a responsabilidade civil do transportador pelos danos causados ao passageiro em virtude do arremesso...

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A Responsabilidade Civil do Transportador pelos Danos Causados ao Passageiro em Virtude do Arremesso de Objetos Contra o Veculo de TransporteDiego Schwartz

INTRODUO

Desde a antiguidade, o homem sempre teve necessidade de deslocar-se bem como de deslocar suas coisas. A inveno da roda abriu novo horizonte para os transportes, antes feito apenas com fora prpria ou auxlio de animais. Os barcos a vela, os motores a vapor, a revoluo industrial, as estradas, as aeronaves, tudo foi se juntando perspectiva dos transportes e hoje as pessoas e as mercadorias deslocam -se complexamente pelo globo terrestre por terra, mar e ar. O transporte apresenta muitos problemas, por depender de vrios fatores para que seja concretizado: rodovias, ferrovias, navios, aeronaves, alm de condies logsticas, climticas, de segurana, entre outras.[1] Ademais, o estudo da responsabilidade civil deveu o seu desenvolvimento, em grande parte, ao avano tecnolgico no transporte de coisas e pessoas. Sem desconhecer outros motivos realmente fortes, pode-se afirmar que a influncia dos novos riscos criados pelo automvel na responsabilidade civil foi profunda e decisiva. Na medida em que a sociedade experimentou um assustador avano cientfico, especialmente no perodo ps-guerra, um dos setores da atividade humana que mais se beneficiou com esse esforo blico foi, sem dvida, o de transportes.[2] Como ressalta Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: Os transportes terrestres e o aeronutico, sem nos esquecermos do martimo, evoluram, nos ltimos cem anos, mais do que em todos os sculos precedentes, desde quando o homem, em magnfico insight, criou a roda. O sculo XX, sob essa perspectiva, traduziu em seus cem anos o que no se conseguiu em mais de mil.[3] Contudo, o ponto negativo desse avano tecnolgico, to importante para o bem estar dos homens de hoje, foi o aumento do risco e, conseqentemente, o agravamento das situaes de dano, inseridas no campo da responsabilidade civil. Assim, diversos diplomas legais vieram dispor sobre a responsabilidade civil do transportador, que nem sempre ser contratual, pois dever ser analisada em trs aspectos: em relao aos empregados, terceiros e passageiros.

Objetiva-se com esse estudo especificamente a anlise da responsabilidade civil do transportador em relao aos passageiros, especialmente quanto aos danos causados ao viajante em virtude de arremesso de objetos contra o veculo de transporte terrestre. Realizar-se-, todavia, uma breve anlise a respeito do contrato de transportes, as obrigaes das partes, excludentes da responsabilidade do transportador, as controvrsias jurisprudenciais acerca do tema e a natureza jurdica do transporte gratuito.

O CONTRATO DE TRANSPORTE

Transportar, do latim transportare, significa, no sentido vulgar da palavra, conduzir ou levar de um lugar para outro.[4] Trata-se de contrato no qual uma pessoa ou empresa se obriga, mediante retribuio, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas animadas ou inanimadas. Pode, ainda, ser definido como o negcio jurdico bilateral, consensual, oneroso e comutativo, pelo qual uma das partes (transportador ou condutor) se obriga a, mediante remunerao, transportar pessoa ou coisa a um destino previamente convencionado.[5] A obrigao do usurio restringe-se ao pagamento do preo e obedincia ao regulamento do transporte ou s normas do contrato.[6] O preo pago ao transportador recebe a denominao de frete ou porte no transporte de coisas, e de valor da passagem no transporte de passageiros. O Cdigo Civil hodierno, ao contrrio do Codex anterior que no tratou do assunto[7], disciplina o contrato de transporte em seus arts. 730 a 756, os quais abrangem o transporte de pessoas (arts. 734 a 742) e o de coisas (arts. 743 a 754). Tratar-se- aqui, somente do transporte de pessoas. De antemo, necessrio esclarecer que a responsabilidade do transportador nem sempre contratual, razo pela qual deve ser analisada em relao a trs aspectos: empregados, terceiros e passageiros. Em relao aos empregados, a responsabilidade do transportador fundamenta-se no acidente do trabalho. Neste caso, sendo o pedido de auxlio previdencirio em decorrncia do acidente, dever o pleito ser encaminhado ao INSS. Somente em caso de dolo ou culpa do empregador poder ser pleiteada a indenizao prevista no direi o t comum (CRFB, art. 7, XXVIII). No que tange a terceiros, a responsabilidade aquiliana ou extracontratual e objetiva, j que o art. 37, 6, da Lei Maior estendeu a responsabilidade estatal, fundada no risco administrativo s pessoas jurdicas de direito privado que prestem servios pblicos, como o caso do transporte.

Quanto aos terceiros, ainda, de se mencionar a aplicabilidade dos dispositivos do Cdigo de Defesa do Consumidor, tendo em vista que este, em seu art. 17, equipara condio de consumidoras todas as vtimas do evento danoso, muito embora no haja relao contratual de consumo entre as partes. Fica, assim, superada a dicotomia entre a responsabilidade contratual e extracontratual, porque, em ambos os casos, o fundamento da responsabilidade o mesmo, qual seja o defeito do produto ou servio.[8] Pois bem, o cerne do assunto a responsabilidade em relao aos passageiros. Assim, faz-se indispensvel citar as caractersticas do contrato de transporte: a desnecessidade de formalidade; sua condio de adeso, j que as clusulas so previamente estipuladas pelo transportador e no discutidas livremente entre as partes; e a clusula de incolumidade que lhe implcita. Essa ltima peculiaridade revela o dever que tem o transportador de conduzir o passageiro, so e salvo, at o local combinado. A obrigatoriedade da clusula de incolumidade se deve ao fato de ter o transportador uma obrigao de resultado, o que quer dizer que ele no s deve agir de maneira diligente, como tambm garantir o xito da diligncia. Como ensina Rui Stoco: Como ficou exaustivamente afirmado, a responsabilidade do transportador , de regra, contratual e se traduz como uma obrigao de resultado ou fim. No basta proporcionar os melhores meios. Impe-se que cumpra o objeto da avena. Portanto, no s assume obrigao de transportar o usurio a partir de um local de origem por este escolhido, como de deix-lo no destino convencionado. Mas essa obrigao s se completa com a entrega do passageiro no local do destino so e salvo; inclume. Esse dever de incolumidade constitui clusula implcita de garantia, nsita ao contrato de adeso e se presume sempre. Pode ser considerada verdadeira clusula ptrea , posto imutvel por vontade do transportador.[9] Em decorrncia dessa responsabilidade, o transportador deve responder tanto pelas leses corporais que os passageiros vierem eventualmente a sofrer em acidentes de trnsito no trajeto da viagem, como por danos decorrentes de atrasos e de suspenses das viagens. O Cdigo Civil preceitua em seus arts. 734 e 737, respectivamente: Art. 734. O transportador responde pelos danos causados s pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de fora maior, sendo nula qualquer clusula excludente da responsabilidade. Pargrafo nico. lcito ao transportador exigir a declarao do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenizao. Art. 737. O transportador est sujeito aos horrios e itinerrios previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de fora maior.

Trata-se de normas abrangentes, havendo a responsabilidade do transportador sempre que os defeitos na prestao do servio acarretarem danos aos passageiros. Maria Helena Diniz especifica a responsabilidade do transportador, afirmando que com a celebrao do contrato de transporte de pessoas, este ser responsabilizado civilmente se: a) no transportar o passageiro de um local para outro, no tempo e no modo convencionados; b) no efetuar o transporte com cuidado, exatido e presteza; c) houver danos causados aos viajantes, oriundos de desastres no provocados por fora maior ou caso fortuito ou por culpa exclusiva do passageiro, caso em que dever pagar uma indenizao varivel conforme a natureza ou a extenso do prejuzo;

d) Se atrasar, na sada ou na chegada, caso em que dever pagar os danos acarretados aos passageiros em virtude desse atraso, desde que ele no tenha sido motivado por fora maior (art. 24, do Decreto n. 2681/12). So fatos que justificam o atraso ou alterao de rota: a queda da ponte que obrigou o condutor do coletivo a abandonar a rodovia principal e seguir viagem por uma estrada secundria; o acidente que fez o motorista do nibus esperar a percia da polcia rodoviria.[10] e) causar dano ao passageiro, sem motivo de fora maior, por ter suspendido ou interrompido o trfego ou no lhe ter oferecido lugar no veculo, desde que ele tenha adquirido bilhete para o transporte ser feito em determinada hora (art. 25, do Decreto n. 2681/12); f) no cumprir o contrato, se o transporte for cumulativo, relativamente ao seu percurso, caso em que dever responder pelos danos pessoais que nele se derem. Todavia, o dano, resultante de atraso ou de interrupo da viagem, ser determinado em razo da totalidade do percurso (art. 733, 1, do CC).[11] Em caso concreto, o Arepago Catarinense j decidiu: AO DE INDENIZAO - TRANSPORTE COLETIVO - LESO EM PASSAGEIRO - DENUNCIAO DA SEGURADORA LIDE - CULPA DO PREPOSTO - BOLETIM DE OCORRNCIA - PRESUNO DE VERACIDADE INABALADA - RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA E DA LITISDENUNCIADA - INSURGNCIA RECURSAL DE AMBAS AS VENCIDAS INPCIA DA INICIAL AFASTADA - RODOVIA EM CONDIES PRECRIAS PISTA MOLHADA - FALTA DE CAUTELA DO MOTORISTA - DEVER DA TRANSPORTADORA EM GARANTIR A INCOLUMIDADE DOS PASSAGEIROS DURANTE TODA A VIAGEM - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - LESO PERMANENTE CONFERIDA PELA PERCIA - MEMBRO SUPERIOR ESQUERDO - TRABALHADOR BRAAL - INCAPACIDADE LABORAL PENSO ALIMENTCIA - CONSTITUIO DE CAPITAL - DANOS MORAIS DEVIDOS - LUCROS CESSANTES NO DEMONSTRADOS - REDUO DA VERBA HONORRIA - RAZOABILIDADE. RECURSO DA SEGURADORA

PARCIALMENTE PROVIDO E DA TRANSPORTADORA DESPROVIDO. (GRIFO NOSSO) [...] Comprovada a culpa do preposto da transportadora pelo acidente que resultou em leses no passageiro, impe-se a condenao desta na reparao dos danos e na responsabilizao da seguradora denunciada pelo pagamento dos valores at o limite da aplice. Contempla-se a responsabilidade civil fundada na teoria objetiva do risco, independente da culpa ou dolo, eis que, ocorrido o evento danoso e havendo o nexo de causalidade, resultante na leso corporal do passageiro, exsurge o dever da transportadora de reparar os danos causados, cuja responsabilidade, embora presumida, s poder ser afastada em casos extremos, quando restar cabalmente comprovada a ocorrncia de fora maior ou culpa exclusiva da vtima.[...][12] Da mesma Corte de Justia, interessante o seguinte julgado:

APELAO CVEL. AO DE INDENIZAO. TRANSPORTE RODOVIRIO COLETIVO. FATO DE TERCEIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO ELIDIDA. O transportador rodovirio de passageiros deve assegurar a incolumidade do contratante do incio ao final da viagem. Destarte, envolvendo-se o nibus em acidente acarretando leses graves em passageira, a empresa de transporte deve suportar os danos advindos, no podendo ser elidida pela alegada culpa de terceiro, mas to somente por caso fortuito, fora maior ou por culpa exclusiva da vtima. TRATAMENTO MDICO. CONDENAO RESTABELECIMENTO DA AUTORA. ADMISSIBILIDADE. AT TOTAL

Clara a interpretao do art. 1.538, do Cdigo Civil ao ordenar que o ofensor indenize o ofendido nas despesas do tratamento at o fim da convalescena, bem como das seqelas que poder advir do acidente. DANO MORAL. QUANTUM DA INDENIZAO. CRITRIO OBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. AFERIO POR ARBITRAMENTO E VALORAO DO JUIZ. VALOR FIXADO QUE NO CONDIZ COM A REALIDADE DOS AUTOS. MAJORAO. A fixao da indenizao por danos morais em 300 salrios mnimos insuficiente para a recomposio dos prejuzos causados, considerando-se a gravidade da leso e das conseqncias advindas do ato lesivo. Assim, impe-se ao magistrado, no manuseio e estudo dos autos, recompor os prejuzos causados, elevando-se a verba para 1000 salrios mnimos.[13]

A responsabilidade civil objetiva do transportador requer que o dano ao passageiro ocorra durante a vigncia do contrato, isto , no transporte ferrovirio, a partir do momento em que o indivduo entra na estao de embarque at o momento em que deixa o veculo e atravessa o porto de sada da estao de desembarque. No transporte rodovirio (nibus, txi), inicia-se a responsabilidade a partir do ingresso do passageiro no veculo, e termina com sua sada do mesmo. No se leva em conta o pagamento da passagem, mesmo porque, este se d com freqncia no interior do veculo. Desse modo, se ao tentar adentrar no veculo, o motorista arranca repentinamente e ocasiona o acidente, o transportador ser responsvel.[14] Ressalte-se, ainda, que referida responsabilidade pressupe um contrato de transporte; logo, se o passageiro lesado for clandestino, afasta-se a responsabilidade do transportador. Ocorrendo suspenso do transporte, por qualquer motivo, o transportador dever providenciar a continuao em veculo idntico ou de outra natureza, se o passageiro concordar (art. 741, do Cdigo Civil). Como j dito, em relao aos passageiros a obrigao ser contratual. Em todo contrato de transporte existe uma clusula de segurana ou incolumidade. A quebra desta obrigao implcita de natureza contratual impe o reconhecimento da responsabilidade objetiva do transportador, que dever indenizar a vtima independentemente de ter atuado ou no com dolo ou culpa.[15] Portanto, a responsabilidade do transportador objetiva, no dependendo da ocorrncia de culpa ou dolo, devendo reparar os danos sofridos pelo transportado durante a vigncia do contrato, salvo se presente alguma d causas excludentes de as responsabilidade legalmente previstas, as quais passaremos a analisar.

3. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR

A responsabilidade civil do transportador no transporte de pessoas, apesar de objetiva, no absoluta, pois permite abrandamentos quando presentes as excludentes previstas em lei. Desta forma, pode a responsabilidade do condutor ser afastada no caso de fora maior, caso fortuito e culpa exclusiva do passageiro. Sobre o tema, interessante fazer-se uma breve anlise histrica. O primeiro diploma brasileiro consagrador da responsabilidade civil objetiva foi precisamente o Decreto n. 2681/12, referente s estradas de ferro. O art. 17, da Lei das Estradas de Ferro, estabelecia que:

Art. 17 As estradas de ferro respondero pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou leso corprea. A culpa ser sempre presumida, s se admitindo em contrrio alguma das seguintes provas: 1 - Caso fortuito ou fora maior; 2 - Culpa do viajante, no concorrendo culpa da estrada. Esse diploma legal se referiu expressamente ao nus da prova e culpa presumida da estrada, mas, como ficou assente posteriormente na doutrina e na jurisprudncia, estatuiu, na verdade, a responsabilidade objetiva das estradas de ferro, somente elidida se provada a culpa exclusiva da vtima, caso fortuito ou fora maior. Essa norma manteve-se sempre rejuvenescida pela jurisprudncia que, por analogia, estendeu sua aplicao aos acidentes que causassem danos a passageiros, ocorridos em bondes eltricos, nibus e at automveis.[16] Ressalta Silvio de Salvo Venosa: Em linhas gerais, assim como para o transporte coletivo de nibus e veculos que lhes fazem as vezes, os princpios do velho Decreto n 2.681/12 continuam aplicveis a toda modalidade de transporte terrestre, inclusive txi. S no tem muito sentido estender a aplicao dessa lei para danos ocasionados por elevadores e escadas rolantes.[17] O Cdigo de Defesa do Consumidor que evidentemente tambm se aplica aos transportes, por fora do previsto nos seus arts. 3, 2 e 22[18], veio reforar a responsabilidade objetiva do transportador, unificando o conceito de responsabilidade contratual e extracontratual sob o manto do defeito do servio. O Cdigo Civil de 2002 trouxe expressamente em seu texto a disciplina do contrato de transporte, consolidando as mudanas ocorridas na matria por fora da legislao e da jurisprudncia, determinando, em seu art. 734, caput:

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados s pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de fora maior, sendo nula qualquer clusula excludente da responsabilidade. (GRIFO NOSSO) A fria redao do mencionado dispositivo, levaria-nos idia de que a nica excludente da responsabilidade civil do transportador prevista legalmente seria a fora maior. Assim, indaga-se: as tradicionais excludentes do caso fortuito e culpa exclusiva da vtima, h tanto tempo consagradas na jurisprudncia ptria no se aplicariam ao contrato de transporte? Seria inteno do legislador afastar tais excludentes? A doutrina civilista unnime em considerar que no foi inteno do legislador restringir as hipteses de exculpao do transportador, no contrato de transporte[19]. Afirma Rui Stoco que a redao do preceito, bastante restrita, no significa que se tenha pretendido essa reduo, que no se compadece com a doutrina assente, a jurisprudncia consagrada e pacfica e com a legislao especial subjacente. E destaca: Talvez o

legislador tenha procurado ser absolutamente tcnico em acolher as ponderaes de parte da doutrina que entende inexistir diferena ontolgica entre caso fortuito e fora maior.[20] Nesse diapaso, continuam a elidir a responsabilidade do transportador a fora maior, o caso fortuito e a culpa exclusiva da vtima. A diferena entre o caso fortuito e a fora maior matria extremamente nebulosa e sobre a qual no se atingiu consenso, preferindo a doutrina diferenciar o fortuito interno do externo, sendo somente este ltimo apto a excluir a responsabilidade do transportador. O fortuito interno trata-se de evento imprevisvel e inevitvel, relacionado organizao daquele que desenvolve uma determinada atividade, como por exemplo, o estouro dos pneus, quebra da barra de direo, falta de freios e outros defeitos mecnicos que podem ocorrer em veculos. Tais ocorrncias no excluem a responsabilidade do transportador. Nesse sentido: APELAO CVEL - AO DE REPARAO DE DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE TRNSITO - PERDA DO FREIO - CASO FORTUITO NO CONFIGURADO - CUMULAO DE DANOS MORAIS E ESTTICOS MANUTENO DOS VALORES - RECURSOS DESPROVIDOS O caso fortuito cinge-se s situaes absolutamente imprevisveis e conseqncias inesperadas. A falta de freio em um veculo um risco previsvel na atividade automobilstica, pelo qual responsvel o proprietrio e usurio da mquina. Os danos morais, que atingem o patrimnio anmico de um sujeito, sua intimidade, no tm relao alguma com os valores despendidos para a correo na aparncia que foi desfigurada em qualquer tipo de sinistro. A indenizao por danos morais no pode de um lado, servir ao enriquecimento material do lesado, e de outro, levar a completa runa o lesante. O valor deve ser tal, que amenize o sofrimento psquico causado e sirva tambm de desestmulo a reiterao do ato.[21] E ainda: APELAO CVEL. REPARAO DE DANOS. QUEBRA DA BARRA DE DIREO. CASO FORTUITO INTERNO. RESPONSABILIDADE PELO DANO. RECURSO DESPROVIDO. Somente o caso fortuito externo d ensejo excluso da responsabilidade civil, por ser imprevisvel. Considerando, a quebra da barra de direo, caso fortuito interno, portanto, previsvel, enseja-se a reparao do dano pelo seu causador. APRESENTAO DE TRS ORAMENTOS. DISPENSABILIDADE ANTE O CONJUNTO PROBATRIO.

No basta simplesmente impugnar os oramentos apresentados, h necessidade da produo de prova em contrrio para elidi-lo, mormente quando ele vem corroborado nas demais provas existentes.[22] Por sua vez, o fortuito externo, sendo igualmente imprevisvel e inevitvel, desvincula-se, todavia, da atividade desenvolvida, com a qual no tem qualquer relao. o caso, por exemplo, dos fenmenos da natureza. Em relao culpa exclusiva da vtima, esta somente elide a responsabilidade se for a razo predominante do evento danoso. Observe-se que, ao contrrio do disposto no Cdigo de Defesa do Consumidor, o Cdigo Civil, prev, em seu art. 738: Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se s normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas vista dos usurios, abstendo-se de quaisquer atos que causem incmodo ou prejuzo aos passageiros, danifiquem o veculo, ou dificultem ou impeam a execuo normal do servio. Permite, inclusive, a minorao da responsabilidade do transportador em razo da culpa concorrente da vtima[23], em seu pargrafo nico: Pargrafo nico. Se o prejuzo sofrido pela pessoa transportada for atribuvel transgresso de normas e instrues regulamentares, o juiz reduzir eqitativamente a indenizao, na medida em que a vtima houver concorrido para a ocorrncia do dano. Sobre o tema, o ensinamento de Zeno Veloso esclarecedor: Pode ocorrer de o passageiro ter sofrido dano em decorrncia da transgresso de normas e instrues regulamentares. A responsabilidade do transportador objetiva (art. 734), mas, se o prejuzo ou dano sofrido pelo viajante decorreu de sua prpria atitude, de seu comportamento anti-social, do descumprimento de normas e instrues regulamentares, h necessidade de avaliar a extenso, o grau de culpa do transportado, para que o juiz possa estabelecer o limite, fixar o valor da indenizao. No caso de o evento danoso decorrer, inteira e exclusivamente, de culpa da vtima, no se deve levar o princpio da responsabilidade objetiva a extremos que cheguem injustia, e, no caso, o dano no indenizvel.[24] Como exemplos de culpa exclusiva da vtima, citam-se os passageiros que praticam surfe em tetos de trens e nibus, os que se penduram voluntariamente nas portas e salincias dos coletivos, ou se postam em suportes que esto abaixo dos veculos.[25] da jurisprudncia: RESPONSABILIDADE CIVIL. EXCLUSIVA DA VTIMA. "SURFISTA FERROVIRIO". CULPA

- Risco assumido inteiramente pelo "surfista ferrovirio", sendo inexigvel e at mesmo impraticvel nessa hiptese a fiscalizao por parte da empresa. Recurso especial no conhecido.[26]

Com relao aos passageiros pingentes, que viajam pendurados em janelas e portas em razo da superlotao do meio de transporte, a jurisprudncia se encontra bastante controvertida. Alguns tribunais entendem ser culpa da prpria vtima, outros responsabilizam a transportadora pelas ms condies do transporte fornecido. Razo assiste a esta segunda posio, vez que, sendo permitido o transporte de pessoas em tais condies, resta demonstrada a deficincia do servio ou a completa displicncia do transportador, apta a gerar a sua responsabilizao. Sobre o assunto, o Egrgio Superior Tribunal de Justia j se manifestou: Direito Civil. Responsabilidade civil. Ilcito contratual. Indenizao por morte. 'Pingente'. Queda de trem em movimento. Culpa presumida. Art. 17 da Lei (Decreto Legislativo) n 2.681/12. Doutrina. Precedentes. Recurso provido. I - Falecendo passageiro, em razo de queda ocorrida quando em movimento o comboio, h culpa presumida da empresa ferroviria, somente elidida pela demonstrao de caso fortuito, fora maior ou culpa exclusiva da vtima (art. 17 do Decreto 2.681/12). II - Nos casos de "pingente", e no de "surfista ferrovirio", porque dever contratual da companhia transportadora impedir que as pessoas viajem com parte do corpo projetado para o lado de fora do veculo, afastada resta a possibilidade de culpa exclusiva da vtima.[27] A culpa de terceiro, por sua vez, no elide a responsabilidade do transportador, sendo interpretada como risco inerente atividade. Nesse sentido, o teor do art. 735, do Cdigo Civil, que reproduziu o entendimento anteriormente firmado na Smula 187, do Supremo Tribunal Federal[28], in verbis: Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro no elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ao regressiva. Assim, se um outro veculo, por impercia do condutor, desgovernou-se e atingiu o nibus em que estava o passageiro, que sofreu fraturas e escoriaes, a responsabilidade do transportador persiste, e ele ter de indenizar os danos sofridos pela vtima. Mas poder acionar, regressivamente, o terceiro causador do acidente.[29] Situao diversa a do fato doloso de terceiro, que pode vir a eximir o transportador, no havendo relao com o contrato de transporte, caso reste caracterizado que o

referido contrato no foi determinante para a conduta do ofensor. A jurisprudncia tem equiparado o fato doloso de terceiro com o fortuito externo, como ocorre nos casos de assaltos no interior de nibus, que nenhuma relao tm com o transporte, mas sim um recrudescimento da violncia urbana, fruto do descaso dos governantes com a questo social que assola nosso pas. Como asseveram Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, seria por demais injusto impor companhia transportadora o nus de assumir a obrigao de indenizar os passageiros pelo roubo ocorrido, do qual tambm foi vtima, ainda mais em se considerando ser dever do Estado garantir a todos a segurana pblica.[30] Nesse sentido, recente deciso do Egrgio Superior Tribunal de Justia: RESPONSABILIDADE CIVIL. AO DE INDENIZAO. MORTE DECORRENTE DE ASSALTO MO ARMADA. VIAGEM INTERESTADUAL. FORA MAIOR. CONFIGURAO. A Segunda Seo do Superior Tribunal de Justia firmou entendimento no sentido de que assalto mo armada ocorrido dentro de veculo coletivo constitui excludente de responsabilidade da empresa transportadora (REsp n. 435.865/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 12.05.2003). Recurso especial conhecido e provido.[31]

No discrepa desse entendimento, a posio do Colendo Supremo Tribunal Federal:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR. ASSALTO A NIBUS SUBURBANO. PASSAGEIRO QUE REAGE E MORTALMENTE FERIDO. CULPA PRESUMIDA, AFASTADA. REGRA MORAL NAS OBRIGAES. RISCO NO COBERTO PELA TARIFA. FORA MAIOR. CAUSA ADEQUADA. SEGURANA FORA DO ALCANCE DO TRANSPORTADOR. AO DOS BENEFICIRIOS DA VTIMA, IMPROCEDENTE CONTRA A EMPRESA TRANSPORTADORA.[32] A nica ressalva da doutrina o caso de a prpria empresa transportadora contribuir para o evento, em virtude de atuao desidiosa ou negligente do seu preposto, como, por exemplo, o motorista que parou ou atracou o nibus em local inseguro, onde freqentemente ocorrem assaltos.[33] Nesse sentido, o Sodalcio Fluminense j decidiu:

Segundo determina o art. 17 do Decreto 2.681, o art. 14 da Lei 8.078 (CDC) e o art. 175, pargrafo nico, da CF, o transportador recorrente, por ser prestador de servio pblico, de carter essencial, transporte coletivo, responde, independentemente de existncia de culpa, pela reparao dos danos causados aos consumidores por ocasio da prestao dos servios. Face responsabilidade objetiva da transportadora, s ficaria esta afastada se demonstrada culpa exclusiva da vtima do que nem se cogita ou a ocorrncia de caso fortuito e fora maior, hipteses que, obrigatoriamente, s ocorrem se forem imprevisveis, o que tambm no aconteceu, porquanto o motorista e o trocador do nibus que depuseram foram unnimes em afirmar serem freqentes os assaltos naquela linha.[34] A mesma questo se aplica ao caso de passageiro que venha a sofrer, durante a viagem, danos decorrentes de tiro disparado do lado de fora do veculo, ou objetos arremessados contra o mesmo, havendo, nesse ltimo caso, sria controvrsia jurisprudencial, como veremos no prximo tpico. O nus da prova das excludentes de responsabilidade cabe sempre ao transportador, que dever demonstrar a sua ocorrncia no caso concreto para eximir-se da obrigao de reparar os danos sofridos pelo passageiro. Por fim, resta esclarecer a nulidade da clusula de no indenizar nos contratos de transporte de pessoas, por disposio expressa do art. 734, caput, do vigente Cdigo Civil, que estabelece ser nula qualquer clusula excludente da responsabilidade. Nesse sentido, j enunciava a Smula 161, do STF, agora incorporada legislao.[35] O que se admite a clusula limitativa do valor da indenizao, desde que no seja expediente falacioso, para burlar a proibio da clusula excludente da responsabilidade, quando a indenizao, por exemplo, for fixada em valor ridculo, insignificante.[36] Referida clusula, entretanto, no aplicvel nos casos de culpa grave ou dolo do transportador.[37] 4. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR PELOS DANOS CAUSADOS AO PASSAGEIRO EM VIRTUDE DO ARREMESSO DE OBJETOS CONTRA O VECULO DE TRANSPORTE Ante o j explanado, verifica-se que a responsabilidade do transportador no transporte de pessoas objetiva, devendo reparar os danos que o passageiro venha a sofrer no trajeto da viagem, independentemente de culpa, somente se eximindo nos casos de fora maior, caso fortuito externo e culpa exclusiva da vtima. Controvertido entendimento jurisprudencial existe quanto responsabilidade da companhia transportadora em caso de arremesso de objeto por terceiro contra o veculo de transporte, durante a viagem, vindo a ferir passageiro. Como destacam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a questo delicada, na medida em que a companhia nem sempre dispe de meios para evitar acontecimentos deste jaez, proveniente da atuao de vndalos.[38] Reforando a controvrsia, Silvio de Salvo Venosa admite que em princpio o transportador no responsvel por acidente com passageiro de coletivo que alvejado por projtil ou pedra disparados da via pblica. Mas, em seguida, reconhece no ser essa

posio homognea, por fora da Smula 187, do Pretrio Excelso, afirmando que o passageiro poderia responsabilizar o transportador, pois no restou cumprida a clusula de incolumidade, noticiando ainda, que a jurisprudncia mais recente equiparou esse fato ao fortuito externo, concluindo que o assunto ainda no pacfico na jurisprudncia.[39] Nesses casos de arremessos de pedras conta o veculo, ou at mesmo de tiros disparados por terceiros vindo a atingir passageiro, teria o transportador obrigao de reparar os danos? Estariam tais danos abrangidos pela responsabilidade objetiva e pela clusula de incolumidade? Ou seriam tais acontecimentos equiparados ao caso fortuito externo, excludente de responsabilidade? A jurisprudncia se divide. Vejamos os argumentos das duas correntes. No sentido da responsabilizao do transportador, argumenta-se que o transporte um contrato de resultado, devendo aquele entregar o passageiro no local de destino, inclume. A Smula 187 do STF estabelece: A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, no elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ao regressiva. Assim, a culpa de terceiro prevista nessa smula, se refere culpa lato sensu, incluindo tambm os casos de dolo.[40] Da advindo a responsabilidade do transportador mesmo no fato doloso do terceiro que arremessou a pedra ou disparou o tiro contra o veculo. Argumenta-se tambm, que o Cdigo de Defesa do Consumidor determina essa responsabilidade, ao prever em seu art. 14: Art. 14. O fornecedor de servios responde, independentemente da existncia de culpa, pela reparao dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos prestao dos servios, bem como por informaes insuficientes ou inadequadas sobre sua fruio e riscos. 1 O servio defeituoso quando no fornece a segurana que o consumidor dele pode esperar, levando-se em considerao as circunstncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a poca em que foi fornecido. (GRIFO NOSSO) Nesse entendimento, o Egrgio Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul j decidiu: RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. DANO CAUSADO POR TERCEIRO. SMULA 187 DO STF. NULIDADE DA SENTENCA INOCORRENTE. NO SE REVESTE DE VCIO A DECISO QUE NO APRECIA PEDIDO DE DEDUO DE SEGURO OBRIGATRIO, FORMULADO PELO RU EM CONTESTACO. NO EXCLUI A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR PEDRA ARREMESSADA POR TERCEIRO, AO LONGO DO ITINERRIO DA EMPRESA, POIS ESTA ASSUME, COM O PASSAGEIRO E MEDIANTE CONTRATO, A OBRIGACO DE LEV-LO INCLUME AO DESTINO. O EVENTO NO IMPREVISVEL, ESTANDO NSITO AO RISCO PRPRIO DA ATIVIDADE QUE, DIARIAMENTE, PERCORRE RUAS E

RODOVIAS COM VECULOS DE TRANSPORTE, PODENDO SER VTIMA DE DESASTRES. DEDUCO DA INDENIZAO DECORRENTE DO SEGURO OBRIGATRIO (DPVAT). RECURSOS DA R PROVIDO, EM PARTE, E DESPROVIDO O DO AUTOR.[41] EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRNSITO. PEDRA ATIRADA CONTRA VECULO DE TRANSPORTE COLETIVO. Indiscutvel que a responsabilidade da empresa requerida objetiva por fora do disposto no art. 37, 6, da Constituio Federal e Smula 161 do STF. No configurada a excludente de fato exclusivo de terceiro no caso concreto. Os atos que culminaram com a produo de danos fsicos irreversveis vtima - permisso do ingresso no carro de torcedores envolvidos em spera discusso e que esses do interior do nibus proferissem provocaes adversrios na rua - sempre estiveram dentro da esfera de influncia da empresa transportadora e no se configuram, assim, em fatos absolutamente alheios atividade de transporte, quando sim so englobados no dever contratual de incolumidade. Acolhimento dos embargos para fazer prevalecer o voto minoritrio e a sentena, determinando a responsabilizao do transportador e o pagamento da indenizao arbitrada em primeira instncia. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA DE VOTOS.[42] Em sentido contrrio, forte entendimento doutrinrio e jurisprudencial existe ao classificar os danos oriundos do arremesso de objetos contra o veculo de transporte como caso fortuito externo, pois nenhuma relao de causalidade h com o contrato de transporte. Assim, restaria afastada a incidncia da Smula 187 do Supremo Tribunal Federal, pois a pedra arremessada ou o tiro disparado tratar-se-iam de fato doloso de terceiro, considerado fortuito externo. Cuidando-se de fortuito externo, resta ausente a responsabilidade do transportador. Afirma Maria Helena Diniz: J se decidiu ser equiparvel ao caso fortuito: a) disparos e pedras atiradas por terceiro contra veculo, ferindo passageiro[...].[43] Nesse sentido, opina Zeno Veloso: Encontramos decises judiciais afirmando que no responde a empresa transportadora [...] pelo fato de passageiro de nibus ser atingido por estilhao de vidro produzido por uma pedra atirada por terceiro, ato equiparado a caso fortuito, no havendo que falar em divergncia com a Smula 187 do STF (JB,141:182). [44] Observa o professor Srgio Cavalieri Filho, que a melhor doutrina caracteriza o fato doloso de terceiro, vale dizer, o fato exclusivo de terceiro, como fortuito externo. Ele exclui o prprio nexo causal, equiparvel fora maior, e, por via de conseqncia, exonera de responsabilidade o transportador. O transporte, em casos tais a causa do evento; apenas a sua ocasio. E mais: aps a vigncia do Cdigo do Consumidor, esse entendimento passou a ter base legal, porquanto, entre as causas exonerativas da responsabilidade do prestador de servios, o 3, II, do art. 14 daquele Cdigo inclui o fato exclusivo de terceiro.[45] Essa corrente vem avalizada pela moderna jurisprudncia, como se verifica em deciso do Arepago Catarinense, adiante transcrita :

APELAO CVEL - AO DE INDENIZAO - CONTRATO DE TRANSPORTE DE PESSOAS - PROJTIL DISPARADO POR TERCEIRO LOCALIZADO FORA DO VECULO - NEXO DE CAUSALIDADE INEXISTENTE - CASO FORTUITO E FATO DE TERCEIRO - INDENIZAO INDEVIDA SENTENA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. O passageiro de nibus que atingido por projtil disparado por terceiro localizado fora do veculo, causando-lhe ferimentos, no detm direito indenizatrio frente empresa transportadora, vez que a leso no guarda relao direta com a atividade exercida, no restando demonstrado o nexo causal, mas, sim, caso fortuito e fato de terceiro.[46] E ainda, afastando a incidncia da Smula 187 do STF, deciso do Tribunal de Justia do Rio de Janeiro: RESPONSABILIDADE CIVIL DE FERROVIA - VTIMA ATINGIDA POR PEDRADA FATAL - CULPA DE TERCEIRO - SMULA 187, DO STF INAPLICABILIDADE - CASO FORTUITO - INDENIZAO - RECURSO IMPROVIDO - AO DE INDENIZAO COM RITO SUMRIO - PASSAGEIRO DE TREM ATINGIDO POR UMA PEDRA ARREMESSADA POR TERCEIRO - No aplicao da Smula 187 do STF por tratar-se de fato de terceiro estranho ao contrato de transporte, equiparando-se, portanto, ao caso fortuito, para eximir a responsabilidade objetiva da transportadora. Correta a deciso de primeiro grau. No provimento do recurso." [47] A posio do Colendo Superior Tribunal de Justia vem de encontro a este entendimento: RESPONSABILIDADE CIVIL TRANSPORTE DE PASSAGEIROS ARREMESSO DE OBJETO PARA O INTERIOR DO VECULO LESO EM PASSAGEIRO FATO DE TERCEIRO EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE PRECEDENTES. I A presuno de culpa da transportadora pode ser ilidida pela prova de ocorrncia de fato de terceiro, comprovadas a ateno e cautela a que est obrigada no cumprimento do contrato de transporte a empresa. II O arremesso de objeto, de fora para dentro do veculo, no guarda conexidade com a atividade normal do transportador. Sendo ato de terceiro, exclui a responsabilidade do transportador pelo dano causado ao passageiro. Precedentes. Recurso especial provido.[48]

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. BALA PERDIDA. FATO DE TERCEIRO.

Bala perdida no fato conexo aos riscos inerentes do deslocamento, mas constitui evento alheio ao contrato de transporte, no implicando responsabilidade da transportadora. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extenso, provido.[49] Razo assiste a essa segunda posio. A obrigao do transportador conduzir o passageiro at o local de destino so e salvo. Para isso tem de tomar todas as cautelas no transporte, fazendo a manuteno regular dos veculos, treinando e qualificando seus motoristas, mecnicos, assistentes tcnicos e demais funcionrios cujo trabalho seja extremamente importante para o bom desempenho do servio de transporte. Contudo, no seria justo que restasse a empresa responsabilizada por danos inevitveis e imprevisveis oriundos da conduta selvagem de terceiros que venham a arremessar objetos contra o veculo, sendo o prprio transportador uma das vtimas destes lamentveis eventos. Tais eventos, nenhuma relao guardam com o contrato de transporte, no estando abrangidos pela clusula de incolumidade. Ressalvada a possibilidade de concorrncia culposa do transportador com o evento danoso, em virtude de atuao desidiosa ou negligente do seu preposto, como, por exemplo, continuar trafegando por locais onde costumeiramente ocorrem ataques a nibus. Todavia, este no o objeto do presente estudo, mas sim, o dano causado em rodovia onde no sejam comuns tais agresses. Assim, conclui-se que no h responsabilidade civil do transportador em relao aos danos causados a passageiros em virtude do arremesso de objetos contra o veculo, no tendo, conseqentemente, obrigao em reparar tais danos, enquadrando -se referidos fatos na excludente do caso fortuito externo, causa legalmente prevista de excluso da responsabilidade.

5. O TRANSPORTE GRATUITO

No se poderia encerrar o presente artigo sem se tratar brevemente do transporte gratuito. Em restrita acepo do termo, gratuito somente poder ser considerado o transporte de mera cortesia, a carona desinteressada, por amizade ou outro sentimento pessoal. Dele o Cdigo Civil cuidou em seu art. 736:

Art. 736. No se subordina s normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia. Pargrafo nico. No se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remunerao, o transportador auferir vantagens indiretas.

Pela redao apresentada, podemos vislumbrar a existncia de duas situaes jurdicas distintas. A primeira seria o transporte verdadeiramente gratuito, aquele feito exclusivamente no interesse do passageiro. Nesta hiptese, nem haver contrato de transporte. Havendo acidente e dano ao tomador da carona, a jurisprudncia entende que deve ser aplicada a Smula 145 do STF, com a responsabilizao do transportador somente se incorrer em dolo ou culpa grave. Nesse sentido: RESPONSABILIDADE CIVIL - AO DE INDENIZAO - ACIDENTE DE TRNSITO - TRANSPORTE GRATUITO - FUMAA NA PISTA DIFICULTANDO VISIBILIDADE - ABALROAMENTO INEVITVEL - AUSNCIA DE CULPABILIDADE DO CONDUTOR - STJ, SMULA N. 145 - CULPA GRAVE OU DOLO NO DEMONSTRADOS. 1. Inexiste responsabilidade civil subjetiva por ato ilcito sem prova da culpa do agente (CC/16, art. 159). 2. Nos transportes puramente gratuitos, o condutor do veculo somente responsvel pelos danos causados ao passageiro quando demonstrada culpa grave ou dolo pelo evento: "No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador s ser civilmente responsvel por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave" (STJ, Smula n. 145).[50] Em sentido contrrio, parte da doutrina entende deva ser aplicado o sistema de regras da responsabilidade aquiliana do Cdigo Civil, o que significa dizer que o juiz, nos termos do art. 186, dever perquirir a culpa (em sentido lato) do condutor para efeito de impor-lhe a obrigao de indenizar, e no apenas onde agiu com dolo ou culpa grave.[51] Entretanto, esse entendimento no prevalece na jurisprudncia.[52] A segunda hiptese seria a do transporte interessado, sem remunerao direta. o caso, por exemplo, do representante de vendas que faz questo de levar o seu cliente at o seu stand (transporte interessado); ou o transporte gratuito aos maiores de 65 anos, cujo preo da passagem se encontra computado na passagem dos demais transportados. Nessa espcie de contrato, a responsabilidade do transportador no se altera, permanecendo objetiva, com a aplicao das normas pertinentes ao contrato de transporte.[53] Ressaltam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que para descaracterizar o transporte gratuito o interesse do transportador no precisa ser econmico. Nessa linha de raciocnio: uma carona motivada por interesse sexual, por exemplo, descaracterizaria a cortesia, fazendo incidir as regras do contrato de transporte, e, por conseguinte, da responsabilidade objetiva? Em nosso sentir, segundo uma interpretao teleolgica, desde que no seja por amizade ou mera cortesia (art. 736, caput), o transporte motivado por qualquer interesse do condutor justificaria a descaracterizao do transporte gratuito[..] Assim, uma carona dada apenas para fins sexuais (a famosa canta em ponto de nibus) autorizaria, em nosso entendimento, a incidncia das regras de contrato de

transporte, por fora da vantagem indireta experimentada pelo condutor, nos termos do mencionado pargrafo nico do art. 736.[54]

6. CONSIDERAES FINAIS

O tema do contrato de transportes absolutamente relevante para a vida em sociedade, j que no mundo contemporneo civilizado todos dependem dos meios de transporte para locomover-se e realizar suas atividades, tanto profissionais, sociais, religiosas, esportivas e de lazer. Assim, superiores razes de poltica social fizeram com que o contrato de transporte viesse previsto no Cdigo Civil atual, ao contrrio da legislao civil revogada que no tratou do assunto ao ser promulgada no incio do sculo passado. A responsabilidade civil do transportador no contrato de transporte objetiva e de resultado, tendo o concessionrio o dever de conduzir o passageiro at o local de destino so e salvo, inclume. Caso, durante o trajeto, venha a ocorrer danos ao passageiro em decorrncia de acidente de trnsito, o transportador arcar com a reparao destes, independente de ter agido com culpa. E no poder atribuir a culpa ao motorista do outro veculo, contra o qual apenas ter o direito de regresso aps indenizar os danos sofridos pelo passageiro. Essa obrigao persiste mesmo que o acidente resulte de uma quebra da barra de direo, falta de freios, estouro de pneus (fortuito interno), pois tais fatos guardam relao com o risco da atividade e esto abrangidos pela responsabilidade objetiva. Contudo, se o acidente de trnsito resultar do arremesso de uma pedra por um terceiro que esteja s margens da rodovia, causando danos ao passageiro, no persiste a responsabilidade, vez que tal eventualidade classifica-se como fortuito externo, uma das excludentes da responsabilidade do transportador, ao lado da fora maior e da culpa exclusiva da vtima. A responsabilidade s existiria se presente uma conduta culposa do transportador nesse evento. O prprio CDC previu como causa excludente da responsabilidade do prestador de servios o fato exclusivo de terceiro. A responsabilidade aqui tratada se d to-somente no contrato de transporte oneroso, pois no transporte gratuito, realizado exclusivamente no interesse do passageiro, o transportador s ser civilmente responsvel quando incorrer em dolo ou culpa grave. Porm, mesmo sem remunerao direta, caso o transportador venha a auferir vantagens indiretas com o transporte, aplicam-se as normas pertinentes ao contrato de transporte de pessoas. Por derradeiro, resta realar a funo social das normas que prevem a responsabilidade do transportador, pois, ao estabelecer uma obrigao de resultado,

revelam o dever do transportador em prestar o servio da maneira mais eficiente possvel, servio esse, essencial a toda a sociedade.