituição cubana,

aprovada em dois de março de 1901, que permitia aos Estados Unidos intervir nos

assuntos internos do país e fixar bases militares em território cubano. O Tratado de

Reciprocidade Comercial, de 1902, continha um regime tarifário a ser praticado entre

eles e também permitia a participação de capital estadunidense na indústria açucareira

cubana, o que possibilitou aos Estados Unidos a obtenção do controle dos setores mais

importantes de Cuba. Em 1903 esses acordos foram incorporados ao Tratado

Permanente entre Cuba e os Estados Unidos.

Essas manobras na constituição cubana formalizaram o direito dos Estados

Unidos em interferir na soberania nacional do país, inclusive adquirindo o poder de

21

FERNANDES, 2007, p. 65. 22

PIERRE-CHARLES, 1985, p. 88. 23

A versão integral da Emenda Platt consta em anexo a este trabalho.

Page 20: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

20

arrendar e até mesmo de vender terras pertencentes ao território cubano. Em 23 de

fevereiro de 1903 foi dada a concessão da Bahia de Guantánamo para a instalação de

base naval estadunidense. Apesar da revogação da Emenda Platt ter ocorrido em 1934,

junto com o tratado comercial estabelecido em 1903, um novo acordo manteve a Bahia

de Guantánamo sob o poder estrangeiro. A condição para alteração seria um consenso

entre as partes. Como isso nunca aconteceu, os Estados Unidos seguem ocupando parte

do território cubano até os dias atuais, baseados no contrato de arrendamento feito no

momento da ocupação. 24

Pequenas e médias propriedades foram extintas para dar lugar à formação dos

monopólios, que utilizavam as terras para os cultivos relativos ao setor de exportação,

dando continuidade ao processo de estabelecimento da monocultura do açúcar, iniciado

ainda no período colonial. Como resultado, houve um aumento significativo na

produção de açúcar em Cuba logo nos primeiros anos da fase neocolonial. Em 1900 a

produção foi de 360.289 toneladas. No ano seguinte saltou para 655.186. Em 1903

passou para 1.028.205 toneladas 25

.

Mais adiante, o crescimento do investimento estadunidense na indústria

açucareira cubana também aumentou de maneira considerável; entre 1913 e 1928 pelo

aumento das exportações causado em função da Primeira Guerra Mundial. Em 1928 os

engenhos estadunidenses foram responsáveis por 75% da produção do açúcar cubano,

enquanto que em 1906 produziram 15%. De 1913 a 1924 a participação norte-

americana na produção açucareira passou de 39 para 60,3%. 26

Os Estados Unidos controlavam nesse período, como proprietários ou

arrendatários, 47,5% das terras dedicadas ao cultivo de açúcar, possuíam cerca de 75%

da terra cultivável, a terça parte das ferrovias e a maioria dos portos. 27

Oitenta e cinco por cento dos pequenos agricultores cubanos pagam renda e

vivem sob a constante ameaça de serem expulsos de suas parcelas. Mais da

24

Dados: 300 Perguntas, 300 Respostas – Jorge Lezcano Pérez, 2002, p. 56 - 57. “Como uma

prova das condições abusivas daquele convênio, o mencionado acordo suplementar estipulava

que os Estados Unidos pagariam à República de Cuba pelo arrendamento de 11.760 hectares -

que incluem grande parte de uma das melhores baías do país – a soma de 2000 dólares anuais,

que na atualidade ascendem a 4085 dólares por ano, quer dizer 34,7 centavos por hectare pagos

em cheques anuais, que Cuba, por dignidade e absoluto desacordo com o que ocorre nesse

espaço do território nacional, tem se negado a receber. Os cheques são depositados no Tesouro

Nacional da República de Cuba, Instituição que há muito não mais existe.” 25

Dados: PIERRE-CHARLES, p. 25 apud Bohemia. Reciprocidad comercial y domínio yanqui

de la economia cubana, 1974, p. 11. 26

Dados: PIERRE-CHARLES, p. 27. 27

Dados: PIERRE-CHARLES, p. 36.

Page 21: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

21

metade das melhores terras cultivadas está em mãos estrangeiras. Em

Oriente, que é a província mais larga, as terras da United Fruit Company e da

West Indian unem a costa norte com a costa sul. Há duzentas mil famílias

camponesas que não possuem um palmo de terra onde semear culturas para

alimentar seus filhos famintos. No entanto, permanecem incultas, em mãos

de interesses poderosos, cerca de trezentas mil caballerías de terras

produtivas. 28

Em contrapartida às exportações aos Estados Unidos - cerca de 60% de sua

produção – Cuba importava deles de 75 a 80% do seu consumo, incluindo a alimentação

básica. Além de não ter controle da própria produção, não podia comercializar

livremente com outros países. 29

Salvo umas quantas indústrias alimentícias, madeireiras e têxteis, Cuba

continua como uma feitoria produtora de matéria-prima. Exporta-se açúcar

para importar caramelos, exporta-se couro para importar sapatos, exporta-se

ferro para importar arados... Todo mundo concorda que é urgente

industrializar o país, que são necessárias indústrias metalúrgicas, indústria de

papel, indústria química; que é preciso melhorar a pecuária, os cultivos, a

técnica e a elaboração de nossas indústrias alimentícias, a fim de que possam

resistir à concorrência ruinosa que lhes fazem as indústrias europeias de

queijo, leite condensado, licores e azeites, e as de conservas norte-

americanas; que necessitamos de navios mercantes; que o turismo poderia ser

uma enorme fonte de riquezas. 30

Na década de 1920 foi vivenciada em Cuba uma das graves consequências de

uma economia baseada na monocultura. Houve uma baixa no preço do açúcar agravada

pela crise de 1929, e que se prolongou até 1959. As exportações caíram bruscamente -

safra de 1932-1933 correspondeu a apenas 50% da safra de 1922 -, o que levou a uma

catástrofe na economia, com a quebra de bancos e de pequenos negócios. 31

Em 1920, com o açúcar a 22 centavos a libra, Cuba bateu o recorde mundial

de exportação por habitante, superando até a Inglaterra, e teve a maior renda

per capita da América Latina. Mas nesse mesmo ano, em dezembro, o preço

do açúcar caiu quatro centavos, e em 1921 se desencadeou o furacão da crise:

quebraram numerosas centrais açucareiras, que foram adquiridas por

interesses norte americanos, e todos os bancos cubanos e espanhóis, inclusive

o próprio Banco Nacional. Sobreviveram apenas as sucursais dos bancos dos

Estados Unidos. 32

Em meio à crise os engenhos controlados pelos Estados Unidos aumentaram de

35 para 55% e foi instituída uma lei que reduzia a compra de açúcar cubano por parte

dos Estados Unidos com a finalidade de estimular a produção em outras partes do

28

CASTRO, 1979, p. 52. 29

Dados: PIERRE-CHARLES, 1985, p. 35 - 36. 30

CASTRO, 1979 p. 52. 31

Dados: PIERRE-CHARLES, 1985, p. 62. 32

GALEANO, 2010 p. 100 apud René Dumont, Intento de crítica construtiva, 1965.

Page 22: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

22

continente. Essa redução foi de 50% do total consumido no país para 28,6%. Ao mesmo

tempo, a participação dos Estados Unidos nas importações cubanas aumentou de 56,2

em 1934 para 71,3% em 1938. 33

O que mostra que a crise sofrida por Cuba não afetou

os Estados Unidos, pelo contrário, estimulou seus negócios na ilha.

A configuração estrutural que se tinha nesse momento, de dupla subordinação -

bens de consumo importados e açúcar exportado – e domínio do aparelho produtivo por

estrangeiros, impossibilitava a diversificação da agricultura e deixava o aparato

financeiro submetido ao capital norte-americano.

A liberdade de um país tem relação direta com a capacidade interna de suprir as

necessidades básicas de sua população. Implica na diversificação de produção,

especialmente alimentícia, evitando vulnerabilidade a pressões internacionais. Os

Estados Unidos não abriam mão de sua própria diversificação. Mas impuseram o

contrário em suas relações internacionais, pois sabiam que para sua própria

industrialização e desenvolvimento, precisavam de fornecedores de matéria prima. Não

destruiriam a própria terra e diversidade para produzir açúcar em larga escala, por

exemplo. Para isso utilizaram Cuba, que dessa forma permaneceu agrícola. Porém, um

país agrícola monocultor, que exportava um único produto e comprava de fora todo o

resto.

Essa relação dependente tinha um efeito descapitalizador para Cuba, pelo

crescimento para fora, ou seja, servindo para a ampliação capitalista externa, através de

uma estrutura monoprodutora e de grande dominação financeira, mantida graças à

inserção imperialista no aparato produtivo, e com isso impedindo o próprio

desenvolvimento.

En conclusión, las fuerzas productivas de Cuba experimentaron durante

cierto período un gran auge; pero ese desarrollo fue unilateral,

hipertrofiándose el sector exportador azucarero, y deformándose la economía

del país. Ésta no pudo desarrollarse de manera equilibrada y acorde con las

necesidades de crecimiento de una burguesía propia, trabadas como estaban

las posibilidades de desarrollo de la agricultura, por la existencia del

latifundismo, y obstaculizadas las industrias por el dominio del mercado

ejercido por la producción norteamericana.34

A produção latifundiária possuía as melhores terras e com o desaparecimento da

economia agrícola de subsistência, a sazonalidade da produção açucareira deixava os

trabalhadores do campo durante parte do ano desempregados ou produzindo em terras

33

Dados: PIERRE-CHARLES, 1985, p. 65. 34

PIERRE-CHARLES, 1985, p. 34.

Page 23: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

23

arrendadas a altos preços. Frequentemente agricultores pertencentes à pequena

burguesia rural transformavam-se em campesinos pobres e proletários em função da

submissão aos latifundiários.

Cuba não teve uma burguesia forte, que desenvolvesse um capitalismo nacional

ou tivesse disposição em buscar alianças com o proletariado, assim como teve a Europa

na Revolução Burguesa. Como toda a burguesia dependente, foi um simples

instrumento do capitalismo internacional. A burguesia deixou que o poder ficasse

inteiramente em mãos estrangeiras, e, consequentemente a economia do país também.

Os “donos do poder”, a partir de dentro e a partir de fora, possuem o mesmo

interesse. Sufocar todo fermento revolucionário em seu nascedouro. Uma

burguesia dependente não é só instrumental para com seus interesses

conservadores “nacionais”; ela também é instrumental para com os interesses

conservadores externos, “internacionais”, ou seja, ela atua em permanente

aliança com o imperialismo e dele recebe parte de sua força econômica,

cultural e política. 35

Nestas condições, a burguesia participava como “sócio menor ou simplesmente

como satélite dentro da constelação imperialista.” 36

.

Parte dela era sócia de empresas norte-americanas ou dependia delas para obter

equipamentos e matérias-primas. Apenas uma pequena parcela da burguesia local não

participava da monocultura e buscava crescer diversificando a produção agrícola. Foi

incapaz de ser independente aos estrangeiros e formar uma burguesia nacional que

fortalecesse o país. A produção era determinada pelos Estados Unidos, para atender

parte de sua demanda. Além de produzir apenas um bem, atendia um único cliente, que

tomava as decisões de produção.

(...) por el mismo caráter de la vinculación entre Cuba y los Estados Unidos,

la burguesía se integra al papel subordinado como simples prolongación

funcional del capital monopolístico. Su práctica política se fue ejerciendo en

un marco de sometimiento a la estructura de poder extranjero. Por ello, le

resultaba imposible plantear las reivindicaciones de la nación; quedaba más

bien identificada con la anti-nación. 37

Como a economia cubana cresceu em torno da indústria açucareira, cujo

monopólio pertencia aos Estados Unidos, o país tornou-se dependente também através

de setores fundamentais, como o de transporte, comunicação e energia, que tinham o

35

FERNANDES, 1981, p. 50 - 51. 36

PIERRE-CHARLES, 1985, p. 47. 37

PIERRE-CHARLES, 1985, p. 92.

Page 24: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

24

financiamento de origem estadunidense pela necessidade de infraestrutura que desse

suporte aos seus negócios em Cuba.

O capital estrangeiro se mobiliza com o fim de ajudar-se a si próprio. O

capital privado estrangeiro é o capital em excesso num país, que se transporta

para um outro país onde os salários são mais baixos, as condições de vida e

as matérias-primas mais baratas, de modo a obter melhores lucros. 38

Cuba neocolonial tinha problemas econômicos e sociais graves, a maioria da

população vivia próxima à miséria. A riqueza tem um preço que é pago por quem não a

usufrui. A Europa se desenvolveu graças à exploração da América Latina, e também da

África, da qual não trataremos aqui, mas que também ainda sofre as consequências do

imperialismo. Os metais preciosos saqueados do continente latino-americano foram

utilizados como capital para a acumulação primitiva europeia. Mais tarde a América

Latina se tornou fornecedora de matéria-prima e consumidora de manufatura. De Cuba

retiraram riquezas como madeira e ouro. Transformaram-na em uma grande fábrica de

açúcar, impedindo na origem a diversidade produtiva e dessa forma levando à escassez

de alimentos. A população já não tinha mais acesso a bens de primeira necessidade.

(...) as relações da América Latina com os centros capitalistas europeus se

inserem em uma estrutura definida: a divisão internacional do trabalho, que

determinará o sentido do desenvolvimento posterior da região. Em outros

termos, é a partir de então que se configura a dependência, entendida como

uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em

cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas

ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. 39

A quantidade de imigrantes trabalhadores recebidos nos primeiros 30 anos do

século XX superou a quantidade de escravos recebidos em todo o período colonial

cubano. 40

Isso resultou, em Cuba, em altas taxas de mais-valia absoluta, que se

caracterizam por baixos salários, longas jornadas de trabalho; condições semelhantes à

época da escravidão. Assim, é exercida uma maior exploração do trabalhador. É a forma

encontrada pelos países dependentes de compensar a perda de mais-valia ao se

relacionar com os países centrais, já que não é possível incrementar a capacidade

produtiva de outra forma senão através de mais exploração.

38

GUEVARA, 1980, p. 27. 39

MARINI, 2005, p. 141. 40

GALEANO, 2010, p. 29.

Page 25: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

25

3.2 A tradição de luta do povo cubano

Aqui pretendemos mostrar como foi construída a veia revolucionária cubana. O

movimento operário organizado começou a ser articulado no século XIX. Nessa época o

país tinha duas indústrias destacadas, de açúcar e de tabaco. A indústria açucareira

utilizava trabalho escravo. Já a indústria do tabaco, por dispor de técnicas mais

avançadas de produção, era mantida pelo trabalho livre, cuja condição “livre” os

possibilitou que fossem mais politizados e constituíssem uma classe de trabalhadores

mais esclarecida.

Quando acontece a abolição da escravidão em Cuba, em 1886, os trabalhadores

dessa indústria se uniram aos escravos, que apesar de nesse momento ainda não terem

uma consciência de classe, colaboraram na construção de uma união proletária. As

ideias de Marx e Engels foram difundidas pelo país através da circulação de revistas de

conscientização dos trabalhadores, como El Procurador (de Havana), El Obrero (de

Cienfuegos), El Comunista (de teor marxista-leninista) e dos jornais revolucionários

clandestinos Son los mismos e El acusador. Os comunistas também tinham uma

emissora de rádio, a Mil Diez. No exílio o movimento também trabalhou, a exemplo de

José Martí e Carlos Baliño. 41

Conviene apuntar, que en ningún país de América Latina, correspondió al

proletariado organizado estar presente y participar como en Cuba en la

misma constitución del estado nacional. En ninguna, el proletariado participo

tanto como en Cuba en la formación de la conciencia antimperialista, así

como en la orientación de los combates políticos. 42

É iniciado em Cuba um processo de criação de uma infinidade de partidos. 43

Em

29 de março de 1899 Diego Vicente Tejera lança um manifesto contendo as ideias para

fundação do Partido Socialista Cubano e meses depois o partido é fundado. Em 1904 é

fundado o Partido Obrero de Cuba. Por iniciativa de Carlos Baliño, do movimento

operário, em 1905 o Partido Obrero de Cuba se integra à Internacional Socialista e

muda seu nome para Partido Obrero Socialista. Em 1906 acontece a fusão do Partido

Obrero Cubano e do Partido Socialista Internacional em Partido Socialista de Cuba.

Em 1907, de fevereiro a julho, acontece um movimento grevista dos produtores

de tabaco chamado “huelga de la moneda”, que exigia o pagamento em moeda

41

Dados: PIERRE-CHARLES, 1985, p. 114 - 115. 42

PIERRE-CHARLES, 1985, p. 94. 43

Dados sobre os partidos: PIERRE-CHARLES, 1985.

Page 26: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

26

americana, já que a moeda nacional sofria constantes desvalorizações. Em 1914 o

movimento proletário lutava também contra a alta do custo de vida e pela diminuição da

jornada de trabalho. No ano seguinte, um congresso dos trabalhadores aprofundou a

consciência proletária, compreendendo aos poucos, com a ajuda das ideias de José

Martí, o pensamento marxista.

A partir de 1917 aconteceram uma série de greves e manifestações em caráter de

greve geral. Em dezembro de 1918 uma intervenção norte-americana provocou uma

revolta e em 1919 iniciou um movimento grevista dos trabalhadores do açúcar que

culmina em uma greve geral.

Em 18 de maio de 1923 foi criado o primeiro grupo comunista de Havana, onde

Carlos Baliño era vice-secretário geral. Os congressos de Cienfuegos e Camaguey

resultam na criação da Confederación Nacional Obrera de Cuba (CNOC), em 1925, e no

mesmo ano é criado o Partido Comunista de Cuba. É construída uma união de forças

entre o Partido Comunista de Cuba, a CNOC, o Diretório Estudantil Universitário (onde

atuava Julio Antonio Mella, do movimento estudantil) e o Sindicato Nacional de los

Obreros de la Industria Azucarera (SNOIA).

Em função da crise de 1929, em 20 de março de 1930 a terceira parte da força de

trabalho da época, ou seja, 200 mil trabalhadores fez uma paralisação de 24 horas no

país, convocada pela Confederación Nacional Obrera de Cuba (CNOC), reivindicando

melhores salários e respeito aos direitos democráticos do povo.

Em agosto de 1933 a luta revolucionária obteve algumas vitórias, como a

revogação da Emenda Platt, jornada de trabalho de 8 horas. A Constituição de 1940

avançou no plano social, porém maior parte dela não foi posta em prática.

Em 10 de março de 1952, faltando 80 dias para as eleições, das quais participaria

Roberto Agramante, do Partido Ortodoxo, após o trágico suicídio de Eduardo Chibás,

líder do partido e revolucionário de ideias anti-imperialistas, Fulgêncio Batista, o

homem de confiança de Washington, em resposta a uma campanha anticomunista

devido ao aumento do movimento proletário pela conscientização da população,

desembarcou de viagem a Miami e aplicou um golpe de Estado, frente a iminente

vitória do partido Ortodoxo – fortemente respaldado pelas massas.

O Partido Ortodoxo foi incapaz de combater Batista, e alguns de seus membros

chegaram a se colocar a disposição do ditador. Como a classe operária se negava a

participar do sindicalismo corporativo dessa ditadura, o Partido Socialista Popular –

criado em 1944 a partir do Partido Revolucionário Cubano, que por sua vez era uma

Page 27: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

27

junção entre o Partido Comunista com o Partido de União Revolucionaria - passou para

a ilegalidade. 44

Batista, com apoio político, econômico e militar estadunidense suspendeu a

constituição de 1940 e rompeu relações diplomáticas com a União Soviética. Quando

aconteceu uma crise gerada pela queda do preço do açúcar, em 1952, o governo utilizou

dinheiro público para o fortalecimento do setor privado, através de reservas de divisas e

de empréstimos no exterior, o que colaborou para que o país entrasse em uma crise

permanente.

Um grupo de revolucionários se reuniu com a intenção de derrubar o governo de

Fulgêncio Batista em uma tentativa de tomada das bases militares do país, na operação

que ficou conhecida como Assalto ao quartel de Moncada, em 26 de Julho de 1953.

Tinha Fidel Castro no comando, que justificava o levante pela inconstitucionalidade e

ilegalidade daquele governo, que chegou ao poder através de um golpe de Estado, sem

que o povo tenha-o elegido, e dessa forma criando condições para governar

despoticamente.

As influências ideológicas dos dirigentes revolucionários foram o patriotismo

intransigente, nacionalismo revolucionário e humanismo. 45

O principal objetivo do

grupo era a soberania do povo e queria, em primeiro lugar, a proclamação da

constituição de 1940 até que o próprio povo decidisse modificá-la ou substituí-la. Ao

movimento revolucionário caberia, enquanto soberano momentâneo, legislar, executar e

julgar de acordo com essa constituição.

Quanto aos direitos dos trabalhadores, seria pleiteada a participação de 30% nos

lucros aos empregados das grandes empresas industriais, mercantis, mineiras e

açucareiras. Aos colonos a participação em 55% dos rendimentos da cana de açúcar e

cota mínima de 40 mil arrobas aos pequenos colonos estabelecidos há pelo menos três

anos. 46

Pretendiam sancionar a lei do confisco que previa “a confiscação total dos bens

de todos os dilapidadores dos bens públicos de todos os governos e dos seus coniventes

e herdeiros, tanto dos bens percebidos por testamento ou sem testamento de maneira

fraudulenta”. 47

O movimento também tinha como objetivo resolver outros problemas graves de

Cuba ignorados pelo governo de Batista, como da moradia, desemprego, educação –

44

Dados: PIERRE-CHARLES, 1985. 45

Segundo PIERRE-CHARLES, 1985. 46

Dados: CASTRO, 1979. 47

CASTRO, 1979, p. 50.

Page 28: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

28

com a reforma integral do ensino -, saúde, falta de industrialização, reforma agrária,

nacionalização do truste de eletricidade e do truste telefônico, para cumprir o que dizia a

própria constituição do país.

Nem uma única iniciativa corajosa foi tomada. Batista vive entregue de pés e

mãos aos grandes negócios, e não podia ser de ouro modo, por sua

mentalidade, pela carência total de ideologia e de princípios, pela ausência

absoluta de fé, de confiança e de apoio das massas. Foi uma simples mudança

de mãos e uma repartição do botim entre os amigos, parentes cúmplices e a

malta de parasitas vorazes que integram o séquito político do ditador.

Quantas afrontas fizeram o povo sofrer para que um grupelho egoísta que não

sente pela pátria a menor consideração possa encontrar na coisa pública um

modus vivendi fácil e cômodo. 48

Apesar do levante dos guerrilheiros ser absolutamente legítimo, o grupo

fracassou em seu objetivo de tomada do quartel e foi preso.

Após a derrota o movimento se tornou mais radical. A participação popular

aumentou em função da revolta gerada pela ditadura de Fulgêncio Batista,

especialmente pelo assassinato de dezenas de jovens combatentes e pela repressão geral

criada em resposta ao assalto à Moncada.

Enquanto Fidel Castro e outros guerrilheiros estavam presos em função do

assalto ao quartel de Moncada, foi criado o Movimento 26 de Julho, em 1954.

Inicialmente o grupo era composto por estudantes e profissionais liberais, mas em

seguida também foi aderido pelas classes operária e camponesa.

Buscavam fazer um trabalho de conscientização na sociedade, da necessidade de

mudança. As intenções do movimento eram bastante divulgadas através dos manifestos

e o povo sempre convidado a apoiar.

O Movimento 26 de Julho utilizou como programa o discurso de Fidel Castro A

História me Absolverá - escrito enquanto Fidel estava preso pelo assalto de Moncada,

para sua própria defesa nos tribunais da ditadura de Batista, dispensando advogados

para tal. Nesse discurso ele questionou o poder ditatorial e toda a ação do governo de

Batista.

Segundo Vania Bambirra, o Movimento tinha um caráter pequeno burguês 49

e

reformista. Objetivava aumentar a participação dos operários nos ganhos, reforma

48

CASTRO, 1979, p. 91. 49

O pequeno burguês pertence a uma classe social que obtém vantagens com o domínio da

burguesia, ficando em uma espécie de classe intermediária, e por isso adota um comportamento

simpático a ela. O pensamento pequeno burguês é uma dominação econômica e cultural que

serve à ascensão da burguesia enquanto classe social.

Page 29: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

29

agrária, mas não pretendia romper por completo a relação de dominação que existia

entre o país e as burguesias nacional e estrangeira. Mas isso não foi um problema na

luta revolucionária. Pelo contrário. Para o momento histórico em que o país se

encontrava, foi uma evolução da postura dos movimentos sociais diante do combate ao

domínio sofrido por Cuba. O descontentamento da população trouxe a discussão sobre a

situação do país e o questionamento das atitudes que seriam eficientes para resolver os

problemas sociais e econômicos naquele momento.

As medidas preconizadas não põem em causa as bases e o funcionamento do

capitalismo dependente cubano. Visam, sobretudo, uma redemocratização do

sistema, uma maior justiça econômica e social. Não se encara ainda o

imperialismo como inimigo e nem sequer se faz referência aos interesses

oligárquicos nacionais. Entre as classes revolucionárias definidas através da

categoria povo, sobressaem os operários, os camponeses e a pequena

burguesia, mas tampouco se explicita a que classe corresponderá a

hegemonia no processo revolucionário. 50

Uma das inspirações do Movimento 26 de Julho foi José Martí, que segundo

Vania, apesar de lutar contra a dominação imperialista espanhola e estadunidense sobre

Cuba, não tinha um pensamento radical, de rompimento com o capitalismo. A luta de

classes, portanto, não era um meio:

Impedir que as simpatias revolucionárias em Cuba se desviem e escravizem

por qualquer interesse de grupo, para preponderância de uma classe social ou

da autoridade desmedida de um agrupamento militar ou civil, nem de uma

região determinada, nem de uma raça sobre a outra.51

Mesmo que a idéia de José Martí não tenha sido o fim da relação imperialista,

seu pensamento foi um salto no comportamento revolucionário. A concepção de

unidade da América Latina segue seus pressupostos. Supera o pensamento democrático

burguês evoluindo para o antiimperialismo radical pequeno burguês latino-americano. 52

Ruy Mauro Marini, no prefácio do livro A Revolução Cubana – Uma

Reinterpretação discorda dessa caracterização pequeno-burguesa do movimento

revolucionário defendida por Vania Bambirra. Marini define como Revolução Popular,

por ter a participação de classes sociais opostas. A burguesia que fazia parte da

composição do movimento estava lá por mera falta de alternativa de combate ao poder

ditatorial. Entretanto isso não significa que o movimento tivesse caráter burguês.

50

BAMBIRRA, 1975, p. 58 - 59. 51

BAMBIRRA, 1975, p. 62 apud José Martí, Pensamiento Revolucionario Cubano, 1971, p. 77. 52

BAMBIRRA, 1975.

Page 30: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

30

Uma importante tentativa de tomada de poder ficou conhecida como

Desembarco del Granma, ocorrida em 2 de dezembro de 1956. Granma era o nome do

iate que trazia do México um grupo de revolucionários exilados, entre eles Fidel Castro,

Che Guevara e Camilo Cienfuegos. Pretendiam desembarcar na província de Oriente

com o objetivo de acabar com a ditadura de Batista. Porém o grupo foi derrotado em

uma emboscada, submetido a bombardeio aéreo, e teve a maior parte da expedição

perdida nessa batalha. Os sobreviventes fugiram para a Sierra Maestra, uma região

serrana de Cuba, onde se formou o Exército Rebelde, constituindo outra vertente

revolucionária, a guerrilha rural, muito bem recebida pela população.

3.3 Greve Geral

A greve geral, que aconteceu em abril de 1958, foi encorajada por ter sido, em

diversos momentos, um bom instrumento de protesto e de mudança, tanto em Cuba

quanto em outros processos revolucionários. A ditadura de Machado foi derrubada com

uma greve geral em 1933. Na Revolução Russa também se utilizou desse expediente.

Por isso, e pela determinação em tirar Batista do poder, o povo tinha bastante simpatia

pela idéia da greve geral. Dessa forma, o Movimento 26 de Julho tentou pô-la em

prática.

No entanto, a mobilização não aconteceu como se esperava. Foi dispersa e sem o

apoio popular suficiente, tanto urbano quanto rural. Faltou um trabalho prévio maior de

conscientização e mobilização das massas. Muitos trabalhadores nem tomaram

conhecimento dela, por ter sido convocada repentinamente, de última hora. O

Movimento 26 de Julho ainda não era a vanguarda e o Partido Socialista Popular, que

era a maior influência dos operários até então não estava comprometido com a greve,

um dos maiores motivos para a desmobilização da população naquele momento. O

Partido Socialista Popular “era, dentre as forças de esquerda, a que possuía uma base

orgânica operária mais sólida, produto de anos de experiência de luta, de militância e

disciplina partidária.” 53

.

Embora meses depois fosse diferente, em abril de 1958 o movimento ainda não

estava maduro o suficiente. Vania compara a postura do Movimento 26 de Julho à

53

BAMBIRRA, 1975.

Page 31: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

31

estratégia putschista54

- a greve geral de abril estava saturada dessa concepção. Rosa

Luxemburgo, ao comentar a Revolução Russa, falou sobre a falta de mobilização, tal

qual posteriormente aconteceu em Cuba, na aplicação inoportuna da greve geral.

Se algo nos ensina a Revolução Russa é, antes de tudo, que a greve de massas

não é, nem feita artificialmente, nem acordada ou propagada nas nuvens,

antes é um fenômeno histórico que se produz num dado momento por uma

necessidade histórica surgida das condições sociais. (...) na realidade, não é a

greve de massas que produz a Revolução, é a Revolução que produz a greve

de massas. 55

A repressão aumentou após o fracasso da greve geral de abril, mas a guerrilha

conseguiu superar os ataques contrarrevolucionários de Fulgêncio Batista, mesmo tendo

menos soldados. A cada batalha vencida aumentavam o arsenal revolucionário, pois

tomavam armamentos do exército de Batista.

Quando o movimento conquistou a serra, ou seja, a parte rural do país, criou

condições para uma greve geral ter sucesso. Na segunda metade de 1958 o movimento

recebeu a incorporação massiva da classe operária graças à colaboração do Partido

Socialista Popular na luta contra a ditadura. Em dezembro de 1958 a greve foi

novamente convocada, por Fidel e pela Frente Operária Nacional Unida (FONU).

Paralisou o país por quatro dias e a participação de massa criou condições para as forças

rebeldes vencerem os ditadores e ocuparem os dois quartéis mais importantes de Cuba:

Cabaña e Columbia. Com toda essa mobilização, a ditadura de Batista foi derrotada e

ele foge da ilha na madrugada do dia 1 de janeiro de 1959. 56

Vania atribui a quatro fatores fundamentais o êxito da estratégia vitoriosa da

guerrilha nesse momento: (i) Decomposição do exército de Batista: derrotado em sete

meses, não teve alta combatividade. Não lutava apenas contra os guerrilheiros, lutava

também contra a vontade de mudança de toda uma população. Os guerrilheiros

chegaram a conquistar alguns soldados da ditadura de Batista, por lhes prestar ajuda

humanitária quando precisaram. Tinham motivações mais estimulantes que às dos

soldados da tirania. (ii) Apoio e participação popular: os revolucionários tinham

propostas melhores. Conquistaram trabalhadores rurais e o campesinato pela promessa

de terra e os operários com a possibilidade de auxiliá-los a enfrentar a indústria

açucareira nas reivindicações. A população civil no geral tinha na revolução a esperança

54

Os putschistas tinham como procedimento de tomada do poder o golpe, sem prévia

conscientização da população. 55

BAMBIRRA, 1975, p. 160 apud Rosa Luxemburgo. 56

Dados: BAMBIRRA, 1975.

Page 32: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

32

da melhoria de qualidade de vida. E na verdade nem tinham motivos para apoiar ao

exército de Batista. Ao contrário, repudiavam a arbitrariedade desse governo. (iii)

Caráter amplo e nacional da luta, inclusive com a participação da classe média e

pequeno-burguesa: a classe média e pequena burguesia tinham objetivos convergentes

com os do movimento revolucionário, como o de derrubar o governo corrupto e

antidemocrático. E sozinhas essas classes não conseguiriam articular um levante. Para o

movimento, por sua vez, não é inteligente dispensar forças que estejam dispostas a lutar

pelo mesmo objetivo. (iv) A utilização e combinação de várias formas de luta: a junção

de duas estratégias, parte na planície, que foi a guerrilha urbana, e parte na serra, que foi

a guerrilha rural. A utilização das greves, a participação das classes campesina, operária,

da população em geral, e com o apoio da pequena burguesia, formou um conjunto de

forças. A exclusão de qualquer forma de apoio poderia significar a derrota da revolução.

A greve geral de abril de 1958 é um exemplo. Muito provavelmente não vingou por

falta de engajamento do Partido Socialista Popular. Logo, é perceptível a diferença que

faz uma única forma de luta para o conjunto.

O apoio popular foi fundamental, seja no mais simples ato de ato de quem

prestou assistência aos combatentes, fornecendo-lhes mantimentos, por exemplo, ou de

quem lutou diretamente na guerrilha. Seja fazendo campanha de conscientização da

população, escrevendo ou divulgando manifestos defendendo o movimento. Cada um a

sua forma. A revolução estava presente em todo o território cubano colaborando para

que o exército revolucionário dominasse o exército de Batista.

A guerrilha mobilizou a massa e possibilitou a abertura para as forças sociais

revolucionárias, tornando-as eficaz. As aspirações econômicas, sociais e políticas dos

trabalhadores seriam garantidas a partir de então, quebrando com uma crença de que as

revoluções, para serem vitoriosa, precisavam ser feitas pela classe dominante e em

benefício delas.

3.4 Cuba Revolucionária

Cuba revolucionária é dividida em duas etapas: a social-democrática e a

socialista. Segundo Vania, a revolução cubana foi estabelecida numa concepção

democrático-burguesa, o que significa que teve um caráter reformista e sem a pretensão

de romper com o imperialismo. Portanto a primeira etapa teve esse caráter, que

Page 33: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

33

perdurou até a primeira metade do ano de 1960. Partindo da análise do Partido

Socialista Popular, Vania destacou que:

(...) tais forças sociais, como se sabe, ainda que não se submetam ao

imperialismo e lhe oponham resistência, defendendo os seus interesses e a

independência nacional, não se decidem por uma luta revolucionária contra o

imperialismo, vacilam ante as medidas econômicas e sociais que se devem

adotar para levar adiante a libertação nacional, o desenvolvimento econômico

e o progresso social. Estas forças estão limitadas na sua orientação anti-

imperialista e revolucionária pelo seu afã de conservarem a todo o transe o

regime capitalista. 57

A intenção dos revolucionários, a princípio, não era o socialismo. Observando os

discursos de Fidel Castro, Vania entende que o líder revolucionário defendia uma

“Revolução democrática, humanista e justiceira”, e que isso não significava

necessariamente um rompimento com os Estados Unidos e nem que pretendiam

implantar o socialismo no país. Fidel dizia:

É possível progredirmos em Cuba se caminharmos juntos com os Estados

Unidos. (...) Não sou comunista, nem estou de acordo com o comunismo (...)

A democracia e o comunismo não são uma e a mesma coisa para mim.

Chamamos humanistas aos nossos ideais, porque não queremos apenas dar

liberdade ao povo, mas também proporcionar-lhe os meios de viver e

conseguir comida. 58

Entretanto, seus objetivos eram insolúveis dentro do sistema capitalista. Seria

possível apenas manter algumas das propostas, mas não resolver as questões estruturais

do país. A população não teria seus problemas resolvidos dentro do capitalismo

dependente, no qual o país subsistia. O capital estrangeiro tinha o controle das

indústrias, o que impedia o desenvolvimento de uma burguesia nacional industrial. O

país subsidiava os interesses secundários dos Estados Unidos, e isso não mudaria dentro

de uma revolução democrático-burguesa.

Como o compromisso era com o povo operário, camponês, trabalhador

industrial, que era a maior parte da população, a revolução cubana foi reformista até o

momento em que se percebeu que, para cumprir com os objetivos propostos seria

necessário romper com o sistema capitalista.

Foi o resultado necessário de um processo revolucionário que preconizava o

humanismo, o desenvolvimento econômico, a justiça social e a democracia

política. E estes não podem conseguir-se nos quadros do capitalismo e muito

menos nos do capitalismo dependente. Por isso, a revolução para ser

57

BAMBIRRA, 1975, p. 235. 58

BAMBIRRA, 1975, p. 251 – 252 apud Fidel Castro, discurso pronunciado no Central Park de

New York, em 24 de Abril de 1959, p. 140.

Page 34: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

34

consequente com seus postulados básicos, que de início assumiram a forma

de democráticos, teve de romper com a democracia burguesa até as suas

últimas consequências, teve de transformar-se em socialista. 59

Houve o esgotamento dessa formação social, do capitalismo dentro de uma

ordem neocolonial, para então haver a transição ao socialismo. O governo

revolucionário tinha os instrumentos necessários fazer a transição para o socialismo:

controle do aparelho estatal, exército rebelde fortalecido, domínio da superestrutura

jurídico-político social e posse de parte fundamental da base econômica, agrícola,

industrial, comercial e financeira de Cuba.

Cuba seguiu o caminho do socialismo não porque houvesse essa intenção desde

o início do movimento, mas porque existiu, de fato, a tentativa pela via social-

democrática, mas que se mostrou incapaz de cumprir os objetivos revolucionários.

Esse é um ponto divergente entre dois dos autores aqui estudados. Florestan

discorda de Vania quanto ao caráter da revolução cubana, e consequentemente, quanto o

papel da guerrilha. Segundo ele, uma nacionalização democrático-burguesa não seria

possível em Cuba uma vez que o polo forte da ordem social neocolonial estava fora do

país, nos Estados Unidos. Nesse caso ele descarta uma intenção de revolução dentro da

ordem.

(...) é conveniente salientar que a guerrilha não era e nem podia ser neutra

com referência ao destino da ordem social neocolonial. Esta devia ser

destruída inteiramente e até o fim, o que punha a guerrilha em luta direta com

os Estados Unidos. Ao buscar o apoio frontal das classes trabalhadoras e da

população pobre, ela não procurava uma retaguarda firme para sua luta

armada contra a ditadura de Batista. Isso seria um exagero. Ela preparava o

terreno para o confronto mais árduo e difícil com o imperialismo. 60

A revolução aconteceu em Cuba a despeito do regime de classes pouco

avançado, tal qual ocorre nos países centrais. A atividade da guerrilha se adequou a essa

situação, surgindo como expressão da vontade da população já que o desenvolvimento

capitalista dentro de uma ordem social neocolonial prejudicou tanto a classe

trabalhadora, impossibilitando que a grande maioria da população conseguisse viver

razoavelmente bem. E a guerrilha foi a forma encontrada de lutar contra esse sistema.

A guerrilha, portanto, subverteu a orbita das relações e conflitos de classes,

conferindo às classes trabalhadoras e destituídas a possibilidade (antes

inconcebível) de enfrentar as tarefas políticas que a situação revolucionária e

59

BAMBIRRA, 1975, p. 261. 60

FERNANDES, 2007, p. 118.

Page 35: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

35

a guerra civil lhes impunham. E o regime de classes, antes de tornar-se

“maduro”, explodiu. 61

O caráter explorador da relação com os Estados Unidos impedia que Cuba

avançasse. Portanto, não teria alternativa senão o enfrentar, ocasionando o rompimento

das relações, que partiu dos norte-americanos, já que outra relação não serviria a seus

interesses econômicos e políticos.

Os serviços públicos, companhias elétricas, companhias telefônicas, eram

propriedade de monopólios norte-americanos. (...) Uma grande parte da

banca, uma grande parte do comércio de importação, as refinarias de

petróleo, a maior parte da produção açucareira, as melhores terras de Cuba e

as indústrias mais importantes em todas as ordens, eram propriedade de

companhias norte-americanas. A balança de pagamentos entre Estados

Unidos e Cuba, nos últimos dez anos, de 1950 a 1960, tinha sido favorável

aos Estados Unidos em 1.000 milhões de dólares. 62

O questionamento que pode ficar é se os revolucionários pensavam que uma

revolução dentro da ordem seria o suficiente para a solução dos problemas que se

propuseram resolver ou se desde o princípio já sabiam que teriam que romper com a

ordem. Fidel declarava que não tinha a intenção de romper com os Estados Unidos.

Creio que de fato não queria isso. O objetivo era construir uma economia e sociedade

soberana, com liberdade para governar de acordo com os interesses da própria nação.

As relações internacionais poderiam continuar, porém sem que prejudicasse Cuba, como

acontecia até então. A questão é: seria possível ter soberania sem romper com o

império? Os revolucionários provavelmente já sabiam a resposta dessa pergunta.

3.4.1 Transição para a etapa socialista

A estratégia de desenvolvimento do governo revolucionário se concentrou na

política agrária e na industrialização. Houve uma diversificação da produção agrícola,

afinal era preciso fortalecer o mercado interno. Cuba importava quase tudo que

consumia dos Estados Unidos. E a compensação era a exportação de açúcar. Com o

rompimento e o consequente bloqueio econômico promovido pelos Estados Unidos

(tema que será tratado em seguida), foi necessário modificar essa estrutura e começar a

produzir para o consumo próprio e, posteriormente, também para exportação.

61

FERNANDES, 2007, p. 117. 62

BAMBIRRA, 1975, p. 289 apud Fidel Castro, Discurso na Organização das Nações Unidas

(ONU), p. 11.

Page 36: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

36

No entanto, as divisas necessárias à importação de máquinas para manter o setor

primário e financiar os projetos industriais vinham justamente da venda de açúcar, cuja

produção foi reduzida. Mesmo assim, o governo revolucionário assumiu uma política

social muito forte, com altos investimentos em educação, saúde, cultura.

Embora essa primeira estratégia tenha causado um déficit no balanço de

pagamentos, foi uma atitude necessária, visto o cenário deixado após uma longa história

de dependência, onde não havia intenção de fortalecimento da economia de Cuba. O

país até então tinha sido utilizado apenas para fortalecer a Espanha e depois os Estados

Unidos.

Cuba também sofreu com escassez de mão de obra especializada no início do

processo de transição para o socialismo. Para superar essa situação o país optou por

fazer investimentos sociais, mesmo sendo difícil devido às condições econômicas. Não

há como superar uma situação sem enfrentá-la. São, nas palavras de Fidel, os

“sacrifícios da revolução”.

Para corrigir os problemas gerados na primeira estratégia de desenvolvimento

houve algumas mudanças no processo de planificação da economia: (i) Racionalização

dos gastos sociais: continuou sendo prioridade, porém melhor estudados. E a política de

salários foi reestruturada, com aumentos mais moderados. Antes existia um aumento

salarial, mas a produção não acompanhava. Logo, criava-se um processo inflacionário,

pois o dinheiro perdia poder de compra. Um aumento muito alto, nesse caso, não

resolveria nada. (ii) Política agrária: especialização regional das culturas e aumento de

investimento para o setor, que antes tinha como prioridade a indústria. Nacionalização

de propriedades e formação de grandes fazendas estatais. (iii) Linhas gerais de

desenvolvimento: açúcar, como principal produto, aumentando 50% a sua produção,

além de fortalecimento do níquel e da pecuária. 63

Foi nesse contexto que a Revolução teve seu êxito; colaboração geral da

população, frente a uma situação insustentável tanto para os trabalhadores, que estavam

vivendo em péssimas condições, quanto para a burguesia, que não conseguia avançar

sob o império estadunidense, na condição de colônia.

A situação do país melhorou consideravelmente.

Graças ao socialismo, apenas em 20 anos, Cuba: 1º. Livrou-se da condição de

“nação-problema”, que o levara ao beco sem saída em que se encontrava; 2º.

Realizou uma reforma agrária que se inscreve na história das grandes

63

Dados: FERNANDES, 2007.

Page 37: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

37

realizações que ocorreram na América Latina no século 20; 3º. Retirou a

maioria de sua população, os setores mais pobres dos proletários rurais e

urbanos, da situação crônica de condenados da terra, assegurando-lhes meios

permanentes de trabalho, um padrão sóbrio mas decente de vida, e a

possibilidade de viver como gente; 4º. Suplantou um dos mais terríveis

cercos capitalistas e deixou definitivamente para trás o complexo colonial e a

complacência da burguesia compradora64

.

A socialização da agricultura, através da reforma agrária, foi o início da

formação de base material da revolução, base essa que focava no aumento da produção

de alimentos, na diferenciação da produção agrícola e no incremento do excedente, para

exportação. Além disso, mobilizava politicamente os trabalhadores. O INRA (Instituto

Nacional de Reforma Agrária), criado através da lei de 17 de maio de 1959, foi a

principal entidade relativa à reforma agrária. Autônoma e com personalidade jurídica,

tinha as cooperativas agrária e as zonas de desenvolvimento agrário como subordinadas,

a fim de auxiliá-la no processo de reforma.

Em maio de 1960 Cuba estabeleceu relações econômicas com a União Soviética.

Os empréstimos feitos a Cuba foram investidos em empresas cubanas, e não em

multinacionais, que tem a cultura de enviar dividendos para fora do país onde investe.

Além disso, a URSS emprestava dinheiro a Cuba a juros mais baixos e firmou acordo

de compra do açúcar cubano, e de venda, com o preço 33% abaixo do mercado, do

petróleo soviético.

A suspensão de compra de açúcar cubano por parte dos Estados Unidos, em

julho de 1960, juntamente com os ataques dos Estados Unidos a Cuba na Organização

dos Estados Americanos (OEA) e com as sabotagens promovidas pelos grandes

produtores daquele país, fez com que o governo revolucionário confiscasse as centrais

açucareiras com suas terras, e as explorações agrícolas de propriedade estrangeira e da

burguesia cubana. Jersey, Shell e Texaco, empresas estadunidenses em território

cubano, foram nacionalizadas sem compensação, quando se negaram a refinar petróleo

soviético.

Nesse mês de julho de 1960, Cuba já tinha conquistado o monopólio do

comércio externo. Companhias norte-americanas (as refinarias de petróleo, 36 centrais

açucareiras, companhias telefônicas e elétricas) foram nacionalizadas em agosto. No

mês seguinte anunciaram o estabelecimento de relações com a China, ruptura do tratado

militar com os Estados Unidos e nacionalização dos bancos norte-americana em Cuba.

Em outubro foram nacionalizados quase todos os bancos - com exceção dos canadenses

64

FERNANDES, 2007, p. 149 – 150.

Page 38: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

38

- e grandes empresas de diversos ramos: açucareiras, indústrias têxteis, ferroviárias,

cadeias cinematográficas, estabelecimentos comerciais, moinhos de arroz, fábricas de

bebidas e de leite condensado, torrefações de café, armazéns comerciais. As empresas

norte-americanas restantes em Cuba também foram nacionalizadas.

Fidel Castro, em seu primeiro discurso na Organização das Nações Unidas

(ONU) afirmou que é dessa forma, com a destruição da base material de dominação que

se busca a independência econômica, pré-requisito para a independência política.

3.4.2 A política estadunidense de hostilidade a Cuba

A decisão do governo revolucionário de modificar as relações comerciais que

mantinham Cuba dependente implicou em prejuízo no relacionamento com os Estados

Unidos, que se empenharam na tentativa de desestabilizar a revolução. Em 3 de janeiro

de 1961 romperam as relações diplomáticas com Cuba. Iniciaram o bloqueio econômico

ao país, suspendendo a compra da cota de açúcar cubano e praticando outros tantos

boicotes, como campanha midiática de difamação do governo cubano, praticando

atentados, espionagens, e forçando outros países membros da Organização dos Estados

Americanos (OEA) a também romperem as relações com Cuba.

Em 15 de abril de 1961, houve uma tentativa de ocupação do território cubano

para o estabelecimento de um governo provisório, episódio conhecido como ataque a

Playa Girón, projetado pela CIA e executado a mando dos Estados Unidos. Foi

derrotado pelo regime revolucionário e no dia seguinte foi proclamado o caráter

socialista da revolução cubana. Como demonstração da hostilidade à soberania cubana,

os Estados Unidos tomou uma série de medidas contra o país: 65

.

- 2 de fevereiro de 1962: bloqueio econômico. O bloqueio vai além do contexto

bilateral da relação norte-americana com Cuba: (i) Empresas de outros países foram

proibidas de exportar para Cuba produtos com componentes ou materiais

estadunidenses ou reexportar mercadorias originárias dos Estados Unidos. (ii) Proibição

aos bancos de outros países de manter contas em dólar para Cuba ou em nome de

qualquer cidadão cubano, e às empresas em utilizar a moeda em seus negócios em

contas com Cuba. (iii) Proibição às instituições financeiras internacionais de conceder

de crédito a Cuba.

65

Dados a seguir: PÉREZ, 2002.

Page 39: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

39

- março de 1962: proibição da entrada nos Estados Unidos de produtos de

origem cubana, mesmo que produzido parcialmente em Cuba.

- julho de 1963: proibição de transações de ativos entre Cuba e Estados Unidos e

congelamento dos valores de posse de cubanos ou do Estado cubano nos Estados

Unidos.

- julho de 1963: os estadunidenses foram proibidos de viajar para Cuba. Entre

1979 e 1982 a proibição foi suspensa, pois o então presidente dos Estados Unidos,

Jimmy Carter não renovou esta regulamentação. Mas em 1982 tornou a vigorar e

permanece até os dias atuais. O cidadão estadunidense que viajar a Cuba sem uma

licença especial do Departamento de Estado está sujeito a uma multa de 250 mil dólares

e a cumprir 10 anos de prisão. Em 2009 Barack Obama autorizou apenas a viagem de

cidadãos cubano-americanos à ilha. Os estadunidenses permanecem proibidos de viajar

para Cuba.

- maio de 1964: proibição do embarque de medicamentos e alimentos com

destino a Cuba, determinado pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

- Lei Torricelli, de 1992: pune países que colaborem com Cuba e amplia o

embargo.

- Lei Helms-Burton, de 1996: possibilitou aos Estados Unidos processar

empresas nacionais e estrangeiras que tivessem relações comerciais com Cuba,

contrariando as regras do direito internacional. Essa lei ocasionou a Cuba “perdas

diretas e indiretas acima de 121 bilhões de dólares. Estima-se que todo o dano equivale

a 15 vezes o nível de exportação de 1989, o mais alto da história, o que corresponde a

cercear 15 anos de desenvolvimento em Cuba.” 66

.

Em novembro de 1966 foi criada a Lei de Ajuste Cubano:

(...) estabelece que qualquer cubano que chegue a território norte-americano,

mesmo que ilegalmente, e que ali viva durante dois anos (posteriormente se

reduziu para um ano, que é o vigente hoje), pode receber o Promotor Geral

(na prática do INS) a condição de Residente Permanente nos Estados Unidos. 67

Essa lei é uma aberração, considerando o tratamento que é dado a qualquer

imigrante, especialmente de países pobres que chagam aos Estados Unidos. Os únicos

66

PÉREZ, 2002, p. 59. 67

PÉREZ, 2002, p. 60.

Page 40: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

40

que recebem automaticamente o visto de autorização de permanência no país são os

cubanos. Uma política claramente intencional em desestruturar a revolução.

3.4.3 O governo revolucionário

Após a declaração do caráter socialista da revolução, o governo revolucionário

se deparou com o grande desafio de adaptar a economia cubana às normas ideais do

socialismo. “O futuro não está ao alcance das mãos! Um povo não pode livrar-se, em

pouco mais de um decênio, do fardo de uma herança pesada, deixada por 5 séculos de

colonialismo e de neocolonialismo!” 68

diz Florestan.

Com a Revolução não foi possível acabar de imediato com a monocultura do

açúcar. Primeiro foi preciso utilizar as divisas geradas pelo produto para se investir na

diversificação da produção e nas demais indústrias. O açúcar financiou o fim da

monocultura. Houve escassez de produtos, pois a demanda aumentou, afinal antes

poucos tinham acesso a certos bens de consumo e até mesmo a certos alimentos. Cuba

teve que se adequar a produzir para suprir essa demanda, e felizmente não faltava mão

de obra para tal.

Também Cuba continua dependendo de modo incontornável, de suas vendas

de açúcar, mas a partir da reforma agrária de 1959, foi iniciado um intenso

processo de diversificação da economia da ilha, mudança que pôs um ponto

final no desemprego: os cubanos já não trabalham apenas cinco meses por

ano, durante as safras, mas no ano todo, ao longo da ininterrupta e por certo

difícil construção de uma sociedade nova. 69

A economia era dependente da produção e exportação de açúcar, sofria com

secas, oscilações na cotação, especulação financeira, demanda e oferta, crises externas,

etc. Era inviável enfrentar simultaneamente uma revolução agrícola e uma revolução

industrial. Após o fracasso da safra de 1970, Cuba entrou para o Conselho de Ajuda

Mútua70

em julho de 1972 e formou acordos de cooperação com a União Soviética. A

prioridade era o desenvolvimento industrial.

A aproximação de Cuba com a URSS não foi produto de uma opção ideológica,

mas uma imposição dos fatos: a política de hostilidade dos Estados Unidos – como no

68

FERNANDES, 2007, p. 197. 69

GALEANO, 2010, p. 94. 70

Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME), foi composto por países socialistas liderados

pela URSS, fundado em 1972 e extinto em 1991.

Page 41: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

41

bloqueio econômico e o ataque à Playa Girón - frente às decisões de cunho nacionalista

do governo revolucionário cubano que correspondiam às exigências das massas foi a

real motivação dessa aliança entre Cuba e União Soviética.

Algumas medidas de apoio da URSS a Cuba: (i) Acordo de pagamento firmado

a preços superiores para os principais produtos cubanos: açúcar e níquel. (ii) Auxilio na

mecanização da colheita do açúcar, modernização da exploração do níquel, produção de

eletricidade, refino de petróleo, produção têxtil, nas metalúrgicas, nos serviços de

planificação e computação. (iii) Prorrogação de mais 13 anos no pagamento da dívida.

(iv) Crédito para suprir o déficit no balanço de pagamento. (v) Criação do Controle

Econômico (CE), com o intuito da aplicação do 1º Plano Quinquenal, para que Cuba

estabelecesse uma planificação centralizada mais rigorosa, bem como os países

socialistas devem fazer.

Política social era um luxo na situação econômica em que Cuba se encontrava. O

país não tinha estabilidade suficiente para isso. No entanto, houve uma preocupação na

humanização das condições de vida das pessoas e a política social foi tratada como

prioridade, a despeito das dificuldades. Ao mesmo tempo, havia uma preocupação com

o desenvolvimento econômico. Cuba não tinha muitos recursos, então não era possível

atender de forma plena às demandas do desenvolvimento do país e simultaneamente às

necessidades da população. A postura tomada pelo governo revolucionário foi de

assumir essas duas responsabilidades, sem resignação.

O grande desafio foi superar o neocolonialismo e o veto estadunidense. A

esperança do povo foi fundamental. A credibilidade no governo revolucionário, na

superação do capitalismo e construção do socialismo. Para isso, era necessário ter uma

sociedade cada vez mais consciente e almejando mudança.

A sociedade é o ponto de partida da promoção de uma mudança estrutural do

regime sob o qual se está estabelecido. Sem apoio popular se trona inviável tal

superação. A alienação talvez seja, portanto, o primeiro desafio. Em Cuba a busca da

população em melhorar as péssimas condições em que vivia construiu a maturidade para

que se acreditasse que era possível superar o subdesenvolvimento. Fernandes via a

sociedade cubana dessa forma: “Fica claro, então, que Cuba é uma sociedade

revolucionária, suficientemente madura para dar densidade histórica à filosofia política

revolucionária e bastante consolidada para tornar-se socialista”. 71

71

FERNANDES, 2007, p. 212.

Page 42: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

42

Fidel Castro dizia que o instrumento de mobilização das massas deve ser

fundamentalmente moral, apesar de também ser necessário utilizar um estímulo

material, mas de forma correta.

O fato de a revolução triunfar num país e proclamar a intenção de edificar a

nova sociedade não garante, de per se, que isto chegue a ser realidade. Para

chegar ao socialismo e ao comunismo é necessário combinar dois fatores

essenciais: o desenvolvimento de um homem novo, com uma consciência e

uma atitude novas diante da vida, e o avanço da técnica, capaz de multiplicar

a produtividade e gestar a abundância de bens. Para alcançar esta meta

elevada da sociedade humana é preciso exercer uma política consequente

com os princípios do marxismo-leninismo 72

O governo revolucionário encontrou um sistema educacional precário e acessível

a uma pequena parcela da população. para poucos. Optou por priorizar a educação de

base, ensinos primário e médio. Na implantação do socialismo ocorreu inicialmente um

declínio proporcional do ensino superior em relação ao ensino de base, depois foi

estabelecido um novo equilíbrio. Dois grandes problemas iniciais foram a falta de

estrutura na rede educacional, no que se refere a professores e a profissionais habilitados

a auxiliar na construção de um novo sistema de ensino, e a troca da filosofia

educacional básica, da capitalista para a socialista.

A situação da educação antes da revolução se traduzia em mais de um milhão de

analfabetos na população maior de 10 anos (25%) enquanto que 66% da população

entre 5 e 24 anos não tinham assistência escolar. Para cada mil habitantes, apenas 3

concluíram o ensino médio e as escolas eram concentradas nos principais centros

urbanos. 73

Imediatamente após a revolução a porcentagem da população matriculada em

alguma instituição de ensino subiu 12,5% entre 1958 e 1959. E 37,1% de 1977 a 1978.

A matrícula no ensino primário triplicou, no nível médio aumentou dez vezes e no

ensino superior oito vezes. O orçamento apenas destinado à educação no ano de 1973

foi de 700 milhões de pesos, superior ao orçamento total da república antes de 1959. 74

O governo também criou alguns incentivos aos trabalhadores - como pagamento

adicional, aproveitamento em ocupações mais complexas e ascensão na escala de

promoções – para que completassem seus estudos e tivessem acesso à cultura e,

consequentemente condições intelectuais para uma formação política. De 1972 a 1973

72

FERNANDES, 2007, p. 219 apud Fidel Castro, Socialismo y comunismo, p. 170. 73

Dados: FERNANDES, 2007, p. 232 - 235. 74

Dados: FERNANDES, 2007, p. 232.

Page 43: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

43

aumentou o número de trabalhadores estudando, sendo em curso de formação para

adultos ou treinamento técnico, de 166.021 para 517.803. 75

“A revolução concentrou-se

no trabalhador. Ele é o alfa e o ômega, portanto, da revolução educacional em curso –

como sujeito-objeto, como produto e como o agente previsível da consolidação da

própria revolução ou do socialismo.” 76

.

Quanto ao recrutamento de militantes e a mobilização das massas, existia um

cuidado especial na forma como o povo seria engajado, procurando-se evitar a formação

de “um exército de revolucionários domesticados e amestrados” 77

O Partido Unido da

Revolução Socialista (PURS) auxiliou nesses dois objetivos.

Deste ângulo, o homem novo e a sociedade nova passaram de marco utópico

do “idealismo revolucionário” a produtos e fatores interdependentes de uma

nova situação hitórico-social. Exprimem e fazem parte de práticas coletivas

concretas, que redefinem o significado humano da revolução. Ou seja, na

medida em que uma “revolução para os trabalhadores” se transforma em uma

revolução dos trabalhadores, pelos trabalhadores e para os trabalhadores, o

que era uma aspiração de chegar ao socialismo passa a ser o socialismo em

marcha e dele está brotando uma nova Cuba, Cuba socialista. 78

A participação do povo nas decisões vindas “de cima” foi levada até a fábrica,

para que os trabalhadores pudessem de fato dar suas contribuições. O trabalhador foi, de

certa forma, incorporado em todas as tarefas, para uma construção coletiva da política

nacional.

A revolução atinge, aqui, sua etapa mais construtiva, na qual ela própria

suscita o fim do governo revolucionário, liga-se “para baixo” a todos os

estratos do povo e assume um caráter democrático-popular,

institucionalizando-se como poder popular organizado. Portanto, esta é uma

década de colheita de frutos mas, também, de lançamento dos pilares do

Estado socialista e de conquista do futuro. 79

A revolução tinha um poder de mobilização muito grande e precisava convertê-

lo em participação política dos trabalhadores. A legitimidade do governo revolucionário

é dada justamente a partir do momento em que é capaz de promover o engajamento

geral da população. Essa preocupação fica sempre muito clara, e a participação é

possibilitada através do apoio às organizações revolucionárias, de dedicação ao trabalho

75

Dados: FERNANDES, 2007, p. 236. 76

FERNANDES, 2007, p. 236. 77

FERNANDES, 2007, p. 271 apud M. Harnecker, p. 17 78

FERNANDES, 2007, p. 261. 79

FERNANDES, 2007, p. 265.

Page 44: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

44

e à sua formação educacional. Dessa forma desempenha-se uma política socialista.

“Poder da maioria, pela a maioria e para maioria.” 80

.

O Partido Unido da Revolução Socialista (PURS) auxiliou na mobilização das

massas. Cuba levou quase 15 anos para passar da problemática da organização do

partido para a problemática da organização do Estado. Foi estabelecida uma ditadura do

proletariado após solucionar problemas referentes ao desenvolvimento econômico, à

defesa militar e à atuação dos militantes e dos trabalhadores no auxílio ao

estabelecimento dessa estrutura socialista. A ditadura do proletariado ou Estado

proletário “resulta que essa “força especial de repressão” do proletariado pela burguesia,

de milhões de trabalhadores por um punhado de ricos, deve ser substituída por uma

“força especial de repressão” da burguesia pelo proletariado.” 81

.

Lenin, a partir da teoria de Marx e Engels, defendia a ideia do fim do Estado.

Mas isso, segundo ele, deve acontecer através de seu definhamento, e não com uma

extinção compulsória, como propõem os anarquistas. O primeiro passo seria a

substituição do Estado burguês pelo Estado proletário, consequentemente levando à

ditadura do proletariado. O desenvolvimento pacífico da democracia é uma ilusão e

cabe somente para alimentar ideias reformistas. Esse processo é possível, segundo

Lenin, apenas através de uma revolução violenta.

Com um Estado proletário, o Estado se dissolverá por si próprio, afinal ele existe

apenas enquanto existe luta de classes, para intermediar as relações de domínio de uns

sobre os outros.

O Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das

classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de

classes não podem objetivamente ser conciliados. E, reciprocamente, a

existência do Estado prova que as contradições de classes são inconciliáveis. 82

Por esse motivo é necessário, primeiramente, essa transição do Estado burguês

para o Estado proletário, no qual o proletariado estará organizado como classe

dominante, para que, dai sim, possa haver o desaparecimento do Estado, que existe

apenas enquanto alguma classe é subjugada. No Estado burguês essa classe é o

proletariado, e no Estado proletário, é a burguesia.

80

FERNANDES, 2007. 81

LENIN, 2007, p. 35. 82

LENIN, 2007, p. 25.

Page 45: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

45

As classes exploradoras precisam da dominação política para a manutenção

da exploração, no interesse egoísta de uma ínfima minoria contra a imensa

maioria do povo. As classes exploradas precisam da dominação política para

o completo aniquilamento de qualquer exploração, no interesse da imensa

maioria do povo contra a ínfima minoria dos escravistas modernos, ou seja,

os proprietários fundiários e os capitalistas. 83

O Estado é inútil e impossível numa sociedade onde não existam os

antagonismos de classe. A luta de classes existe para promover uma transição para a

extinção de todas as classes até que se chegue a uma sociedade sem classe. O estado

proletário, ou ditadura do proletariado, é necessário em todo o período que separa o

capitalismo da “sociedade sem classes”, do comunismo.

Ora, uma vez que é a própria maioria do povo que oprime os seus opressores,

já não há necessidade de uma “força especial” de repressão! É nesse sentido

que o Estado começa a definhar. Em lugar de instituições especiais de uma

minoria privilegiada (funcionários civis, chefes do exército permanente), a

própria maioria pode desempenhar diretamente as funções do poder político,

e, quanto mais o próprio povo assumir essas funções, tanto menos se fará

sentir a necessidade desse poder. 84

E quem deve enfrentar e derrotar a dominação burguesa é o proletariado, que se

encontra organizado e concentrado pelo próprio regime burguês.

Em virtude do seu papel econômico na grande produção, só o proletariado é

capaz de ser o guia de todos os trabalhadores e de todas as massas que,

embora tão exploradas, escravizadas e esmagadas quanto ele, e mesmo mais

do que ele, não são aptas para lutar independentemente por sua emancipação. 85

A função da ditadura do proletariado é quebrar o velho aparelho do Estado e

substituí-lo por um novo. Não se trata simplesmente de tomar o poder, de trocar de

mãos o poder do Estado.

Marx nos ensina a evitar esses dois erros: ele nos ensina a destruir

ousadamente toda velha máquina do Estado, e a colocar ao mesmo tempo a

questão concreta; em algumas semanas, a Comuna pôde começar a construir

uma nova máquina, uma máquina de Estado proletária, aplicando as medidas

assinaladas, para ampliar a democracia e suprimir a burocracia. Aprendamos,

pois, com os comunardos, a audácia revolucionária, vejamos nas suas

medidas práticas um esboço das reformas fundamentais e imediatamente

realizáveis, e, seguindo esse caminho, chegaremos à supressão completa da

burocracia. 86

83

LENIN, 2007, p. 43. 84

LENIN, 2007, p. 61. 85

LENIN, 2007, p. 44. 86

LENIN, 2007, p. 136.

Page 46: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

46

O Estado enquanto autoridade política desaparecerá transformando as funções

públicas apenas em funções administrativas, a serviço dos interesses sociais, perdendo o

caráter político.

No momento em que a opressão é invertida, da minoria para a maioria, a

existência do Estado passa a não fazer mais sentido. E o fim do Estado, nesse sentido,

significa o auge da democracia. Uma sociedade sem a necessidade de haver submissão

de uma parte da população à outra. “Para salientar esse elemento de adaptação, Engels

fala da nova geração “educada em uma nova sociedade de homens livres e iguais” e que

“poderá livrar-se de todo aparato governamental”, de qualquer forma de Estado,

inclusive a República democrática.” 87

.

O Estado democrático-popular deve nascer a partir de duas etapas, primeiro

acabando com a sociedade de classes – através da ditadura do proletariado - para logo

depois pôr fim à classe revolucionária, colocando em prática a política democrática

popular, que é de fato o objetivo da revolução, a evolução social. Cuba já conquistou a

primeira fase.

87

LENIN, 2007, p. 99.

Page 47: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

47

4. DEMOCRACIA

A Revolução Cubana pretendia uma radical mudança social e econômica. O país

vivia uma ditadura que perdurou por muito tempo, mas esse não era o único problema.

Existia uma relação imperialista absolutamente nociva ao país. A desconstrução dessa

relação passou pela mudança da ordem social; afinal, a conquista de uma democracia

nos moldes liberais – a única possível dentro do capitalismo - não seria suficiente.

Nesse capítulo vamos abordar dois tipos de democracia: a liberal, existente nos

países de economia capitalista, e a democracia socialista, vigente em Cuba.

O conceito básico de democracia é o governo do povo para o povo. Ela pode ser

simplesmente interpretada como a garantia de igualdade jurídica e de liberdade de

expressão, ou como um desafio ao governo de classes. Nesse caso, “não se trata apenas

de um sistema específico de relações de poder, mas também da relação constitutiva de

um processo social distinto, a dinâmica da acumulação e da autoexpansão do capital.”

88.

4.1 Democracia Liberal

A democracia nasce como um contraponto a formas de governos autocráticos,

como a monarquia e a oligarquia. O direito natural, cuja doutrina é o pressuposto

filosófico do Estado liberal, diz que:

(...) todos os homens, indiscriminadamente, tem por natureza e, portanto,

independentemente de sua própria vontade, e menos ainda da vontade de

alguns poucos ou de apenas um, certos direitos fundamentais, como o direito

à vida, à liberdade, à segurança, à felicidade – direitos esses que o Estado, ou

mais concretamente aqueles que num determinado momento histórico detêm

o poder legítimo de exercer a força para obter a obediência a seus comandos

devem respeitar, e portanto não invadir, e ao mesmo tempo proteger contra

toda possível invasão por parte dos outros. 89

A democracia liberal, direta e representativa, é um acordo “(...) entre indivíduos

inicialmente livres que convencionam estabelecer os vínculos estritamente necessários a

uma convivência pacífica e duradoura.” 90

, de igualdade jurídica, de liberdade perante a

88

WOOD, 2003, p. 211. 89

BOBBIO, 1994, p. 11. 90

BOBBIO, 1994, p. 14.

Page 48: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

48

lei. É entendida pelo direito a liberdade de expressão e extensão dos direitos políticos a

todos os cidadãos maiores de idade, não os limitando apenas aos proprietários, como

acontecia antes da existência da democracia.

O direito político “(...) é a participação direta ou indireta dos cidadãos, do maior

número de cidadãos, na formação das leis.” 91

Essa participação é exercida através do

voto, por se tratar de um sistema representativo.

(...) deve-se observar que a participação no voto pode ser considerada um

correto e eficaz exercício de um poder político, isto é, o poder de influenciar

a formação das decisões coletivas, apenas caso se desenvolva livremente,

quer dizer, apenas se o indivíduo se dirige às urnas para expressar o próprio

voto goza das liberdades de opinião, de imprensa, de reunião, de associação,

de todas as liberdades que constituem a essência do Estado liberal, e que

enquanto tais passam por pressupostos necessários para que a participação

seja real e não fictícia. 92

A apesar do “princípio da igualdade diante da lei como recusa da sociedade por

estamentos e, assim, ainda uma vez, como afirmação da sociedade em que os sujeitos

originários são apenas os indivíduos uti singuli.” 93

, a característica de uma sociedade

estamental permanece dentro da democracia liberal através das classes sociais. Perante a

lei, todos são iguais, porém não há uma igualdade de oportunidades, de possibilidades e

de acesso.

Bobbio nos adianta que os princípios de igualdade do Estado liberal não dizem

respeito ao aspecto econômico. E avisa: “que se tome o termo “democracia” em seu

significado jurídico-institucional e não no ético, ou seja, num significado mais

procedimental do que substancial.” 94

Apesar de tratá-la como igualdade de liberdade.

(...) liberalismo e democracia são antitéticos, no sentido de que a democracia

levada às suas extremas consequências termina por destruir o Estado liberal

(como sustentam os liberais conservadores) ou pode se realizar plenamente

apenas num Estado social que tenha abandonado o ideal do Estado mínimo

(como sustentam os democratas radicais). 95

A busca por uma democracia igualitária, ou mais próxima disso, resultaria em

“tirania da maioria”, cujo efeito final é o despotismo. O autor entende por ideal

igualitário “(...) uma sociedade composta tanto quanto possível por indivíduos

semelhantes nas aspirações, nos gostos, nas necessidades e nas condições.” portando

91

BOBBIO, 1994, p. 43. 92

BOBBIO, 1994, p. 44. 93

BOBBIO, 1994, p. 40 e 41. 94

BOBBIO, 1994, p. 37. 95

BOBBIO, 1994, p. 53.

Page 49: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

49

“(...) os germes do novo despotismo, sob a forma de um governo centralizado e

onipresente.” 96

E no socialismo, vê a confirmação do Estado coletivista que “daria vida

a uma sociedade de castores e não de homens livres”. 97

Gastos públicos que atenderiam

a demanda da maioria, em certos momentos, inclusive, violam os princípios da

democracia liberal.

A separação da condição cívica da situação de classe nas sociedades

capitalistas tem, assim, dois lados: de um, o direito de cidadania não é

determinado por posição socioeconômica – e, neste sentido, o capitalismo

coexiste com a democracia formal -, de outro, a igualdade cívica não afeta

diretamente a desigualdade de classe, e a democracia formal deixa

fundamentalmente intacta a exploração de classe. 98

Do ponto de vista liberal, o Estado é um “mal necessário”. Portanto deve ser

mínimo, limitado a garantir a igualdade jurídica dos cidadãos.

A democracia liberal, que se criou junto com o capitalismo, não era possível nas

sociedades pré-capitalistas, onde a apropriação e a exploração eram inseparavelmente

ligadas ao poder jurídico, político e militar. Essa liberdade convencionada de “igualdade

de oportunidades” separou os trabalhadores dos meios de produção, já na sociedade

capitalista, e é uma forma de manter as relações de dominação e exploração, e de inibir

possíveis alterações nesse cenário, promovendo um alcance limitado da cidadania, sem

a necessidade de limites constitucionais para tal.

Em certo sentido, a criação da soberania individual foi o preço pago pela

multidão trabalhadora para entrar na comunidade política, ou, para ser mais

preciso, no processo histórico que gerou a ascensão do capitalismo e do

trabalho assalariado “livre e igual” que se juntou ao corpo de cidadãos, foi o

mesmo processo em que os camponeses foram despossuídos e desenraizados,

arrancados de sua propriedade e de sua comunidade, com seus direitos

comuns e costumeiros. 99

A manutenção da democracia liberal é feita pela classe dominante, que é

composta pelas burguesias nacional e externa (dos países centrais). Impõe uma cultura

que facilita a manipulação das massas com a submissão da grande mídia, que age como

cliente do capital, e tem o respaldo da máquina estatal, que por sua vez trabalha para

manter essa ordem. O objetivo é estabelecer uma ordem política enfraquecida para,

assim, impedir mudanças no status quo. Tanto a burguesia nacional quanto a

96

BOBBIO, 1994, p. 59. 97

BOBBIO, 1994, p. 60 apud Tocqueville. 98

WOOD, 2003, p. 123. 99

WOOD, 2003, p. 181.

Page 50: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

50

imperialista tem interesses em manter o colonialismo disfarçado de democracia em que

vive a América Latina.

O ponto crucial da questão, no que respeita a países nos quais a vanguarda

interna da luta contra o colonialismo era recrutada nos estratos mais

privilegiados dos estamentos dominantes, vem a ser que estes estamentos e

suas elites não possuíam interesse algum em revolucionar as estruturas

sociais e econômicas vigentes – e, quanto às estruturas legais e políticas, só

queriam modificá-las revolucionariamente de forma localizada: a

independência perante a metrópole, de um lado, e a plenitude política de sua

hegemonia social no plano interno, de outro. 100

A relação de dependência é mantida pelo tripé burguesia nacional, Estado e

multinacionais.

Executivo, Legislativo, Judiciário tornaram-se instrumentos do governo

arbitrário de minorias poderosas. (...) Esse governo arbitrário, que se arroga

o caráter de uma variante “liberal” do regime representativo e de contrapesos,

deu continuidade a formas absolutistas de controle estatal e impediu com

êxito que a democracia restrita fosse de fato ameaçada pelas pressões de

“rebeldes esclarecidos” e, principalmente, das massas populares. 101

Uma democracia burguesa real é aquela onde a burguesia nacional não depende

dos países centrais. As burguesias latino-americanas não se autossustentam, o que torna

ainda mais danoso para os países dependentes uma democracia liberal. Tampouco tem

capacidade de se manter sem os países centrais.

A revolução burguesa em atraso não possui envergadura para enfrentar e

resolver tarefas que a revolução burguesa “clássica” só solucionou

parcialmente, na Europa e nos EUA, em um contexto histórico produzido em

grande parte pelo poder coletivo de ação inovadora e construtiva da

burguesia em ascensão ou em consolidação como classe dominante. 102

A esquerda política no cenário da democracia liberal se mostra frágil, e muitas

vezes um instrumento utilizado a favor da burguesia, auxiliando na manutenção do

capitalismo. De que forma é possível que a esquerda cumpra com seus preceitos sem o

rompimento com a ordem? Pois estando no poder, essa esquerda não avança em grandes

mudanças, pelo menos não dentro da ordem. “Em vez das aparições universalistas do

socialismo e da política integradora da luta contra a exploração de classe, temos uma

100

FERNANDES, 1981, p. 81. 101

FERNANDES, 1981, p. 47. 102

FERNANDES, 1981, p. 103.

Page 51: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

51

pluralidade de lutas particulares isoladas que terminam na submissão ao capitalismo.”

103.

A esquerda é incapaz de reconhecer que as várias identidades ou grupos de

interesse se situam em posições diferentes em relação à estrutura dominante,

reconhecem menos essa diferença que a simples pluralidade. E demonstra a fragilidade

na América Latina de um pensamento socialista revolucionário e de teoria

revolucionária para pautar os movimentos sociais e partidos políticos.

A postura da esquerda e dos movimentos sociais deveria ser justamente a de

combater a resignação, que é quase tão perigosa quanto a atuação da direita, pois

enquanto acreditamos estar lutando, não começamos, de fato, a lutar. “As contradições

que não são aproveitadas ativamente pelo movimento sindical e operário são drenadas

pelo sistema capitalista de poder e convertidas em apatia das massas, ou seja, em

submissão dirigida.” 104

.

O poder centralizado do capitalismo proporciona à minoria dominante a

possibilidade de exercer uma ditadura por meios legais, governando a seu próprio favor.

É uma forma de dominar, corromper, controlar e manter o poder sob sua rédea com

maior segurança e facilidade. “Os traços e tendências pré-fascistas somente se

convertem em forças políticas efetivas quando esse tipo de polarização não pode ser

resolvido por “acordos entre cavalheiros”, “dentro da ordem” ou mesmo

civilizadamente”. 105

Pode-se dizer que o capitalismo por natureza é contra a democracia, no sentido

de se autofundamentar em sua própria vontade despótica, das duas condições básicas

para a sua existência: acumulação de riqueza e acumulação de força de trabalho

separada dos meios de produção. Há uma separação entre o político e o econômico na

democracia liberal. Permite ao capitalismo deslocar para si fatores como controle de

produção, apropriação e alocação do trabalho e dos recursos sociais, e isola o produtor

dos meios de produção. Uma organização social que estabelece uma relação de poder

através da exploração. Separa a prática intelectual de todo e qualquer movimento

político, o marxismo da política operária, por exemplo, dificultando a consciência

revolucionária da classe operária com essa substituição da luta de classes pela atividade

intelectual.

103

WOOD, 2003, p. 223. 104

FERNANDES, 1981, p. 107. 105

FERNANDES, 1981, p. 28.

Page 52: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

52

Essas características são inerentes ao sistema capitalista. Sem educação e com

esse controle que o aparato liberal dispõe em nome de sua democracia, impede a

formação de uma consciência política sólida da população, controlando uma sociedade

de massas através de uma sociedade separada por classes.

O fim dessa relação centro-periferia acontece somente através de nacionalismo

ou socialismo revolucionário.

A criação de uma política nacional está, por isso mesmo, ligada intimamente

à existência e funcionamento de uma estrutura democrática: a característica

antinacional está, precisamente, na inexistência de estrutura democrática, na

vigência de formas ditatoriais de governo. (...) São as forças econômicas

antinacionais que geram as formas políticas e as formas culturais

antinacionais; para manter aquelas, é absolutamente necessário suprimir as

liberdades que condicionam a democracia e a cultura. 106

Os movimentos esquerdistas deveriam perceber que os impulsos emancipatórios

fortes e promissores, muitas vezes não agem no centro da vida social, no coração da

sociedade capitalista. Por exemplo, os estudantes lutando no movimento estudantil

enquanto que os trabalhadores, que representam o motor, o combustível, que são os que

possibilitam a existência do capitalismo, permanecem passivos. A população é

transformada em massa, com a mera função reprodutora desse sistema, sem ter um fim

em si mesma.

Não existe um capitalismo governado pelo poder popular, não há capitalismo

em que a vontade do povo tenha precedência sobre os imperativos do lucro e

da acumulação, não há capitalismo em que as exigências de maximização dos

lucros não definam as condições mais básicas da vida. [...] Toda prática

humana que é transformada em mercadoria deixa de ser acessível ao poder

democrático. Isso significa que a democratização deve seguir pari passu com

a “destransformação em mercadoria”. Mas tal destransformação significa o

fim do capitalismo. 107

Um modo de produção é um fenômeno social. “não somente uma tecnologia,

mas uma organização social da atividade produtiva; e um modo de exploração é uma

relação de poder.” 108

A igualdade política formal na democracia liberal - que podemos

chamar de democracia capitalista, afinal é o único sistema democrático possível no

capitalismo - não somente coexiste com as desigualdades socioeconômicas e de classe,

como as mantém fundamentalmente intactas.

106

SODRÉ, 1990, p. 58. 107

WOOD, 2003, p. 8. 108

WOOD, 2003, p. 33.

Page 53: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

53

As forças de classe e os poderes do Estado possibilitam a manutenção da

propriedade privada da produção em favor do capitalista, dando a ele o controle e

expropriando o produtor direto, o isolando dos meios de produção. A base produtiva

capitalista é estabelecida na propriedade e pela dominação, com o respaldo das formas

políticas, sociais e jurídicas.

Pela necessidade de acessar os meios de produção, o trabalhador, dito livre, não

tem alternativa senão transferir mais-valia ao capitalista. É livre para, na melhor das

hipóteses, escolher com qual capitalista irá estabelecer essa relação. Não se trata de

trabalhar apenas para sobreviver. Trata-se de trabalhar para sobreviver e dar condições

ao capitalista permanecer acumulando riqueza em proveito próprio.

O capitalismo é constituído pela exploração de classe, mas é mais que um

mero sistema de opressão de classe. É um processo totalizador cruel que dá

forma a nossa vida em todos os aspectos imagináveis, e em toda parte, não

apenas na relativa opulência do Norte capitalista. Entre outras coisas, mesmo

sem considerar o poder direto brandido pela riqueza capitalista tanto na

economia quanto na esfera política, ele submete toda vida social às

exigências abstratas do mercado, por meio da mercantilização da vida em

todos os seus aspectos, determinando a alocação de trabalho, lazer, recursos,

padrões de produção, de consumo, e a organização do tempo. E assim se

tornam ridículas todas as nossas aspirações à autonomia, à liberdade de

escolha e ao autogoverno democrático. 109

A esfera econômica tem em si uma dimensão jurídica e política. “Nesses

sentidos, são as leis “autônomas” da economia e do capital “em abstração” que exercem

o poder, e não a imposição voluntária pelo capitalista de sua autoridade pessoal sobre o

trabalhador.” 110

.

A relação de transferência de poder político para a propriedade privada gera

certa privatização do poder público. O direito a propriedade privada é garantido pelo

capitalismo, ao mesmo tempo em que o direito do trabalhador ao excedente gerado por

sua força de trabalho lhe é negado. A apropriação que o capitalista faz do que é retirado

da terra, do conhecimento que foi socialmente construído é considerado legitimo pela

lógica capitalista, enquanto que o acesso ao excedente que o trabalhador produziu, não.

O capital é o motivo e a finalidade da produção. Seu ponto final e inicial. E o

trabalhador obrigado a se sujeitar a essa lógica.

109

WOOD, 2003, p. 224. 110

WOOD, 2003, p. 44.

Page 54: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

54

4.2. Democracia Socialista

Uma das principais consequências do impulso capitalista é a capacidade - e a

necessidade - de expulsar outras formas sociais, ou de lhes impor sua lógica. A

democracia socialista vem como um caminho de combate às premissas autovalidadoras

do capitalismo. Atende à necessidade de uma crítica que explique o que a economia

política aceita como dado. O materialismo histórico foi a mais produtiva das críticas ao

capitalismo e o marxismo atribuiu força determinante à luta de classe.

O primeiro principio do materialismo histórico não é a classe , nem a luta de

classes, mas a organização da vida material e da reprodução social. A classe

entra no quadro quando o acesso às condições de existência e aos meios de

apropriação é organizado em formas de classe, ou seja, quando algumas

pessoas são sistematicamente compelidas pelo acesso diferenciado aos meios

de produção ou de apropriação a transferir para outros a mais-valia. 111

A necessidade econômica torna a transferência de mais-valia condição

inseparável ao acesso da classe trabalhadora aos meios de subsistência e de reprodução,

onde é obrigada a transferir parte de seu trabalho ou de seu produto para a classe

capitalista.

Ainda mais significativa é a visão de Marx de que o objetivo particular da

mudança tecnológica no capitalismo é próprio desse sistema, sendo diferente

de todo objetivo universal que pudesse ser atribuído à humanidade em geral,

como a “economia de esforços” ou o “alívio do trabalho duro”. Marx insiste

repetidamente que o desenvolvimento capitalista das forças produtivas não

visa reduzir o “tempo de trabalho necessário para a produção material em

geral”, mas aumentar o “tempo de trabalho excedente das classes

trabalhadoras” 112

. No que concerne ao capital , a produtividade não aumenta

por economia de trabalho vivo em geral, mas somente por meio da economia

da parte paga do trabalho vivo (...) 113

Além de uma categoria política, a democracia deve ser tratada como um

regulador econômico, “(...) baseada na reintegração da “economia” à vida política da

comunidade, que se inicia pela sua subordinação à autodeterminação democrática dos

próprios produtores.” 114

.

111

WOOD, 2003, p. 99. 112

WOOD, p. 112 - 113 apud Karl Marx, O Capital III, p. 264. 113

WOOD, p. 112 - 113 apud Karl Marx, O Capital III, p. 262. 114

WOOD, 2003, p. 242.

Page 55: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

55

A democracia liberal deixa intocada toda esfera de dominação e coação criada

pelo capitalismo. É governada pelos poderes da propriedade, pelo imperativo da

maximização do lucro e pelas leis do mercado.

O capitalismo é incompatível com alguns bens extraeconômicos, como por

exemplo, a paz mundial, a preservação ecológica. Não é sustentável, produz consumo

descartável, preza a eficiência do aumento do capital, e não uma eficiência produtiva

real. Gera investimentos equivocados. Diferente do socialismo,

(...) um sistema que não é movido pelos imperativos da maximização dos

lucros, da acumulação e do chamado “crescimento”, com seu desperdício e

sua degradação – material, humana e ecológica-, um sistema cujos valores e

impulsos relativos não são limitados pelas noções restritivas do progresso

tecnológico. 115

A democracia é um caminho para a verdadeira liberdade. Nasce para combater

sistemas absolutistas. Da forma liberal evolui para socialista, e, quando madura,

definha.

A democracia tem uma enorme importância na luta da classe operária por sua

emancipação. Mas a democracia não é um limite que não possa ser

ultrapassado, e sim uma etapa no caminho que vai do feudalismo ao

capitalismo e do capitalismo ao comunismo. 116

A democracia socialista é a primeira fase, ou fase inferior, segundo Marx, da

sociedade comunista. É o período de transição para o comunismo. Segundo Lênin, “só o

comunismo está em condições de realizar uma democracia realmente perfeita, e, quanto

mais perfeita for, mais depressa se tornará supérflua e por si mesma se eliminará.” 117

.

Na primeira fase da sociedade comunista ainda subsiste o “direito burguês”,

onde os membros da sociedade recebem conforme o que produzem, e não de acordo

com o que necessitam. Apesar da obrigatoriedade do trabalho para obter o sustento, não

existe uma distribuição baseada na produção individual. É preservada a igualdade de

trabalho e igualdade de repartição. E o Estado nesse momento garante esse “direito

burguês”, inevitável econômica e politicamente, segundo Marx, numa sociedade recém-

saída do capitalismo.

Em sua expressão superior, ou seja, como governo das maiorias, a

democracia supõe o socialismo, na qualidade de modo de organização social

que, por se basear na propriedade coletiva dos meios de produção, assegura a

115

WOOD, 2003, p. 126. 116

LENIN, 2007, p. 117. 117

LENIN, 2007, p. 107 - 108.

Page 56: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

56

igualdade política à massa de produtores – ainda que, como destacou Marx,

não lhes garanta, ainda, a igualdade econômica. Outro elemento: a

democracia plena não somente tem o socialismo como premissa, mas conduz

a ele. Isso só não ocorreria se fosse possível conceber uma maioria

governando para o benefício da minoria, ou seja, contra si mesma. 118

Socialismo não significa necessariamente uma democracia, por exemplo, em

regimes socialistas ditatoriais. Além disso, sendo o socialismo a ditadura do

proletariado, ocorre a imposição de uma classe pela outra. A democracia plena é

atingida somente quando não existe mais opressão de uns sobre os outros, eliminando

assim a sociedade de classes. Mas, para que isso aconteça, primeiramente é preciso se

fazer uma inversão de domínio, a maioria precisa tomar o poder e dominar a minoria,

para depois evoluir para a eliminação das classes sociais, e consequentemente para o

fim da dominação de uns sobre os outros.

118

MARINI, 2005, p. 207 - 208.

Page 57: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

57

5. CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA POLÍTICO

CUBANO

Rousseau não acreditava na possibilidade de existência de um governo

verdadeiramente democrático, por considerar “contra a ordem natural que o grande

número governe e o pequeno seja governado”. 119

Cuba se aproxima dos requisitos necessários a essa tal democracia intangível,

por ele descrita:

Aliás, quantas coisas difíceis de reunir não supõe esse governo!

Primeiramente um Estado muito pequeno, onde o povo possa ser reunido

facilmente e onde cada cidadão possa conhecer os outros facilmente, em

segundo lugar, uma grande simplicidade de costumes que evite a acumulação

de questões e as discussões espinhosas; ainda, muita igualdade nas posições e

nas fortunas, sem o que a igualdade não poderia subsistir durante muito

tempo nos direitos e na autoridade, finalmente, nenhum ou pouco luxo, pois o

luxo é o efeito das riquezas ou as torna necessárias, corrompe, ao mesmo

tempo, o rico e o pobre, um pela posse, outro pela cobiça: vende a pátria à

lassidão, à vaidade, subtrai do Estado todos os cidadãos para subjugá-los uns

aos outros, e todos à opinião. 120

Através dos órgãos institucionais a continuidade da revolução e,

consequentemente, do poder popular, é garantida. É discutida e criada uma nova

constituição proclamada no dia 24 de fevereiro de 1976, a qual:

(...) preceitua que Cuba é “um Estado socialista de operários e camponeses e

demais trabalhadores manuais e intelectuais” (art. 1), no qual “todo o poder

pertence ao povo trabalhador que exerce por meio das assembléias po Poder

Popular e demais orgãos do Estado que derivam dela, ou então diretamente”

(art. 4). O cap. VII da constituição (“Os órgãos supremos do poder popular”),

em seu art. 67, estabelece: “A Assembléia Nacional do Poder Popular é o

órgão supremo do poder do Estado. Representa e expressa a vontade

soberana de todo o povo trabalhador”. O único órgão com potestade

constituinte e legislativa do país; nele se insere e dele propana, por sua vez, o

poder executivo. 121

O centralismo não possibilita a liberdade de discussão. E as instituições que

auxiliaram a revolução, ao serem criadas, exigiram certa centralização. Portanto,

posteriormente foi necessário superar esse centralismo. Para isso, em 1976 houve uma

reorganização territorial, com o aumento do número de províncias, de 6 passam para 14,

a eliminação do nível regional da administração criando nos municípios unidades de

119

ROUSSEAU, 1981, p. 76. 120

ROUSSEAU, 1981, p. 77. 121

FERNANDES, 2007, p. 288.

Page 58: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

58

produção e serviços e, dessa forma, colocando o cidadão comum ativamente na

participação política. Dessa forma se criou em Cuba um processo de descentralização

política com o objetivo de construir uma relação dialética entre a população e o Estado:

a população obteve poder sobre o Estado e o Estado recebeu a população como alicerce

e motor de sua nova estrutura.

Foram estabelecidas Assembleias de três níveis: municipal, provincial e

nacional, nas quais são eleitos os delegados – municipais e provinciais -, e os deputados.

Esses cargos que tem por objetivo promover a discussão junto à comunidade das

demandas da população. 122

No quadro abaixo está demonstrada a estrutura das assembleias. 123

ASSEMBLÉIA NACIONAL Presidente

MINISTÉRIOS NACIONAIS, AGÊNCIAS E INSTITUTOS Conselho de Estado

Conselho de Ministros

ASSEMBLÉIAS PROVINCIAIS ↓

Comitê Executivo DEPARTAMENTOS ADMINISTRATIVOS

ASSEMBLÉIAS MUNICIPAIS ↓

Comitê Executivo DEPARTAMENTOS ADMINISTRATIVOS

↑ ↓

POVO

Cada município cubano tem uma Assembleia municipal, onde são eleitos os

delegados municipais, que tem como função servir às demandas da cidade que

representa. Os candidatos surgem nas organizações de bairro, onde a própria população

indica quem deve concorrer, não sendo permitida a autocandidatura.

Nas assembleias provinciais, os delegados são indicados dentre os delegados

municipais. Tanto as eleições dos delegados municipais como provinciais são votadas

diretamente pelo povo.

A Assembleia Nacional é composta por deputados, indicados por organizações,

como a Federação das Mulheres, o Movimento Estudantil. Essas organizações indicam

os candidatos que irão para votação popular.

122

Colaboração do deputado cubano Antonio Becali Garrido nas informações a respeito do

sistema político de Cuba, através de uma entrevista informal realizada por mim, aproveitando

sua visita a Florianópolis em função das Jornadas Bolivarianas, em abril de 2013. 123

Dados: FERNANDES, 2007, p. 297.

Page 59: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

59

A campanha eleitoral acontece de forma homogênea para todos os candidatos.

Cada candidato recebe o mesmo espaço para se apresentar, e tem seu currículo

divulgado em locais públicos, como em murais de farmácias e hospitais, onde consta

uma foto, suas informações e propostas. Não existe campanha política da forma que

conhecemos nas democracias capitalistas, com panfletagem, carro de som, apelo visual

e sonoro. O candidato não precisa de patrocinadores para concorrer em igualdade com

os demais, - isso nem existe em Cuba - o que reduz a chance de existir candidatos que

tenham o interesse de utilizar o poder público em benefício próprio.

O presidente de Cuba é eleito pelos deputados, não passando por votação

popular. Como todo o processo eleitoral é construído a partir de uma base muito

descentralizada e popular, a população é representada de forma bastante direta, dentro

dos limites de uma democracia representativa, sendo, dessa forma, representada pelos

deputados que participam em nome do povo nas eleições presidenciais.

A atividade política não é remunerada em Cuba. Os delegados e deputados

eleitos não recebem salário para desempenhar as funções políticas, e continuam em suas

atividades profissionais normalmente. Quando necessário, se ausentam do posto de

trabalho para se dedicar às atividades relativas ao cargo político. E isso não lhes confere

algum benefício além do que recebe qualquer outro trabalhador. Apenas o status moral

de desempenhar tarefas tão importantes para o país. E estão sujeitos a perder o cargo

caso seja constatado que não estejam cumprindo adequadamente com as suas

obrigações. Havendo afastamento, ocorrem novas eleições.

A revolução cubana articula a democracia estabelecendo uma descentralização

do poder, criando um sistema político que possibilita a participação popular com maior

efetividade. Em Cuba existe apenas um partido político – o Partido Comunista de Cuba

- e isso é motivo de crítica, colocando em questão a própria democracia. No entanto há

eleições, as pessoas são indicadas pela própria população a serem candidatas. Não

funciona como na democracia burguesa onde o candidato precisa de dinheiro para fazer

sua campanha, e depois de eleito se sente a vontade para governar para quem o

financiou. Eliminando os partidos, se elimina disputas e interesses partidários. O partido

único existe porque não há necessidade de outros. É uma questão delicada para uma

democracia liberal. Entretanto, no socialismo, da forma que foi instituído em Cuba, o

partido único não trás prejuízos à democracia cubana.

Com socialismo está estabelecido, a disputa partidária faria sentido apenas para

beneficiar um grupo em detrimento do outro. O objetivo de todos é o mesmo, o bem da

Page 60: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

60

população, e não a disputa de poder que tem por motivação privilegiar uma parcela. Os

partidos políticos disputam o poder para atender cada um o seu próprio interesse, ou de

um grupo.

Não é, então, impossível imaginar que aquele que escolhe a profissão de

político rapidamente aceite as propostas de Fausto e “venda a sua alma ao

demônio” da fetichização usando o exercício do poder para seus próprios

fins, pessoais ou de grupo. Assim, nasce a política como “profissão” e os

partidos políticos como “maquinarias eleitorais” que impões seus candidatos

burocratizados em benefício do próprio partido. É a fetichização do poder

mediante a corrupção da subjetividade do político. 124

Todos tendo o mesmo objetivo, não há essa necessidade. Nesse caso o partido

único protege o país do oportunismo grupos que possam surgir querendo sanar

interesses individuais através da política, em detrimento do interesse geral da

população.

Dussel diz que os governantes são “pilotos eleitos” e não o “corpo

administrativo ou burocrático da sociedade política”. Cabe aos governantes alterar as

estruturas políticas caso convenha a população, e não devem se limitar a fazer a

manutenção do sistema. Mandar obedecendo de forma positiva, e não exercer o poder

fetichizado, onde os responsáveis por governar seguem a lógica de mandar mandando.

“(...) não atua desde si como fonte de soberania e autoridade última, mas sim como

delegado e quanto a seus objetivos deverá trabalhar sempre em favor da comunidade,

escutando suas exigências e reclamações.” 125

.

A Revolução Cubana se mostra como uma esperança, “revela a natureza íntima

da revolução em avanço, que tem de desagregar e de destruir toda a ordem preexistente

até ao fundo e até ao fim, para lançar as bases da formação e da evolução históricas de

um novo padrão de civilização.” 126

.

O fermento político revolucionário procedia da consciência social que os

proletários adquirissem, coletivamente, de que tinham de desenvolver-se

como classe independente; enfrentar, reduzir e abater a supremacia burguesa;

e conquistar o poder da burguesia. Essa vinha a ser a ótica comunista do

socialismo. Ora, é óbvio que não se pode transferir para a periferia do mundo

capitalista. Sem mais esta nem aquela, semelhante visão articulada da luta de

classes. Ela é o produto de uma longa evolução social. 127

124

DUSSEL, 2007, p. 38. 125

DUSSEL, 2007, p. 39. 126

FERNANDES, 1981, p. 104. 127

FERNANDES, 1981, p. 105.

Page 61: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

61

Florestan observa, “Para ocorrer, a liberação nacional tem de tornar-se

antiburguesa, antiimperialista e anticapitalista. A alternativa para a violência das

minorias estaria na contra-violência revolucionária, em um socialismo revolucionário

“made in Latin America”.” 128

Como combater a violência sofrida senão por um meio

igualmente violento? A exemplo da revolução burguesa, a guerrilha foi uma forma

dolorosa de se fazer a revolução socialista, porém necessária.

Os excluídos não devem ser incluídos (seria como introduzir o Outro no

Mesmo) no antigo sistema, mas devem participar como iguais em um novo

momento institucional (a nova ordem política). Não se luta pela inclusão,

mas sim pela transformação – contra Iris Young, J. Habermas e tantos outros

que falam de “inclusão”. 129

Segundo Che Guevara 130

, a guerrilha é viável somente quando as possibilidades

de luta pacífica são esgotadas, ou seja, quando o país está sob um governo ditador.

Antes disso não se encontra apoio popular suficiente que sustente a guerrilha. O

conformismo das pessoas é um grande inimigo da guerrilha. Além de ser um

instrumento de luta de quem não tem poder, de quem está a mercê de um Estado que

governa para uma minoria, que não tem de fato o direito a seu favor. Ou seja, uma luta

difícil, especialmente na parte que consiste em conscientizar o povo de não admitir

tamanha exploração.

Cuba retirou a burguesia do centro de decisões e buscou uma alternativa

anticapitalista. Por isso a revolução aconteceu. E o que caracteriza uma revolução é o

exercício de se pensar novas instituições e sistemas econômicos que permitam

benefícios ao ser humano, e não à reprodução do capital.

128

FERNANDES, 1981, p. 55. 129

DUSSEL, 2007, p. 110. 130

GUEVARA, 1980.

Page 62: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

62

6. CONCLUSÕES

A transformação promovida pela Revolução Cubana por si só responde a

pergunta: trata-se de uma democracia?

Cuba lidera a lista de países com desenvolvimento elevado 131

no Relatório de

Desenvolvimento Humano. Na classificação do Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH) 2012, publicada no mesmo relatório, Cuba está na 59ª posição. Entre os países

latino-americanos fica atrás apenas da Argentina (45º lugar). Contudo, mais adequada

seria a comparação com outro país caribenho, como o Haiti, por exemplo, que está no

161º lugar. Talvez fosse a situação de Cuba, caso não houvesse uma revolução.

Apesar da política de hostilidade estadunidense, que é estendido a outros países,

e de se tratar de um pequeno país, o governo consegue manter as premissas

revolucionárias, especialmente importante no que diz respeito à soberania nacional.

Sobretudo, os cubanos têm acesso garantido à educação, saúde, alimentação básica e

moradia.

O mérito é também da população, que colabora, e que graças à educação, hoje

em dia tem plena consciência coletiva e condições de compreender a importância de

manter o atual sistema político, porém sempre buscando melhorias. A revolução foi

uma construção coletiva, nascida da necessidade de mudança frente ao sofrimento da

população, deixada de lado no favorecimento de interesses externos e da burguesia.

Conheci Cuba em outubro de 2012. Os cubanos vivem muito bem. De forma

simples, é claro, mas não falta nada. São educados, cultos, apreciam literatura. A

maioria com quem conversei fala mais de um idioma – diferente do que vejo no Brasil,

por exemplo, onde conhecimento é privilégio da elite. Aparentam ser muito felizes.

Compreendem muito bem a o que significa a revolução e o sistema político em que

vivem. Comparando com a democracia em que vivemos no Brasil, a diferença é

enorme, no nível de esclarecimento da população e no acesso que tem a cultura e às

necessidades básicas.

A solidariedade chega a gerar estranheza. Assim como a falta de publicidade

pela cidade, que livra o ambiente daquela poluição visual. A televisão também gera

131

Dados: Relatório de Desenvolvimento Humano 2013. O agrupamento dos países é feito em

quatro níveis de desenvolvimento humano: muito elevado, elevado, médio e baixo. Essa lista é

baseada no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Rendimento Bruto Nacional (RBN),

onde Cuba figura na 44ª posição.

Page 63: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

63

muita estranheza a quem não está acostumado. São transmitidos programas educativos,

os telejornais fazem debates profundos e de qualidade.

Escolas de idiomas, balé, universidades, hospitais, tudo é público. Na farmácia

os remédios custam centavos. O transporte público é gratuito, apesar de que quem

quiser pode pagar, para colaborar. Existe o que melhorar, certamente, mas é

impressionante como a população é bem tratada e compreende o que se passa com eles

e com outros países. São muito bem informados.

O que é democracia? No capitalismo, todos esses serviços não são plenamente

garantidos pela democracia. O direito ao lucro e a transformação da educação, da saúde

e de outras necessidades básicas em mercadoria são garantidos e tratados como

prioridades. Não compreendo uma democracia que coloca o direito a propriedade

privada na frente do direito à moradia, à saúde, à educação, à vida. O que acontece em

Cuba me parece muito mais democrático. Contudo, a ciência política liberal considera

Cuba uma ditadura ou um regime “não-democrático” mesmo garantindo uma

quantidade imensa de serviços que nenhum país latino-americano pode assemelhar-se.

Em oposição, países potencialmente muito ricos, como o Brasil, não somente não possui

cobertura universal em vários serviços públicos como quando existente, exibem péssima

qualidade. A saúde, a educação, o transporte coletivo são de qualidade baixa, mas os

cientistas políticos liberais consideram o país uma democracia.

Nossa crítica supera o conceito liberal de democracia e traz para o debate e

reflexão um esquecido tema da democracia socialista, ou seja, o exercício da soberania

nacional, o atendimento das necessidades básicas e a prática de um sistema político em

que todos possam influenciar diretamente o funcionamento da democracia.

Page 64: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

64

REFERÊNCIAS

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1994.

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FERNANDES, Florestan. Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro:

Zahar Editores, 1981.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM

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GUEVARA, Che. Textos econômicos. São Paulo: Centro Editorial Latino Americano,

1980.

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LENIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. 2ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. In: TRASPADINI, Roberta,

STEDILE, João Pedro. Ruy Mauro Marini: vida e obra. Editora Expressão Popular.

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PÉREZ, Jorge Lezcano. Cuba: 300 perguntas e 300 respostas. Brasília: Casa Editora

da Embaixada de Cuba no Brasil, 2002.

PIERRE-CHARLES, Gérard. Génesis de la revolución cubana. 6ª ed. Ciudad de

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PNUD. Relatório do desenvolvimento humano 2013. New York: Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2013.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social e discurso sobre a economia política.

São Paulo: Editora Hemus, 1981.

Page 65: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

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SAITO, Hideyo; HADDAD, Antonio Gabriel. Cuba sem bloqueio. São Paulo: Radical

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SODRÉ, Nelson Werneck. Capitalismo e a revolução burguesa no Brasil. Belo

Horizonte: Oficina de Livros, 1990.

WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo. São Paulo: Boitempo

Editorial, 2003.

Page 66: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

66

ANEXO

A Emenda Platt

Considerando que o Congresso dos Estados Unidos da América, por uma lei aprovada

02 de março de 1901, dispunha:

Desde ainda, que, em cumprimento da declaração contida na resolução conjunta

aprovada em 20 de abril de 1898, intitulado "Para o reconhecimento da independência

do povo de Cuba, exigindo que o Governo da Espanha abandone a sua autoridade e

governo na ilha de Cuba, e retire da sua terra e águas cubanas as forças navais, e

direcionando o Presidente dos Estados Unidos de usar a terra e as forças navais dos

Estados Unidos para realizar essas resoluções em vigor ", o Presidente fica autorizado a

"deixar o governo e o controle da ilha de Cuba para seu povo", tão logo um governo

deve ter sido estabelecido na referida ilha sob uma constituição que, seja como parte, ou

em uma portaria agregada, deverá definir o futuro das relações dos Estados Unidos com

Cuba, substancialmente como se segue:

"I. Que o governo de Cuba nunca entre em qualquer tratado ou outro compacto com

qualquer poder ou poderes que irá prejudicar ou tendam a prejudicar a independência de

Cuba, nem de qualquer forma autorizar ou permitir que qualquer potência ou potências

estrangeiras obter por colonização ou para fins militares ou naval ou de outra forma,

apresentação ou controle sobre qualquer parte da referida ilha. "

"II. Este governo não assumirá ou contrairá qualquer dívida pública para pagamento de

juros e amortização quando, após o custeio das despesas correntes do Governo, as

receitas ordinárias sejam insuficientes para o cumprimento de tal dívida. "

"III. Que o governo de Cuba consente que os Estados Unidos podem exercer o direito

de intervir para a preservação da independência cubana, a manutenção de um governo

adequado para a proteção da vida, propriedade e liberdade individual, e para o

Page 67: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

67

cumprimento das obrigações com relação a Cuba, imposta aos Estados Unidos pelo

Tratado de Paris, e que devem agora a ser assumida e realizada pelo governo de Cuba. "

"IV. Que todos os atos dos Estados Unidos em Cuba durante a sua mesma ocupação

militar sejam ratificados e validados, e que todos os direitos legais adquiridos no

presente âmbito sejam mantidos e protegidos."

"V. Que o governo de Cuba executará, e na medida do necessário estenderá os planos já

concebido ou em outros planos a serem mutuamente acordados, para o saneamento das

cidades da ilha, a fim de que a recorrência da epidemia e doenças infecciosas possam

ser evitadas, garantindo assim total proteção às pessoas e ao comércio de Cuba, bem

como para o comércio dos portos do sul dos Estados Unidos e as pessoas que residem

nele. "

"VI. A Ilha de Pinos fica omitida dos limites de Cuba propostos pela Constituição,

deixando para um futuro tratado a fixação de sua adesão."

"VII. Para permitir que os Estados Unidos mantenha a independência de Cuba, e para

proteger o povo cubano, bem como para sua própria defesa, o governo de Cuba venderá

e arrendará aos Estados as terras necessárias para estabelecer nelas estações carvoeiras

ou navais em certos pontos especificados a serem acordados com o presidente dos

Estados Unidos ".

"VIII. O governo de Cuba inserirá as disposições anteriores em um Tratado permanente

com os Estados Unidos."

Considerando que a Convenção Constituinte de Cuba, em 12 de junho de 1901, adotou

uma resolução agregada à Constituição da República de Cuba, que foi aprovada em 21

de fevereiro de 1901, um apêndice que contém palavra por palavra e letra por letra os

oito artigos enumerados da Lei Congresso dos Estados Unidos acima mencionada;

E que, com o estabelecimento do governo independente e soberano da República de

Cuba, nos termos da Constituição promulgada em 20 de maio de 1902, que abraçou a

condição anterior, e pela retirada do Governo dos Estados Unidos como uma

Page 68: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

68

intervenção poder, na mesma data, tornou-se necessário incorporar as disposições acima

citadas em um Tratado Permanente entre os Estados Unidos da América e a República

de Cuba;

Os Estados Unidos da América ea República de Cuba, sendo desejosos de realizar as

condições anteriores, têm para o efeito designado como plenipotenciários para concluir

um tratado para esse fim.

O Presidente dos Estados Unidos da América, Herbert G. Squires, Enviado

Extraordinário e Ministro Plenipotenciário em Havana, E o Presidente da República de

Cuba, Carlos de Zaldo y Beurmann, Secretário de Estado e Justiça, - que depois de

comunicar uns com os outros os seus plenos poderes reconhecidos em boa e devida

forma, convieram nos seguintes artigos:

ARTIGO I.

O Governo de Cuba nunca entrará em qualquer tratado ou pacto com qualquer poder ou

poderes que possa prejudicar ou tendam a prejudicar a independência de Cuba, nem de

maneira alguma autorizará ou permitirá que qualquer potência estrangeira obtenha

poderes para colonização ou para propósitos navais ou militares ou para fins de guerra,

ou de outra forma, apresentação ou controle sobre qualquer parte da referida ilha.

ARTIGO II.

O Governo de Cuba não assumirá ou contrairá qualquer dívida pública para pagamento

de juros e principal quando, depois de custear as despesas correntes do Governo, as

receitas ordinárias da Ilha de Cuba sejam insuficientes para honrar tal dívida.

ARTIGO III.

O Governo de Cuba consente que os Estados Unidos possa exercer o direito de intervir

para a preservação da independência cubana, a manutenção de um governo adequado

para a proteção da vida, propriedade e liberdade individual, e para cumprimento das

obrigações com relação a Cuba, imposta aos Estados Unidos pelo Tratado de Paris, e

que devem agora ser assumidas e cumpridas pelo Governo de Cuba.

Page 69: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

69

ARTIGO IV.

Todos os atos realizados pelos Estados Unidos em Cuba durante a sua ocupação destes

militares serão ratificados e validados, e todos os direitos legais adquiridos no seu

âmbito serão mantidos e protegidos.

ARTIGO V.

O Governo de Cuba executará, e, tanto quanto necessário, ampliará os planos já

elaborados, ou outros planos a serem mutuamente acordados, para o saneamento das

cidades da ilha, a fim de que a recorrência de epidemias e doenças infecciosas possam

ser evitadas, assegurando proteção às pessoas e ao comércio de Cuba, bem como ao

comércio dos portos do sul dos Estados Unidos e as pessoas que residem nele.

ARTIGO VI.

A Ilha de Pinos fica omitida dos limites de Cuba estabelecidos pela Constituição,

deixando para um futuro tratado a fixação de sua adesão.

ARTIGO VII.

Para pôr em condições os Estados Unidos de manter a independência de Cuba, e para

proteger o povo da mesma, bem como para sua própria defesa, o Governo de Cuba

venderá ou arrendará aos Estados Unidos as terras necessárias para estabelecer

carvoeiras ou estações navais em determinados pontos, a ser acordado com o Presidente

dos Estados Unidos.

ARTIGO VIII.

O presente Tratado deverá ser ratificada por cada uma das partes, em conformidade com

as respectivas Constituições dos dois países, e as ratificações serão trocadas na cidade

de Washington no prazo de oito meses a partir desta data.

Em testemunho do que, nós, os respectivos plenipotenciários, assinam o mesmo em

Page 70: a revolução cubana e a busca pela democracia em cuba

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duplicado, em Inglês e Espanhol, em Havana, Cuba, em vinte e dois de maio, no ano de

mil novecentos e três.

De acordo com o Protocolo adicional, assinado em Washington em 20 de janeiro de

1904, aprovado pelo Senado da República de Cuba em 8 de junho do mesmo ano, foram

trocadas as ratificações nesta cidade de Washington no primeiro dia de julho de 1904.

H.G. Squiers [SEAL.]

CARLOS DE Zaldo [SEAL.]