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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS. CURSO DE DIREITO A RESPONSABILIDADE CIVIL NA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL EDUARDA SEARA DE ABREU Biguaçu (SC), junho de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS. CURSO DE DIREITO

A RESPONSABILIDADE CIVIL NA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

EDUARDA SEARA DE ABREU

Biguaçu (SC), junho de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS. CURSO DE DIREITO

A RESPONSABILIDADE CIVIL NA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

EDUARDA SEARA DE ABREU

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Ms. Renato Heusi de Almeida.

Biguaçu (SC), junho de 2008.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à minha mãe querida, por todos

os inesquecíveis momentos, conversas, conselhos e

ensinamentos.

Ao meu irmão Antonio, que só está começando a

entender a palavra escrita, mas entendeu que

precisava dividir o computador com a irmã para que

este trabalho pudesse ser concluído.

Aos meus avós Antônio e Catarina: a tradução do

amor eterno.

Aos meus tios Fábio e Maria Bernadete, por sempre

trazerem palavras e gestos de carinho.

Ao meu noivo Luis Mário, pela paciência, o amor, o

incentivo e a compreensão.

Ao meu orientador, Professor Ms. Renato Heusi de

Almeida, também pela paciência e pelos

ensinamentos.

A todos que, de alguma forma, colaboraram com a

composição deste trabalho.

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DEDICATÓRIA

Ao meu irmão Antonio Manoel, que contribuiu com

este trabalho da melhor maneira possível: com

palavras e gestos de amor e afeto todos os dias.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu (SC), junho de 2008.

Eduarda Seara de Abreu Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito, da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Eduarda Seara de Abreu, sob o título

Responsabilidade Civil na Dissolução da Sociedade Conjugal, foi submetida em 17

de Junho à banca examinadora, composta pelos seguintes professores: Renato

Heusi de Almeida (presidente da banca), Maria Letícia Iconomos Baixo e Maria

Helena Machado, e aprovada com a nota 8,8 (oito vírgula oito).

Biguaçu (SC), 17 de junho de 2008.

Professor Ms. Renato Heusi de Almeida

Orientador e Presidente da Banca

Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica

Responsável pelo Núcelo de Prática Jurídica

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

ART. Artigo

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do

seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Responsabilidade Civil

“Responsabilidade Civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a

reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato por ela

mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela

pertencente ou de simples imposição legal” (DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de

direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006,

p.40).

Dano Moral

“Dano Moral é tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe

gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos

pela sociedade em que está integrado” (SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral

indenizável. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 92).

Dano Material

“Vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima,

consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe

pertencem” (DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro:

responsabilidade civil. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.40).

Casamento

“O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher, livres, que se unem,

segundo as formalidades legais, para obter auxílio mútuo material e espiritual de

modo que haja uma integração físico-psíquica, e a constituição de uma família”

(DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.

195-6).

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................................ ix

ABSTRACT .................................................................................................... x

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 12

CAPÌTULO 1 – A FAMÍLIA ............................................................................ 14

1.1 CONCEITO DE FAMÍLIA ........................................................................... 14

1.2 DAS FORMAS DE CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA .................................... 19

1.2.1 Casamento ............................................................................................. 19

1.2.2 União estável ......................................................................................... 25

1.3 DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL .......................................... 27

1.3.1 Morte de um dos cônjuges .................................................................. 28

1.3.2 Nulidade e anulação do casamento .................................................... 28

1.3.3 Separação .............................................................................................. 30

1.3.4 Divórcio .................................................................................................. 32

CAPÍTULO 2 – DA RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................... 34

2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................... 34

2.2 CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL .............................. 35

2.2.1 Responsabilidade civil Objetiva e Subjetiva ...................................... 36

2.2.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual ......................... 39

2.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................ 41

2.3.1 Ação ou omissão .................................................................................. 42

2.3.2 Culpa ..................................................................................................... 43

2.3.3 Dano ...................................................................................................... 44

2.3.3.1 Dano Moral .......................................................................................... 45

2.3.3.2 Dano Patrimonial ................................................................................. 47

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2.3.4 Nexo de causalidade ............................................................................ 48

2.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA ..................... 50

CAPÍTULO 3 – RESPONSABILIDADE CIVIL NA DISSOLUÇÃO DA

SOCIEDADE CONJUGAL ..............................................................................

53

3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL POR GRAVE INFRAÇÃO DOS DEVERES

CONJUGAIS ...................................................................................................

53

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR CONDUTA DESONROSA ................. 55

3.3 RESPONSBILIDADE CIVIL NOS CASOS DE CRIME DE UM CÔNJUGE

CONTRA O OUTRO .......................................................................................

56

3.4 NÃO-CARACTERIZAÇÃO DO DIREITO À INDENIZAÇÃO ...................... 57

3.5 DOS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À INDENIZABILIDADE DOS

DANOS ORIUNDOS DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL ........

58

3.5.1 Os alimentos como indenização ......................................................... 59

3.5.2 A alegada insuficiência da lei acerca do tema .................................. 61

3.6 APONTAMENTOS JURISPRUDENCIAIS ................................................. 62

3.6.1 Julgados nos quais se reconhece o dever de indenizar ................... 62

3.6.1.1 Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ............. 62

3.6.1.2 Decisão do Superior Tribunal de Justiça ............................................. 65

3.6.2 Julgados em que não se reconhece o dever de indenizar ............... 66

3.6.2.1 Decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro .............................. 67

3.6.2.2 Decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ........................ 70

CONCLUSÕES ............................................................................................... 73

REFERÊNCIAS............................................................................................... 76

ANEXOS ......................................................................................................... 80

ANEXO A – Apelação cível nº 2004.012615-8 ............................................. 81

ANEXO B – Recurso Especial nº 37051 .................................................... 88

ANEXO C – Divórcio e dano moral ............................................................. 89

ANEXO D – Agravo de Instrumento nº 70018415737 ................................. 97

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RESUMO

Este trabalho prima pela análise das hipóteses em que se poderá verificar a

possibilidade de reparação civil por dano moral ou material na separação e no

divórcio. O tema resta incontroverso, visto que essa reparação não é aceita por parte

da doutrina, que considera que as sanções próprias do direito de família, tais como a

condenação ao pagamento de pensão alimentícia e a proibição do uso do nome do

ex-cônjuge bastam para punir os danos advindos da não-observância dos deveres

conjugais ou da conduta desonrosa. A pesquisa doutrinária e jurisprudencial acerca

do tema, realizada no intuito de atingir o objetivo pertinente a este trabalho teve, no

entanto, como resultado a constatação de que, se presentes os pressupostos da

responsabilidade civil no fim da sociedade conjugal, o dever de indenizar será

imposto ao cônjuge causador do dano. As sanções impostas, no direito de família,

não possuem caráter reparatório. Tem-se, por exemplo, a pensão alimentícia que,

embora constitua prestação pecuniária simplesmente, serve para garantir a

subsistência do alimentado. Isso fica evidenciado a partir da conclusão de que os

alimentos podem, de acordo com a legislação em vigor à época desta monografia,

ser impostos mesmo sem atribuição da culpa. Pode-se constatar, ainda, que a não-

imputação do elemento culpa na separação não descaracteriza a proposição da

ação de indenização por danos, visto que a culpa pela separação do casal pode não

ter sido atribuída no momento da separação, e mesmo assim ter havido

descumprimento de dever conjugal ou conduta desonrosa que tenha gerado dano

merecedor de reparação.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Indenização. Casamento. Deveres

Conjugais. Dissolução da Sociedade Conjugal.

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ABSTRACT

This work analyzes the hypotheses where will be able to verify the possibility of

recovery for moral or material injury in the separation and divorce. The subject

remains undisputed, since this reparation isn’t accepted on doctrine part, which

considers the family law proper sanctions, such as the conviction to the alimony

payment and the prohibition of using the former-spouse name is enough to punish

the not-observance damages of the conjugal duties or dishonorable behavior. The

doctrinal and jurisprudential research concerning the subject, carried through the

intention to reach the pertinent objective to this work had, however, as resulted the

confirmation that, if present the civil liability conjectures at the conjugal society end,

the duty to indemnify will be imposed to the causing spouse damage. The sanctions

imposed in the family law do not have repairing character. It has, for example, the

alimony, even so constitutes simply disbursement, serves to guarantee the fed one

subsistence. This is evidenced from the conclusion that the food can, according to

the legislation in force at this monograph time, be imposed even without attributed

guilt. It can be evidenced, yet, that the guilt element not imputation in the separation

does not deprive of characteristics the action proposal for indemnification for

damages, since the guilt for the spouses separation couldn’t have been attributed at

the moment, and even of having conjugal duty breach of contract or dishonorable

behavior that has generated deserving repairing damage.

Key words: Civil liability. Conjugal Indemnity. Marriage. Conjugal Duties. Dissolution

of the conjugal society.

x

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a Responsabilidade Civil na

dissolução da Sociedade Conjugal. O seu objetivo é analisar a possibilidade de

reconhecimento e reparação dos danos sofridos pelo cônjuge, por infração dos

deveres conjugais ou conduta desonrosa.

A escolha do tema se deu porque, embora não se trate de problema novo

e desconhecido dos tribunais e cotidiano do Direito, ainda há discussão criada pela

divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da admissibilidade da reparação civil

na separação e divórcio. Verificou-se que os tribunais são resistentes à concessão

de reparação aos danos causados por um cônjuge ao outro. Entendeu-se, a partir

daí, que a relevância jurídica do tema consistiria em analisar os argumentos que

levam a essa resistência.

Essa escolha foi motivada, também, pelo conhecimento de ação referente

ao objeto da pesquisa, na qual um dos esposos mantinha uma relação

extraconjugal, chegando a pedir a amante em casamento. O cônjuge traído

descobriu o fato por terceiros, caracterizando a humilhação diante da sociedade na

qual estava inserida.

Assim, para que fosse atingido o objetivo proposto neste trabalho,

principia–se no Capítulo 1, tratando da Família. Fez-se, para tanto, o estudo a partir

de seus aspectos gerais, para, depois, apresentarem-se as formas pelas quais a

família se constitui, bem como de que modo é dissolvida a sociedade conjugal,

dando ênfase aos aspectos mais relevantes ao objetivo da pesquisa, como os

deveres do casamento, especificados no Código Civil de 2002, tema abordado em

todo o decorrer do trabalho e de entendimento prioritário para a compreensão desta

monografia.

No Capítulo 2, no qual se trata da Responsabilidade Civil, apresenta-se

seu conceito e a explicação sintetizada de suas subdivisões: a Responsabilidade

Civil Subjetiva e Objetiva e a Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual.

Passa-se, em seguida, à análise dos pressupostos do instituto, essenciais ao seu

estudo, quais sejam: a ação ou omissão; o dano, subdividido em dano moral e

material; e o nexo de causalidade entre os dois elementos, além do elemento culpa.

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Finda-se o capítulo com breves aspectos acerca da responsabilidade civil no direito

de família.

No Capítulo 3, tratando da Responsabilidade Civil na Dissolução da

Sociedade Conjugal apresenta-se uma análise das hipóteses em que se dará a

reparação por danos, morais ou materiais, advindos da infração aos deveres

conjugais ou da conduta desonrosa de um dos cônjuges. Prossegue-se com as

hipóteses que não caracterizam a responsabilidade civil na dissolução conjugal, e se

expõem os argumentos contrários a essa possibilidade: a suficiência dos alimentos

como reparação dos danos causados, e a carência de legislação que justifique o

pedido de indenização com base na quebra dos deveres conjugais ou conduta

desonrosa do cônjuge. O estudo é concluído com a apresentação de julgados de

Tribunais Pátrios acerca do tema.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações

Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da

estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a Responsabilidade

Civil na Dissolução da Sociedade Conjugal.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que foi utilizado o Método

Dedutivo em todas as fases de sua execução, partindo-se do geral para o

específico, por meio da técnica de pesquisa bibliográfica que buscou a doutrina, a

legislação e a jurisprudência para fundamentação deste trabalho. Além disso, nas

diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da

Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

A FAMÍLIA

Este capítulo tem como objetivo o estudo da Família, iniciando-se por

seus aspectos gerais para, ao final, culminar em pontos essenciais a esta pesquisa.

Assim, principia-se com o conceito, as formas e aspectos principais da sua

constituição, em que há a formação da sociedade conjugal, para, então, passar-se

ao estudo da sua dissolução.

1.1 CONCEITO DE FAMÍLIA

O direito de família sofreu diversas alterações decorrentes da

transformação da vida em sociedade e das mudanças de costumes e de idéias

verificadas através dos tempos. Essas transformações acompanharam, via de regra,

a constante mudança na tradução da palavra família.1

Com efeito, o referido vocábulo, em seu sentido jurídico, possuiu

diferentes conotações ao longo da história. Tal fato se explica pela evolução no

entendimento do conceito de entidade familiar e, por conseqüência, no direito de

família.

A família, que hoje é conhecida, é o resultado de um longo processo de

desenvolvimento histórico, não guardando muitos dos caracteres presentes em seus

estágios mais primitivos. Um conceito mais moderno de família não será, contudo,

desprendido do mais antigo, visto que este é produto da evolução sofrida ao longo

do tempo quando diferentes fatores levaram a transformar as relações entre seus

membros.2

1 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2.ed. rev. atual. e ampliada por Carlos Alberto

Bittar FIlho e Marcia Sguizzardi Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.26. 2 CASTELO BRANCO, Bernardo. Dano moral no direito de família. São Paulo: Método,

2006, p. 25.

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O Direito Romano conferiu à família uma estrutura com unidade jurídica,

econômica e religiosa, sob o poder soberano de um chefe, o pater familias, que

exercia autoridade sobre filhos, mulher e escravos, dispondo deles livremente.3

Nessa época, o conceito de família tinha múltipla acepção aplicando-se

não só a pessoas, como também à herança ou aos bens. Dessa forma, família, em

Roma, significava tanto o conjunto de pessoas sujeitas à autoridade do pater

familias, como os parentes unidos pela cognação4, e também o patrimônio ou

herança.5

Já, de acordo com o Direito Canônico, a idéia de família não poderia ser

dissociada do matrimônio que, sendo não apenas um contrato como também um

sacramento, era indissolúvel.6

No Direito Brasileiro, Pontes de Miranda definiu a família, segundo o

Código Civil de 1916, como tendo várias acepções:

Ora significa o conjunto das pessoas que descendem de tronco ancestral comum, tanto quanto essa ascendência se conserva na memória dos descendentes, ou nos arquivos, ou na memória dos estranhos; ora o conjunto das mesmas pessoas ligadas a alguém, ou a um casal, pelos laços de consangüinidade ou de parentesco civil; o conjunto das mesmas pessoas, mais os afins apontados por lei; ora o marido e mulher, descendentes e adotados; ora, finalmente, marido, mulher e parentes sucessíveis de um e de outra.7

Complementa, ainda, que “O Código Civil não emprega a palavra família

para caracterizar um círculo social. A expressão serve apenas para qualificar um

ramo do direito civil: o direito de família”8. Assim, semelhantemente à época romana,

anteriormente à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mas

durante a vigência do CC/19169, a família era vista como uma instituição

3 GOMES, Orlando. Direito de Família. 14.ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior.

Rio de Janeiro: Forense, 2001, p 39-40. 4 Cognação pode ser definida como a descendência comum do mesmo tronco, masculino ou

feminino. 5 GOMES, op. cit., p 33. 6 WALD, Arnoldo. Direito de Família. 5. ed. rev. ampl. e atualizada por Luiz Murillo

Fábregas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 11-3. 7 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, v.7, p.

204-5. 8 Ibid., p.205. 9 A partir deste momento, usa-se a expressão “CC/1916” para referência ao Código Civil

promulgado em 1916.

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essencialmente patriarcal. Essa assertiva fica evidente na análise do artigo 233, do

referido código: 10

Art. 233 - O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos.11

Outros artigos do CC/1916 demonstram igualmente a posição privilegiada

em que a figura masculina é tratada no Código de 1916, como, por exemplo, em

caso de discordância entre os pais na autorização de casamento do menor de vinte

e um anos, a vontade paterna prevaleceria sobre a materna, tratada no artigo 18612.

Beviláqua, autor do projeto do Código Civil promulgado em 1916, no

mesmo período, define família como

[...] um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os cônjuges e a respectiva progênie.13

Com igual entendimento, Washington de Barros Monteiro explica, em

relação à família, que:

Num sentido restrito, o vocábulo abrange tão somente o casal e a prole. Num sentido mais largo, cinge o vocábulo a todas as pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cujo alcance ora é mais dilatado, ora mais circunscrito, segundo o critério de cada legislação.14

Seguindo o critério da legislação anterior à Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, nos termos do artigo 175 da Constituição de 1967, a

família, como no Direito Canônico, era constituída somente pelo casamento.15

10 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5.ed., São Paulo: Atlas, 2007,

p.41-2. 11BRASIL. Constituição federal, Código civil e código de processo civil. Organizado por

Yussef Cahali. 10.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. 12 Art. 186 – “Discordando eles entre si, prevalecerá a vontade paterna, ou sendo o casal

separado, divorciado ou tiver o seu casamento anulado, a vontade do cônjuge, com quem estiverem os filhos” (Ibid.).

13 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. Campinas: Red Livros, 2001, p. 30. 14 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 03. 15 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : direito de família. 11a. ed. São Paulo: Saraiva, 1984,

v.6, p.04.

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Embora não aceitas pela sociedade e nem protegidas por meio da

legislação, as relações extramatrimoniais eram presentes na realidade jurídica e

social. Coube à jurisprudência, em primeiro plano, integrá-las.16

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 ocorreram, todavia, algumas mudanças significativas no conceito de entidade

familiar.17

Após essa Constituição, passaram a ser consideradas entidades

familiares, dignas de proteção do Estado, não somente aquelas fundadas no

matrimônio, como também as resultantes da união estável entre homem e mulher e

aquelas constituídas por um dos pais e seus descendentes, denominadas famílias

monoparentais.18

Os parágrafos 3º e 4º do artigo 226, da CRFB/8819, expressam essa

proteção:

Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. §4º- Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

O casamento deixou, portanto, de ser elemento indissociável da noção de

família, visto que esta pode ser constituída por outras formas constitucionalmente

asseguradas.20 Venosa, por sua vez, expõe sua visão a respeito dessa questão

quando explana o seguinte:

16 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 31-3. 17 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2.ed. rev. atual. e ampliada por Carlos Alberto

Bittar FIlho e Marcia Sguizzardi Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 07. 18 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38.ed., rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 03. 19 Usa-se, a partir deste momento, o termo CRFB/88 para designar a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988. 20 MONTEIRO, op. cit., p. 04.

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Em nosso país, a Constituição de 1988 representou, sem dúvida, o grande divisor de águas do direito privado, especialmente, mas não exclusivamente, nas normas de direito de família. O reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226 §7º) [sic] representou um grande passo jurídico e sociológico em nosso meio.21

Importa salientar que, por conseqüência, com a CRFB/88, o conceito de

família ampliou-se definitivamente na esfera jurídica. Acerca do tema, aponta Bittar

que

[...] o direito de família atual continua a encarar a família, portanto, como base da sociedade, considerando-a presente no matrimônio, na união estável e na família monoparental [...].22

O Código Civil de 2002, corroborando com esse entendimento, passou a

cuidar não somente das relações advindas do casamento, como também as

relações de união estável.23

Assim, diante da realidade social-jurídica que permeia a família, esta tem

seu conceito ainda visto sob uma ótica pluralista, que, abriga diferentes arranjos,

baseados prioritariamente na afetividade.24 Em vista disso, Paulo Luiz Netto Lôbo

pontua o seguinte:

Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade, tendo em vista que consagra a família como unidade de relações de afeto, após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procracionais, econômicas, religiosas e políticas.25

21 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.

07. 22 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2.ed. rev. atual. e ampliada por Carlos Alberto

Bittar FIlho e Marcia Sguizzardi Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 07. 23 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 04. 24 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3a. ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006. p. 39 25 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus

clausus. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 53, jan. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2552>. Acesso em: 30 jan. 2008.

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O conceito de família, hodiernamente, deve ter como base o princípio da

igualdade entre os cônjuges, previsto no artigo 226, §5º 26, da CRFB/88, e não será

atado à idéia de matrimônio.27

1.2 DAS FORMAS DE CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA

Consideram-se famílias aquelas formadas e/ou constituídas através do

casamento, união estável, bem como as monoparentais. Todas são protegidas

constitucionalmente nos termos do artigo 226, da CRFB/88, sendo a união estável

também regulada pelo Código Civil de 2002 em seus artigos 1.723 a 1.727.28

Importa salientar que outras formas de constituição da família também

são citadas pela doutrina e jurisprudência, ainda que não previstas na legislação.29

1.2.1 Casamento

Embora não mais a única forma de constituição, o casamento também é

meio importante pelo qual a família se forma. Assim, na clássica definição de

Modestino, casamento é “[...] a conjunção do homem e da mulher, que se associam

para toda a vida, a comunhão do direito divino e do direito humano”30.

26 Art.226 § 5º “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos

igualmente pelo homem e pela mulher”. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 02 maio 2008.

27 DIAS, Maria Berenice. Manual de fireito das famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.38.

28 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2.ed. rev. atual. e ampliada por Carlos Alberto Bittar FIlho e Marcia Sguizzardi Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 56.

29 DIAS, op. cit., p. 42-5. 30 MODESTINO apud MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de

família. 38.ed. rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p.22.

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20

Já, segundo Washington de Barros Monteiro, casamento se conceitua

[...] como a união permanente entre homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente, e de criarem seus filhos.31

Nesse mesmo sentido, Silvio Rodrigues aponta o casamento como

O contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência. 32

Ainda em relação ao conceito do matrimônio, Maria Helena Diniz pontua

que

[...] o casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher, livres, que se unem, segundo as formalidades legais, para obter auxílio mútuo material e espiritual de modo que haja uma integração físico-psíquica, e a constituição de uma família.33

Cabe salientar que o Código Civil de 2002, assim como não conceitua a

família, não conceitua o casamento. O artigo 1.511, no entanto, estabelece o

seguinte:

Art. 1.511- O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.34

Estabelece, através do dispositivo o Código, então a finalidade do

casamento, presente em seu conceito. A busca por essa igualdade entre cônjuges

teve seu início com o advento da Lei nº 4.121/62, o Estatuto da Mulher Casada.

Seus artigos cediam à mulher a titularidade do poder sobre os filhos, antes exclusiva

do marido, porém o exercício de tal titularidade continuou cabendo a este, sendo a

31 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p.22. 32 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 1984, v.6,

p.15. 33 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 195-6. 34 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.

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mulher mera colaboradora35. Essa Lei ajudou a diminuir a desigualdade, mas não

pôs fim a ela.36

Ademais, o casamento estabelece direitos e deveres para ambos os

cônjuges, elencados no artigo 1.566 e incisos37. Esses se fazem presentes no intuito

de regular as relações entre marido e mulher entre si, para com seus filhos, e

principalmente estabelecer, no mundo jurídico, a normatização dos aspectos

maiores que cada um dos cônjuges deve observar na constância do matrimônio,

visando, também, à solução de conflitos que possam surgir.38

O primeiro dever matrimonial a ser elencado pelo Legislador, no CC/2002,

é o da fidelidade recíproca. Sendo incontestável fator a ser observado pelos

cônjuges, não pode ser disposto em pacto antenupcial ou acordo de vontades

posterior. Assim, a infidelidade de que trata o inciso não é limitada à relação sexual

extraconjugal. Entende-se por infiel o cônjuge que pratica “[...] atos que embora não

cheguem à cópula carnal, demonstram o propósito de satisfação do instinto sexual

com pessoa diversa”.39 Não é importante, portanto, o sexo da “pessoa diversa ao

cônjuge”. Ainda que a relação extraconjugal seja homossexual, haverá quebra no

dever da fidelidade.40

O dever da coabitação se encontra elencado no inciso segundo. Quanto a

ele, Cahali afirma:

[...] insistem certos autores em identificar, no dever legal de coabitação, algo mais que a simples convivência sob o mesmo teto – a expressão, mero eufemismo, designaria o dever conjugal por excelência as relações sexuais entre marido e mulher; a convivência do casal não atingiria a sua plenitude com a simples moradia sob o

35 Art. 380 – “Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido

com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade” (BRASIL. Constituição federal, Código civil e código de processo civil. Organizado por Yussef Cahali. 10.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000).

36 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed. rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 144.

37 Art. 1.566 – “São deveres de ambos os cônjuges:I - fidelidade recíproca;II - vida em comum, no domicílio conjugal;III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos;V - respeito e consideração mútuos. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.> Acesso em: 02 mai 2008.).

38 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2a. ed. rev. atual. e ampliada por Carlos Alberto Bittar FIlho e Marcia Sguizzardi Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p.67.

39 MONTEIRO, op. cit., p. 146. 40 Ibid., p. 147.

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mesmo teto, mas reclamaria a própria satisfação do debitum conjugale.41

Cabe ressaltar que o afastamento do lar deve ser voluntário e injustificado

para efeitos do artigo. Os cônjuges podem se afastar do domicílio conjugal para

atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão ou a interesses

particulares relevantes, de acordo com o CC/2002.42 Não haverá quebra do dever

nesses casos, pois, ainda que o cônjuge não esteja presente, persistirão os

sentimentos de afeto e confiança entre os consortes. Não cessa o dever de

coabitação se um dos cônjuges adoecer gravemente, uma vez que também é dever

matrimonial a mútua assistência.43

Diante do dever legal da mútua assistência, a doutrina de Yussef Cahali

aponta:

[...] destaca-se o conceito unitário da lei um dever de assistência propriamente, como obrigação de fazer ou de prestar amparo e cooperação, mais no sentido moral; e um dever de socorro, caracterizado como obrigação de dar, que se cumpre mediante prestação econômica. Em outros termos, o cuidado do cônjuge enfermo, conforto na adversidade, participação nas dores e alegrias, de um lado; e de outro, auxílio econômico, quando as circunstâncias o exijam.44

Sustento, guarda e educação dos filhos, bem como o respeito e

consideração mútuos, completam os deveres enumerados na Lei, embora sejam

muitos outros aqueles que devam ser observados.45

41 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 11. ed. rev. e atual. de acordo com o

Código Civil de 2002.São Paulo: Editora dos Tribunais, 2005, p. 54. 42 Art. 1.569. “O domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro

podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes”. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.>. Acesso em: 02 maio 2008.).

43 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed. rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 151.

44 CAHALI, op. cit., p. 56. 45 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p

168.

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23

Além do fim especificado no CC/200246, evidentemente, o casamento

possui finalidades de cunho social e psicológico, tal como a satisfação pessoal dos

nubentes.47

Quanto à natureza jurídica do matrimônio, são três as teorias vigentes na

doutrina.48

Partindo-se da idéia de que a validade e eficácia do casamento decorrem

da vontade das partes, pensamento acolhido pelo Direito Natural e vigente no

Código de Napoleão, o matrimônio seria um contrato.49 Assim, contrato, na definição

de Washington de Barros Monteiro, é:

[...] o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito. Por esta definição, percebem-se a natureza e a essência do contrato, que é um negócio jurídico e que por isso reclama, para sua validade, em consonância com o art. 104 do Código Civil de 2002, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.50

Desse pensamento, retirou-se o conceito de contrato especial do direito

de família.51 Em vista disso, Silvio Rodrigues, aponta sua visão quando afirma que,

no casamento,

[...] os cônjuges ingressam pela manifestação de sua vontade, feita de acordo com a lei. Daí a razão pela qual, usando de uma expressão já difundida, chamei ao casamento contrato de direito de família, almejando, com esta expressão, diferençar [sic] o contrato de casamento, dos outros contratos de direito privado.52

46 A partir deste momento, usa-se a expressão CC/2002 para designação do Código Civil

promulgado em 2002. 47 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. 2.ed. rev. atual. e ampliada por Carlos

Alberto Bittar FIlho e Marcia Sguizzardi Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 59

48 MENDES, Elizier Willian Gomes. Danos morais na separação e no divórcio. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 40.

49 GOMES, Orlando. Direito de família. 14.ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 57.

50 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: dos contratos em geral, das várias espécies de contrato, da responsabilidade civil. 35.ed. rev. e atual. Por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva: 2007, v.5, 2ª parte, p. 05.

51 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38.ed. rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 23.

52 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 1984, v.6, p.17.

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No mesmo sentido, Orlando Gomes trata o matrimônio como um

[...] contrato de feição especial, a que não se aplicam as disposições legais dos negócios de direito patrimonial que dizem respeito: a) à capacidade dos contraentes; b) aos vícios de consentimento; c) aos efeitos.53

O casamento, sob outra ótica, seria uma instituição. De acordo com

Arnoldo Wald, o matrimônio

Não é contrato na sua formação, pois necessita de uma intervenção da autoridade pública, que é essencial e tem caráter constitutivo e não meramente probatório. Não é contrato nos seus efeitos, pois cria deveres legais que não têm caráter obrigacional. É assim uma verdadeira instituição à qual não se aplicam as normas gerais referentes ao direito das obrigações.54

Uma terceira teoria, denominada eclética, vê o matrimônio tanto como

contrato, visto que há o elemento volitivo das partes, quanto como instituição, já que

ocorre a interferência do poder público e não são alteráveis seus efeitos.55

A presença do Poder Público, no casamento, não modifica o papel

essencial da vontade das partes. Sendo assim, tal presença tem caráter declaratório,

apenas complementando a vontade dos contraentes. Igualmente, os cônjuges,

deliberadamente, submetem-se ao ordenamento jurídico imposto em relação ao

matrimônio, estando mais uma vez presente o elemento volitivo.56 Washington de

Barros Monteiro explica, em relação ao tema, que

O caráter volitivo está presente no casamento, em sua formação, duração e dissolução. Em razão de sua regulamentação ser realizada, em grande parte, por normas de ordem pública, de caráter imperativo, sua natureza contratual é especial: é um contrato de direito de família.57

Por tais motivos, neste trabalho, opta-se por seguir a corrente que

considera o casamento como contrato especial de direito de família.

53 GOMES, Orlando. Direito de família. 14.ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior.

Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 60. 54 WALD, Arnoldo. Direito de Família. 5.ed. rev. ampl. e atualizada por Luiz Murillo

Fábregas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 37. 55 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 23. 56 Ibid., p. 24-5. 57 Ibid., p.25.

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1.2.2 União Estável

Tal como o casamento, a união estável, regida no CC/2002, pelos artigos

1.723 a 1.726, e reconhecida constitucionalmente no parágrafo 3º, do artigo 226, é

forma de constituição da família. Antes da vigência do CC/2002, duas Leis foram

responsáveis pela regulamentação do instituto. A Lei nº 8.971/199458, além de

outros aspectos, assegurou aos companheiros o direito a alimentos e à sucessão.

Para a regulamentação da norma constitucional, foi criada a Lei nº 9.278/9459 que,

em linhas gerais, deu aos companheiros o direito real de habitação, além de fixar a

competência das varas de família para o julgamento das ações pertinentes à união

estável.60

Importante destacar que a união estável não se confunde com o

concubinato, sendo esse último conceituado no artigo 1.72761, do diploma civil de

2002. 62 Sobre a União Estável, Washington de Barros Monteiro aponta que ela

[...] é a ausência de casamento para aqueles que vivam como marido e mulher. O conceito de União Estável tem sido invariavelmente o de vida prolongada em comum com aparência de casamento.63

Ainda, em consonância com esse conceito, Venosa explica o seguinte:

Na União Estável existe a convivência do homem e da mulher sob o mesmo teto ou não mas more uxorio, isto é, convívio como se marido e esposa fossem. [...] Nesse sentido, a união estável é um fato jurídico, qual seja, um fato social que gera efeitos jurídicos. 64

58 BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L8971.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008. 59 BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L9278.htm> . Acesso em: 20 abr. 2008. 60 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 146. 61 1.727 – “As relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar,

constituem concubinato”. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008).

62 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed. rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p.30.

63 Ibid., loc. cit. 64 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005,

p.55.

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26

A Lei Civil65 estabelece requisitos para a configuração da União Estável,

uma vez que não é qualquer união entre duas pessoas que leva à caracterização do

instituto. Além da obrigatoriedade da inexistência de impedimento ao casamento, a

convivência entre o homem e a mulher deve ser pública e notória, ou seja, o meio

em que o casal vive deve reconhecê-los como sendo um casal; deve ser ainda

contínua e duradoura, não constituindo União Estável aquela união efêmera. Cabe

ressaltar que a Lei não condiciona o conceito da instituição a prazo mínimo de

constituição.66

Outrossim, aos cônjuges, no casamento, e aos companheiros também

são impostos pelo CC/2002 direitos e deveres a serem respeitados.67 Tais direitos e

deveres são semelhantes aos impostos pelo artigo 1.566, do diploma legal. O

legislador, para o caso dos companheiros, refere-se à obrigatoriedade da

observância da lealdade, do respeito, da assistência, e da guarda, sustento e

educação dos filhos.

Apesar de substituir o vocábulo “fidelidade” por “lealdade”, o sentido dado

pela Lei é idêntico. Ambos visam proteger a família monogâmica. Não é permitido,

portanto, que um indivíduo viva em regime de união estável com duas pessoas ao

mesmo tempo. Se ocorrido o caso em questão, apenas uma delas seria vista como

união estável e teria os direitos correspondentes ao reconhecimento desta.68

Esse não é, todavia, o pensamento de Maria Berenice Dias, que afirma o

seguinte:

Não se atina o motivo de ter o legislador substituído fidelidade por lealdade. Como na união estável é imposto tão-só o dever de lealdade, pelo jeito inexiste a obrigação de ser fiel, assim como não há o dever da vida em comum sob o mesmo teto. Portanto, autorizando a lei a possibilidade de definir como entidade familiar a

65 Art.1.723 – “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a

mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.). 66 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 150. 67 Art. 1.724 – ”As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de

lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.> Acesso em: 02 maio 2008.).

68 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed. rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 45.

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relação em que não há fidelidade nem coabitação, nada impede o reconhecimento de vínculos paralelos. Se os companheiros não têm o dever de serem fiéis nem de viverem juntos, a mantença de mais de uma união não desconfigura nenhuma delas.69

Esse pensamento parece não se manter doutrinariamente, uma vez que a

unicidade entre companheiro e companheira é condição para o reconhecimento da

união estável. Assim como no casamento, o dever de assistência abrange o sentido

moral e material. 70 Consoante ao dever material, aponta Washington de Barros

Monteiro:

Esse dever engloba a obrigação alimentar [...] e sendo exigível em todos os momentos da união. Dissolvida a união estável, consoante prevêem os arts. 1.694 e sgs. do mesmo diploma legal, a assistência material passa a ser prestada ao companheiro, a título de alimentos.71

Findam-se, assim, os pontos referentes à formação da sociedade

conjugal, através do casamento ou da união estável. Passa-se, então, ao estudo da

sua dissolução.

1.3 DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

O CC/2002 estabelece, no artigo 1.571 e incisos, os modos pelos quais é

terminada a sociedade conjugal: pela morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou

anulação do casamento, pela separação judicial e, por fim, pelo divórcio.

69 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006,p. 154. 70 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.

62. 71 Ibid., p. 45.

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1.3.1 Morte de um dos cônjuges

A morte de um dos cônjuges faz cessar o vínculo conjugal, fazendo com

que o sobrevivente tenha a liberalidade de contrair novas núpcias. Além dos casos

de morte real, admite-se também, para fins de dissolução do vínculo conjugal, a

morte presumida, “[...] na qual se considera alguém como falecido em virtude de seu

desaparecimento por longo tempo”72. O parágrafo primeiro, do artigo 1.571, autoriza

a dissolução baseada nessa presunção.73

1.3.2 Nulidade e Anulação do casamento

Também são causas terminativas da sociedade conjugal a decretação da

nulidade ou a anulação do casamento.74 Assim, diferencia-se o casamento nulo do

anulável pela presença de certas características. A anulabilidade é decretada pelo

interesse privado do cônjuge prejudicado que deve requerê-la; é prescritível, e pode

ser sanada pela ratificação do ato. O casamento será anulável conforme a regra do

artigo 1.550, do CC/2002.75

72 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22.ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007, v.5, p. 248. 73 1.571- “§ 1o O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo

divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.).

74 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 11.ed. rev. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2005, p 61.

75 Art. 1.550 – “É anulável o casamento: I - de quem não completou a idade mínima para casar;II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;VI - por incompetência da autoridade celebrante.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.).

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Já a nulabilidade não pode ser ratificada, não prescreve e é matéria de

ordem pública, com decretação exigida pelo interesse da sociedade em

geral.76Quanto ao tema, Bittar aponta que

[...] a complexa estruturação jurídica do casamento impõe o respeito a pressupostos fáticos e de direito, cuja ausência ou inobservância pode ocasionar a inexistência, a nulidade ou a anulabilidade do ato. Descrito alhures esse elenco, tem-se, de um lado, que a falta dos pressupostos naturais necessários produz a inexistência do casamento (assim, a diversidade de sexo, a falta de celebração, ou de celebrante, ou ainda de consentimento), e de outro, o desrespeito aos requisitos acarreta a nulidade absoluta do negócio realizado (assim, a falta de capacidade dos cônjuges, a existência de impedimentos e a ruptura de requisitos extrínsecos, preliminares ou concomitantes à cerimônia), ou a anulabilidade ou nulidade relativa (assim, na violação de causas de anulabilidade e no erro essencial quanto à pessoa do cônjuge).77

O casamento contraído, não obstante a presença dos impedimentos

elencados no artigo 1.521, incisos I a VII, do CC/200278, pelo enfermo mental, que

não tem o necessário discernimento para os atos da vida civil, é nulo.79 O primeiro

inciso apresenta a proibição de casamento entre ascendentes e descendentes.Tais

relações merecem ser rejeitadas pelo ordenamento jurídico por motivos tanto

históricos, em razão dos costumes, como por motivos de saúde pública, visto que

filhos advindos de tais relações possuem maior propensão a apresentarem

problemas genéticos. Pelos mesmos motivos são impedidos de casarem-se os

76 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 200, v.2, p. 113. 77 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. 2. ed. rev. atual. e ampliada por Carlos

Alberto Bittar FIlho e Marcia Sguizzardi Bittar. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.147. 78 Art. 1.521 – “ Não podem casar:I - os ascendentes com os descendentes, seja o

parentesco natural ou civil;II - os afins em linha reta;III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;V - o adotado com o filho do adotante;VI - as pessoas casadas;VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.).

79 Art. 1.548 – “É nulo o casamento contraído: I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;II - por infringência de impedimento.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.).

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irmãos, unilaterais e bilaterais, e demais colaterais até terceiro grau, inclusive,

conforme o inciso terceiro do referido artigo.80

Como a CRFB/88 equipara filhos biológicos aos adotados, os incisos II e

V, do artigo 1.521, tratam do impedimento do casamento entre o adotante com quem

foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante, bem como do

adotado com o filho do adotante. Já o segundo inciso trata do impedimento para o

matrimônio entre afins em linha reta, também vigorando por razões morais e de

costume.81

Ultrapassadas as considerações acerca dos impedimentos calcados no

vínculo do parentesco, explana-se a respeito dos dois últimos incisos. O inciso VI, do

artigo 1.548, impede as pessoas casadas de contraírem núpcias. Evidentemente,

trata o artigo de casamento ainda em vigor, sem qualquer alusão ao fato de os

contraentes terem ou não casado anteriormente, mas já rompido o vínculo

matrimonial. 82

Por último, não podem casar o cônjuge sobrevivente com o condenado

por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. O impedimento é

caracterizado pela condenação, e tem igualmente razões morais para sua

existência, baseada na suposta repugnância que o cônjuge sobrevivente deveria

sentir por quem ceifou a vida de seu consorte.83

1.3.3 Separação

A separação judicial põe termo à sociedade conjugal sem, contudo, pôr

fim ao vínculo matrimonial. Há, com ela, o fim dos deveres de coabitação e

fidelidade. Anteriormente ao CC/2002, era regulada pela Lei nº 6.515/77, chamada

80 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 16.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006, v.6, p. 82. 81 Ibid., p. 83. 82 Ibid., p. 86. 83 Ibid., p. 87.

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Lei do Divórcio. Atualmente, apenas aqueles dispositivos que tratam de matéria não-

abordada no Código Civil permanecem em vigor. 84

A separação se dará por vontade dos dois cônjuges ou pelo desejo de

somente um deles, caso em que será litigiosa. Quando por mútuo consentimento

dispensa motivação, no entanto o casal só poderá se separar depois de um ano de

casado.85

Desse modo, se apenas um dos cônjuges terminar a sociedade conjugal,

a separação será litigiosa. O artigo 1.572 estabelece que, para que um dos

consortes proponha a separação litigiosa, deve imputar ao outro ato que importe

grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. O

artigo 1.573, por sua vez, enumera os motivos que impossibilitam a comunhão da

vida, sem ser taxativo, visto que seu parágrafo único admite que o juiz considere

outras possibilidades que tornem a vida comum insuportável. Ainda, o disposto nos

parágrafos 1º e 2º, do artigo 1.572, permite o pedido de separação judicial.86

Quanto à necessidade de atribuição de culpa de um cônjuge pelo outro, a

doutrina diverge. Entrementes, a jurisprudência vem decretando as separações

diante da constatação de simples quebra do vínculo afetivo, sem que seja

necessária a imputação da culpa, apesar do constante na Lei.87A respeito desse

tema, Washington Monteiro de Barros aponta o seguinte:

Muito tem se falado sobre a abolição da culpa no direito de família, especialmente nas rupturas do casamento sob a alegativa de que seria um dos maiores atrasos de nossa legislação, uma intervenção indevida do Estado na intimidade do casal, uma definição de sentimentos que não cabe ao direito realizar. Procura-se em outras

84 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed.rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p.238-9. 85Art. 1.574 – “Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se

forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção. Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.).

86 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. 2.ed. rev. atual.e ampliada por Carlos Alberto Bittar FIlho e Marcia Sguizzardi Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.176-7.

87 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 258-9.

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ciências, especialmente na psicanálise, justificar a abolição da culpa nas relações familiares e de casamento.88

Discordando de tais pensamentos, continua:

A culpa é fundamento da responsabilidade civil, havida como inexecução consciente de uma norma de conduta, na ciência do direito. Na psicanálise não é um sentimento condenado, mas, bem ao contrário, é considerado como essencial no convívio em sociedade. A reparação é também elemento havido como indispensável à integração da pessoa no meio em que vive, tanto no direito, como na psicanálise.89

A intervenção do Estado só ocorre a pedido do cônjuge prejudicado, não

sendo obrigatória ou arbitrária. Embora a declaração da culpa não deva, sem

qualquer exceção, gerar a perda dos alimentos ou a guarda dos filhos, ela gera “[...]

efeitos relevantes na preservação humana por meio da aplicação dos princípios da

responsabilidade civil”.90

1.3.4 Divórcio

Segundo Orlando Gomes, Divórcio é a dissolução de um casamento válido, pronunciada em vida dos cônjuges mediante decisão judicial, em virtude de um acordo de vontades, conversão de separação judicial, ou causa taxativamente enunciada em lei91

Diz-se que o divórcio dissolve casamento válido, pois o casamento nulo

ou o anulável obedece a outras normas para sua dissociação.O divórcio dissolve o

vínculo e a sociedade matrimonial, de forma que os ex-cônjuges podem contrair

novas núpcias. 92 Chegou, efetivamente, ao Brasil com a aprovação da Lei nº

88 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 38.ed., rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 251-2. 89 Ibid., p. 252. 90 Ibid., loc. cit. 91 GOMES, Orlando. Direito de Família. 14.ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior.

Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 287. 92 Ibid., loc.cit.

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6.515/77, a Lei do Divórcio. Ele pode dar-se de duas formas: através da conversão

da separação judicial ou separação de corpos, quando decretada há mais de um

ano, segundo o artigo 1.580, do CC/2002; ou de forma direta, quando não houve

separação judicial, porém o casal encontra-se separado de fato há mais de dois

anos, em acordo com o parágrafo 2º, do artigo 1.580. Cabe acentuar que a

conversão de separação a divórcio é uma faculdade, e não-obrigatória.93

Assim como na separação, o divórcio será litigioso ou consensual. Nesse

último, somente caberá ao juiz verificar as formalidades do processo, proferindo

sentença homologatória. Se litigioso, com base no prazo de um ano da decretação

da separação judicial, deverá ser comprovado. Na ação do divórcio, não cabe

referência à causa da separação, ainda que tenha sido decretada a culpa de um dos

cônjuges por esta. Provado o decurso do tempo da separação judicial, inexiste óbice

que impeça a conversão em divórcio.94

Concluído o estudo acerca da família, o desenvolvimento histórico de seu

conceito, sua formação e as formas de sua dissolução, bem como os aspectos de

maior relevância, tendo em vista o tema proposto neste trabalho, aborda-se, a

seguir, a responsabilidade civil, assunto que igualmente se adequa ao objeto da

presente monografia.

93 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 16.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006, v.6, p. 283-7. 94 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 272-4.

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CAPÍTULO 2

DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Neste capítulo, estudam-se os aspectos pertinentes à responsabilidade

civil, tendo por fim dar continuidade ao estudo que levará ao objeto deste trabalho,

qual seja demonstrar as hipóteses de responsabilidade civil na dissolução da

sociedade conjugal. Abordam-se em primeiro plano: o conceito, as principais

classificações, e os pressupostos do tema em questão, com ênfase no elemento

dano. Por fim, trata-se da responsabilidade civil dentro do direito de família.

2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil é comumente conceituada através de seu

resultado, qual seja: a necessidade de reparação do dano gerado pelo ato ou

omissão do agente. Esclarece-se essa afirmação por meio das palavras de

Washington de Barros Monteiro, quando ele afirma o seguinte:

Embora a doutrina não seja uniforme na conceituação da responsabilidade civil, é unânime na afirmação de que esse instituto jurídico firma-se no dever de “reparar o dano”, sendo que a idéia de reparação tem maior amplitude do que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que se cogite da ilicitude da ação.95

Confirmando o pensamento, Serpa Lopes afirma que

[...] a responsabilidade civil é a obrigação de apurar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva.96

95 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: dos contratos em geral, das

várias espécies de contrato, da responsabilidade civil. 35.ed. São Paulo: Saraiva: 2007, v.5, 2ª parte, p. 501.

96 SERPA LOPES apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 112.

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Na mesma linha, Maria Helena Diniz define a responsabilidade civil como:

[...] a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.97

Segundo Stoco, autores franceses também vislumbravam a

responsabilidade civil sob esse prisma, como se observa no trecho a seguir:

[...] se René Savatier considerava a responsabilidade como obrigação de alguém ter que reparar o dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou coisas que dele dependam (Traité de la Responsabilité Civile em Droit Français. 10 ed. Paris: LDJ – R. Pichon e R. Durand-Auzias, 1951, v. 1, p.1), M.A. Sourdat- com outras palavras, mas traduzindo o mesmo raciocínio – a define como o dever de reparar dano recorrente de fato de que se é autor direto ou indireto (Traité General de la Respondabilité Civile. 6. ed. Paris: LGDJ, 1911). 98

De acordo com tais pensamentos, pode-se atribuir a obrigação de reparar

o dano, gerado o aporte para o conceito de responsabilidade civil.

2.2 CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Conforme seu fundamento, se baseado ou não na culpa, a

responsabilidade civil é dividida em objetiva e subjetiva. De acordo com seu fato

gerador, se pré-existente ou não acordo entre as partes, será contratual ou

extracontratual.99 Essas classificações são base de breve estudo.

97 DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 20.ed.

São Paulo: Saraiva, 2006, p.40. 98 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 112. 99 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo Saraiva, 1995,

p. 21-2.

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2.2.1 Responsabilidade civil Objetiva e Subjetiva

O fundamento no elemento culpa diferencia as teorias em questão. A

Responsabilidade Civil objetiva não se apóia nesse conceito, estabelecendo a

aplicação da Teoria do Risco: a responsabilidade do agente decorre do seu próprio

ato, que oferece perigo de lesão ao patrimônio material ou moral da vítima. Já, na

Responsabilidade Civil subjetiva, é indispensável a existência da culpa na conduta

do agente da qual resultou o dano a outrem. 100

A responsabilidade civil subjetiva foi abraçada pelo Código Civil de 1916,

em seu artigo 159, que colocou a culpa e o dolo como fundamentos na obrigação de

reparar o dano. O código civil de 2002, atualmente em vigor, no artigo 186, também

adotou, como regra, a responsabilidade civil subjetiva, baseando-se na teoria da

culpa. 101Assim, de acordo com Carlos Roberto Gonçalves,

Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.102

Ainda, no âmbito de uma tentativa conceitual, Monteiro expõe que a

responsabilidade subjetiva

[...] pressupõe sempre a existência de culpa (lato sensu), abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a culpa (stricto sensu), violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar, mas que descumpre por negligência, imprudência ou imperícia. Desde que esses atos impliquem vulneração ao direito alheio e acarretem prejuízo a outrem, surge a obrigação de indenizar, respondendo civilmente o culpado.103

100 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 156-7. 101 Ibid., loc. cit. 102 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo Saraiva, 1995,

p.17-8. 103 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: dos contratos em geral, das

várias espécies de contrato, da responsabilidade civil. 35.ed. São Paulo: Saraiva: 2007, v.5, 2ª parte, p. 503.

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Assim, a teoria da culpa está ligada à idéia do comportamento do agente,

que deve conter o elemento culpa, não sendo considerado capaz de gerar a

indenização a conduta humana qualquer.104Cabe ressaltar, ainda, que os aspectos

pertinentes aos elementos culpa e dolo são estudados, posteriormente, neste

trabalho.

Destarte, sendo regra a imposição da teoria da culpa, a lei elenca casos

em que esse elemento não se faz necessário para que ocorra a responsabilização

do agente.105 Em consonância com o exposto, o ensinamento de Rui Stoco deixa

claro que,

[...] embora a responsabilidade subjetiva continue sendo a regra que informa a responsabilidade civil no Código Civil, como se verifica no artigo 186, que conceitua o ato ilícito e constitui o seu suporte e espinha dorsal, não é mais sobranceira ou única nesse Estatuto. Em inúmeras passagens, mas sempre com previsão expressa, ele dispõe acerca de hipóteses pontuais de responsabilidade sem culpa. E essa tendência é progressiva. Todavia, no Código do consumidor a responsabilidade objetiva é regra, assim como em outras importantes leis especiais.106

A responsabilidade objetiva surgiu em função da insuficiência da

imposição da culpa em abranger todas as situações em que se faz necessária a

reparação do dano. Esses casos ficaram mais visíveis com o advento da

industrialização e do desenvolvimento tecnológico do final do Século XIX. Com o

aumento de maquinários, empresas e veículos, houve também o aumento de

acidentes nos quais a prova da culpa se fazia quase impossível diante da pouca

força do indivíduo, causada pelo desequilíbrio social. Diante dessa desigualdade,

civilistas europeus deram corpo à Teoria do Risco, em que se apóia a

responsabilidade objetiva.107Nessa linha, afirma Caio Mário:

A insatisfação com a teoria subjetiva tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A multiplicação das oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos

104 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,

1993, p. 29-30. 105 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo Saraiva, 1995,

p.18. 106 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 158. 107 PEREIRA, op. cit., p. 260.

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os casos de reparação. Esta, com efeito, dentro da doutrina da culpa, resulta da vulneração de norma preexistente, e comprovação de nexo causal entre o dano e a antijuricidade da conduta do agente. Verificou-se como já ficou esclarecido, que nem sempre o lesado consegue provar estes elementos. Especialmente a desigualdade econômica, a capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de prova trazidos ao processo nem sempre logram convencer da existência da culpa, e em conseqüência a vítima remanesce não indenizada, posto que se admita que foi efetivamente lesada.108

Cabe, então, conceituar a Teoria do Risco. De acordo com Gonçalves,

Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi ônus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo. 109

O Código Civil de 2002 consagrou a teoria do risco ao lado da teoria

subjetivista, no parágrafo único, do artigo 927, que diz110:

Art. 927- Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.111

Outrossim, são diversos os “casos especificados em lei” que autorizam a

aplicação da responsabilidade sem culpa. O Código de Defesa do Consumidor (Lei

nº 8078/90); a Lei nº 6.194/74, que trata do seguro obrigatório (DPVAT); e a Lei nº

108PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.

260. 109 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo Saraiva, 1995,

p.18. 110 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:

Responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.17. 111 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.

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6938/81 (que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, em seu artigo 14)

são alguns exemplos.112

2.2.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual

A responsabilidade contratual surge como efeito do descumprimento de

uma obrigação entre as partes; decorrente de um vínculo pré-existente, ou seja, de

um contrato ou de relação contratual, ao passo que pela extracontratual não há

relação pré-existente entre as partes, sendo originária de ato ilícito.113 Acerca dessa

questão, tem-se uma melhor compreensão a partir das palavras de Gagliano e

Pamplona Filho:

Assim, se o prejuízo decorre diretamente da violação de um mandamento legal, por força da atuação ilícita do agente infrator (caso do sujeito que bate um carro), estamos diante da responsabilidade extracontratual [...]. Por outro lado, se, entre as partes envolvidas, já existia uma norma jurídica contratual que as vinculava, e o dano decorre justamente do descumprimento de obrigação fixada neste contrato, estaremos diante de uma situação de responsabilidade contratual.114

Separando as duas classificações, tem-se que a responsabilidade

contratual “é a inexecução previsível e inevitável, por uma parte ou seus sucessores,

de obrigação nascida em contrato, prejudicial à outra parte ou seus sucessores”.115

Desse modo, a responsabilidade civil contratual encontra-se regulamentada no

Código Civil de 2002, nos artigos 389 a 393 e 395, e seguintes.116

Quando existe contrato, há norma entre as partes e, por conseqüência,

um dever positivo para uma delas, relativo à prestação, o que já lhe impõe

112 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 160. 116 Ibid., p.139. 114 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:

Responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 17. 118 STOCO, op. cit., p. 140. 116 GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, op. cit.,loc.cit.

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responsabilidade, bastando ao demandante levar a prova do inadimplemento para

que se presuma o dano e o nexo de causalidade.117

A responsabilidade extracontratual ou aquiliana está consagrada nos

artigos 196 a 188 e 927, e seguintes, do CC/2002, e não pressupõe a existência de

vínculo anterior entre as partes, mas, sim, violação da norma legal. 118Essa é

considerada por Rui Stoco da seguinte forma:

Em resumo, a responsabilidade extracontratual é o encargo imputado pelo ordenamento jurídico ao autor do fato, ou daquele eleito pela lei como responsável pelo fato de terceiro, de compor o dano originado do ato ilícito, ou seja, da obrigação daquele que por ação ou omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem.119

Caio Mário, por sua vez, expõe a diferença entre as duas classificações

em estudo:

Na culpa contratual há um dever positivo de adimplir o que é objeto da avença. Na culpa aquiliana, é necessário invocar o dever negativo ou obrigação de não prejudicar, e, comprovado o comportamento antijurídico, evidenciar que ele percutiu na órbita do paciente, causado-lhe um dano específico.120

Não obstante as diferenças apontadas, os dois casos terão a mesma

conseqüência. A obrigação nascida tem por objeto a reparação do dano causado.

Assim, qualquer que seja a sua origem, o resultado sempre será o mesmo: o dever

de indenizar aquele que foi lesionado.121

117 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,

1993, p. 245-6. 118 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:

Responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 17. 119 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 140. 120 PEREIRA, op. cit., p.246. 121 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Atlas,

2004, p. 25.

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2.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O artigo 186, do CC/2002, versa o seguinte:

Art. 186 - Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 122

Depreende-se do artigo os pressupostos da responsabilidade civil. São

eles a ação ou omissão, o dano e o nexo causal entre eles.

A doutrina discorda quanto à inclusão da culpa como requisito da

responsabilidade civil. 123 Em vista disso, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona

Filho defendem sua exclusão, como atestam suas palavras:

A culpa, portanto, não é elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade.124

Discorda desse entendimento a maior parte da doutrina, exemplificada por

Orlando Gomes:

[...] a culpa integra necessariamente o conceito de ato ilícito. Não basta, com efeito, que alguém pratique ato contra jus, ou que cause dano a outrem. Para que esses atos sejam ilícitos, necessário se torna que o agente viole direitos de outrem, causando-lhe prejuízo por desvio de conduta. Contudo, a exigência do elemento subjetivo, como requisito indispensável à caracterização do ato ilícito, sofre contestação, por se admitir atualmente, em casos limitados, o dever de indenizar independentemente de culpa.125

Acompanhando as palavras de Orlando Gomes, também atesta Rui

Stoco:

122 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.

123 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 130.

124 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006 p. 28.

125 GOMES, Orlando. Obrigações. 16.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000,p. 274.

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[...] quando o legislador, na Parte Geral do Código Civil, conceituou o ato ilícito, fê-lo com as seguintes exigências: a existência de uma ação ou omissão voluntária; que essa ação ou omissão tenha sido praticada mediante negligência ou imprudência e que tal comportamento viole o direito preexistente, quer dizer, que seja contra jus. Exigiu-se, como se verifica, para que nasça o ato ilícito, além da ofensa ao ordenamento jurídico, que essa conduta tenha ocorrido intencionalmente ou por imprudência ou negligência. A culpabilidade é, pois, elemento essencial 126

Corroborando com esse último entendimento, inclui-se, na presente

pesquisa, a análise sobre a culpa, que é estudada à frente, no rol dos pressupostos

para a responsabilidade civil, de acordo com a regra geral adotada pelo Código Civil.

Passa-se, então, à breve análise de cada um dos pressupostos apontados.

2.3.1 Ação ou omissão

A conduta humana praticada com voluntariedade e contrária à ordem

jurídica, positiva ou negativa, ou seja, através de ação ou omissão, inicia a série de

fatos que culminam na indenização pelo dano, seja material ou moral.127Essa

voluntariedade, no entanto, não se confunde com a vontade de produzir o resultado

danoso. Este último é pressuposto do dolo, como explica Caio Mário:

[...] cumpre assinalar que não se insere no contexto de ‘voluntariedade’ o propósito ou a consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a consciência de causar prejuízo. Este é um elemento definidor do dolo. A voluntariedade pressuposta na culpa é a ação em si mesma. Quando o agente procede voluntariamente, e sua conduta voluntária implica ofensa ao direito alheio, advém o que se classifica como procedimento culposo128

Assim, a voluntariedade da ação se caracteriza, de acordo com Maria

Helena Diniz,

126 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 131. 127 Ibid., p. 129. 128 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2001, p. 70.

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[...] por esta ser controlável pela vontade à qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; em estado de inconsciência, sob o efeito de hipnose, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo ou por provocação de fatos invencíveis como tempestades, incêndios desencadeados por raios, naufrágios, terremotos, inundações, etc.129

Essas regras aplicam-se, também, nos casos de omissão. A omissão,

como já apontado, é a conduta negativa. Ela surge quando alguém não realiza

determinada ação no momento em que deveria. Segundo Rui Stoco, “[...] sua

essência está propriamente em não se ter agido de determinada forma”130.

Cabe ressaltar, finalmente, que o CC/2002 adotou, além da

responsabilidade civil por ato próprio, ou seja, quando o próprio agente imputado

comete a ação ou omissão, a responsabilidade civil indireta, por ato de terceiro,

vislumbrada nos artigos 932, 936 e 937.131

2.3.2 Culpa

Culpa, segundo Venosa, pode ser compreendida como a “inobservância

de um dever que o agente devia conhecer e observar”.132Em sentido amplo dentro

do campo civil, a culpa abrange o dolo e a culpa decorrente da negligência,

imprudência ou imperícia. Desse modo, o dolo é caracterizado pela intenção.

Segundo Silvio Rodrigues, “[...] age com dolo aquele que, intencionalmente, procura

causar dano a outrem; ou ainda aquele que, consciente das conseqüências funestas

de seu ato, assume risco de provocar o evento danoso”.133

A culpa, por sua vez, em sentido estrito, é vista por Rui Stoco como “[...]

o agir inadequado, equivocado, por força de comportamento negligente, imprudente

129 DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil.

20.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.44. 130 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p.130. 131GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:

Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 35. 132 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Atlas,

2004, p. 27. 133 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 34.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1, p. 311.

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ou imperito, embora o agente não tenha querido o resultado lesivo, desde que

inescusável”134. Ainda, é caracterizada pelo mesmo autor da seguinte forma:

A culpa pode empenhar ação ou omissão e revela-se através da imprudência (comportamento açotado, precipitado, apressado, exagerado ou excessivo); da negligência (quando o agente se omite deixa de agir quando deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas pelo bom senso, que recomendam cuidado, atenção e zelo); e da imperícia (a atuação profissional sem o necessário conhecimento técnico e científico que desqualifica o resultado e conduz ao dano).135

A negligência e a imprudência, que qualificam a culpa e estão presentes

no artigo 186, do CC/2002 também são definidas por Rui Stoco:

A imprudência é a falta de cautela, o ato impulsivo, o agir açodado ou precipitado, através de uma conduta comissiva (...) a negligência é o descaso, a falta de cuidado ou de atenção, a indolência, geralmente o non facere quod debeatur , quer dizer, a omissão quando do agente se exigia uma ação ou conduta positiva.136

Desse modo, conclui-se que a negligência e a imprudência são vistas de

formas opostas. Enquanto a primeira perfaz-se na omissão, no ‘deixar de fazer’ ou

de observar algo, a segunda é o ato positivo, o agir desenfreado.

2.3.3 Dano

Cumpre, então, definir o dano que, nas palavras de Antônio Jeová

Santos,

[...] é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade

134 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2007, p. 133. 135 Ibid., p. 130. 136 Ibid., p. 134.

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psíquica ou física, as possibilidades de acréscimos ou novas incorporações [...].137

Depreende-se, então, que o dano pode afetar tanto o patrimônio material

como o imaterial, ou seja, tanto pode atingir os bens como a honra do indivíduo,

caso em que ocorre o dano moral. Para que se atinja o objetivo deste trabalho,

passa-se a tecer considerações acerca desse tipo de dano.

2.3.3.1 Dano Moral

O dano moral é conceituado por Yussef Cahali como:

[...] tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado [...].138

Encontram-se, também, conceitos de ordem negativa, em contraponto ao

dano material,139 tal como aponta José Aguiar Dias:

[...] quando ao dano não corresponde às cadacterísticas do dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral. A distinção, ao contrário do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o lesado.140

Esses conceitos encontram-se ultrapassados, pois são fruto de correntes

doutrinárias que não aceitavam a reparação do dano quando este fosse

exclusivamente moral, ou seja, não atingisse o patrimônio do indivíduo. No entanto,

o dano moral tem caracteres próprios e é imperativa sua conceituação desprendida

da conceituação de dano material. 141

137 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2003, p. 74. 138 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2005, p. 22. 139 Ibid., loc. cit. 140 DIAS, José Aguiar apud REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. 3.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2000, p. 09. 141 SANTOS, op. cit., p. 92.

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Dano moral então, no apontamento de Venosa, é ”[...] o prejuízo que afeta

o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima”142, ou ainda, para Antonio Jeová

Santos, “[...] aquele que no mais íntimo de seu ser padece quem tenha sido

magoado em suas afeições legítimas, traduzidas em dores e padecimentos

pessoais.”143 Efetivamente, o dano moral foi concebido como direito

constitucionalmente garantido a partir da CRFB/88 em seu artigo 5º, incisos V e X,

que expõe:

Art 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação [...].144

Os dispositivos constitucionais apontados solucionaram a ampla

controvérsia gerada quanto à aplicabilidade ou não da reparação por danos morais.

Havia, anteriormente à CRFB/88, corrente doutrinária que negava tal reparação

quando o dano fosse unicamente moral.145 Com efeito, a CRFB/88 “[...] elevou à

condição de garantia dos direitos individuais a reparabilidade dos danos morais”146,

porém, anteriormente à garantia constitucional exposta, a jurisprudência e doutrina

majoritária já acolhia a indenização por danos morais, calcada no artigo 159, do

CC/1916,147 que não restringia a indenização a danos materiais.148

142 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Atlas,

2004, p. 39. 143 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2003, p. 95. 144 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 02 maio 2008.

145 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 34.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1, p. 311. 146 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2005, p. 55. 147 Art. 159 - “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,

violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>.Acesso em: 02 maio 2008.).

148 VENOSA, op. cit., p. 39.

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Ainda, a redação do artigo 186, do CC/2002, não deixa dúvidas sobre a

reparabilidade do dano moral dentro do ordenamento brasileiro. Há, também, outras

legislações que prevêem a possibilidade de reparação por dano moral. É o caso do

exposto no artigo 6º, incisos VI e VII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº

8.078/1990) e, também, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº

8.069/1990) no seu artigo 17.

2.3.3.2 Dano Patrimonial

O dano patrimonial, ou material, em oposição ao dano moral, pode ser

avaliado monetariamente. Se a perda material sofrida não puder ser ressarcida de

forma a re-atingir seu status quo, a indenização será feita pelo seu equivalente em

dinheiro.149

Venosa afirma que dano patrimonial, então, é “[...] aquele suscetível de

avaliação pecuniária, podendo ser reparado por reposição em dinheiro, denominador

comum da indenização”150. Em uma visão mais ampla, Maria Helena Diniz explica

que

O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem dano patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios.151

Dessa forma, a indenização é calculada pela diminuição no patrimônio da

vítima, causada por ocorrência de dano material.152

149 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 128. 150 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Atlas,

2004, p. 36. 151 DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil.

20.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.40. 152 Ibid., p.40.

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Encerrados os aspectos concernentes ao elemento dano dentro da

responsabilidade civil, passa-se a analisar o nexo de causalidade que deve existir

entre este e a ação humana, tratado anteriormente.

2.3.4 Nexo de causalidade

Mesmo que existam e sejam comprovados o dano e a ação humana, não

há que se falar em reparação sem a existência de relação, ou seja, de nexo causal

entre um e outro. Assim, é essencial sua comprovação, e enorme é sua importância

dentro do estudo da responsabilidade civil.Para que ocorra o nexo causal, é

necessário que o dano tenha sido produzido pela conduta do agente, e não de outra

circunstância.153

O nexo de causalidade é, nada mais, que o vínculo entre o dano e a ação

que o produziu. Maria Helena Diniz afirma que “[...] o fato lesivo deverá ser oriundo

da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível.”154 No entanto, na sua

determinação, surgem questões atinentes à dificuldade de sua prova e na

identificação do fato que constitui a causa do dano, já que, em inúmeras vezes, o

dano poderá ter sido causado por causas diversas.155

Duas teorias são apontadas para a solução desse conflito. A primeira

delas é a teoria da equivalência das condições, ou conditio sine qua non. Idealizada

por Von Buri e abraçada pelo Código Penal Brasileiro de 1940156, é a teoria pela

qual não se distinguem as causas ou condições que concorreram para o resultado,

pois todas são valoradas igualmente. Para determinar se uma condição constitui

causa do resultado, elimina-se teoricamente a condição. Se, ainda assim, o

153 GOMES, Orlando. Obrigações. 16.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 274. 154 DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil.

20.ed. São Paulo: Saraiva, 2006,, p. 110. 155 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 151. 156 Art. 11- “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a

quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. (BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 194. Disponível em: <www.brailejuridico.com.br/penal.htm >. Acesso 02 mai 2008.).

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resultado persistir, ela será considerada causa do evento danoso.157 Rui Stoco,

contudo, explica seu ponto negativo ao afirmar que

O grande inconveniente dessa teoria é que se poderá considerar como causador do resultado quem quer que tenha inserido na linha causal, permitindo-se uma regressão quase infinita.158

Em contrapartida, a segunda teoria, apresentada por Von Kries, propõe

que nem todas as condições podem ser consideradas causa, somente aquela mais

apropriada a produzir o resultado. Denominada causalidade adequada, a teoria

explicita que a causa do dano deve ser, de acordo com a experiência comum,

aquela mais idônea para produzi-lo. Ainda a respeito dessa questão, Martinho

Garcez Neto preconiza que,

[...] para aferir-se a responsabilidade de acordo com a teoria em estudo, o juiz deve retroceder até o momento da ação ou da omissão, com o objetivo precípuo de estabelecer se esta era, ou não, idônea a produzir o dano. Assim, para a definição da causa do dano, será necessário proceder-se a um juízo de probabilidades, de modo que, entre os antecedentes do dano, haveria que destacar aquele que está em condições efetivas de tê-lo produzido. O juízo de probabilidade ou previsibilidade das conseqüências é feito pelo julgador, retrospectivamente, e em atenção ao que era cognoscível pelo agente, levando-se em consideração o homo medius. 159

Não obstante as duas teorias, a análise minuciosa do caso concreto é que

permite ao julgador a percepção da existência do nexo causal entre o dano e a ação

humana. Outrossim, se o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima, caso fortuito,

ou força maior rompe-se o nexo causal, não ocorrendo por conseqüência a

obrigação de indenizar.160

Ultrapassado o estudo dos pressupostos da responsabilidade civil,

direciona-se o estudo para a abrangência do direito de família. Cabe ressaltar que,

qualquer que seja a classificação imposta, terão que estar presentes os três

157 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,

1993, p. 78. 158 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 151. 159 GARCEZ NETO apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. 160 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Atlas,

2004, p. 45-6.

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pressupostos essenciais, quais sejam: a ação humana, o dano, e o nexo de

causalidade entre eles.

2.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA

As pessoas são passíveis de sofrer danos, em esfera individual,

decorrentes de ofensas a direitos da personalidade. Estes danos podem, também,

acontecer dentro da entidade familiar.161 Em vista disto, Carlos Alberto Bittar leciona

o seguinte:

[...] como componente de uma família ou de entidade familiar, pode sofrer lesões provocadas por qualquer de seus integrantes, como o cônjuge, filho e parentes outros, tanto naturais, como civis, concubino ou concubina, observando-se que, nessas hipóteses, há sempre prévia vinculação entre as partes, legal ou contratualmente estabelecida. A par disso, nesses casos, os lesionamentos suscitam ainda efeitos jurídicos específicos previstos na legislação correspondente (assim, o desate do vínculo produzido pelo divórcio decorrente de grave infração aos deveres conjugais, a deserdação de herdeiro determinada por agressão ao titular da herança, a suspensão do pátrio poder derivada de castigos imoderados impostos ao filho, e outros).162

Os princípios norteadores da responsabilidade civil, no entanto, não

haviam encontrado até recentemente o ordenamento jurídico brasileiro no âmbito do

direito de família. A matéria, em comparação a outros países já bem mais evoluídos,

é relativamente nova e ainda permeada de discussões. 163Assim, Castelo Branco,

expõe, em relação à questão, que

[...] o direito brasileiro só recentemente passou a acenar com a admissibilidade da aplicação de alguns dos princípios da responsabilidade em matéria de direito de família, em especial no âmbito do matrimônio, concentrando-se a abordagem do tema ao

161 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3.ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1999, p. 188. 162 Ibid., p. 189. 163 MENDES, Elizier Willian Gomes. Danos Morais na Separação e no divórcio. Rio de

Janeiro: Forense, 2000, p. 19.

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campo da doutrina, eis que raros são julgados que enfrentam a questão, pouco debatida em nossos Tribunais.164

É fato que a responsabilidade civil dentro do direito de família,

principalmente no âmbito dos casos de dissolução conjugal, encontra óbices entre

alguns doutrinadores. Em especial, as ações fundadas em dano moral encontram

resistência de boa parte da doutrina sob o argumento de falta de normas

autorizadoras para tal reparação.165

Esse argumento, porém, se dissolve frente à regra do artigo 186, do

CC/2002, que vigora na parte geral do código, abrangendo todos os seus livros,

inclusive a parte destinada ao direito de família.166 Desse modo, a obra de

Washington de Barros Monteiro complementa que,

Quando do rompimento do casamento ocorre com descumprimento de deveres, está configurado o ato ilícito, e se daí decorrem danos ao consorte, estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, conforme dispõe o art. 927 do novo Código Civil. 167

O referido autor ainda afirma que

Não há qualquer motivo que impeça a indenização por danos morais e materiais ocasionados por infração a dever do casamento. O direito de família, que regula as relações dos cônjuges, não está num pedestal inalcançável pelos princípios da responsabilidade civil. Pensamento diverso, ao imaginar que coloca o casamento num plano superior, na verdade, deixa de oferecer proteção aos cônjuges, impedindo-lhes a utilização do mais relevante instrumento jurídico, que assegura condições existenciais da vida em sociedade: a reparação civil de danos.168

São vários os exemplos que podem determinar a responsabilidade civil

dentro do direito de família. Luiz Felipe Haddad por sua vez expõe que,

Na esfera jurídico-familiar podem, às vezes aparecer hipóteses de reparação de dano moral em determinados atos ilícitos e crimes praticados por um cônjuge contra outros, que sejam alheios ao problema da ruptura do compromisso diretamente, e se equivalham a

164 BRANCO, Antonio Castelo. Dano moral no direito de família. São Paulo: Método, 2006,

p. 55. 165 Ibid., p. 57. 166 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 258. 167 Ibid., p. 258. 168 Ibid., loc. cit.

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qualquer ato danoso praticado por qualquer indivíduo contra outro indivíduo. O marido que, covardemente, espanca a mulher a ponto de aleijá-la ou lhe acarretar minusvalia neuropsíquica causa, é certo, dano moral a ela (podendo causar dano estético se lesar sua beleza física). A mulher que espalha perante a sociedade que o marido é impotente ou que não é o verdadeiro pai de seus filhos estará certamente infringindo-lhe dano moral.169

Cabe ressaltar que, embora sendo o objeto deste trabalho, não só na

dissolução conjugal caberão as regras da responsabilidade civil dentro do direito de

família. Aguiar Júnior expõe diversos artigos dentro do livro reservado à família no

novo Código Civil que se não observadas configuram o ato ilícito. Como exemplos,

citam-se os art. 1637170, art. 1638171 e art. 1752172.173

Parte-se, agora, para o capítulo derradeiro deste trabalho que tem como

tema seu objetivo final: a pesquisa da responsabilidade civil na dissolução da

sociedade conjugal.

169 HADDAD, Luiz Felipe apud CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3.ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2005, p. 758. 170 Art. 1.637 – “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles

inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 mai 2008.).

171 Art. 1.638 – “Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho;II - deixar o filho em abandono;III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.” BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>.Acesso em: 02 maio 2008.).

172 Art. 1.752 – “O tutor responde pelos prejuízos que, por culpa, ou dolo, causar ao tutelado; mas tem direito a ser pago pelo que realmente despender no exercício da tutela, salvo no caso do art. 1.734, e a perceber remuneração proporcional à importância dos bens administrados.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>.Acesso em: 02 maio 2008. 173 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Direitos fundamentais do direito de família. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 367.

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CAPÍTULO 3

RESPONSABILIDADE CIVIL NA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

Este último capítulo aborda as hipóteses em que se dá o direito de

indenização por danos morais e materiais na dissolução da sociedade conjugal.

Para que se atinja o objetivo proposto, expõem-se as possibilidades em que poderá

dar-se a reparação por danos ou morais ou materiais, advindos da infração aos

deveres conjugais ou da conduta desonrosa de um dos cônjuges. Prossegue-se

apresentando também as hipóteses que não caracterizam a responsabilidade civil

na dissolução conjugal, bem como se apresentam os argumentos contrários a essa

possibilidade. O estudo é concluído com a apresentação de julgados de Tribunais

Pátrios acerca do tema.

3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL POR GRAVE INFRAÇÃO DOS DEVERES

CONJUGAIS

Como já visto, o casamento pressupõe uma série de deveres a serem

observados pelos cônjuges. Tais deveres estão enumerados no artigo 1.566, do

CC/2002: fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua

assistência, respeito e consideração mútuos, sustento, guarda e educação dos

filhos. A não-observância a esses deveres permite ao cônjuge inocente requerer a

separação judicial.174

Se da infração a esses deveres decorrem danos efetivos, físicos ou

morais ao cônjuge, estarão presentes os pressupostos da responsabilidade civil.

Surge, portanto, o dever de indenizar.175 Em vista disso, Cahali leciona que:

[...] parece não haver a mínima dúvida de que o mesmo ato ilícito que configurou infração grave dos deveres conjugais, posto como fundamento para a separação judicial contenciosa com causa

174 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 253. 175 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 874.

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culposa, presta-se igualmente para legitimar uma ação de indenização de direito comum por eventuais prejuízos que tenham resultado diretamente do ato ilícito para o cônjuge afrontado. O ato ilícito preserva a sua autonomia ainda que projetados duplamente os seus efeitos: como representativo de infração dos deveres conjugais, posto como causa da dissolução do casamento e como causa de responsabilidade civil da regra geral do art. 186 do Código.176

Mendes tem, também, o mesmo entendimento acerca dessa questão.

Isso fica evidente quando ele expõe o seguinte:

É de se verificar que pelo descumprimento do dever conjugal e pelo rompimento do casamento de forma culposa, atingindo-se a esfera da personalidade do outro cônjuge, causando-lhe sofrimento, seja pela prática do adultério ou outro ato qualquer que coloque o parceiro em posição de inferioridade, trazendo-lhe desconforto em seu interior, há que se conceder, ao menos, a possibilidade da reparação de forma ampla do dano sofrido. Convém ressaltar a possibilidade nestes casos, inclusive, da cumulação dos danos materiais e patrimoniais, sem embargo do dano moral.177

Ainda, no mesmo sentido, Wladimir Valler explica que:

A violação dos deveres explícitos ou implícitos do casamento, constituindo ofensa à honra e à dignidade do consorte, caracteriza injúria grave, e, por conseguinte, pressuposto autorizador da separação judicial. A separação judicial ou o divórcio importam em um dano para o cônjuge atingido pela conduta antijurídica do outro, violadora dos valores conjugais que sustentam as relações familiares, ensejando a reparação dos danos meramente patrimoniais, como dos danos morais.178

Na ocorrência dos pressupostos essenciais à caracterização da

responsabilidade civil, o cônjuge causador do dano poderá ser obrigado a indenizar

o cônjuge sofredor dos danos morais ou materiais, uma vez que existindo indivíduo

titular de direitos, esses não podem ser impunemente atingidos. Assim, mister se faz

compensar a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade,

interfira tanto nos bens materiais como no comportamento psicológico do cônjuge

176 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.

762-3. 177 MENDES, Elizier Willian Gomes. Danos morais na separação e no divórcio. Rio de

Janeiro: Forense, 2000, p. 113. 178 VALLER. Wladimir. A reparação do dano moral no Direito brasileiro. 2.ed. Campinas:

E. V. Editora, 1994, p.158.

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inocente, causando-lhe dor, sofrimento, angústia e desequilibro em seu bem-estar e

a sua integridade psíquica, até como forma de reprimir a sua ocorrência. 179

As causas que mais comumente levam à obrigação de reparar o dano são

aquelas enumeradas nos primeiros incisos do artigo 1.573, do CC/2002, quais

sejam: o adultério, tentativa de morte; sevícia ou injúria grave e abandono voluntário

do lar conjugal. Elas correspondem à infração dos deveres conjugais dispostos no

artigo 1.566, do mesmo diploma. Podem trazer dano, dando ensejo à sua reparação,

ainda outras situações que caracterizem igualmente a quebra dos deveres conjugais

ou imputem ao cônjuge conduta desonrosa, como, por exemplo, a transmissão

dolosa ou culposa de doenças venéreas ou infecto-contagiosas.180

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR CONDUTA DESONROSA

Conduta desonrosa é o ato que ultraja a honra do outro cônjuge.

Outrossim, a análise do caso concreto é imprescindível, visto que algumas condutas

poderão levar à impossibilidade da vida em comum sem que, contudo, sejam

enquadradas como desonrosas. 181

Se da conduta desonrosa do cônjuge sobrevier dano ao esposo,

configurar-se-á o dever de indenizar, visto que estarão presentes os pressupostos

da responsabilidade civil.182

3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE CRIME DE UM CÔNJUGE

CONTRA O OUTRO

O artigo 935, do CC/2002, dispõe:

179 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 874. 180 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed.

Curitiba: Juruá, 2005, p. 280-6. 181 Ibid., p.225. 182 CASTELO BRANCO, Bernardo. Dano moral no direito de família. São Paulo: Método,

2006, p. 67.

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Art. 935 - A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.183

Da mesma forma, é disposto no artigo 63, do Código de Processo Penal:

Art. 63 - Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.184

Diante dessas normas, verifica-se que a sentença penal serve como

prova do fato. Assim, nos casos de crime de um cônjuge contra o outro, tendo a

vítima nas mãos a sentença penal, o fato será incontroverso, não cabendo mais

discussões sobre sua existência, apenas bastando que a obrigação seja liquidada

no juízo cível.185

A reparação cível, nos casos de crime de um cônjuge contra outro, é

amplamente admitida pela doutrina. Nesse sentido, discorre Antonio Castelo Branco

que

[...] não resta dúvida que a infração penal, independentemente da condição de vítima, se vinculada ou não ao ofensor pelo matrimônio, determina a reparação dos danos materiais e morais dela decorrentes, pois seria implausível afastar aquela conseqüência legal da conduta criminosa, pela qualidade de cônjuge do ofendido, que antes constitui circunstância a agravar a censurabilidade da conduta do ofensor. 186

De tal maneira, impositivo é o reconhecimento de que havendo crime

entre cônjuges, tais como lesões corporais, tentativa de homicídio, injúria, entre

183 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008.

184 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: < http://www.tre-sc.gov.br/legjurisp/codigo_processo_penal.html>. Acesso 02 maip 2008.

185 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2005,p. 279.

186 CASTELO BRANCO, Bernardo. Dano moral no direito de família. São Paulo: Método, 2006, p. 58.

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outros, implicará ao culpado, além da condenação penal, a obrigação de indenizar o

dano.187

3.4 NÃO-CARACTERIZAÇÃO DO DIREITO À INDENIZAÇÃO

Cediça é a doutrina ao afirmar que a separação judicial por si só não

enseja o direito de indenização. Esse “nasce do dano (material ou moral) causado

pelo comportamento culposamente extremado e anormal de um cônjuge ou

convivente sobre o outro”.188

Quanto ao surgimento da obrigação de indenizar na dissolução da

sociedade conjugal, Maria Berenice Dias afirma que

O sonho do amor eterno, quando acaba, certamente traz dor e sofrimento, e a tendência sempre é culpar o outro pelo fim de um amor jurado eterno. O desamor, a solidão, a frustração da expectativa de vida a dois não são indenizáveis. Para a configuração do dever de indenizar, não é suficiente o ofendido demonstrar sua dor. Somente ocorrerá a responsabilidade civil se presentes todos os seus elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal. Não cabe indenizar alguém pelo fim de uma relação conjugal. Pode-se afirmar que a dor e a frustração, se não são queridas, são ao menos previsíveis, lícitas, e, portanto, não indenizáveis.189

Ainda, da obra de Washington de Barros Monteiro, pode-se extrair a

seguinte assertiva:

Note-se que o desamor por si só, não gera o direito a indenização, sendo indispensável o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil: ato ilícito (violação a dever conjugal) e dano (moral ou material), para que caiba a reparação civil na dissolução da sociedade conjugal.190

187 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed.

Curitiba: Juruá, 2005, p. 280. 188 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 873. 189 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 102. 190 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 260.

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Cabe ressaltar que as excludentes da responsabilidade são as mesmas,

tanto para o direito de família quanto para as outras áreas do direito.191

3.5 DOS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À INDENIZABILIDADE DOS DANOS

ORIUNDOS DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

Expõem-se, na doutrina, alguns argumentos contrários à indenizabilidade

dos danos oriundos da dissolução da sociedade conjugal. Diante do tema, Castelo

Branco argumenta que:

[...] ainda é minoritária a corrente daqueles que admitem a reparação dos danos morais na hipótese de separação judicial [...] conquanto admita aquela reparação afastando os principais argumentos da posição negativista, fundados na ausência de norma autorizadora e na suficiência das sanções do direito de família para responder à ofensa praticada pelo cônjuge culpado pela separação [...].192

O assunto também é abordado por Maria Berenice Dias, ao manifestar-se

com receio acerca do dano moral no âmbito das relações familiares. Seu

pensamento é assim exposto:

Há uma acentuada tendência de ampliar o instituto da responsabilização civil. O eixo desloca-se do elemento do fato ilícito para, cada vez mais, preocupar-se com a reparação do dano injusto. O desdobramento dos direitos de personalidade faz aumentar as hipóteses de ofensa a tais direitos, ampliando-se as oportunidades para o reconhecimento da existência de danos. A busca da indenização por dano moral transformou-se na panacéia para todos os males. Visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato que possa gerar algum desconforto, aflição, apreensão ou dissabor. Claro que essa tendência acabou se alastrando até as relações familiares [...].193

191 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed.

Curitiba: Juruá, 2005, p.278. 192 CASTELO BRANCO, Bernardo. Dano moral no direito de família. São Paulo: Método,

2006, p. 57. 193 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3.ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 100.

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Conforme o tema, tecem-se algumas considerações: primeiramente,

acerca dos alimentos como indenização e, em segundo lugar, sobre a alegada

insuficiência de norma acerca do assunto.

3.5.1 Os alimentos como indenização

Assentam alguns autores que a condenação do cônjuge culpado à

indenização por danos materiais e morais seria afronta ao princípio do non bis in

idem, já que ele arcaria com a prestação de alimentos ao cônjuge inocente. 194

Essa tese não tem como prosperar, uma vez que a indenização por danos

e a pensão alimentícia têm naturezas jurídicas diversas. Não há, nos alimentos,

qualquer caráter de sanção. Prova disso é que, ainda que a separação se dê sem

imposição de culpa, poderá haver imposição de pensão alimentícia de um cônjuge

para o outro.195

Além disso, o artigo 1.704, do CC/2002 prevê que “se um dos cônjuges

separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a

prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado

culpado na ação de separação judicial.”196. Se os alimentos tivessem caráter de

sanção por atos impróprios do cônjuge, não teria razão de ser a expressão “se vier a

necessitar” contida no artigo, pois os alimentos seriam devidos, sendo necessários

ao cônjuge inocente ou não.197

Outrossim, o parágrafo único do referido 1.704, do CC/2002, ainda reforça

a tese de que os alimentos não têm natureza indenizatória, visto que obriga o

cônjuge inocente a prover alimentos ao outro se este não tiver parentes que possam

fazê-lo.198Nesse sentido, assinala Rui Stoco:

194 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed.

Curitiba: Juruá, 2005, p. 257. 195 CASTELO BRANCO, Bernardo. Dano moral no direito de família. São Paulo: Método,

2006, p.62. 196 BRASIL. Lei nº 10.406, de 02 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 maio 2008. 197 CARVALHO NETO, op. cit., p.265. 198 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed.

Curitiba: Juruá, 2005, p.265.

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Segundo nos parece, não há confundir os alimentos devidos por um cônjuge ao outro com reparação de dano. Os alimentos são devidos, segundo a lei, para assegurar a sobrevivência do outro cônjuge e continuam devidos na separação litigiosa ou amigável, se, nesta, assim restar convencionado. Os alimentos nada indenizam, pois são apenas “alimentos”, ou seja, “quaisquer quantias concedidas ou dadas a título de provisão, assistência ou manutenção, a uma pessoa por uma outra, que por força de lei, é obrigada a prover às suas necessidades alimentícias e de habitação”. 199

Mario Moacyr Porto, por sua vez, afirma que

A concessão judicial da pensão não tira do cônjuge abandonado a faculdade de demandar o cônjuge culpado para obter uma indenização por outro prejuízo que porventura tenha sofrido ou advindo do comportamento reprovável do outro cônjuge.200

Ainda, conforme Inácio de Carvalho Neto,

Os alimentos têm um fim específico, que não abrange todas as finalidades da indenização. Na fixação dos alimentos tem-se em vista, exclusivamente, o sustento do cônjuge credor, não se tendo em conta outros aspectos a indenizar.201

Em consonância com esse aspecto, Washington de Barros Monteiro

explana o seguinte:

Note-se por fim que a condenação no pagamento de pensão alimentícia e indenização por danos morais e materiais é perfeitamente possível, em face das naturezas e finalidades diversas desses institutos.202

Conclui-se, então, que a indenização de que trata este trabalho não se

exaure na concessão de alimentos, posto que os dois institutos têm naturezas

jurídicas diversas, não caracterizando bis in idem a condenação simultânea a

alimentos e danos morais ou materiais.203

199 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 872. 200 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1995,

p. 72. 201 CARVALHO NETO, op. cit., p.266. 202 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38.ed. rev.

e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 262. 203 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2005, p. 762.

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3.5.2 A alegada insuficiência de lei acerca do tema

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Código Civil

de 2002, bem como a Legislação extravagante disciplinaram o casamento e a sua

dissolução, assim como lhes estabeleceram princípios. Não há, no entanto, artigos

ou normas específicas e expressas que determinem a responsabilidade civil na

dissolução da sociedade conjugal.204 Acerca do tema, Carlos Roberto Gonçalves

dispõe que,

[...] no tocante à indenização em caso de separação judicial com infração dos deveres conjugais, nada existe em nosso direito, tratado apenas no direito alienígena. Não estabelece a nossa lei nenhuma sanção pecuniária contra o causador da separação, por danos materiais ou morais sofridos pelo cônjuge inocente.205

Já foi explanado, todavia, no fim do capítulo 2 deste trabalho que, o artigo

186, do Código Civil, vigora em sua parte geral, abrangendo todos os seus livros,

inclusive a parte destinada ao direito de família.

Assim, a grave violação dos deveres do casamento ou conduta

desonrosa, que causa prejuízo ao cônjuge, configura o ato ilícito que, de acordo com

o artigo 927, do CC/2002, gera a obrigação de indenizar. Segundo Inácio de

Carvalho Neto, “[...] qualquer ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência que violar direito, ou causar prejuízo a outrem é fato gerados da

obrigação de indenizar”206.

3.6 APONTAMENTOS JURISPRUDENCIAIS

204 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 871. 205 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo Saraiva, 1995,

p. 70. 206 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed.

Curitiba: Juruá, 2005, p. 258.

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Encerradas as questões doutrinárias, parte-se agora para a análise do

caso concreto, visualizado através de julgados de alguns Tribunais Brasileiros e do

Superior Tribunal de Justiça. Para melhor compreensão, as jurisprudências foram

divididas entre aquelas em que não houve reconhecimento do dever de indenizar, e

aquelas em que um dos cônjuges foi condenado à indenização por dano moral ou

material.

3.6.1 Julgados nos quais se reconhece o dever de indenizar

Os julgados expostos neste subcapítulo reconheceram ao autor o direito

de receber indenização por dano durante a separação ou o divórcio. Assim, expõe-

se primeiro a ementa para, em seguida, tecerem-se comentários baseados na

pesquisa efetuada.

3.6.1.1 Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina207

O julgado possui a seguinte ementa:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO LITIGIOSA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO CONHECIMENTO EM RAZÃO DA INCOMPATIBILIDADE DE RITOS. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO (CPC, ART. 292, § 2º). CULPA PELA SEPARAÇÃO DO VARÃO. ADULTÉRIO COMPROVADO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR CARACTERIZADA. É permitida a cumulação de vários pedidos num único processo, contra o mesmo réu ou reconvinte, quando preenchidos os requisitos do artigo 292, § 1º, do Código de Processo Civil. A desobediência ao dever de fidelidade recíproca acarreta dor moral ao cônjuge enganado, autorizando a condenação do consorte infiel ao pagamento de indenização por danos morais. O valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, por um lado, de lenitivo para a dor psíquica sofrida pelo lesado, sem importar a ele enriquecimento sem causa ou estímulo ao abalo suportado; e, por outro, deve

207 A íntegra do acórdão é disponibilizada no anexo “A”.

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desempenhar função pedagógica e séria reprimenda ao ofensor, a fim de evitar a recidiva.208

Trata-se, neste caso, de apelação cível com autos originários da cidade

de Palhoça, onde C. J. da C. intentou ação de separação litigiosa cumulada com

alimentos contra V. W. C. Afirmou que da união nasceram três filhos e que,

tornando-se a vida em comum insuportável, deixou o lar conjugal. Requereu a

concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e a procedência do pedido

para decretar a separação judicial, a partilha dos bens na proporção de 50% para

cada litigante e deferir a guarda de um dos filhos para si.

V. W. C. apresentou contestação. Disse que a relação conjugal terminou

por culpa do autor, que manteve relações extraconjugais e transmitiu-lhe doença

venérea, que lhe custou a retirada do útero. Em reconvenção, V. W. C. reiterou os

argumentos expostos na contestação e requereu a concessão da guarda do filho em

seu favor, a partilha de bens e a condenação do reconvindo a pagar-lhe a pensão

alimentícia, além de indenização por danos morais, pela humilhação decorrente da

infidelidade e da transmissão de doença venérea.

O Juiz de Direito julgou parcialmente procedente o pedido do autor,

decretando a separação do casal. Deferiu-lhe, ainda, a guarda do filho. Julgou,

também, parcialmente procedente a reconvenção, atribuindo ao cônjuge varão a

culpa pela separação e condenando-o ao pagamento de pensão alimentícia à ex-

consorte. V. W. C. opôs embargos de declaração, alegando omissão quanto ao

exame do pedido de indenização por danos morais. O magistrado rejeitou os

embargos e V. W. C. apelou. Ela sustentou ser possível a cumulação dos pedidos de

separação judicial culposa e indenização por danos morais porque há comunhão de

direitos e de obrigações entre os litigantes.

Ela reafirmou que o ex-consorte descumpriu o dever de fidelidade e lhe

transmitiu a doença venérea chamada salpingite aguda, que culminou no

procedimento cirúrgico para retirada de seu útero. Afirmou ter comprovado os fatos

alegados e o abalo moral sofrido, sobretudo porque as provas documental e

testemunhal não foram impugnadas pelo apelado.

208 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação cível nº

2004.012615-8, de 05/05/2005. Disponível em < http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 03 maio 2008.

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Requereu a reforma da sentença para condenar C. J. da C. ao

pagamento de indenização por dano moral. No voto, os desembargadores

consideraram possível a cumulação do pleito indenizatório com o de separação

judicial culposa porque, entre os litigantes, há comunhão de direitos e obrigações

visto que na hipótese, além de inexistir incompatibilidade entre o pedido

indenizatório e o de separação judicial culposa, o Juízo da 2ª Vara Cível da comarca

de Palhoça tinha competência para conhecê-los e julgá-los. Fizeram, então,

considerações acerca do dano moral, a saber:

Sabe-se que o dano moral, por sua subjetividade, afere-se pela natureza do fato; do fato em que se contenha uma carga ofensiva à honra, à boa fama e à dignidade da pessoa alvejada. E o fato é danoso porque provoca desconforto moral, constrangimento pessoal, tristeza ou depressão profunda, mágoa, amargura, intranqüilidade; males que, via de regra, costumam refletir sobre o bem-estar físico da pessoa, afetando-lhe, no mais das vezes, com maior ou menor intensidade, o psiquismo e perturbando-lhe ou furtando-lhe, até mesmo, o apetite e o sono.209

E também, quanto à obrigação de indenizar por decorrência da

desobediência aos deveres conjugais, expuseram o seguinte:

Assim, patente que a desobediência aos deveres conjugais impostos pelo artigo 231 do Código Civil de 1916, correspondente ao artigo 1.566, caput, do Código Civil de 2002, acarretam dor moral ao cônjuge enganado, ensejando a condenação do consorte infiel ao pagamento de indenização por danos morais.210

Embora no caso em questão a apelante não tenha conseguido provar o

contágio de doença venérea como lhe cabia, fez prova do adultério do marido, e das

implicações advindas desse fato, restando indiscutível o reconhecimento do

constrangimento psíquico sofrido pela apelante em razão da conduta desonrosa do

ex-consorte durante o casamento. Por ocasião da fixação do quantum indenizatório,

ponderou o desembargador relator:

209 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação cível nº

2004.012615-8, de 05/05/2005. Des. Rel. Luis Carlos Freyesleben. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br> Acesso em: 03 maio 2008.

210 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação cível nº 2004.012615-8, de 05/05/2005. Des. Rel. Luis Carlos Freyesleben. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br> Acesso em: 03 maio 2008.

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Não é demais lembrar que, se de um lado impõe-se a obrigação do apelado de entregar à sua ex-consorte uma justa indenização por danos morais, de outro não se haverá de esquecer de avaliar as condições econômico-financeiras de ambas as partes, para que, na medida do possível, não se cometam iniqüidades. [...] por isso que deve ser arbitrada ao ofensor com efeitos de corrigenda, na intenção de demovê-lo de propósitos menos nobres, pondo-lhe freios que o impeçam de seguir na prática de atos que possam gerar desnecessárias feridas e dores morais a terceiras pessoas. Entretanto, a indenização não pode ser exacerbada, a ponto de constituir enriquecimento sem causa em favor da vítima do dano, para transformar-se num cruel meio de destruição econômico-financeira do praticante do dano.211

Por fim, a indenização foi fixada em R$ 500,00 (quinhentos reais).

Destaca-se, nesse julgado, que, embora a apelante não houvesse trazido

prova aos autos da doença venérea que imputou ter sido causada pelo marido, a

indenização por danos morais lhe foi devida pelo abalo psicológico sofrido em

decorrência do adultério, infração ao dever de fidelidade estabelecido pelo Código

Civil.

3.6.1.2 Decisão do Superior Tribunal de Justiça

Decisão amplamente citada, na doutrina sobre o tema, é a do julgamento

do Recurso Especial nº 37.051, proveniente de São Paulo, que teve como Relator o

Ministro Nilson Naves, a saber:

Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento. 1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor. 2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é

211 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação cível nº

2004.012615-8, de 05/05/2005. Des. Rel. Luis Carlos Freyesleben. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br> Acesso em: 03 maio 2008.

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possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação. 3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais.212

Interessante destacar as reviravoltas presentes no caso em questão. A

sentença do juiz de primeiro grau condenou o cônjuge varão ao pagamento de

indenização por dano moral em virtude de injúria cometida contra a esposa. Deu,

também, a guarda dos filhos à cônjuge inocente. Parcialmente reformada pelo

Tribunal de Justiça de São Paulo, foi rechaçada a condenação aos danos morais.

Foi, então, interposto pelo cônjuge virago Recurso Especial diante da afronta ao

artigo 159, do Código Civil de 1916 (artigo 186 do Código Civil de 2002), visto que,

embora tenha sido reconhecida a injúria e a culpa, não foi concedida indenização.

O recurso foi conhecido e provido, pois entendeu o Ministro Relator, em

seu voto, que no decorrer do processo ficaram provadas as injúrias cometidas pelo

cônjuge varão contra a esposa, bem como sevícias e o dano decorrente de tais

fatos.

3.6.2 Julgados em que não se reconhece o dever de indenizar

Passa-se agora à exposição de jurisprudências em que não foi

reconhecido o dever de indenizar. Após a exposição da ementa, a decisão é fruto de

breve análise, conforme os argumentos expostos no decorrer desta monografia.

3.6.2.1 Decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

212BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 37.051, de São Paulo.

Rel. Ministro Nilson Naves. Disponível em:< http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 30 abr. 2008

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A íntegra desse acórdão encontra-se em segredo de justiça no site do

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Algumas publicações, no entanto, o

reproduziram, conforme nota.

Ementa: DIVÓRCIO. DANOS MORAIS. REPARAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. Admitindo-se que o casamento é um contrato, não se pode deixar de notar que ele não se assemelha ao contrato do direito patrimonial. Embora esteja submetido à livre vontade das partes, não podem estas estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Por isso, as controvérsias decorrentes de sua eventual dissolução não podem ser solucionadas com regras próprias das obrigações. Recurso improvido. 213

Trata-se dos autos da Apelação Cível n.º 14.156/98. Versam os autos

pedido de divórcio direto, formulado com fulcro no artigo 40, da Lei do Divórcio (Lei

n.º 6.515/77), cumulado com pedido de reparação de danos morais decorrentes de

ilícito contratual , configurado no descumprimento, por parte do réu, dos deveres do

casamento. A questão a ser julgada dizia respeito somente ao pedido de reparação

de danos.

Primeiramente, apontou a relatora Desembargadora Marlan de Moraes

Marinho:

Faz-se indispensável deixar claro, inicialmente, que a possibilidade de ressarcimento de danos não patrimoniais em razão da dissolução do casamento pelo divórcio, como se pretende, não é questão nova nem pacífica, seja na doutrina seja na jurisprudência. Além daqueles que admitem tal possibilidade apenas quando há disposição expressa em lei, como acontece na França e em Portugal, existem aqueles que, considerando o casamento um simples contrato à semelhança dos contratos patrimoniais, a admitem com fundamento nas regras gerais da responsabilidade civil. 214

A desembargadora embasou seu voto considerando o casamento como

instituição. Dessa forma, “os nubentes seriam livres de se submeter, ou não, à

213 RIO DE JANEIRO.Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível

nº14.156/98. Des. Rel. Marlan de Moraes Marinho. Disponível em: <http://www.rolfmadaleno.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=37&Itemid=3>. Acesso em 03 maio 2008.

214 RIO DE JANEIRO.Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº14.156/98. Des. Rel. Marlan de Moraes Marinho. Disponível em: <http://www.rolfmadaleno.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=37&Itemid=3>. Acesso em 03 maio 2008.

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instituição, mas uma vez a ela submetidos, teriam de aceitar tal qual ela é, sem

possibilidade de modificar as regras que a regem”215.

Chegou, então, à conclusão de que é inadmissível a pretensão

indenizatória, uma vez que, entre nós, não há disposição expressa a respeito, e

também porque as sanções pela não-observância às regras da instituição do

casamento esgotam-se nas normas previstas que o regem, não se admitindo a

aplicação de regras emprestadas de outros campos do Direito Civil, como se procura

fazer na espécie.

Ainda afirmou que:

Nessas condições, portanto, parece razoável que a pretensão indenizatória , como a deduzida pela apelante, não pode ser solucionada com fundamento nas regras próprias das simples obrigações, como se pretende. O eventual descumprimento dos deveres do casamento não se resolve em perdas e danos, como nas obrigações, porque dá ensejo à separação judicial e posterior divórcio, figuras do Direito de Família, que já trazem em si sanções outras, específicas, em detrimento do cônjuge declarado culpado, tais como: a mesma declaração de culpa, a obrigação ou a exoneração de prestar alimentos, a obrigação de partilhar os bens, conforme o regime de casamento, a perda da guarda dos filhos, a perda do direito de usar o nome do cônjuge varão. Sanções estas que, a não ser para os espíritos essencialmente materialistas, são mais eficazes para reparar os danos imateriais do cônjuge inocente do que a compensação do dano moral, que se pretende fazer com uma certa soma em dinheiro, em outras situações, convenhamos. 216

Já foi aduzido, neste trabalho, exatamente o oposto das considerações

feitas nesse Acórdão. As chamadas “sanções do direito de família” não têm natureza

reparatória. Nesse sentido, aponta Carlos Roberto Gonçalves:

Parece-nos que, se o marido agride a esposa e lhe causa ferimentos graves, acarretando, inclusive, diminuição de sua capacidade laborativa, tal conduta, além de constituir causa para a separação judicial, pode fundamentar ação de indenização de perdas e danos, com suporte nos arts. 186 e 927 do Código Civil. Da mesma forma

215 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº

14.156/98. Des. Rel. Marlan de Moraes Marinho. Apud MADALENO, Rolf. Divórcio e Dano moral. Disponível em: <http://www.rolfmadaleno.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=37&Itemid=39>. Acesso em: 03 maio 2008.

216 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 14.156/98. Des. Rel. Marlan de Moraes Marinho. Apud MADALENO, Rolf. Divórcio e Dano moral. Disponível em: <http://www.rolfmadaleno.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=37&Itemid=39>. Acesso em: 03 maio 2008.

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deve caber a indenização, se o dano causado, e provado, for de natureza moral. O que nos parece, contudo, carecer de fundamento legal, no atual estágio de nossa legislação é o pedido fundado só no fato da ruptura conjugal, ainda que por iniciativa do outro cônjuge. Provado, no entanto, que a separação provocada por ato injusto do outro cônjuge, acarretou danos, sejam materiais ou morais, além daqueles já cobertos pela pensão alimentícia (sustento, cura, vestuário e casa), a indenização pode ser pleiteada posque legem habemus: o artigo 186 do Código Civil.217

Cabe ressaltar que não é o caso dos autos correspondentes o do

exemplo usado por Carlos Roberto Gonçalves. Fica, entretanto, evidenciado que,

presente na separação ato ilícito de um cônjuge para o outro, caberá indenização

com base nos artigos expostos.

Mais adiante em seu voto, a relatora posiciona-se pelo não-provimento do

recurso, visto que a ação imposta foi de divórcio direto, fundada na simples

separação de fato por mais de dois anos, na qual não foi ser considerada

circunstância de culpa. Dessa forma, explicou que, como não houve a consideração

de culpa e de inocência, não havia como deferir o ressarcimento dos alegados

danos morais, até porque estes pressupõem um culpado.

Embora a ação seja de divórcio direto, nada impede, entretanto, que

tenha havido, no caso concreto, a ocorrência de ato ilícito. Nas palavras de Inácio de

Carvalho Neto, isso fica evidente quando afirma o seguinte:

Na separação não culposa não se discute a ocorrência de ato culposo, mas isto não significa necessariamente que ele não tenha existido. Figura-se o seguinte exemplo: o marido sevicia a mulher, que, em conseqüência das agressões torna-se doente menta. Poderia ela (por curador, ascendente ou irmão, nos termos do art. 3º, §1º, da Lei do Divórcio) ter movido ação de separação litigiosa culposa contra ele, mas não o fez. Passado o prazo legal de dois anos, o marido pede a separação fundada no §2º do art. 1.572. Embora a causa culposa não seja discutida no processo, ela existiu. Consuma-se assim, uma separação litigiosa não culposa (fundada no §2º do art. 1.572), escondendo uma causa culposa.218

Por fim, relatou a causa geradora dos reclamados danos morais,

corroborada no fato de ter o apelado levado a amante para residir no apartamento

217 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo Saraiva, 1995,

p. 71. 218 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed.

Curitiba: Juruá, 2005, p.324.

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que reformou e que seria o futuro lar do casal, violando, dessa forma, os deveres do

contrato de casamento, injuriando-a.

Afirmou, entretanto, a relatora que o fato não ficou cabalmente

demonstrado. Afirmou ainda que a apelante deixou transparecer que o apelado,

após voltar dos Estados Unidos, acolheu em casa uma americana, que ali teria

ficado, no máximo, dois meses, e que, durante esta época os dois já não residiam no

mesmo lar, encontrando-se separados. Por tais motivos, negou-se provimento à

apelação.

3.6.2.2 Decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

SEPARAÇÃO LITIGIOSA. PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE CULPA à MULHER PELA SEPARAÇÃO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO MORAL POR DENUNCIA CALUNIOSA E DIFAMATÓRIA EM BOLETIM DE OCORRÊNCIA POLICIAL. 1. NA FALÊNCIA DAS RELAÇÕES CONJUGAIS NÃO SE PODE ATRIBUIR, DE FORMA SIMPLISTA, CULPA A QUEM QUER QUE SEJA, PORQUE A CORROSÃO DOS RELACIONAMENTOS SE DÁ A PARTIR DE UMA SÉRIE DE COMPLEXOS FATORES COMPORTAMENTAIS QUE NÃO CABEM NA SINGELA DIVISÃO MANIQUEÍSTA ENTRE INOCENTES E CULPADOS. 2. O FIM DO CASAMENTO, QUALQUER QUE SEJA O MOTIVO, GERA INTENSOS E PROFUNDOS SENTIMENTOS. TODAVIA, NÃO HÁ REPARAÇÃO POSSÍVEL, DE ORDEM ECONÔMICA, PARA CURAR ESTAS DORES. 3. O FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO INDENIZATÓRIA HÁ QUE SER A PRÁTICA DE UMA ILICITUDE QUE GERA LESÃO AO OUTRO E O REGISTRO POLICIAL REPRESENTA O EXERCÍCIO DE UM DIREITO. ALÉM DISSO, O FATO EM SI DA COMUNICAÇÃO NÃO GERA, POR SI SÓ, LESÃO A SER INDENIZADA. NEGARAM PROVIMENTO, À UNANIMIDADE.219

Cuida de agravo de instrumento interposto por Nelson R. contra decisão

que delimitou os pontos controvertidos da demanda e que excluiu da apreciação a

219 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de

Instrumento nº 70018415737. Des. Rel. Luis Felipe Brasil Santos. Disponível em:<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2007&codigo=369803 >. Acesso em: 03 maio 2008.

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avaliação da culpa pela separação judicial, bem como o pedido de danos morais por

ele formulado, contra a ex-esposa.

Sustentou que a magistrada excluiu a análise da culpa, sob o fundamento

de que tal questão não trazia nenhum benefício prático ao processo e

complementando a decisão. Ao apreciar embargos de declaração, o juízo excluiu

dos pontos controvertidos a discussão acerca dos danos morais, pois o pedido tem

por fundamento a alegada culpa da separanda. Aduziu, contudo, que a averiguação

da culpa pela separação traz efeitos em relação aos alimentos da agravada, que

serão limitados ao mínimo suficiente para garantir a sobrevivência, nos termos do §

2º, do art. 1.694, do CC/2002.

O Tribunal afastou a incidência de culpa, considerando desnecessária sua

imputação.Quanto à indenização por danos morais, fez os seguintes comentários em

seu voto:

Contudo, como há muito esta Corte de Justiça gaúcha vinha manifestando em reiterados julgados, quando se tem em foco as relações humanas mais íntimas, como ocorre nos casamentos, não é possível cogitar de qualquer forma de punição de um ou outro do par quanto ao fim de uma relação corroída. [...].220

Considerou o Tribunal gaúcho que no caso em questão, após tais

considerações de ordem doutrinária, não havia ilícito capaz de respaldar pedido de

ressarcimento por danos morais, uma vez que o registro policial apresentado como

prova do ato ilícito é apenas a exposição pública de um fato.

Nesse julgado, comprovou-se, para os desembargadores do Tribunal do

Rio Grande do Sul, a inexistência de um pressuposto essencial para a

caracterização da responsabilidade civil: a existência do ato ilícito. Na falta do ato

ilícito, será descabida indenização, como se comprovou neste trabalho.

Apresentados ambos os posicionamentos, tanto para a concessão do

direito à indenização quanto para o seu não reconhecimento, caberá ao julgador

analisar o caso concreto.

220 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de

Instrumento nº 70018415737. Des. Rel. Luis Felipe Brasil Santos. Disponível em:<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2007&codigo=369803 >. Acesso em: 03 maio 2008.

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CONCLUSÕES

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A presente monografia teve por objetivo analisar a possibilidade de ser

concedida ao cônjuge, vítima de danos no decorrer da vida familiar, indenização

reparatória quando da dissolução da sociedade conjugal.

Partiu-se, para tanto, do estudo da Família, que, com o decorrer das

modificações sociais sofreu diversas alterações em sua concepção. Em

contraposição à família de outrora, subordinada à figura paterna, a família atual

forma-se de diferentes maneiras, podendo ser vista hoje como o grupo social

fundado nos laços de afeto. O casamento não foi, todavia, excluído das formas de

constituição da família, e ainda se faz presente e de grande importância na área do

direito que a estuda. Assim, foi analisado o casamento, demonstrando-se os deveres

que devem ser observados na constância da unidade conjugal. Importante ressaltar

que esses deveres, além de constituírem obrigações morais dos cônjuges, são

impostos por Lei. Foi inserida também, no estudo, a União Estável.

Foram expostas as formas pelas quais chega ao fim a sociedade

conjugal, quais sejam: a morte de um dos cônjuges; a nulidade ou anulação do

casamento; a separação e o divórcio.

Passou-se, em seguida, para o estudo do instituto da responsabilidade

civil, que pode ser conceituada como sendo o dever atribuído ao causador do dano

de repará-lo, através da restituição do bem atingido ao estado em que se

encontrava, ou, se impossível, compensar de forma pecuniária a vítima. Analisaram-

se suas subdivisões, bem como seus pressupostos. Esses pressupostos, quais

sejam: a ação, o dano, o nexo de causalidade, e a culpa, que foram tema de breve

análise no corpo do trabalho e são de grande importância ao assunto, uma vez que

se não estiverem presentes, não haverá o dever de indenizar. Se houver somente

um dano, mas não se configurarem os outros elementos, não caberá indenização,

pois assim prevê a Lei.

Quanto ao dano, é necessário o entendimento que este deve perfazer-se

em abalo sério, significativo. Os percalços naturais que vêm com a dissolução de um

casamento não são indenizáveis. O dano acontece quando ultrapassa a barreira do

que seria considerado resultado de um processo naturalmente doloroso, e causa

profundas marcas na honra e na moral do indivíduo, no caso do dano moral, e em

seu patrimônio, quando do dano patrimonial.

Um dos objetivos deste trabalho foi mostrar que nem todo o dano, no

processo de dissolução da sociedade conjugal, será indenizável, caso contrário se

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estaria diante de uma fábrica de indenizações por danos quaisquer. Haverá,

contudo, casos em que os pressupostos da responsabilidade civil estarão presentes,

e a indenização será, portanto, merecida e devida.

Por fim, no intuito de afunilar o estudo e diante do tema proposto neste

trabalho, foi estudada a responsabilidade civil no direito de família, como forma de

introdução ao terceiro capítulo. Nesse ponto, restaram incontroversas as várias

questões em que a responsabilidade civil será inserida no direito de família.

A partir daí, o tema delimitou-se de modo a atingir seu objetivo inicial. Foi

abordada, inicialmente, a responsabilidade civil por grave infração dos deveres

conjugais, que se substancia pela não-observância das obrigações do casamento,

como a fidelidade recíproca, a vida em comum no domicílio conjugal, a mútua

assistência e respeito. A obrigação de indenizar, então, surgirá se dessa quebra

surgir um dano, moral ou material ao cônjuge.

Discorreu-se sobre a responsabilidade civil por conduta desonrosa do

cônjuge. Por conduta desonrosa, entende-se ato que ultraja a honra do outro

cônjuge. Na continuação, foi abordada a responsabilidade civil no caso de crime de

um cônjuge contra o outro. Nesse ponto, a doutrina é praticamente unânime em

afirmar que cabe direito de indenização à vítima.

Quanto à culpa, com base na pesquisa, foi concluído que, mesmo se não

declarada a culpa de um dos cônjuges pela separação, poderá haver ação de

indenização por danos, visto que ainda assim podem existir os pressupostos da

responsabilidade civil e, por conseguinte, o dever de indenizar.

Pesquisou-se, também, sobre a não-caracterização do direito de

indenização do cônjuge. Ademais, falou-se sobre os argumentos contrários à

reparação, ou seja, a insuficiência de norma acerca do tema, e a suficiência das

chamadas “sanções” do direito de família, como a condenação à pensão alimentícia

e a decretação de culpa da separação no ressarcimento dos danos causados.

Concluiu-se que, se presentes todos os pressupostos necessários para a

caracterização da responsabilidade civil, o cônjuge causador do dano poderá ser

obrigado a indenizar o cônjuge sofredor dos danos morais, pois, sendo o cônjuge

inocente um indivíduo que é titular de direitos de personalidade, esses não podem

ser impunemente atingidos. Essa indenização se dará com base nos artigos 186 e

927, do Código Civil, que, por figurarem na Parte Geral do Código, abrangem

também os atos do Direito de Família.

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Ressalta-se, ainda, que, enquanto o dano material se configura pela

diminuição do patrimônio, o dano moral se configurará com a dor, sofrimento, o

abalo moral por conseqüência de ação do cônjuge, que leva à ruptura dos laços

conjugais, bem como à ação de indenização por danos.

Depreendeu-se do que foi pesquisado que os alimentos não podem servir

de indenização para o cônjuge vítima de danos, já que estes e a indenização têm

naturezas jurídicas diferentes. Ficou demonstrado que os alimentos não são

concedidos para punir o alimentante, e, sim, para sua subsistência.

Não se pretende, com este trabalho, esgotar o tema, que ainda merece

outras considerações. Aspirou-se, contudo, demonstrar que, embora seja descabível

a banalização das ações indenizatórias, haverá situações em que elas, de fato,

merecem guarida do Poder Judiciário, pois estarão presentes todos os requisitos da

Lei para que ocorra a indenização.

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

ANEXO A – Apelação cível nº 2004.012615-8

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Tipo: Apelação cível

Número: 2004.012615-8

Des. Relator: Luiz Carlos Freyesleben

Data da Decisão: 05/05/2005

Apelação cível n. 2004.012615-8, de Palhoça.

Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO LITIGIOSA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO CONHECIMENTO EM RAZÃO DA INCOMPATIBILIDADE DE RITOS. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO (CPC, ART. 292, § 2º). CULPA PELA SEPARAÇÃO DO VARÃO. ADULTÉRIO COMPROVADO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR CARACTERIZADA.

É permitida a cumulação de vários pedidos num único processo, contra o mesmo réu ou reconvinte, quando preenchidos os requisitos do artigo 292, § 1º, do Código de Processo Civil.

A desobediência ao dever de fidelidade recíproca acarreta dor moral ao cônjuge enganado, autorizando a condenação do consorte infiel ao pagamento de indenização por danos morais.

O valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, por um lado, de lenitivo para a dor psíquica sofrida pelo lesado, sem importar a ele enriquecimento sem causa ou estímulo ao abalo suportado; e, por outro, deve desempenhar função pedagógica e séria reprimenda ao ofensor, a fim de evitar a recidiva.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2004.012615-8, da comarca de Palhoça (2ª Vara), em que é apelante V. W. C. e apelado C. J. da C.:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

Custas de lei.

RELATÓRIO:

C. J. da C. aforou ação de separação litigiosa cumulada com alimentos contra V. W. C., alegando ter se casado com a requerida em 27/06/1980, pelo regime da comunhão universal de bens.

Afirmou que da união nasceram três filhos e que, tornando-se a vida em comum insuportável, deixou o lar conjugal em 10/09/2001. Contou que o patrimônio do casal compõe-se de um automóvel Ford/Verona, ano 1996, por uma casa de alvenaria e pelo bens móveis que a guarnecem.

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Requereu a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e a procedência do pedido para decretar a separação judicial, a partilha dos bens na proporção de 50% para cada litigante e deferir a guarda do filho D. C. para si, com livre direito de visitas.

Arredada a conciliação das partes em audiência (fl. 31), V. W. C. apresentou contestação. Disse que a relação conjugal terminou por culpa do autor, que manteve relações extraconjugais e transmitiu-lhe doença venérea, que lhe custou a retirada do útero.

Aduziu ser esposa dedicada e ter cumprido com as obrigações de fidelidade e respeito. Terminou por requerer o benefício da assistência judiciária, o deferimento da guarda do filho D. C. em seu favor, a divisão de bens e o indeferimento da assistência judiciária ao demandante.

Em reconvenção, V. W. C. reiterou os argumentos expostos na contestação e requereu a concessão da guarda do filho D. C. em seu favor, a partilha de bens e a condenação do reconvindo ao pagamento de pensão alimentícia de seis salários mínimos à ex-consorte, alem de indenização por danos morais, no valor equivalente a duzentos salários mínimos, pela humilhação decorrente da infidelidade e da transmissão de doença venérea.

O autor manifestou-se sobre a reconvenção (fls. 61/64) e a contestação (fls. 65/68).

Em audiência, frustrada a nova tentativa de acordo, ouviram-se testemunhas e deferiu-se a juntada de novos documentos (fl. 84/87).

Após a apresentação das alegações finais por memoriais, o representante do Ministério Público exarou parecer, alvitrando a parcial procedência do pedido da reconvinte para a fixação de alimentos no valor de um salário mínimo e meio, o deferimento da guarda do filho à virago e a determinação da partilha de bens (fls. 105/109).

O Juiz de Direito julgou parcialmente procedente o pedido do autor, decretando a separação do casal e deferindo-lhe a guarda do filho D. C. Também julgou parcialmente procedente a reconvenção, atribuindo ao cônjuge varão a culpa pela separação e condenando-o ao pagamento de pensão alimentícia à ex-consorte, no valor de um salário mínimo e meio. Por fim, estabeleceu o direito de visitas em finais de semanas alternados e determinou que os pedidos de indenização por danos morais e de partilha dos bens fossem ser objeto de ação própria.

V. W. C. opôs embargos de declaração, alegando omissão quanto ao exame do pedido de indenização por danos morais (fls. 119/123).

O Magistrado rejeitou os embargos (fls. 125/126) e V. W. C. apelou. Sustentou ser possível a cumulação dos pedidos de separação judicial culposa e indenização por danos morais porque há comunhão de direitos e de obrigações entre os litigantes.

Disse que o ex-consorte descumpriu o dever de fidelidade e lhe transmitiu a doença venérea chamada salpingite aguda, que culminou no procedimento cirúrgico para retirada de seu útero. Afirmou ter comprovado os fatos alegados e o abalo moral sofrido, sobretudo porque as provas documental e testemunhal não foram impugnadas pelo apelado.

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Requereu a reforma da sentença para condenar C. J. da C. ao pagamento de indenização por dano moral no valor equivalente a 150 salários mínimos.

Houve contra-razões (fls. 142/143).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Jobél Braga de Araújo, foi pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO:

Trata-se de recurso de apelação interposto por V. W. C. contra sentença prolatada pelo Juiz de Direito da 2ª Vara da comarca de Palhoça que, na ação de separação litigiosa cumulada com alimentos aforada contra ela por C. J. da C., deixou de apreciar o pedido de danos morais constante da reconvenção.

Sustenta a apelante ser possível a cumulação do pleito indenizatório com o de separação judicial culposa porque, entre os litigantes, há comunhão de direitos e obrigações.

Com razão. O artigo 292 do Código de Processo Civil permite a cumulação de vários pedidos num único processo, contra o mesmo réu, ainda que entre eles não haja conexão, desde que preenchidos os requisitos insculpidos no § 1º daquele dispositivo, a saber, "I - que os pedidos sejam compatíveis entre si; II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento".

Na hipótese, verifica-se que, além de inexistir incompatibilidade entre o pedido indenizatório e o de separação judicial culposa, o Juízo da 2ª Vara Cível da comarca de Palhoça tinha competência para conhecê-los e julgá-los. Afora isso, à lide foi empregado o procedimento ordinário, conforme disposição do artigo 34 da Lei nº 6.515/77: "A separação judicial consensual se fará pelo procedimento previsto nos arts. 1.120 do Código de Processo Civil, e as demais pelo procedimento ordinário". Como o parágrafo 2º do artigo 292 do Código de Processo Civil admite a cumulação de pedidos sempre que se empregar o procedimento ordinário, não poderia ter o Magistrado relegado a apreciação do pleito indenizatório para procedimento próprio, pois se é permitida a cumulação de pedidos ao autor da ação, também o é ao reconvinte, em razão da economia processual.

Como se vê, a apreciação do pedido de indenização por danos morais era medida que se impunha, cabendo a este Tribunal de Justiça analisá-lo, porque autorizado pelo artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil.

Antes de adentrar no exame do caso, convém fazer algumas considerações acerca do dano moral e, mais especificamente, daquele derivado do adultério.

Sabe-se que o dano moral, por sua subjetividade, afere-se pela natureza do fato; do fato em que se contenha uma carga ofensiva à honra, à boa fama e à dignidade da pessoa alvejada. E o fato é danoso porque provoca desconforto moral, constrangimento pessoal, tristeza ou depressão profunda, mágoa, amargura, intranqüilidade; males que, via de regra, costumam refletir sobre o bem-estar físico da pessoa, afetando-lhe, no mais das vezes, com

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maior ou menor intensidade, o psiquismo e perturbando-lhe ou furtando-lhe, até mesmo, o apetite e o sono.

Quanto ao dano moral decorrente de infidelidade conjugal, Rui Stoco tem prestadia lição:

"Entre os deveres que a lei impõe aos cônjuges assumem especial destaque os concernentes à fidelidade recíproca, à coabitação e à mútua assistência, consignados no art. 1.566 do Código Civil. [...]

Decorre o dever de fidelidade recíproca da organização monogâmica da família decorrente da tradição costumeira e legal de nosso povo e consiste na abstenção dos cônjuges de praticar relações sexuais com terceiros.

Nas palavras de Wladimir Valler, 'o casamento como sonsortium omnis vitae, restringe a liberdade sexual dos cônjuges, impondo-lhes a recíproca e exclusiva entrega dos corpos (A reparação do dano moral no Direito brasileiro, 2. ed. Campinas, S. Paulo: E. V. Editora Ltda., 1994, p. 158).

Com a celebração do casamento, cria-se a família legítima e nascem para os cônjuges situações jurídicas que lhes impõem direitos e deveres recíprocos. [...]

Em feliz síntese, Wladimir Valler dá a dimensão e o alcance do dever de indenizar por dano moral, como decorrência das ofensas conjugais:

'A violação dos deveres explícitos ou implícitos do casamento, constituindo ofensa à honra e à dignidade do consorte, caracteriza injúria grave, e, por conseguinte, pressuposto autorizador da separação judicial. A separação judicial ou o divórcio importam em um dano para o cônjuge atingido pela conduta antijurídica do outro, violadora dos valores conjugais que sustentam as relações familiares, ensejando a reparação dos danos meramente patrimoniais, como dos danos morais. Absolutamente inaceitável o entendimento de que, pela ruptura do casamento, o cônjuge culpado deve responder apenas pela obrigação alimentar e pela possível perda e guarda dos filhos. A nulidade ou a anulação do casamento também ensejam a reparação do dano moral por parte do cônjuge que deu causa à nulidade ou à anulação, pois estas importam em um dano para o cônjuge inocente ou enganado, provocado pela conduta antijurídica do contraente de má-fé' (op. cit., p. 159-160).

[...] Por decorrência do adultério, o cônjuge traído poderá suportar danos de ordem material e moral, devendo ambos ser compostos, ainda que cumulativamente" (Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT. p. 771).

Assim, patente que a desobediência aos deveres conjugais impostos pelo artigo 231 do Código Civil de 1916, correspondente ao artigo 1.566, caput, do Código Civil de 2002, acarretam dor moral ao cônjuge enganado, ensejando a condenação do consorte infiel ao pagamento de indenização por danos morais.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

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"SEPARAÇÃO JUDICIAL. PROTEÇÃO DA PESSOA DOS FILHOS (GUARDA E INTERESSE). DANOS MORAIS (REPARAÇÃO). CABIMENTO.

1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor.

2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação.

3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais" (REsp. nº 37051/SP, Min. Rel. Nilson Naves, j. 17/04/2001).

Contudo, na hipótese, a apelante não conseguiu provar o contágio por doença venérea como lhe cabia. Apesar das duas testemunhas de V. W. C. afirmarem que C. J. da C. transmitiu-lhe a moléstia salpingite aguda (fls. 85/87), as fichas médicas de fls. 41/57 não se referem, em nenhum momento, à essa moléstia ou à doença inflamatória pélvica (DIP). Também não há qualquer anotação evidenciando que a recorrente submeteu-se ao procedimento cirúrgico de extração de útero. Por fim, é de ver-se que, na consulta realizada em 31/07/2000, há referência ao tamanho normal do útero da paciente e à presença de cistos no ovário direito (fl. 52).

Os procedimentos invasivos realizados em V. W. C. foram citados nas anotações da penúltima consulta constante do prontuário médico, que data 06/07/2001, tais como: a) a exérese de cisto do ovário direito aos 18 anos; salpingooforectomia, extração dos ovários, em 1993; b) bartholinectomia, extração dos cistos de Bartholin; e c) colpoperineo, procedimento para retomar o tônus muscular do útero e da vagina, em 1995. Afora isso, há apenas indicação para realização da laparotomia exploradora, que é um pequeno procedimento cirúrgico que permite ao médico visualizar as estruturas do abdome do paciente.

Como se vê, inexistem provas de que a apelante esteja contaminada por doença sexualmente transmissível adquirida do apelado, nem de que tenha se submetido a procedimento cirúrgico para retirada do útero.

De outra parte, a prova testemunhal foi uníssona em afirmar que C. J. da C. mantinha relacionamentos extraconjugais. Veja-se:

"É vizinha das partes; que a depoente é vizinha do casal há doze ou treze anos; [...] que pelo que tem conhecimento Carlito abandonou o lar porque sua esposa é doente e ele possui outras mulheres" (M. G. de A. L. - fl. 85).

"É vizinha do casal aproximadamente 14 anos; que pelo que tem conhecimento Carlito abandonou o lar conjugal; que pelo que ouviu dizer Carlito abandonou o lar conjugal tendo em vista que V. era muito doente e o mesmo tinha outras mulheres; [...] que não conhece as outras mulheres de Carlito; que nunca o viu com as outras mulheres" (M. S. G. - fls. 86/87).

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Além do mais, cumpre observar que o Juiz reconheceu a culpa do varão pela separação do casal, consignando na sentença que "a prova produzida, através dos depoimentos testemunhais, demonstra que a separação do casal ocorreu devido a quebra dos deveres matrimoniais, pela infidelidade do autor" (fl. 114). Como C. J. da C. não recorreu dessa decisão, reconheceu tacitamente que manteve relacionamentos extraconjugais e que descumpriu o dever de fidelidade para com sua esposa.

Portanto, é indiscutível o reconhecimento do constrangimento psíquico sofrido pela apelante em razão da conduta desonrosa do ex-consorte durante o casamento, sendo imperioso o reconhecimento do dano moral.

Resta averiguar o quantum indenizatório. A fixação do valor da reparação por danos morais, para servir de lenitivo à vítima e se revestir das funções preventiva e punitiva, deve atender a critérios básicos, tais como: "a) a intensidade e duração da dor sofrida; b) a gravidade do fato causador do dano; c) a condição pessoal (idade, sexo, etc.) e social do lesado; d) o grau de culpa do lesante; e) a situação econômica do lesante. (Cf. Prof. Fernando Noronha)" (AC nº 97.003972-7, de Mafra, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 13/05/1999). Claro que, à míngua de parâmetros fixos com que trabalhar, o juiz depende quase só de seu bom senso para chegar a um valor que condiga com a lesão produzida, sem esfalfar as finanças do causador do dano de ordem moral. A este tormento é que se refere o eminente José Raffaelli Santini, ao dizer: "Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu. [...] Melhor fora, evidentemente, que existisse em nossa legislação um sistema que concedesse ao juiz uma faixa de atuação, onde se pudesse graduar a reparação de acordo com o caso concreto. Entretanto, isso inexiste. O que prepondera, tanto na doutrina, como na jurisprudência, é o entendimento de que a fixação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz" (Dano moral: doutrina, jurisprudência e prática. Campinas: Agá Júris, 2000. p. 45).

Não é demais lembrar que, se de um lado impõe-se a obrigação do apelado de entregar à sua ex-consorte uma justa indenização por danos morais, de outro não se haverá de esquecer de avaliar as condições econômico-financeiras de ambas as partes, para que, na medida do possível, não se cometam iniqüidades.

A apelante casou-se com C. J. da C. em 27/6/1980 (fl. 8), quando contava 22 anos de idade. Não há provas de que exerça ou tenha exercido, durante o matrimônio, atividade remunerada. Teve com o apelado três filhos, nascidos em 24/11/1980, 28/01/1982 e 25/03/1988, e adquiriu durante o conúbio uma casa de alvenaria, os bens móveis que guarneciam a residência e um automóvel Ford/Verona, ano 1996.

Já o apelado é trabalhador autônomo (pedreiro azulejista), apto a suportar condenação pelo dano causado em valor que exemplifique a sua má atuação. Mas a indenização que couber tem, antes de tudo, uma finalidade pedagógica, por isso que deve ser arbitrada ao ofensor com efeitos de corrigenda, na intenção de demovê-lo de propósitos menos nobres, pondo-lhe freios que o impeçam de seguir na prática de atos que possam gerar desnecessárias feridas e dores morais a terceiras pessoas. Entretanto, a indenização não pode

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ser exacerbada, a ponto de constituir enriquecimento sem causa em favor da vítima do dano, para transformar-se num cruel meio de destruição econômico-financeira do praticante do dano.

Assim, como o rendimento mensal do apelado, em janeiro de 2001, era de apenas R$ 363,00 (fl. 17), mais consentâneo é fixar a indenização no valor de R$ 500,00.

Pelo exposto, conheço do recurso de apelação e lhe dou provimento para condenar C. J. da C. ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 500,00, corrigidos monetariamente a partir do arbitramento nesta instância e sob o conforto de juros de mora a contar da citação.

É como voto.

DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, conheceram do recurso e deram-lhe provimento.

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. Mazoni Ferreira (Presidente) e Monteiro Rocha. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Jobél Braga de Araújo.

Florianópolis, 5 de maio de 2005.

MONTEIRO ROCHA

Presidente com voto

LUIZ CARLOS FREYESLEBEN

Relator

Fonte: Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 20 maio 2007.

ANEXO B – Recurso Especial nº 37051

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Fonte: Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=199300203096&data=25/06/2001>. Acesso em: 23 maio 2008.

ANEXO C – Divórcio e dano moral

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Divórcio e Dano Moral

Rolf Madaleno 1. O acórdão. A Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, de Moraes Marinho, na Apelação Cível n.º 14.156/98 ( acórdão de 13 de maio de 1999), assim decidiu: EMENTA DIVÓRCIO. DANOS MORAIS. REPARAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. Admitindo-se que o casamento pode deixar de notar que ele não se assemelha ao contrato do direito patrimonial. Embora esteja submetido à livre vontade das partes, não podem estas estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Por isso, as controvérsias decorrentes de sua eventual dissolução não podem ser solucionadas com regras próprias das obrigações. Recurso improvido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 14.156/98, em que é apelante ACORDAM os Desembargadores da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento à apelação. Versam os autos pedido de divórcio direto, formulado com base no art. 40, da Lei n.º 6.515/reparação de danos morais decorrentes de ilícito contratual , configurado no descumprimento, por parte do réu, dos deveres do casamento. A questão devolvida a este Tribunal, no entanto, diz respeito tão-somente à segunda porção partes estão acordes e conformadas com a solução dada à primeira, ou seja, de divórcio. Não obstante o respeito que merecem os argumentos desenvolvidos pela apelante, tem-se merecem prosperar, vez que, por ter dado razoável solução ao litígio, a decisão de improcedência do pedido de reparação de danos morais, merece ser confirmada. Faz-se indispensável deixar claro, inicialmente, que a possibilidade de ressarcimento de danos razão da dissolução do casamento pelo divórcio, como se pretende, não é questão nova nem pacífica, seja na doutrina seja na jurisprudência. Além daqueles que admitem tal possibilidade apenas quando há disposição expressa em lei, e em Portugal, existem aqueles que, considerando o casamento um simples contrato à semelhança dos contratos patrimoniais, a admitem com fundamento nas regras gerais da responsabilidade civil. Não se pode, no exame da questão, por isso, deixar de considerar a discussão interminável natureza jurídica do casamento, especialmente as Teorias Institucionalistas, para as quais o casamento não é um mero contrato, mas uma instituição. Fundamentalmente, uma situação jurídica, cujas regras ou quadros estão previamente fixados pelo legislador.

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O casamento seria, assim, uma instituição. Os nubentes seriam livres de se submeter, ou ela submetidos, teriam de aceitar tal qual ela é, sem possibilidade de modificar as regras que a regem (Cfr. Eduardo dos Santos, Professor da Universidade de Direito de Lisboa, In Direito de Família). Vendo a questão por este ângulo, a conclusão inarredável a que se chega é a da inadmissibilidade indenizatória: a uma, porque, entre nós, não há disposição expressa a respeito; a duas, porque as sanções pelas infringências às regras da instituição do casamento esgotam-se nas normas previstas que o regem, não se admitindo a aplicação de regras emprestadas de outros campos do Direito Civil, como se procura fazer na espécie. Mesmo boa parte dos defensores das Teorias Contratualistas não discrepam do que se afirmou JOSSERAND, COLIN e CAPITANT, entre outros: "O casamento é o contrato que se não assemelha ao contrato do direito patrimonial. O casamento está subtraído à livre vontade das partes: estas não podem estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Só pode haver liberdade contratual no domínio dos interesses patrimoniais e, mesmo aí, em medida muito limitada (Cfr. Eduardo Santos In Direito de Família)." Nessas condições, portanto, parece razoável que a pretensão indenizatória , como a deduzida ser solucionada com fundamento nas regras próprias das simples obrigações, como se pretende. O eventual descumprimento dos deveres do casamento não se resolve em perdas e danos, como nas obrigações, porque dá ensejo à separação judicial e posterior divórcio, figuras do Direito de Família, que já trazem em si sanções outras, específicas, em detrimento do cônjuge declarado culpado, tais como: a mesma declaração de culpa, a obrigação ou a exoneração de prestar alimentos, a obrigação de partilhar os bens, conforme o regime de casamento, a perda da guarda dos filhos, a perda do direito de usar o nome do cônjuge varão. Sanções estas que, a não ser para os espíritos essencialmente materialistas, são mais eficazes para reparar os danos imateriais do cônjuge inocente do que a compensação do dano moral, que se pretende fazer com uma certa soma em dinheiro, em outras situações, convenhamos. Se assim não se entender, se reconhecido o direito à indenização de danos morais, nos que se admite apenas por amor ao debate e para não ser acusado de dele ter fugido , tem-se que, ainda assim, no caso, não haveria como ou porque dela se cogitar. Porque esse tipo de ressarcimento, mesmo nos países que o admitem expressamente, só pode ser deferido ao cônjuge inocente como acentua o Catedrático de Direito Civil de Coimbra, o festejado ANTUNES VARELA. Na espécie entretanto, temos uma ação de divórcio direto, anteriormente denominada de extraordinário, fundado na simples separação de fato por mais de dois anos, na qual não foi e nem poderia ser considerada circunstância de culpa, que é própria do divórcio-sanção, requerido por um dos cônjuges, imputando ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento, daí resultando insuportável a vida em comum. Dessa forma, porque, na espécie, não se fez - e não se poderia fazer - a consideração de como deferir o ressarcimento dos alegados danos morais, até porque estes pressupõem um culpado.

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Ademais, não sendo provenientes do divórcio, mas causados por um dos fatos que serviram danos não seriam indenizáveis, segundo lição do referido ANTUNES VARELA (In Direito de Família, Livraria Petrony - Lisboa - pág.500). Por derradeiro, se tudo o que se anotou, até agora, não tem influência no desate do litígio, do contexto do pedido, a causa geradora dos reclamados danos morais, reafirmada na apelação, a qual seria o fato de ter o apelado levado a amante para residir no apartamento que reformou e que seria o futuro lar do casal, violando, dessa forma, os deveres do contrato de casamento, injuriando-a. Acontece, todavia, que esse fato não ficou cabalmente demonstrado. A prova testemunhal deixa transparecer é que o apelado, após voltar dos Estados Unidos, acolheu em casa uma americana, que ali teria ficado, no máximo, dois meses, o que não significa a mesma coisa que afirma a apelante, "data venia". Não obstante as presunções maliciosas que se podem tirar de tal fato, isso não significa realmente, amante do apelado, nem que ela tenha residido no referido apartamento, em razão da evidência de que a referida senhora esteve no Brasil, apenas de passagem, à passeio. Mas, ainda que assim não fosse, ainda que a referida americana fosse, na verdade, amante tivesse residido no apartamento que serviria de residência do casal divorciado, mesmo assim, a questão não mudaria de figura, vez que tal fato não tem a importância que se quer lhe emprestar. Pesadas bem as coisas, verificar-se-á que este comportamento não configurou qualquer violação dos deveres do contrato de casamento, nem constitui injúria. É que, quando ocorreu, a apelante, por razões que, a esta altura, não interessam, já havia deixando-o nos Estados Unidos, para ir viver na companhia de seus pais, onde se encontra até hoje. Na verdade, os laços do contrato ou do matrimônio já haviam se afrouxado pela separação de fato do casal, não se podendo mais exigir dos cônjuges o exato cumprimento dos deveres do casamento, como a coabitação, o débito conjugal ou a fidelidade. Em conseqüência, não se pode afirmar - repita-se - tenha ele violado os deveres do matrimônio, e muito menos, cometido qualquer ato ilícito capaz de gerar a obrigação de indenizar. Ex-absurdo, debatendo no campo escolhido pela apelante, o do contrato de natureza patrimonial, sem que tal constituísse qualquer exagero ou bizarrice, que se enfrenta, no caso, a exceção de contrato não cumprido, prevista no art. 1.092, do Código Civil, a qual dispõe que "nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro." Assim, por essas considerações, nega-se provimento à apelação, inclusive no que respeita advocatícios, vez que a apelante, face o consenso com o divórcio, foi a única sucumbente nesta demanda. Rio de Janeiro, 13 de maio de 1999. DES. MARLAN DE MORAES MARINHO Presidente e Relator 2. Casamento, instituição ou contrato.

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Trata-se de divórcio direto, como diz o acórdão, formulado com base no art. 40, da Lei n.º de reparação de danos morais decorrentes de ilícito dito contratual, configurado no descumprimento, por parte do réu, dos deveres do casamento. Em judiciosa análise procedida na Apelação Cível n.º 14.156/98 da 14ª Câmara Cível do Tribunal Janeiro, o seu Presidente e Relator do feito, Des. Marlan de Moraes Marinho ressalta que doutrina e jurisprudência não guardam entendimento pacificado, quando pertine de ressarcir danos morais em razão da dissolução do casamento. Segundo exposto no corpo do acórdão, sendo institucional a natureza jurídica do casamento, públicas formuladas para o matrimônio e dentro de seu espectro não há expressão legal que preveja sanções materiais pela infringência às regras da instituição matrimonial. Nem mesmo na teoria contratualista haveria condições de ordenar judicial indenização pela porquanto, o contrato de casamento teria roupagem diferente do direito patrimonial, sendo vedado aos nubentes qualquer dilargação contratual impondo às núpcias, condições ou termos diversos daqueles antecipadamente ordenados em lei. Sob este especial enfoque, a decisão sob comento descarta qualquer pretensão indenizatória escorada em circunstancial desatendimento dos deveres do casamento, pois tais desalinhos porventura detectados na postura conjugal, embora próprios para a perseguição pelo cônjuge dito inocente, da sentença que dê desfecho jurídico ao seu matrimônio oficial, por outro ângulo, não guarda fôlego para ensejar aporte financeiro advindo destas presumíveis perdas e danos, tecnicamente amargadas pelo consorte que sofreu as conseqüências da culposa ruptura unilateral do casamento. É que para a culpa pela ruptura do casamento já existem sanções previstas em lei, primeiro, marque moralmente o esposo faltoso com o sinete da culpabilidade, depois, a culpa separatória deveria em tese, influenciar sobre a guarda da prole, não sem antes, condenar a mulher culpada com a perda do sobrenome de casada, afora os efeitos materiais que ordenem ou exonerem algum crédito alimentar. Além desta proibição de indenizar, conferida pela indissociável costura de pertinentes regras Direito de Família, também conspira contra o propósito indenizatório a circunstância do pedido haver sido cumulado em processo direto de divórcio. É que o divórcio direto está fundamentado apenas no decurso do tempo, vedada qualquer discussão que tencione a imputação culposa contra um dos cônjuges e a conseqüente inocência do outro. É verdadeiramente clássica a controvérsia acerca da natureza jurídica do casamento, se contrato uma terceira corrente propugne por sua natureza híbrida, com feição inicial de contrato especial do Direito de Família, com liberdade volitiva na escolha do cônjuge e do regime nupcial de bens, vertendo para uma natureza institucional com a celebração das núpcias, aderindo ao caráter institucional pré-ordenado pela legislação civil brasileira. Contudo, doutrina e jurisprudência, como é de ver, estampam notória divergência, servindo de Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos[1], para quem, sob efeito algum, os elementos publicísticos que impregnam o casamento, são capazes de comprometer a sua especial natureza contratual e tão própria do Direito de Família. Logo, não há como repudiar a indenização civil no campo do Direito de Família, apenas porque a legislação já prevê outros meios de punição do cônjuge culpado pela separação. Yussef Said Cahali assinala a crescente manifestação doutrinária em favor do ressarcimento razão da infração grave dos deveres conjugais e adverte, que já não mais vinga a fórmula passada, de impor

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apenas o encargo alimentar em favor do cônjuge inocente, como se tudo pudesse e devesse ser compensado pela paga alimentar, que em tempos mais distantes, era quase sempre devida e necessária.[2] A despeito do caráter alimentar como panacéia indenizatória de todas as traumáticas separações unitária autoria culposa, calha transcrever passagem doutrinária onde referi noutro trabalho que: "durante muitas décadas e dentro da filosofia de que o casamento deveria ter a duração da própria existência terrena dos cônjuges, não eram muitos os processos judiciais de separação, eis que escassas as causas justificadoras do antigo desquite e se determinado matrimônio batesse às portas do Judiciário, com efeito, que a culpa separatória restava usualmente compensada pelo crédito alimentício prestado em favor do cônjuge inocente." [3] Mesmo antes da Carta Política de 1988 consagrar o ressarcimento pela lesão moral, Mário destacava a procedência cumulativa da ação de responsabilidade civil entre marido e mulher, independentemente da separação judicial contenciosa e, se fosse o caso, também independentemente da condenação em uma pensão de alimentos, fundada a reparação do ultraje moral na cláusula geral do artigo 159 do Código Civil e que a ampla regra do art. 5º, inciso X da Constituição Federal induvidosamente contempla, indiferente às considerações mais acadêmicas. 3. Dano moral na separação culposa. A ordem judicial de reparação pelo dano moral é sanção atribuída ao lesante, para compensar negativos por ele sentidos em sua personalidade, independentemente de haver repercussão em sua situação profissional, econômica, política ou social [5]. Seu objetivo é reparar a dor, o padecimento espiritual infligido à vítima de um evento danoso. A vigente Carta Magna de 1988 ao espraiar para a esfera da personalidade da vítima a teoria da reparação do dano civil, evidentemente que se escora na teoria da responsabilidade subjetiva, vale dizer, precisa vincular o dano à conduta culposa. A judicial procedência da indenização em processo que cumula ressarcimento civil entre marido do casamento, jamais poderá ser ordenada, dispensando a análise processual do ato conjugal ilícito, quer seja ele doloso ou culposo, resultando na separação judicial por quebra dos deveres do casamento ou por alguma conduta desonrosa que importe na impossibilidade de reconciliação dos esposos, cuja convivência tornou-se acordo com o art. 5º, caput, da Lei do Divórcio. Como bem direciona atualizada doutrina [6], a responsabilidade civil subjetiva é pressuposto de dano moral, que não se sanciona pelo fato meramente objetivo, sendo necessário imputar dolo ou culpa, ao agir do cônjuge. Isto significa dizer, como é de levantar junto a mais recente doutrina que examina a reparação civil na separação judicial e no divórcio, que dentro do vínculo conjugal, a busca da indenização pela lesão moral ou material causada, parte da base de que há um culpado e que há um inocente vítima desta separação ruinosa.[7] Desimporta que o ordenamento brasileiro não contenha qualquer norma específica sobre a acarretados pela culposa separação judicial, porque também não existe qualquer regra escrita que desautorize ou vede a sua reparação.[8] Por conseguinte, não merece qualquer admoestação o aresto do Tribunal de Justiça carioca, qualquer perquirição da culpa no processo litigioso de divórcio direto, como também está vedada a sua pesquisa nas separações judiciais intentadas com fundamento na ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo. [9] Assim se dá, respeitadas opiniões em contrário, porque na separação judicial pedida pelo ruptura fática da coabitação, ou de dois anos para o divórcio, faz com que a ofensa esfrie a gravidade da

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infração conjugal. A inércia temporal conspira contra a invocação da causa da separação e faz com que os resíduos conflituosos não mais transpirem em processos onde a fática e já enfadonha ruptura transformou-se em silenciosa resignação. É que depois deste razoável interregno temporal fica expressamente vedada a iniciativa conflituosa e mesmo do divórcio, pois que tempo e lei eliminaram do processo o regime causal da separação, autorizando a dissolução do casamento pela mostra única de sua irreversível falência, mostrando que com o passar do tempo, desapareceram a afinidade e a comunidade espiritual de vida que sustentavam o matrimônio, estando ambos os cônjuges resignados pela possível frustração de sua derrota nupcial. Mostrar sobretudo, que com o seu longo silêncio, os cônjuges desavindos já perdoaram eventuais desinteligências e possíveis excessos de conduta que tenham desonrado o seu casamento, como também permitiram que o tempo apagasse algum ressentimento nascido do descumprimento de expresso dever conjugal. É a incidência fática do perdão, como a propósito assinala Aparecida Amarante, de que o perdão efeitos daquelas condutas desonrosas, já que, consiste em renúncia ao direito de invocar aquelas culpas[10] e esta mesma renúncia de invocar qualquer conduta conjugal culposa, também tem incidência decorrente da simples inércia do consorte que não buscou a imediata retorsão à ofensa conjugal, aforando sua demanda de separação litigiosa. No entanto, antes de vencidos estes períodos de fática ruptura do casamento, parece inquestionável voluntária quebra de qualquer obrigação nupcial e, dentro delas a doutrina também lista os deveres de respeito [11] e de estima, enseja a dissolução culposa da sociedade conjugal e a eventual reparação civil do efetivo dano causado. 4. A indenização por dano moral. A indenização moral ressarce a dor, a angústia, a humilhação, a aflição física ou espiritual, [12], a indenização compensa os padecimentos que são infligidos à vítima do evento danoso. E esta indenização tem e deve ter origem diversa das conseqüências jurídicas que são implícitas que, embora condenem o cônjuge culpado pela ruptura do matrimônio, o sancionam com efeitos materiais e jurídicos já preestabelecidos em lei, como a perda de alimentos, do uso do patronímico de casada e eventualmente, até com a destituição do direito de guarda da prole. Como prescreve Regina Papa dos Santos[13], a indenização moral não visa a compensar possam ocorrer após a separação judicial e o divórcio, como também já pertence à história do Direito, qualquer discussão hoje só acadêmica, sobre se a pensão originariamente era indenizatória ou sancionatória, sabendo-se que, cada vez mais rara entre cônjuges, sua incidência está vinculada à excepcional necessidade de um e à solvência do outro cônjuge.

A indenização por dano moral dentro da separação judicial busca compensar o real sofrimento declarado vítima da separação litigiosa, sua função é a de ressarcir a honra conjugal afetada, a integridade moral de que foi alvo o esposo ofendido, ou como prescreve o direito constitucional, garante a indenizabilidade da violação a todos os direitos de personalidade. No Direito de Família, repara os danos morais causados pela violação do dever conjugal, ou desonrosa e que tornem insuportável a vida em comum. Apenas que o tempo conta substancialmente na esfera de configuração jurídica do dano moral, cuja retorsão processual precisa ser imediata.

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Como adverte Regina Papa dos Santos [14], é feita a distinção entre os danos acarretados dever conjugal e os prejuízos oriundos da ruptura do casamento , onde os prejuízos morais devem ser imediatos e de imediato processados, para gerarem a reparação civil , pois que com o transcorrer do tempo, restam apenas os prejuízos oriundos da ruptura do casamento, que transitam noutra esfera e comportam outra ordem de compensação, pois são baseados nas disparidades que a ruptura do matrimônio pode originar[15], mas sem previsão de reparação civil no Direito brasileiro. Portanto, o tempo age corrosivamente contra o consorte que vitimado pela separação culposa, promove a sua ação de separação judicial causal em prazo hábil, inferior a um ano de fática ruptura física do casal. Ingressando o feito na discussão meramente temporal da separação ou do divórcio, descabe perquirir da culpa e do dano moral, assim como descabe buscar qualquer prestação compensatória que o Direito pátrio não contempla, pois como estampado no aresto comentado - não há como considerar a circunstância da culpa e de inocência num processo fundado na simples separação de fato, quando os laços do matrimônio já se afrouxaram pela separação de fato do casal. [1] Reparação civil na separação e no divórcio, Saraiva, São Paulo, 1999, pp.57-61. [2] Dano moral, Revista dos Tribunais, 2ª edição, São Paulo, 1999, p.666. [3] MADALENO, Rolf. Direito de Família, aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora, 1998, Porto Alegre, p.139. [4] Responsabilidade civil entre marido e mulher, In Temas de responsabilidade civil, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1989, p.71. [5] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais, 3ª edição, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997, p.65. [6] ARIANNA, Carlos Alberto e LEVY, Lea. Daño moral y patrimonial derivado de la falta de reconocimiento, In Derecho de daños, coordenado por Carlos A. Ghersi, Editora Abeledo-Perrot, Buenos Aires, 1999, p.444. [7] FERREIRA, Eduardo Vaz; FACIO, Jorge Peirano e ORDOQUI, Gustavo. Daños y perjuicios causados por adulterio, Fundacion de Cultura Universitaria, Montevideo, 1990, .24. [8] SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação civil na...., ob. cit., pp.159-160. [9] Lei do Divórcio (n.º 6.515/77) , art. 5º , § 1º A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de 1 (um) ano consecutivo, e a impossibilidade de sua reconstituição. [10] Responsabilidade civil por dano à honra, Livraria Del Rey Editora, Belo Horizonte, 1991, p.206.

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[11] Respeito, diz Arnaldo Rizzardo, Separação e divórcio, In Direito de Família contemporâneo, Del Rey, Belo Horizonte, 1997, coord. Rodrigo da Cunha Pereira, p.365 - " é um sentimento moral que se inspira na dignidade da pessoa, constituindo um valor merecedor da proteção legal." [12] ZANNONI, Eduardo. A. El daño en la responsabilidad civil, 2ª edición, Editora Astrea, Buenos Aires, 1993, p.290. [13] Reparação civil na separação..., ob. cit., p.129. [14] Idem, ob. cit., p.153. [15] Ibidem, ob. cit., p.154. Fonte: MADALENO, Rolf. Direito de Família e Sucessões. Disponível em: <http://www.rolfmadaleno.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=37&Itemid=39. >. Acesso em: 20 maio 2008.

ANEXO D – Agravo de Instrumento nº 70018415737

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEPARAÇÃO LITIGIOSA. PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE CULPA À MULHER PELA SEPARAÇÃO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO MORAL POR DENUNCIA CALUNIOSA E DIFAMATÓRIA EM BOLETIM DE OCORRÊNCIA POLICIAL. 1. Na falência das relações conjugais não se pode atribuir, de forma simplista, culpa a quem quer que seja, porque a corrosão dos relacionamentos se dá a partir de uma série de complexos fatores comportamentais que não cabem na singela divisão maniqueísta entre inocentes e culpados. 2. O fim do casamento, qualquer que seja o motivo, gera intensos e profundos sentimentos. Todavia, não há reparação possível, de ordem econômica, para curar estas dores. 3. O fato gerador da obrigação indenizatória há que ser a prática de uma ilicitude que gera lesão ao outro e o registro policial representa o exercício de um direito. Além disso, o fato em si da comunicação não gera, por si só, lesão a ser indenizada. NEGARAM PROVIMENTO, À UNANIMIDADE.

AGRAVO DE INSTRUMENTO

SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70018415737

COMARCA DE TEUTÔNIA

N.R. ..

AGRAVANTE

M.C.P.R. .

AGRAVADO

A CÓ R DÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes

Senhores DES.ª MARIA BERENICE DIAS (PRESIDENTE) E DES. RICARDO

RAUPP RUSCHEL.

Porto Alegre, 11 de abril de 2007.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,

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Relator.

R E L AT Ó RI O

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)

NELSON R. agrava da decisão que, nos autos das ações em que

contendem com MARIA CYBTHIA R., ao determinar a instrução conjunta delimitou

os pontos controvertidos das demandas, excluindo a questão relativa à averiguação

da culpa pela separação e deixou de considerar como matéria litigiosa o pedido de

indenização por danos morais por ele formulado (fls. 137 e 147).

Sustenta que: (1) depois de muitas disputas judiciais envolvendo

alimentos e afastamento da residência familiar ajuizou ação de separação litigiosa

cumulada com reparação de danos; (2) postulou, além da análise da culpa pela

separação, para efeito do disposto no art. 1.704 do CCB, a condenação da recorrida

no pagamento de indenização por danos morais decorrentes de fatos que

caracterizam injúria grave e das acusações falsas registradas em boletins policiais;

(3) a magistrada excluiu a análise da culpa, sob o fundamento de que tal questão

não traz nenhum benefício prático ao processo; (4) complementando a decisão, ao

apreciar embargos de declaração, o juízo excluiu dos pontos controvertidos a

discussão acerca dos danos morais, pois o pedido tem por fundamento a alegada

culpa da separanda; (5) contudo, a averiguação da culpa pela separação traz efeitos

em relação aos alimentos da agravada, que serão limitados ao mínimo suficiente

para garantir a sobrevivência, nos termos do § 2º do art. 1.694 do CCB, assim não

haverá necessidade de ponderar se o pensionamento é compatível à manutenção

da sua condição social; (6) a decisão recorrida é nula porque impedindo o agravante

de provar a culpa, cerceia sua defesa e a justa pretensão acerca da quantificação da

prestação alimentar; (7) houve verdadeira antecipação do julgamento de mérito em

favor da mulher; (8) não pode o juízo indeferir de plano sua pretensão de

responsabilizar civilmente a mulher por danos morais causados, como se de pedido

juridicamente impossível se tratasse; (9) a indenização pretendida não tem por

causa de pedir apenas a alegada culpa da mulher pela separação, mas sobretudo

as comunicações em ocorrências policiais difamatórias e injuriosas, pois maculam

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sua imagem e dignidade. Requer seja ao recurso atribuído efeito suspensivo, com

final provimento para incluir na demanda, como ponto controvertido, a análise da

culpa pela separação e a apuração da responsabilidade da agravada pelos danos

morais causados ao agravante.

Foi indeferido o pedido liminar (fl. 204).

Houve contra-razões (fls. 208/217).

O Ministério Público opinou pelo não-provimento do agravo (fls.

220/223v.).

É o relatório.

V O TO S

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)

Principio com a inconformidade do recorrente em razão de ter o juízo

afastado da discussão processual a averiguação de culpa da mulher pela ruptura do

casamento.

E inicio com a excelente visão do civilista João Baptista Villela que se

insurgiu contra a incorporação de tal perspectiva em nosso ordenamento jurídico:

Vício seriíssimo da lei é o de ainda se estruturar sobre o velho e decadente princípio da culpa. A mais significativa evolução, que se processa hoje no mundo em matéria de divórcio, é o abandono do princípio da culpa (Verschuldensprinzip) em favor do princípio da deterioração factual (Zerruttugsprinzip). De um lado, não cabe ao Estado intervir na intimidade do casal para investigar quem é o culpado e quem é inocente nesta ou naquela dificuldade supostamente invencível. Depois, haverá algo de mais presunçoso do que ser capaz de fazê-lo? Dizer quem é culpado e quem não o é, quando se trata de um

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relacionamento personalíssimo, íntimo e fortemente interativo como é o conjugal, chegaria a ser pedante, se antes disso não fosse sumamente ridículo. Nem os cônjuges, eles próprios, terão muitas vezes a consciência precisa de onde reside a causa de seu malogro, quase sempre envolta na obscuridade que, em maior ou menor grau, impregna todas as relações humanas.221

Na sua petição inicial, o agravante fala em violação do dever de

respeito e consideração pela mulher durante os últimos anos de convivência do

casal, cujo comportamento ofensivo e aviltante é causa única da separação, e

agrega que tal circunstância tem como efeito a exoneração de qualquer obrigação

alimentar para com ela.

Contudo, como há muito esta Corte de Justiça gaúcha vinha

manifestando em reiterados julgados, quando se tem em foco as relações humanas

mais íntimas, como ocorre nos casamentos, não é possível cogitar de qualquer

forma de punição de um ou outro do par quanto ao fim de uma relação corroída.

Como destaca Lúcio Grassi de Gouveia, se assim se fizer, a vida

pessoal e intimidade acabam devastadas e isto sim gera fortes seqüelas no seio de

uma família: “Você jamais será feliz! É o que parece quere dizer o juiz que

matematicamente calcula o grau de culpa de cada um dos desesperados cônjuges

para fixação dos efeitos a serem suportados pelo único ou principal culpado”.222

Já dito que, no esteio do entendimento desta Corte, não há justificativa

a sustentar a necessidade de atribuição de culpa a um dos cônjuges. A relação

marital se forma a dois, com o par se dá a concepção de uma família e também é a

partir de ambos que, às vezes muito sub-repticiamente, surgem fissuras no

relacionamento, chegando ao ponto de não ser possível preservar a convivência

harmoniosa.

O manejo desta perspectiva, de buscar a imputação de um culpado

pela separação, está usualmente associada à catarse emocional que visa expungir

de si qualquer sentimento de responsabilidade pelo desenlace matrimonial, na

medida em que um lança exclusivamente sobre o outro a causa do fim do

casamento. Todavia, no desenho da condição humana há todo um complexo de

221 VILELLA, João Baptista. apud PEREIRA, Rodrigo da Cunha. In: A sexualidade vista pelos tribunais. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 225. 222 GOUVEIA, Lúcio Grassi de. A culpa como fator para fixação dos efeitos do divórcio. Revista da ESMAPE. v.5, n.12, p. 505-506.

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circunstâncias imbricadas tanto na construção como no desfazimento dos laços de

afeto, e cuja responsabilidade não pode, de forma maniqueísta, ser atribuída a um

só dos cônjuges.

Tanto que, acerca desta questão, resultou da III Jornada de Direito

Civil, promovida no Distrito Federal pelo Conselho da Justiça Federal, em dezembro

de 2004, o enunciado interpretativo que se transcreve:

Formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (art. 1.511) – que caracteriza hipóteses de ‘outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum’ – sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges. (negritei)

Também aqui há muito restou consolidado entendimento neste mesmo

sentido, do que resultou a Conclusão nº 27 do Centro de Estudos:

Desde que completado o lapso temporal de separação fática exigido para o pedido de separação judicial litigiosa com causa objetiva ou para o pedido de divórcio descabe postular separação com causa culposa, por falta de legítimo interesse.

É neste sentido o precedente do Superior Tribunal de Justiça:

SEPARAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO INTENTADO COM BASE NA CULPA EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER. DECISÃO QUE ACOLHE A PRETENSÃO EM FACE DA INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM, INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA EM RELAÇÃO A AMBOS OS LITIGANTES. ADMISSIBILIDADE. – A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum e, diante disso, decretar a separação judicial do casal. (...) Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados. (EREsp 466.329/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14.09.2005)

Em síntese, vê-se que o casamento dos litigantes findou pela

insuportabilidade da vida em comum. Como referiu a em. Procuradora de Justiça

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ANGELA CÉLIA PAIM GARRIDO, “a série de fatos que poderiam gerar a análise da

culpa, como requer o agravante, não passa de conseqüências inerentes ao término

de uma relação conjugal” (fl.221).

Sustenta, ainda, que também deve ser reformada a decisão atacada

porque a indenização pretendida tem por fundamento e causa de pedir não apenas

a alegada culpa da mulher pela separação, mas, sobretudo, as comunicações em

ocorrências policiais injuriosas, difamatórias e caluniosas registradas contra ele

depois da separação de fato e que maculam sua imagem e dignidade.

Não lhe assiste razão, todavia. Primeiramente porque não há ali ilícito

capaz de respaldar pedido de ressarcimento por danos morais.

É evidente que na ruptura de um casamento os ânimos tendem a ficar

alterados, pois qualquer que seja o fator motivador da falência da relação afloram

sentimentos de mágoas, sensação de abandono, frustração e etc.

Reporto-me aqui a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

transcrita em primoroso texto de Maria Celina Bodina de Moraes e do qual me valho

para afastar a pretensão do recorrente. Decidiu a Corte que:

(...) Para que se possa conceder o dano moral é preciso ... que um dos cônjuges tenha, efetivamente, submetido o outro a condições humilhantes, vexatórias e que lhe afronte a dignidade, a honra ou o pudor.(...)223

Ao justificar seu entendimento escreve a doutrinadora:

Apenas uma certa visão estreita de logicidade entre causa e conseqüência, e a interpretação literal da concepção de quem sofre um dano, acontecimento ensejador de tristeza e humilhação, de vexame e outras dores, dará direito à uma compensação pecuniária. Todavia, o pagamento de uma indenização, nestes casos específicos, agravaria ainda mais as situações de grave conflito, de verdadeira ‘guerra nuclear’ – perdoem a analogia – que normalmente se vêem nos juízos de separação e divórcio. As pessoas envolvidas já estão sofrendo mais do que o suficiente e pagando todos os seus pecados. A idéia de se poder tirar dinheiro da situação (rectius, tornar concreta a ameaçção de tanto: ‘Vou fazê-la/fazê-lo pagar por isso’) acende, ou faz surigir o que há de pior em nós: a cobiça. Aqui

223223 TJRJ, 2ª C.C., A.C.nº 2000.001.19674, relator Des. Gustavo Kuhl Leite. In: Danos morais e relações de família. In: Afeto, ética, família e o novo Código Civil brasileiro. Anais. IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 411.

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cabe citar a advertência de Flaubert: ‘O que o dinheiro faz por nós não compensa o que fazemos por ele’.224

O fato gerador da obrigação indenizatória há que ser, como sempre, a

prática de uma ilicitude que gera lesão ao outro. Destaco que o registro policial

representa, ao fim e ao cabo, o exercício de um direito e o fato em si da

comunicação não gera, por si só, lesão a ser indenizada – ressalvada a exposição

pública do fato, que aqui não há.

Aliás, o próprio varão, na petição inicial, se reporta às comunicações de

ocorrência policial que ele fez contra a mulher, como se vê dos documentos

acostados, e se serve de declarações de pessoas vinculadas ao casal (fls. 152 e

125/130).

Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.

DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL - De acordo.

DES.ª MARIA BERENICE DIAS (PRESIDENTE) - De acordo.

DES.ª MARIA BERENICE DIAS - Presidente - Agravo de Instrumento nº

70018415737, Comarca de Teutônia: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME"

Julgador(a) de 1º Grau: ROSANE BEN DA COSTA

Fonte: Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2007&codigo=369803>. Acesso em: 03 maio 2008.

224 Op. cit., p. 412.