a resposta cristã para a dor

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A resposta cristã para a dor Jean Francesco INTRODUÇÃO O povo brasileiro é apaixonado por telenovelas. Elas fazem sucesso entre homens, mulheres, pais, mães, crianças, idosos, sogras, sogros, jovens, adolescentes e etc. Qual é a razão de seu sucesso em nossa cultura brasileira? Talvez seja o fato de que toda novela se conecta intimamente com a nossa própria história – e claro, com a curiosidade, principalmente, de algumas donas de casa. Novelas, filmes, seriados ganham multidões de espectadores porque lidam com a doença, com grandes paixões, nos imprimem o desejo pelo sucesso, revelam- nos os mistérios de outras culturas, dá voz às minorias, tribos, estilos de vida, comportamentos e etc. Elas têm o poder de nos fazer sofrer com o destino de seu protagonista, rir com suas graças, alimentar raiva de seus inimigos e nos emocionar com o seu final feliz (na maioria dos casos). Histórias nos convidam para o seu mundo, e ainda hoje, é a melhor forma de comunicar e influenciar mentes e comportamento. A Bíblia é um dos maiores arsenais de histórias do mundo; não será exagero afirmar que ela possui a coleção de histórias mais conhecidas da humanidade. Uma dessas histórias é o drama do personagem Jó. Esse livro é uma novela não porque seja uma ficção ou algo inventado, mas porque narra a história de um protagonista, seu estilo de vida, suas aventuras, seus dramas pessoais, seu clímax e o seu desfecho.

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Este é um sermão que virou um livreto. A partir de Jó capítulo 19, a Escritura nos oferece a resposta cristã para o dilema do sofrimento humano.

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Page 1: A resposta cristã para a dor

A resposta cristã para a dorJean Francesco

INTRODUÇÃO

O povo brasileiro é apaixonado por telenovelas. Elas fazem sucesso entre

homens, mulheres, pais, mães, crianças, idosos, sogras, sogros, jovens,

adolescentes e etc. Qual é a razão de seu sucesso em nossa cultura brasileira?

Talvez seja o fato de que toda novela se conecta intimamente com a nossa própria

história – e claro, com a curiosidade, principalmente, de algumas donas de casa.

Novelas, filmes, seriados ganham multidões de espectadores porque lidam com a

doença, com grandes paixões, nos imprimem o desejo pelo sucesso, revelam-nos os

mistérios de outras culturas, dá voz às minorias, tribos, estilos de vida,

comportamentos e etc.

Elas têm o poder de nos fazer sofrer com o destino de seu protagonista, rir

com suas graças, alimentar raiva de seus inimigos e nos emocionar com o seu final

feliz (na maioria dos casos). Histórias nos convidam para o seu mundo, e ainda hoje,

é a melhor forma de comunicar e influenciar mentes e comportamento.

A Bíblia é um dos maiores arsenais de histórias do mundo; não será exagero

afirmar que ela possui a coleção de histórias mais conhecidas da humanidade. Uma

dessas histórias é o drama do personagem Jó. Esse livro é uma novela não porque

seja uma ficção ou algo inventado, mas porque narra a história de um protagonista,

seu estilo de vida, suas aventuras, seus dramas pessoais, seu clímax e o seu

desfecho.

Jó, o homem mais importante de todo o Oriente

Jó foi um rico xeique do deserto de Uz e vivia no lado oriental da Palestina,

provavelmente nos tempos de Abraão, Isaque e Jacó. Os primeiros capítulos do livro

que leva o seu próprio nome como título (1-3) nos apresentam a qualidade sem igual

de sua vida. Jó tinha uma grande família, sete filhos e três filhas, possuía sete mil

ovelhas, muitos camelos, junta de bois e etc., de fato, era o homem mais importante

de todo o Oriente!

Jó se relacionava intensamente com Deus. Ele se levantava cedo e entregava

uma oferta de sacrifício em favor de cada um de seus filhos, no caso de um deles ter

cometido pecado. Ele odiava a maldade, era um homem de palavra e muito honesto.

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E o mais interessante do começo do livro é que o próprio Deus tinha muito apreço

por ele, pois fazia lhe fazia elogios perante “o público celeste”, e essa fama foi se

espalhando até que Satanás decidiu questionar se, de fato, ele era tão íntegro e

especial assim como o próprio Deus dizia.

A proposta de Satanás foi um teste. Sua argumentação é a de que Jó tem

sido mimado por Deus como uma criança; ele cuida de tudo para que nada de mal

aconteça a ele, à sua família, ou à sua riqueza e ainda abençoa tudo o que ele faz!

Desse modo quem não seria fiel a Deus? O que aconteceria se fosse tirado tudo o

que ele tem? Com certeza, ele amaldiçoaria a Deus face a face!

Deus, como Soberano inclusive sobre Satanás, decide aceitar o seu desafio,

como se dissesse: “Vá em frente, faça o que quiser com tudo que ele tem. Só não o

machuque”.

Famosos estudiosos das línguas semíticas afirmam que o nome, Jó, tinha o

significado semelhante ao de “um homem perseguido” e isso parece estar

relacionado às calamidades que ele sofreu. Pois abruptamente da família, fortuna e

saúde a história de Jó imerge no sofrimento. Seus sete filhos e três filhas são

assassinados violentamente, seus animais – que representam sua riqueza – são

roubados e seus trabalhadores mortos de maneira inesperada.

Jó passa no primeiro teste de maneira muito satisfatória. Jó se levantou,

rasgou a própria roupa, rapou a cabeça e se jogou no chão. Ali, prostrado ele louvou

a Deus com um poema:

Nu saí do ventre da minha mãe,Nu retornarei ao seio da terra.O Eterno dá, o Eterno tira.O nome de Deus seja louvado para sempre1.

Após Jó ter passado no primeiro teste, Satanás propõe a Deus o segundo:

tirar-lhe a sua saúde. Com certeza ele amaldiçoaria a Deus se sua saúde lhe for

tirada, disse Satanás. Deus aceita o segundo desafio, mas com uma condição, você

pode fazer o que quiser com ele, só não tire a sua vida.

E assim aconteceu. Sua saúde foi tomada, ficou coberto de úlceras e feridas

da cabeça aos pés. Elas doíam e coçavam tanto que ele pegou um caco de vaso

quebrado para raspar suas feridas estando sentado no meio de cinzas.

1 A versão da Bíblia aqui utilizada foi a paráfrase bem conhecida de Eugene Peterson, “A Mensagem”, publicada em português no ano de 2011 pela Editora Vida

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A sua dor foi tão grande que sua própria esposa amaldiçoou o seu Deus. Ela

não conseguiu suportar ter que perder filhos, fortuna e a própria saúde de seu

marido. Jó responde a ela, em outras palavras, "se recebemos coisas boas de Deus,

por que não receberíamos também coisas ruins?” Jó continua vivendo integramente

com Deus, sem pecar, apesar de seu sofrimento.

A partir do capítulo 4 até o seu desfecho no capítulo 37, Jó trava uma longa

discussão com seus amigos Elifaz, Bildade, Zofar e Eliú. Jó não aceitou seu

sofrimento calma ou piamente. Não deu ouvido aos “filósofos” do seu tempo, ainda

que fossem seus amigos, ele apresentou seu caso diante de Deus e ali se queixou

de seus sofrimentos, sem meias palavras. Ele se recusou a aceitar o silêncio como

resposta.

Jó era gente como nós. Ele é mencionado como uma pessoa histórica e não

um ser inventado como alguns tem pensado. É citado em Ezequiel 14.14,20 como

um homem sábio e justo e no Novo Testamento em Tiago 5.11 elogiado por sua

paciência. Sem dúvida, Jó diz corajosamente o que alguns de nós têm medo de

dizer. Ele faz poesia daquilo que, para a maioria de nós, não passaria de uma

mistura de reclames individuais. Ele grita com Deus sobre o seu estado, mas em

momento algum ele amaldiçoa a Deus, como sua esposa lhe ordenou.

Jó nos ensina algo maravilhoso: não se deve fugir da dor. A sua vida é uma

poesia sem igual a nos ensinar que o sofrimento pode levar o ser humano à

presença de Deus num estado de adoração, ainda que em gritos de desespero. Isso

porque na leitura de todo o livro há uma máxima irrefutável: não existe vida sem dor;

ela é algo inevitável e inerente a todo ser humano e deve ser encarada com

sabedoria.

Jó, como um livro inspirado por Deus, é um dos exemplos áureos de que

Deus resolveu ensinar o seu povo a lidar com as dificuldades da vida por intermédio

de histórias. Contar histórias seria um hábito do povo de Deus no decurso de suas

vidas e no desenrolar de seu relacionamento pessoal com Deus. Essa história é

uma das mais impressionantes de toda Escritura, pois nos impressiona do começo

ao fim, mexe com o mais profundo de nossa alma: a dor.

Jó: a novela da dor

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Jó é uma novela de dor, pois possui 3 capítulos de “alegria”, os dois primeiros

e o último, e outros 39 capítulos que falam de intensa dor, crise, desentendimentos,

perguntas sem respostas, ambientes desagradáveis, doença, culpa, mistérios e

muitos diálogos perturbadores.

Jó é como nós: ele sofre, e sofre intensamente. Jó é como a humanidade

depois do evento da Queda em Gn 3: vultos de alegria e intensidade de dor. Este

livro bíblico não apenas remonta a história da Igreja Cristã, mas da condição da

nossa sociedade, como cantam alguns poetas de nosso cancioneiro: “tristeza não

tem fim, felicidade, sim” (Vinícius de Morais); ou como disse Alcides Caminha: “tire o

seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor”. A história da

humanidade é marcada por duas cicatrizes notáveis: o riso e o choro.

Se você pudesse contar todos os episódios e histórias que você já vivenciou,

qual das duas cicatrizes você mais encontraria, dor ou festa? Sem sombra de

dúvidas, a resposta é dor. É por isso que o livro de Jó é a mais fantástica novela da

vida real; ela não quer nos prender na intenção de satisfazer nossa curiosidade,

bisbilhotices ou interesses sensuais - como não raro acontece nas novelas atuais –,

ela quer nos ensinar a viver; quer nos ensinar a lidar com o nosso sofrimento.

Capítulo 19: o momento decisivo da história de Jó

Chegamos ao capítulo 19. Estamos em um lugar estratégico desta novela

fascinante. Muitos estudiosos afirmam que aqui é o centro da história do

personagem Jó. O capítulo 19 faz parte de uma das contra argumentações de Jó ao

seu amigo Bildade.

O centro do livro é marcado por estas discussões de seus amigos a respeito

do sofrimento de Jó. É, com grande plausibilidade, o centro, pois é o momento em

que Jó elabora de forma consciente o seu estado de crise profunda; aquelas tensões

que lhe tiram o sono e a respiração. É daí que nasce mais um lamento: quando ele

põe pra fora a sua dor; quando ele vomita a sua angústia infernal.

E não apenas Jó olha para trás e elabora sua condição existencial ele se

torna apto pela graça de Deus a olhar para frente com olhares de esperança. É a

partir deste capítulo que podemos perceber tanto na vida de Jó como na nossa que

a dor e o sofrimento não darão a última palavra. E essa última palavra, ainda que

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

seja minoria em tamanho de palavras no longo relato sofrido do livro é a palavra que

prevalece: esperança.

Vamos olhar mais de perto agora o que chamo dos 3 capítulos da dor de Jó,

que nada mais são do que as 3 dimensões de sua dor/sofrimento. Veremos que a

dor é mais nossa aliada do que inimiga e que o principal ensinamento de todo este

livro se resume em uma frase: é possível experimentar Deus na realidade do

sofrimento.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

I.Dor existencial

“Então, respondeu Jó:

Até quando afligireis a minha 2 alma

e me quebrantareis com palavras?

Já dez vezes me vituperastes

e não vos envergonhais de injuriar-me.

Embora haja eu, na verdade, errado,

comigo ficará o meu erro”.

Jó 19.1-4

“Pereça o dia em que nasci

e a noite em que se disse:

Foi concebido um homem!

Converta-se aquele dia em trevas;

e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele,

nem resplandeça sobre ele a luz. [...]

Por que não morri eu na madre?

Por que não expirei ao sair dela?

Por que houve regaço que me acolhesse?

E por que peitos, para que eu mamasse?

Porque já agora repousaria tranqüilo;

dormiria, e, então, haveria para mim descanso”.

Jó 3. 3-4,11-13.

Entramos na primeira parte da argumentação de Jó; seu argumento é que as

pessoas com suas palavras e a própria vida com suas contingências o fizeram em

pedaços. Jó está destruído.

2 Note as partes grifadas na 1°pessoa do singular.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

O argumento de seus amigos é a lógica convencional “causa e efeito” ou

lógica da retribuição. Ela pode ser mais bem compreendida pela pequena tabela que

compreende seus discursos até o cap. 19:

A lógica dos amigos Elifaz, Bildade e Zofar Referência bíblica

Os ímpios sempre se dão mal 4.7-11; 5.2-7; 8.8-19; 15.17-35; 18.5-21

Os justos vivem em felicidade 5.17-21, 25-26; 8.5-7, 20-22; 11.15-19

Quando lemos o livro até o final percebemos que o narrador não quis outra

coisa senão desmascarar a religiosidade convencional dos companheiros de Jó. O

texto quer nos ensinar, pelo contrário, que todo justo passa pelo sofrimento.

É isso o que Paulo diz em 2Tm 3.12 “Ora, todos quantos querem viver

piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”. É esse o drama do salmista no

salmo 73, que o grande pregador do século vinte, Dr. Martyn Lloyd-Jones tematizou

de: “Por que prosperam os ímpios?” Que naturalmente leva em seu bojo uma

segunda pergunta: “por que os justos sofrem tanto na vida?”

A dor distorce, de maneira brutal, a forma como enxergamos a nós mesmos.

Nos momentos de dor desconhecemos quem somos; saímos totalmente do controle!

Jó está desolado, quebrado, falido, em pânico e, até aqui, sem perspectiva de futuro

a respeito de si mesmo.

A dor intensa chega a tal ponto que Jó descreve a si mesmo como se da sua

existência tivesse apenas “sobrado a pele dos dentes”, v. 20. Jó está indomado e

não esconde os seus sentimentos, ele diz, em outras palavras: “Até quando vocês

vão me colocar pra baixo? Até quando meu coração vai estar fraturado? Até quando

as pessoas vão usar meus problemas contra mim? Até quando as pessoas vão

aniquilar a minha vida?”.

Jó está confuso, faz muitas perguntas, pois ele certamente não tem as

respostas que precisa. No processo de encarar, questionar o sofrimento, Jó se

descobre dentro de outro mistério – maior que o sofrimento – o mistério de Deus.

Jó: o estereótipo da nossa dor existencial

A vida é um verdadeiro zigue-zague; é inesperada e chocante como uma

montanha russa. O famoso escritor Oscar Wilde afirmou em um de seus poemas –

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Loucos e Santos – "normalidade é uma ilusão imbecil e estéril”. Toda normalidade é

mentirosa. Nossa vida é exclusivamente um trailer, um curta-metragem, quem sabe

uma breve sinopse e não somos nós os diretores, não estamos e nem estaremos no

controle de nada.

Quando paramos para compreender esta realidade chegamos a uma

conclusão inegável: a vida é frágil o tempo todo. Jamais poderemos calcular com

certeza se acordaremos melhor na manhã do dia seguinte.

Como é na vida de Jó e na nossa, correr riscos, ter dúvidas, não ter

respostas, a crise e todas as outras coisas amargas da vida fazem parte da nossa

relação com Deus. Ser cristão não significa apenas ter aceitado a Jesus, mas,

significa ter aceitado um caminho, o do discipulado, no qual crises, perdas, alegrias,

inveja, perseguição, paz, choro, gargalhadas, refúgio, algumas respostas, e as

cachoeiras de dúvidas são parte da caminhada.

Quando Jesus nos chama para segui-lo, ele espera que nós estejamos

integralmente comprometidos com ele. Nós, isto é, ele quer que caminhemos com

as nossas dúvidas, com o que não sabemos, com as nossas impossibilidades,

vícios, manias, sofrimento, problemas e tudo o que configura a nossa realidade

presente.

Infelizmente temos nos acostumado com uma mentalidade que não aceita a

possibilidade de uma fé que chora, uma fé que não pode lamentar, uma fé que não

pode duvidar, uma fé sem tragédias, uma fé sem tristeza, uma fé sem conflitos, que

na verdade é uma fé sem o peso maciço da cruz. Viver uma fé que não encara a dor

como uma coisa inevitável é uma grande alucinação, para não dizer enganação.

Jó nos coloca em frente a um dos princípios mais elementares da

humanidade: nós não damos conta da nossa dor. A dor de Jó nos ensina lições

maravilhosas para aqueles momentos nos quais nós nos desconhecemos. A dor tem

a capacidade de nos colocar na parede e nos empurrar para as perguntas

existenciais: “quem sou, por que sou assim, para que?”. As nossas dúvidas,

confusões, dores, crises, fazem parte do caminho.

A dor nos acorda para a vida

A dor, além disso, nos tira de nossa zona de conforto. O sofrimento nos move

para a vida com uma intensidade inacreditável. É como aquela volição sequiosa que

me faz correr atrás de água. Corremos atrás de algo porque esse algo nos falta. A

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

ausência de amor me faz correr atrás de um par. A fome por comida me faz

trabalhar ou até mesmo roubar para comer. A ausência de sentido me faz correr

atrás de melhores explicações, respostas e filosofias de vida.

Nós corremos atrás de médicos quando nos falta saúde – ou, na maioria das

vezes quando estamos à beira da morte. Corremos até a poesia quando nos faltam

palavras. Corremos até o banco quando sentimos falta de dinheiro. Corremos à

música quando nos faltam melodias. E da mesma forma nós corremos até Deus

quando a nossa humanidade não mais nos basta.

Não é diferente com a dor: corremos para a cura porque estamos doentes.

Em outras palavras, a dor nos torna mais sensíveis para as realidades simples e

também complicadas do dia a dia, e somada a essa maior sensibilidade, nos torna

pessoais mais preparadas para agir em situações de risco.

Encontramos todo tipo de gente a todo instante cruzando nossos caminhos.

Pessoas que tem medo de viver, que desconhecem suas habilidades, pessoas

desmotivadas, que acreditam na impossibilidade das mudanças: “a vida é assim

mesmo...”. Nós, cristãos, às vezes perdemos boas expectativas na vida, nos

enclausuramos pelo insucesso, somos achatados pelas derrotas. O que sobra para

muitos de nós em alguns momentos da vida é a indiferença e a crise existencial.

Caminhando com a nossa dor

Precisamos aprender como Jó a buscarmos as respostas que precisamos no

caminhar com Deus e não fora dele; caminhando com as nossas dores crentes no

cuidado paterno do nosso Deus.

“Quem foi que te disse que a vida é um mar de rosas? Rosas têm espinhos e

pedras no caminho”, já dizia o músico João Alexandre. A fé cristã é uma fé que abre

espaço para quem tem problemas. A Igreja é a comunidade onde os imperfeitos são

bem-vindos, e quando a nossa dor é vivenciada junto aos irmãos percebemos que a

vida realmente continua apesar da dor.

Somente com essa clareza de pensamento descobriremos que saúde

emocional não significa ausência de problemas, mas, aprender que é possível lidar

com eles sem que sejam o centro das nossas atenções.

Perguntas para reflexão:

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

1. Como você tem lidado com as suas dúvidas sobre você mesmo?

2. Qual o lugar de Deus e da comunidade cristã neste processo?

3. O que a dor tem te forçado a aprender?

II. A dor espiritual

“Se quereis engrandecer-vos contra mim

e me argüis pelo meu opróbrio,

sabei agora que Deus é que me oprimiu

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

e com a sua rede me cercou.

Eis que clamo: violência! Mas não sou ouvido;

grito: socorro! Porém não há justiça.

O meu caminho ele fechou,

e não posso passar;

e nas minhas veredas pôs trevas.

Da minha honra me despojou

e tirou-me da cabeça a coroa.

Arruinou-me de todos os lados,

e eu me vou;

e arrancou-me a esperança, como a uma árvore.

Inflamou contra mim a sua ira

e me tem na conta de seu adversário.

Juntas vieram as suas tropas,

prepararam contra mim o seu caminho

e se acamparam ao redor da minha tenda”.

Jó 19.5-12.

Uma segunda dimensão da dor é a dor em relação ao Soberano, Todo-

Poderoso, o Criador. Jó, de maneira muito corajosa, transfere a sua dor para Deus.

Em sua reflexão sobre o peso que o sofrimento tem lhe causado ele conclui que

deve haver um culpado: Deus! Ele tem alguma coisa contra mim.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

Há neste texto pelo o menos seis razões pelas quais Jó transfere a culpa a

Deus: 1. Ele é o responsável pelo meu sofrimento; 2. Ninguém ouve o meu clamor

por justiça, Deus se calou; 3. Ele fechou todos os bons caminhos da vida; 4. Ele

acabou com a minha fama, popularidade; 5. Ele tirou a minha esperança na vida; 6.

Ele colocou muitos inimigos em meu caminho.

Onde está Deus em minha dor?

Quando experimentamos a dor, em muitos momentos, salta-nos uma

pergunta muito antiga: onde está Deus em todo esse sofrimento? Não é essa a

pergunta que temos vontade de fazer às vezes?

Por que isso tudo está acontecendo? Até quando a doença? Até quando

vamos imaginar ou pensar que Deus está calado? Deus age? Deus interage

comigo? Por que o caminho de Deus é tão difícil? Por que em alguns casos tudo dá

certo para algumas pessoas e sempre dá errado para mim? Para Jó todas essas

perguntas são perguntas justas.

Toda dor é específica, Deus lida com a dor de cada pessoa à sua maneira.

Não há como padronizar o que Deus faz em cada ser humano em suas diferentes

dores. No entanto, no próprio livro de Jó percebemos que é Deus quem controla

todas as situações e até Satanás como um de seus “subordinados” não pode ir além

do que a palavra sua palavra soberana o delimita.

Muitas pessoas não cristãs nos fazem a seguinte pergunta: se Deus é bom

por que Ele permite o sofrimento, dor, tragédias, tsunamis? Certamente essa

pergunta é justa e sempre atual, mas foi feita com a pressuposição errada. Quem

sabe a pergunta correta deveria ser: se nós somos totalmente corruptos, por que

Deus permite que apenas 1% da humanidade nasça sem o sentido da visão? Ou, se

nós somos totalmente depravados e imundos, por que Deus permite que apenas

14.5% da sociedade brasileira tenha alguma dificuldade de enxergar, ouvir,

locomover-se ou alguma deficiência física ou intelectual?

E ainda mais, se nós somos trapos e injustos em nosso proceder diário, por

que Deus permite que 87% dos bebês que nascem no mundo inteiro venham ao

mundo fisicamente perfeitos? Se somos pecadores, inimigos do bem, por que Deus

permite tão poucas tragédias? Só há uma resposta: Deus se mantém gracioso

mesmo em um mundo caído. Seu caráter de misericórdia e graça sustentam o

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

mundo criado com mais favor do que imaginámos. Quando fazemos o teste de nos

colocar no banco dos réus – em vez de sempre tentarmos adequar Deus a ele –

compreendemos melhor que ele, na verdade, é indizivelmente maravilhoso demais

para nós.

Jó: nosso guia para experimentar Deus no sofrimento

Quando passamos pela dor nosso relacionamento com Deus é totalmente

transformado. A dor nos faz correr para a pessoa certa: Deus, mesmo com

perguntas erradas, que, aliás, o narrador dá a entender no livro que são essenciais

para o processo de cura emocional de Jó e de seu relacionamento com Deus.

Perguntas aparentemente “erradas” são comuns na poesia hebraica. Uma

boa lida no livro de Salmos saciaria nossa sede por essas evidências. Perguntas

como: “Até quando?” “O Senhor não me ouve?” “O Senhor não vai fazer nada?”

“Onde estão as tuas promessas?” “O Senhor não vê o nosso sofrimento?” “O Senhor

não percebe que os inimigos estão nos destruindo?” são todas comuns no livro de

oração do povo de Deus.

Nos primeiros capítulos de Jó, vemo-lo feliz, cheio de amigos, mulher, muitos

filhos, mas, daí vem a dor. E já no capítulo 3 Jó amaldiçoa o dia em que nasceu,

reclama com Deus, chama Deus de culpado. E mesmo assim, o próprio Deus afirma

que na acusação de Jó não houve pecado, ele é totalmente inocente (42.7,8).

Questionar a Deus de sua “suposta” ausência, expressar sua dor diante de

seus ouvidos, vomitar suas tristezas não é pecado, pelo contrário, pode ser o início

da cura. Os Salmos de Lamento (a maioria dos salmos) são um ótimo exemplo

disso, neles estão escritas todas as emoções da nossa vida, o derramamento das

dores, e ansiedades, o desabafo do crente com Deus, Alguém disposto a nos ouvir.

A dor nos conduz a uma maior intimidade com Deus, pois nos adverte que

somos passageiros e mortais. A Teologia Bíblica nos ajuda a perceber no sofrimento

uma oportunidade de se aproximar de Deus, pois a dor também é uma amostra da

graça de Deus.

Bill Hybels escreveu um livro intitulado Encontrando Deus nas Dificuldades da

vida e uma das ideias que ele trabalha ali é a de que a prosperidade causa na alma

doenças que a adversidade jamais causará. A tragédia nos ensina, de forma

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

totalmente nova, que temos de valorizar e celebrar a vida. Nosso Deus é

especialista em trazer algo de bom a partir do monte de escombros.

Durante o sofrimento, Deus lembra às pessoas que todos precisam de Sua

sabedoria, Seu amor e Sua força. As vitórias não produzem esse feito, as derrotas,

sim. A partir de uma confiança plena na soberania de Deus podemos acertar nossa

perspectiva no meio da calamidade e sair do outro lado melhores do que entramos.

Faça o teste. Olhe ao seu redor, tente enxergar o infinito do horizonte só por

alguns minutos e vislumbrarás o seu Deus mais perto do que nunca.

O fogo que faz o milho virar pipoca

O educador Rubem Alves escreveu “A Pipoca”, uma crônica que nos deixa

claro o fato de que não podemos jogar fora a nossa dor, pois é por intermédio dela

que a nossa maneira de viver a vida é aperfeiçoada. A ideia é que um milho de

pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre e jamais se

transformará numa real pipoca.

“As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo”, diz ele.

Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma

mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu

jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa

situação que nunca imaginamos: a dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor,

perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre. Pode ser fogo de

dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos.

Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo! Sem fogo o sofrimento diminui.

Com isso, a possibilidade da grande transformação também.

A crônica nos leva a imaginar a pobre pipoca, fechada dentro da panela, cada

vez mais quente; ela pensa que sua hora chegou: vai morrer. Dentro de sua casca

dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si.

Não pode imaginar a transformação que esta sendo preparada para ela. Porém, sem

aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM! E ela

aparece como outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca

havia sonhado.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a

estourar. São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se

recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o

jeito delas serem. A presunção e o medo são a dura casca do milho que não

estoura.

Rubem Alves termina dizendo que aquelas pessoas que negligenciam a dor

tem um final trágico: “o destino delas é triste, já que ficarão duras, a vida inteira. Não

vão se transformar na flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria para

ninguém.”

Deus existe?

A dor como vimos pode ser uma ótima aliada em nosso relacionamento com

Deus. Lembro-me das primeiras duras semanas em que entrei no Seminário

Presbiteriano do Sul. Bateu-me uma dúvida cruel, que para alguns pode soar até

como engraçado; minha dúvida era a seguinte: Deus existe? Se ele não existir, qual

é a razão para eu continuar aqui? Será mesmo que Ele me chamou para o ministério

sagrado ou o que me fez chegar até aqui foi alguma tipo estranho de voz ou

alucinação?

Estas eram as minhas inquietações, e que graves inquietações. Contudo, isso

me motivou dia após dia a buscar uma resposta, a qual parecia confusa – confusão

é um atributo típico de seminaristas – em minha mente. Isso me fez abrir os olhos

para a tolice de meus pensamentos e me aprofundar no conhecimento do Deus que

sempre me amparou em todos os momentos da minha vida.

Sim, podemos ter certeza: Ele existe e cuida de nós. Aliás, Ele é o melhor

psicólogo em atividade, Ele nos ouve, Ele nos responde, e ainda não cobra pelo

serviço prestado. Não tenhamos medo de levar nossas inquietações diante de Deus,

mesmo que elas não sejam teologicamente certas – como culpar Deus e etc – como

foram as de Jó e como são as nossas.

Toda dor precisa de um desabafo. Deus quer ouvir a nossa angústia: “invoca-

me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás.” Salmo 50.15. A “oração

dos retos é o seu contentamento.” Provérbios 15.8.

Perguntas para reflexão:

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

1. Qual foi a última vez que você irou-se com Deus devido a sua dor?

2. Quais são as perguntas que você tem para fazer hoje a Deus?

3. Você experimenta mais de Deus na realidade do sofrimento?

III.A dor relacional

“Pôs longe de mim a meus irmãos,

e os que me conhecem,

como estranhos, se apartaram de mim.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

Os meus parentes me desampararam,

e os meus conhecidos se esqueceram de mim.

O meu hálito é intolerável à minha mulher,

e pelo mau cheiro sou repugnante aos filhos de minha mãe.

Até as crianças me desprezam,

e, querendo eu levantar-me, zombam de mim.

Todos os meus amigos íntimos me abominam,

e até os que eu amava se tornaram contra mim.

Os meus ossos se apegam à minha pele e à minha carne,

e salvei-me só com a pele dos meus dentes”.

Jó 19.13-20

Jó perdeu sua identidade social; ele vive agora a realidade dos

relacionamentos quebrados. (1) seus irmãos de sangue o abandonaram; (2) os seus

parentes o largaram; (3) os conhecidos não olham mais para ele; (4) sua mulher não

suporta o seu hálito; (5) seus filhos estão mortos; (6) as crianças zombam dele

quando ele passa; (7) seus melhores amigos se tornaram adversários.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

Sofrendo, sozinho

Pior que sofrer, é sofrer quando se está sozinho. Este parece ser um retrato

fiel dos nossos dias, principalmente o das pessoas que vivem a vida em grandes

centros urbanos. Não é incomum presenciar lares quebrados, filhos que não veem

os pais, maridos que batem em suas esposas, esposas que subjugam seus maridos,

mães que irritam em demasia seus filhos, filhos que não ouvem seus pais, filhos

educados pela pedagogia das telas, seja a televisão, seja o computador, seja pelos

games.

Os nossos jovens estão crescendo como pessoas virtuais que não saem do

quarto, sofrendo por não possuírem amigos para compartilhar seus problemas,

exibindo, assim, sua vida particular em redes sociais através de fotos obscenas,

pensamentos de raiva, decepção e solidão. Isso evidencia, na verdade, que

carecem de relacionamentos verdadeiros e saudáveis. A dor relacional é, com

certeza, um dos maiores males da sociedade e do próprio ser humano.

Quando mascaramos os nossos vazios relacionais, entramos em conflito total.

Em muitos dos chamados países desenvolvidos o trabalho se tornou o maior alvo da

existência, gerando na opinião de alguns sociólogos “monstros de qualidade”: ótimos

profissionais, péssimos seres humanos.

Até mesmo filósofos não cristãos têm chegado à conclusão de que qualquer

cultura que substitua a prioridade relacional da família pelo trabalho estará fadada a

uma geração do estresse, infelicidade e depressão.

Pessoas: a maior riqueza que possuímos

Mas Deus tem algo a nos dizer por intermédio do livro de Jó. Esta é a história

que insiste nas três grandes perguntas do mundo: Quem sou eu? Quem é Deus?

Quem é o outro? Somos levados a crer, por intermédio de Jó, que essas três coisas

devem ser alvo dos nossos maiores investimentos.

Vale a pena chorar pela falta de sentido da nossa existência; vale a pena

investirmos em nosso relacionamento com Deus mesmo sem termos as respostas

que queremos; vale a pena gritar de angústia pelos nossos relacionamentos

quebrados e com a ajuda de Deus reconstruí-los.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

A Escritura como um todo nos revela que a verdadeira pobreza na vida é ter

que perder pessoas. Nosso patrimônio e maior riqueza são os nossos

relacionamentos. Seres humanos carecem de Deus tanto quanto carecem de

pessoas. O outro é necessário onde eu não posso mais.

Em meio à dor o ser humano sempre estende a mão em busca de ajuda e de

alento. E, embora Jó esteja triste com seus amigos, ele pede compaixão, v.21. Jó

não anseia que expliquem o seu sofrimento, mas que apenas participem dele. Da

mesma forma, nós precisamos de gente para participar empaticamente da nossa dor

e por outro lado, Deus espera de nós que sejamos estas pessoas para os outros.

Participando da dor

O livro de Jó pode nos ajudar a lidar com os nossos relacionamentos,

primeiro, priorizando-os. Segundo, em Jó 2.11-13 temos um belo relato da primeira

fase de amizade – bem mais positiva que a segunda – oferecida pelos seus amigos:

“Ouvindo, pois, três amigos de Jó todo este mal que lhe sobreviera, chegaram, [...] e combinaram ir juntamente condoer-se dele e consolá-lo. Levantando eles de longe os olhos e não o reconhecendo, ergueram a voz e choraram; e cada um, rasgando o seu manto, lançava pó ao ar sobre a cabeça. Sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande”.

Talvez não exista outro método melhor de ajuda que nós podemos oferecer a

pessoas vivendo com crises relacionais do que estar junto a elas participando de

seu sofrimento. Nessa descrição do encontro de Jó com seus amigos há um

problema na tradução em português. A versão Almeida traz que os amigos não o

reconheceram. Ora, se não o reconheceram, porque então choraram com ele?

O texto em inglês diz que eles mal puderam reconhecê-lo. Neste caso fica

claro que ele foi reconhecido, mas estava desfigurado e quase irreconhecível. Jó

estava tão maltratado pelo sofrimento que sua aparência gerou espanto em seus

amigos. Foram pelo o menos sete dias de silêncio; sete dias que seus amigos

tiveram para redescobrir o Jó por trás de sua feição deformada.

Os momentos em que nós nos sentimos mais perto de Deus são aqueles em

que a dor é tanta que achamos que não conseguiremos viver nem mais um dia.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

Nessas horas sentimos sobrenaturalmente o Espírito Santo nos confortando, e esse

cuidado vai além quando alguém decide investir algumas horas e silêncio conosco.

Gente ao nosso lado nos faz perceber que a dor é apenas um detalhe, que a vida

continua apesar da dor.

Todos nós estamos sujeitos a crises relacionais, desentendimentos, mágoas,

decepção e traição. Todos nós passamos por processos de perda. Nossa missão é

acolher. Alguns verbos no texto supracitado são essenciais para essa missão:

condoer-se (sofrer junto), consolar, chorar, sentar-se com, e uma das mais

importantes, o silêncio.

Para confortar pessoas nem sempre precisamos abrir a boca, pelo contrário,

falemos com os nossos olhos e com a nossa presença. Para confortar precisamos

chegar perto das pessoas. É tentar fazer parte daquilo que está no íntimo da pessoa

ao lado. Isso é possível através de um comprometimento sincero com a pessoa por

trás da sua doença ou sofrimento.

Ser empático não é algo fácil, pois se identificar com alguém em um estado

visivelmente aterrador sem se mostrar assustado com a pessoa ou com o momento

exige muito treino, disciplina e principalmente, amor.

Paulo em Rm 12.15 nos recomenda a nos alegrarmos com os que se alegram

e chorar com os que choram. Quando nos alegramos com a alegria de alguém nos

tornamos pessoas mais importantes para ela, mas quando nos dispomos a chorar a

sua dor nos tornamos pessoas totalmente indispensáveis a ela. Chorar com alguém

que está triste é como tatuar-se no seu coração, pois esse alguém nunca mais será

esquecido.

Não precisamos obrigatoriamente ter a resolução para os problemas dos

outros. O que podemos fazer é compartilhar o fardo das pessoas, ouvi-las

empaticamente; deixar que elas exponham suas emoções mais profundas e recebe-

las; acolhê-las, como gostaria que elas fizessem por nós.

Até agora só ouvimos dor, dor e dor. Porém o discurso de Jó não acaba na

dor. No meio de sua dor pessoal, seus confrontos com o que dizem de si, no meio

de sua conturbada relação com Deus, suas dúvidas e desentendimentos, em meio

as suas crises relacionais, surge um pedaço de esperança: a dor não perde por

esperar!

Perguntas para reflexão:

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

1. Você concorda que a pior perda na vida é perder pessoas?

2. Quanto você está disposto a pedir ajuda a outras pessoas quando

experimenta a realidade da dor?

3. Como você tem participado da dor dos outros?

IV. Uma resposta de esperança

“Porque eu sei que o meu Redentor vive

e por fim se levantará sobre a terra.

Depois, revestido este meu corpo da minha pele,

em minha carne verei a Deus.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

Vê-lo-ei por mim mesmo,

os meus olhos o verão, e não outros;

de saudade me desfalece o coração dentro de mim.”

Jó 19.25-27

O que Jó está dizendo neste texto é que a dor pode ser grande e opressora,

mas vai ter um fim. Há uma segura, firme e certa esperança de que alguém vai tirá-

lo dessa. Por mais que o sofrimento faça germinar dentro de nós raízes de dor, é

nela que podemos nos sentir mais perto de Deus do que em qualquer outro lugar.

O resgate da esperança

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

Jó espera por seu Redentor. A palavra mais próxima traduzida para este

termo, na verdade, é o Resgatador, utilizada no Antigo Testamento para designar o

homem que reassume a posição de marido da mulher de seu parente mais próximo

que faleceu. O exemplo mais claro das Escrituras é o de Boaz com Rute.

Todavia, Jó faz um uso diferente do termo. O seu redentor ou resgatador aqui

é alguém que pode resgatá-lo não de “um casamento perdido”, mas de uma vida na

qual a dor tem sido a última palavra. Ele tem a esperança que alguém fará este

séquito de desespero retroceder.

É interessante notar que em todos os tempos os seres humanos mantêm

algum tipo de expectativa sobre um futuro melhor. Esta expectativa é presente em

filmes, histórias, mitos e lendas antigas e presentes, a humanidade sempre sonhou

com um final feliz para a sua história.

Heróis devolvem a paz para o mundo nos contos e nas ficções. Aqueles que

em meio ao caos nos colocam em liberdade. Parece que alguém criou um mundo de

harmonia, paz e estabilidade, mas algo de errado foi feito no passado que prejudicou

drasticamente nosso presente. Porém, em alguém é despejada a expectativa de

renovação.

Nos filmes como As Crônicas de Nárnia, esse personagem redentor é o leão

Aslam que interrompe na vida das personagens em meio ao caos aparente. Em O

Senhor dos Anéis temos redentor Frodo. Em Star Wars o salvador é Luke

Skywalker. Em Matrix a esperança do cosmos jaz sob o personagem Neo. Todos

nós temos esperança de um mundo em paz onde não haja mais dor, pecado e

inimizade.

Isso ilustra uma grande verdade: o mundo está em estado de caos e anseia

por um herói. Jó também espera esse herói. Todos nós temos uma expectativa de

um mundo em paz onde não haja mais dor, pecado e inimizade.

Jesus, o nosso Redentor

As Escrituras proclamam que muito mais do que um herói esperado como os

demais, Jesus Cristo é o Rei dos Reis, Senhor do Universo. Nele, nós podemos nos

firmar sem medo de errarmos o alvo. Jesus Cristo é a nossa esperança de

restauração!

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

A vinda de Jesus Cristo para o planeta Terra é a concretização do plano

eterno de Deus. A Escritura nos apresenta Deus, o Criador do universo, de tudo o

que existe, o Soberano que estabeleceu um plano com suas criaturas. A segunda

página dessa história é marcada pelas pautas negras do pecado da rebeldia,

comumente chamada de Queda.

Ali, a depravação do ser humano chegou a um declive tão íngreme que seu

destino mais justa não poderia ser outro a não ser de merecer a morte e o inferno.

Mas o Criador não foi pego de surpresa, ele promete ao povo manchado pela

negridão da morte uma maravilhosa esperança. Alguém virá não apenas para nos

livrar do inferno, mas para tirar o inferno de nós e nos devolver para os braços do

Criador, vivendo em amor em um novo mundo restaurado.

Esse é Jesus Cristo, a nossa real esperança. Ele cumpriu sua missão

encravando nosso escrito de miséria em seu próprio Corpo, morrendo em uma cruz.

Mas, a cruz não pôde pará-lo, ele ressurgiu!

E com ele também nós para uma nova história com Deus, que começa desde

já com a presença real do Espirito Santo, mas ainda não plenamente. A esperança

de Jó é a mesma dos cristãos: a morte irá morrer para sempre, e nós seremos

totalmente redimidos e carregados para o Reino de Jesus Cristo, de onde nunca

mais sairemos. A vinda de Jesus para a Terra é a prova de que ele quer consertar

as coisas.

Encarando a dor com esperança

Por isso, o livro de Jó é um convite para experimentar Deus na realidade do

sofrimento. Como pode ser possível experimentar a beleza de Deus na realidade do

nosso sofrimento e calamidades? Com uma palavra: esperança. Nós temos a única

palavra de esperança que a humanidade precisa conhecer: Jesus Cristo, o nosso

pronto socorre e resgate definitivo.

Quem crê em Jesus, tem certeza que a morte é só o começo, pois Jesus

venceu a morte, a dor, a lágrima e a tristeza. É isso que nos deixa de pé dia após

dia, como diz o Apóstolo Paulo: “Porque para mim tenho por certo que os

sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser

revelada em nós”. Rm 8.18.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

A resposta cristã para o sofrimento não é o bem-estar, nem é a ausência de

doença, mas é saber que um dia a dor vai ter um fim. O que nos deixa em pé diante

da dor é a nossa expectante saudade da eternidade.

A resposta cristã para o mundo em desordem é que o Redentor irá renovar a

sua criação, tratando o mal que a desfigura e a corrompe. Por isso, a morte e a dor

são inimigas vencidas. Diferente do que os pensadores do mundo imaginam, o

mundo em que vivemos não é um projeto que deve ser abandonado, nem um

processo evolutivo (mito do progresso). O que ele precisa é de redenção e de

renovação. É isso que foi prometido e garantido pela ressurreição de Jesus dentre

os mortos. É isso o que o mundo inteiro está aguardando.

É isso o que nós aguardamos enquanto vivemos em meio à dor, o momento

em que a vida e o poder da ressurreição irão invadir-nos, criando novos céus e nova

terra, enchendo-a com a glória de Deus, “como as águas cobrem o mar” (Is 11.9).

É o fim das lágrimas dos poetas, da igreja, dos mártires, das mães que

perdem seus filhos por causa dos assassinos do verso 8. É o fim das viúvas, é o fim

das crianças que morrem de câncer, dos filhos que perdem os pais, não há mais

velórios, luto ou sepultamentos.

É o fim do nominalismo cristão, pois os covardes, aqueles que negam a

Cristo, são condenados. É o fim dos abomináveis, da prostituição, dos lares

destruídos pela traição. É o fim das religiões de feitiçaria, é o fim da idolatria. É o fim

dos seguidores do Diabo, os mentirosos. Acabou o sofrimento, pois os perversos

foram finalmente julgados.

Deus renova todas as coisas!

Diante da alegria eterna o sofrimento se torna um devaneio passageiro, pois

Deus nos ama e já tem marcado na sua agenda o grande Dia em que o seu filho,

Jesus Cristo, com as suas próprias mãos enxugará dos nossos olhos toda e

qualquer lágrima e nos olhará nos olhos dizendo: “o choro acabou, as coisas antigas

passaram, tudo agora é novo e para sempre.”

Em Apocalipse 21.4 celebramos a promessa mais esperada dos seres

humanos: a morte da morte, o falecimento do fim e a eternização do “para sempre”.

Tudo isso é garantido, pois o Algoz da morte está sentado no trono e ele mesmo não

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está morto, pois é o alfa e o ômega, o Eterno em pessoa. Jesus Cristo mata a morte

para sempre da história dos seres humanos. Ele é a nossa garantia de vitória!

Um futuro maravilhoso nos aguarda. A sociedade quebrada não dará a última

palavra: Deus vai restaurar o mundo manchado pela queda. O nosso pecado não

terá a última palavra em nós, Deus vai restaurar a nossa intimidade plena com Ele.

E a morte, a temida morte, não tem mais a última palavra sob a aqueles que

ressuscitaram com Cristo, pois Deus matou a morte na cruz para sempre.

Nós podemos esperar ansiosamente pelo o que irá acontecer conosco no

futuro, porque tudo o que Deus faz ele o faz para a sua glória e para a nossa alegria.

Perguntas para reflexão:

1. Como nós temos encarado o sofrimento?

2. Qual tem sido a nossa reação diante da morte?

3. Qual é a esperança que nutre e fortalece os nossos corações?

4. Com qual intensidade temos esperado o nosso Salvador?

Livros que nos ajudam a lidar com a realidade do sofrimento:

AITKEN, Eleny Vassão de Paula. Aconselhamento a pessoas em final de vida.

São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

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A resposta cristã para a dorJean Francesco

_______, Eleny Vassão de Paula. Mal em bem. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.

BRÄUMER, Hansjörg. Sombras no meu caminho: o enfermo diante da

enfermidade e do Deus inescrutável. Curitiba: EEE, 1999.

FERREIRA, J. C. L., LEONEL, João. Perguntas sem respostas? Experimentando 

Deus na realidade do sofrimento. São Paulo: Editora Reflexão, 2009.

FRIESEN, Albert. Cuidando na Enfermidade. Curitiba, PR: Editora Evangélica

Esperança, 2007.

HYBELS, Bill. Encontrando Deus nas dificuldades da vida. Rio de Janeiro:

Textus, 2003.

KASTENBAUM, Rua e AISENBERG, R. Psicologia da morte. Editora da USP, São

Paulo, 1983.

KÜBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer. 8ª edição. Martins Fontes,

São Paulo, 1997. 

PETERSON, Eugene. O pastor que Deus usa. São Paulo: Mundo Cristão, 2008,

cap. 3: A tarefa pastoral de compartilhar a dor, p. 111-144.

WOLTERSTORFF, Nicholas. Lamento. Tradução de Joel Tibúrcio de Souza,

Viçosa, MG: Ultimato, 2007.

YANCEY, Philip. Deus sabe que sofremos. Traduzido por Emma Anders de Souza

Lima. São Paulo: Editora Vida, 1992.

YANCEY, Philip; BRAND, Paul. A dádiva da dor: por que sentimos dor e o que

podemos fazer a respeito. Traduzido por Neyd Siqueira. São Paulo: Mundo Cristão,

2005.