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1 Adriano Cardoso do Prado RA 903108172 André Soares dos Santos RA 903105719 Fábio Ramos Vieira RA 903114298 Felipe Silva Marçal RA 903108193 Gilson Rubens Tozatti RA 903105061 Paulo César da Fonseca K. RA 903108189. Valter Aparecido Pereira RA 903108213. “A Revolta dos Malês” Curso: Estudos Sociais – História Turma A3 / 3º semestre Prof: José Antonio História do Brasil - III 06/04/2004

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Page 1: “A Revolta dos Malês” - geocities.ws · escravatura; no plano racial foi a discriminação que existia contra os negros, mesmo alforriados, e que se ligava à situação em que

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Adriano Cardoso do Prado RA 903108172 André Soares dos Santos RA 903105719 Fábio Ramos Vieira RA 903114298 Felipe Silva Marçal RA 903108193 Gilson Rubens Tozatti RA 903105061 Paulo César da Fonseca K. RA 903108189. Valter Aparecido Pereira RA 903108213.

“A Revolta dos Malês”

Curso: Estudos Sociais – História Turma A3 / 3º semestre Prof: José Antonio História do Brasil - III

06/04/2004

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Introdução

Seres humanos tratados a chicotadas e forçados a trabalhar. Hoje em dia isto é

inadmissível, entretanto, durante séculos, absurdo era não aproveitar a mão-de-obra proveniente de prisioneiros de guerras, de povos considerados inferiores por outros ou até mesmo para o pagamento de dívidas. Os indícios da presença de trabalho escravo podem ser encontrados em diversas civilizações antigas, como a egípcia e a grega. A consideração que havia com o escravo variava, podendo em alguns casos o escravo ser tratado com respeito pelo seu senhor. No Brasil, o escravo era apenas mais uma peça no inventário de seu senhor. A cultura e a organização social dos escravos eram completamente esquecidas, bem como seus costumes eram severamente combatidos.

O tema abordado, Revolta do Malês, levou-nos a analisar seus aspectos de conjuntura social, racial e religiosa à época em que ocorreram os fatos. Para uma contextualização da questão religiosa, retrocedemos no tempo, averiguando a origem do islamismo no continente africano, bem como as circunstâncias que envolveram a chegada dos negros africanos no Brasil, culminando com a revolta de 1835.

O Islã e o Sincretismo Religioso

A pregação islâmica chegou à África por volta do século VII. Em todo o seu

processo de aceitação, houve uma mescla de experiências e influências com as religiões africanas. Assim, o islamismo adquiriu um caráter todo peculiar. As crenças religiosas existentes foram sendo fortemente estruturadas, como, por exemplo, a Iourubá (que trouxe para o Brasil os fundamentos da religião Orixá). As religiões difundidas entre os povos africanos são em grande parte de caráter animista, ou seja, delegam poderes divinos a objetos e animais, sendo repletas de misticismo e dogmas. Além de crerem na existência de reencarnação em outro plano de vida seguindo uma determinada ordem hierárquica, para eles, existem outros seres espirituais que são merecedores de respeito e que também regulam a vida terrestre. A vida no plano físico ou a “força vital”, é o maior bem de existência e é celebrada com festa: danças, cantos e sacrifícios que “reforçam a vida”. De um modo geral, foram esses os fundamentos da tradição religioso-filosófica que o Islã encontrou enraizada nos africanos habitantes da Costa da Mina, e que se reflete em todo o modo de ser e de agir do negro africano, resultando em um padrão de comportamento bem definido.

Partindo-se daí, abre-se uma questão: Como foi o processo de islamização da África Negra? (já que os princípios corânicos têm pouca relação com a prática da religião tradicional tribal). Para o negro africano, a islamização foi um fator de ascensão social, de prestígio e de conquista de igualdade. Essa tese é reforçada em uma passagem do Alcorão, que afirma:

“Os homens são iguais entre si (...) a não ser o grau de sua crença com Deus”. Já para os governantes, essa aceitação do Islã representava o ingresso na

Comunidade Internacional Islâmica. É bom ressaltar que o Islã recrutou seus adeptos nas camadas superiores da sociedade africana. Os reis convertidos não demonstravam igual empenho na conversão de seus súditos, porém, de um modo geral, o negro africano só adquiriu do Islã as práticas mais exteriores, simplificando rituais e adaptando-os a sua realidade e ao seu modo de ser. Seu êxito na África foi resultado de muita tolerância e de adaptabilidades com relação aos costumes e modos de vida local.

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O Islamismo Africano no Brasil De sincretismo em sincretismo, o islã africano chegou ao Brasil. Como sabemos,

uma das justificativas para a escravização do negro era a da “salvação” de sua alma. Os traficantes de escravos, entre outras coisas, argumentavam que desenraizar o africano de seu continente era um bem que eles faziam para os negros, pois assim sendo, seriam libertos do paganismo, das práticas antropofágicas etc; o negro somente encontraria a salvação espiritual através do cristianismo. Desta escravidão também se originam traumas que atravessaram gerações e gerações de negros descendentes de africanos pela intenção deliberada de fazerem perder os seus laços familiares e religiosos e sua identidade, enfim. Em busca do resgate de sua própria identidade e dos fatores comuns à sua raça, a religião teve maior amplitude na tentativa de organização dos grupos recém-formados de escravos. Em generosa parcela dessas tentativas, o Islamismo desempenhou papel relevante como um fator de aglutinação e resistência por parte dos negros.

No continente africano, o islamismo não era exatamente cópia da religião oriunda da península arábica, e no Brasil também não foi diferente. Recebeu nomes como religião dos Alufás, culto Mussumirim, Muçulmi ou Malê; termos empregados para denominação genérica dos negros islamizados. O grupo de maior destaque foi sem dúvida o Malê. Seus cultos eram realizados às escondidas, pois não eram tolerados pelas autoridades locais. Eles pertenciam a diversas linhagens tais como Haussas, Fulas, Kamuris etc.

O culto Malê foi o fator de aglutinação entre os negros do Brasil. Os escravos realizavam encontros com o intuito de se fortalecer e de lutar contra a opressão. Reuniam-se sob uma só bandeira e uma fé, a islâmica, tendo como código um meio de expressão entre si, uma escrita própria. O que destacamos é que o culto malê ao invés de ser puro e de ser simplesmente um conjunto de práticas islâmicas transplantadas para o Brasil, tornou-se verdadeiramente um fator de mobilização de revolta por parte de seus seguidores.

Bahia, 1835 – A Insurreição Malê

A Revolta dos Malês é um tema polêmico que gera diversas interpretações. Talvez

um de seus dos maiores problemas seja o pequeno volume de documentos encontrados referentes ao tema. Selecionamos alguns autores e suas interpretações para nossa ilustração e melhor compreensão deste movimento revoltoso, os quais veremos a seguir.

Segundo o autor Clóvis Moura1, a revolta de 1835 foi liderada pelos negros africanos islamizados. No entanto, para ele, o que separa os estudiosos deste Movimento é a discussão sobre até que ponto essa liderança estava direta ou indiretamente ligada à religião maometana. Na visão de Moura2, a religião foi um elemento ideológico mediador entre a situação presente, ou seja; entre os negros que estavam estruturalmente desgastados como escravos e a consciência dessa situação alienadora. Somente através da religião é que esta situação podia se revelar em níveis de inteligibilidade coletiva.

As aspirações dos negros eram bastante claras, inclusive por documentos encontrados em linguagem tipicamente mulçumana que clamava pela morte de todos os brancos e pardos, juntamente com os católicos, que receberam a designação de infiéis por parte dos revoltosos - o que justifica o conceito de Jihad (guerra santa) em que alguns autores classificam este movimento. Por esse motivo, não se pode deixar de considerar e analisar as teorias que mostram que era intenção dos negros a fundação de um estado

1 MOURA, Clóvis. Os Quilombos e a Rebelião Negra. 12 ed. Coleção tudo é História. São Paulo : Brasiliense. pp. 56-71. 2 Op. cit. p. 59

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4 islâmico em Salvador.Outra visão tem o autor Nei Lopes3, que afirma que a Revolta dos Malês é um termo polêmico porque, segundo a sua interpretação, o termo Malê foi utilizado somente por brancos e não por negros como se supõe. Ele também se baseia na questão geográfica, concluindo que o nome Malê é derivado do Estado de Malí, um reinado muçulmano existente na África. Seguindo essa linha de raciocínio, afirma que os negros islamizados utilizaram a religião como arma de “unidade ideológica” e não como elemento divisor entre os escravos. Assim sendo, o que ocorreu foi uma superposição de situações e níveis reais. No quesito social, foi a luta do negro escravo contra o estatuto da escravatura; no plano racial foi a discriminação que existia contra os negros, mesmo alforriados, e que se ligava à situação em que os escravos se encontravam em seu conjunto e, finalmente, no quesito cultural, foi o aproveitamento de elementos do Islã Negro, especialmente de sua religião, servindo de fator mediador ideológico, que veio proporcionar aos negros escravizados, concomitantemente preteridos pela cor, postarem-se através do seu código de linguagem de cunho religioso na posição de liderança. Ao afirmar que a religião entrou como elemento mediador, destacamos o papel que ela exerceu nos movimentos de insurreição.

O Desfecho da Revolta

Em Salvador, capital da Província da Bahia, ocorreu uma revolta de escravos

africanos denominados Nagôs, que tinham por objetivo matar todos os brancos, pardos e crioulos, e criar um estado independente. Essa revolta foi organizada detalhadamente pelos seus líderes.

Após levantes anteriores que fracassaram, os Nagôs procuraram organizar vários grupos de escravos para reiniciarem a luta pela liberdade. Esses grupos se encontravam secretamente em vários pontos denominados “lojas”, nome utilizado para denominar os porões das casas na capital baiana. Eram constituídas de células, espalhadas em pontos distintos, que mais tarde se transformaram em um clube. Os membros do clube usavam um anel que os diferenciava dos demais, sendo que seus líderes ensinavam seus seguidores a ler e escrever em árabe.

O grupo dos líderes do levante se reunia na casa de um ex-escravo. Um dos principais chefes desta revolta foi o negro Licutan, que pregava abertamente nas praças sobre o final da escravidão. Letrado, ensinava também a reza islâmica. Na casa de outro líder do movimento, Manuel Calafate, foi deflagrado o primeiro tiro da insurreição, na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835.

Comandados por dois grupos principais, os negros foram organizados em grupos, englobando inclusive os escravos de engenho. A estratégia militar foi assim traçada: os líderes do clube partiram em marcha no intuito de matar e tomar a terra dos brancos, agrupando forças com outros oriundos da cidade até se juntarem aos escravos da fazenda que engrossariam as fileiras para a grande conquista.Contudo, por causa de uma delação a luta teve que ser precipitada, perdendo, portanto, o fator surpresa, comprometendo também a execução do plano. Em contrapartida, a autoridade provinciana, já conhecedora do movimento, tomou todas as medidas de repreensão contra os negros; então o movimento se precipitou com negros armados de espadas, lanças, revólveres e espingardas contra os soldados obtendo êxito em duas investidas contra a polícia. Neste ínterim, tentaram libertar Licutan, que estava preso por motivo de dívidas. O grupo revoltoso continuou a marcha contra as forças do governo, sendo abatidos e totalmente derrotados, com um saldo aproximado de quarenta escravos mortos, além de inúmeros feridos e afogados, sendo também presos cerca de duzentos e oitenta negros entre escravos e libertos.

3 LOPES, Nei. Bantos, Malês e a Identidade Negra. Rio de Janeiro : Forense Universitária. 1988. pp. 39-72.

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5 Uma das peculiaridades desse movimento é que os grupos possuíam um fundo de

reserva com o qual podiam subsidiar a revolta, e até mesmo a própria alforria. Segundo alguns manuscritos, os escravos foram idealizados por seus líderes através do proselitismo religioso, pois após o término da revolta foram encontrados nas lojas papéis com rezas mulçumanas, tábuas com inscrições sediosas, e rosário malês.

Foram responsabilizados pela revolta os chefes do clube e demais lideranças, sendo julgados e condenados: uns sentenciados à morte pela forca, acabaram sendo fuzilados por não haver carrasco, outros ao açoite. O levante deixou um total aproximado de cem negros mortos durante e após a batalha por tiros, ferimentos diversos, maus tratos e afogamentos, além de diversos civis e dois milicianos.

Com o fracasso da revolta, muitos foram deportados de volta para a África. O levante causou alarme entre as autoridades e a população; não se queria a prática ou propagação de uma religião que poderia trazer desordem ou insegurança, e o medo de que ocorresse uma revolução como no Haiti tornou-se ainda maior. Alguns negros conseguiram se dispersar pelo território nacional, outros foram sumariamente executados, muitos foram capturados somente no dia seguinte ainda com roupas sujas de sangue, ou capturados ainda feridos, para serem julgados pelo poder público local, tendo por fim a condenação à pena de açoite, ou à pena máxima; entretanto; muitas penas foram amenizadas por consideração aos senhores dos escravos, tentando desta forma diminuir os seus prejuízos. Um dos aspectos que impressionou durante o desenrolar dos julgamentos dos rebelados, foi a fidelidade e o compromisso com a causa por parte dos negros islâmicos. Embora tenha durado pouco tempo, Malês foi considerado o levante de negros urbanos mais sério ocorrido no continente americano.

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Considerações Finais Baseando-se nos relatos acima, pode-se afirmar que a Revolta dos Malês teve sua

motivação em três aspectos destacados: o social, o racial e o religioso, de acordo com o contexto de sua época. Entretanto, buscamos abordar aspectos sociais e raciais implícitos em nosso cotidiano.

Hoje em dia, todos têm direitos e deveres regulamentados e garantidos pela Constituição Federal. Desta forma, perante a lei somos todos iguais. Mas observamos diversas reivindicações por parte da população negra, como, por exemplo, a questão das cotas para negros nas instituições de ensino superior, cotas para preenchimento de vagas em empresas, os movimentos afro-brasileiros que lutam contra a discriminação e a favor da inclusão do negro em todos os segmentos da sociedade etc. Todos têm o intuito de lutar e reparar injustiças e preconceitos praticados pelas elites deste país ao longo do tempo, particularmente com a raça negra. Nesse sentido, nossa sociedade caminha lentamente, distante ainda de atingir as metas estabelecidas na Constituição. Na prática, boa parte de nossa sociedade continua assistindo passivamente a exposição de seus preconceitos enraizados.

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Referências bibliográficas

LOPES, Nei. Bantos, Malês e a Identidade Negra. Rio de Janeiro. Forense Universitária. 1988, pp. 39-72. MOURA, Clóvis. Rebeliões na senzala. 4 ed. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1988, pp. 173-182. MOURA, Clóvis. Os Quilombos e a Rebelião Negra. 12 ed. Coleção tudo é História. São Paulo : Brasiliense, pp. 56-71. REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil – A História do Levante dos Malês, 1835. São Paulo : Cia. das Letras, 2003. Aventuras na História. Revista Super Interessante. n° 2. São Paulo : Abril, 2003, pp. 54-59. Grandes Acontecimentos da História. Revista n° 11. São Paulo : Três, 1974, pp. 72-81.