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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - ProPPEC GERÊNCIA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO PARA FORMAÇÃO PARA O MAGISTÉRIO SUPERIOR JULIA REHN A RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR DE IMÓVEIS Biguaçu, SC 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA -

ProPPEC GERÊNCIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ESPECIALIZAÇÃO PARA FORMAÇÃO PARA O MAGISTÉRIO SUPERIOR

JULIA REHN

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR DE IMÓVEIS

Biguaçu, SC 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA -

ProPPEC GERÊNCIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ESPECIALIZAÇÃO PARA FORMAÇÃO PARA O MAGISTÉRIO SUPERIOR

JULIA REHN

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR DE IMÓVEIS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), como requisito parcial à obtenção do título de especialista no magistério superior.

Orientador: Prof. MSc. Luiz Egon Richter.

Biguaçu, SC

2011

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“Somos responsáveis por aquilo que fazemos, o que não fazemos e o

que impedimos de fazer”.

Albert Camus.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a

coordenação do Curso de Especialização em Direito Imobiliário, bem como o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca deste.

Biguaçu, outubro de 2011.

Julia Rehn Pós-Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito Imobiliário da

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela aluna Julia Rehn, sob o título

“Responsabilidade Civil do Notário e do Registrador”, foi submetida em _______ à avaliação

pelo Professor Orientador e pela Coordenação do Curso de Especialização em Direito

Imobiliário, e aprovada.

Itajaí, outubro de 2011.

Prof. Msc. Luiz Egon Richter

Orientador

Prof. Dr. Rafael Burlani

Coordenador do Curso de Especialização em Direito Imobiliário.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

art. - artigo

arts. - artigos

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

REsp - Recurso Especial

RE - Recurso Extraordinário

Rel. - Relator

Min. - Ministro

LNR - Lei dos Notários e Registradores - nº 8.935/1994

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo emergir a questão da responsabilidade

civil dos notários e oficiais de registro em virtude de eventuais danos ocorridos aos

utilizadores em razão do serviço prestado. Para tanto, após o entendimento histórico da

origem do instituto da responsabilidade civil, diante da natureza do serviço público, do estudo

do dano e do nexo de causalidade, o estudo converge no sentido de esclarecer a quem

pertence a responsabilidade: se do Estado, se dos titulares da serventia, se tal

responsabilização é objetiva ou subjetiva. Por derradeiro, entende-se que o Estado responde

objetivamente por danos causados a terceiros na execução do serviço delegado, resguardado o

direito de regresso em face do notário e do registrador titular, no caso de conduta dolosa ou

culposa stricto sensu.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Direito Administrativo.

Responsabilidade Civil. Obrigações. Constituição Federal de 1988. Artigo 37. Notário.

Registrador. Lei n. 8935/94. Artigo 22.

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ABSTRACT

This study aims to emerge from the question of civil liability of Notaries

and Registrars because of damage occurring to users because the service provided. So, after

the historic understanding of the origin of the Institute of liability, given the nature of public

service, the study of damage and causation, the study converges to clarify who owns the

responsibility, if the State, if the Notaries and Registrars, as well as, if the responsibility is

objective or subjective. For last, it is understood that the State is responsible for objectively

damage to third parties in the implementation of delegated service, saving the right of

recourse in the face of the notary and recorder holder in the event of willful or negligent

conduct in the strict sense.

KEYWORDS: Constitutional Law. Administrative Law. Liability.

Obligation. Brazilian Federal Constitution of 1988. Article 37. Notary. Registrar. Law No.

8935/94. Article 22.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................4

1 DA RESPONSABILIDADE ....................................................................................................................6

1.1 CONCEITO .........................................................................................................................................................6

1.2 DO ASPECTO HISTÓRICO .........................................................................................................................7

1.3 DA AÇÃO OU OMISSÃO.......................................................................................................................... 11

1.4 DO DOLO OU DA CULPA........................................................................................................................ 13

1.5 DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL ............................... 14

1.6 DAS MODALIDADES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................... 15

1.6.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA .......................................................................... 16

1.6.1.1 DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA....................... 18

1.6.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA............................................................................. 19

1.7 DAS CAUSAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE .................................................... 22

1.7.1 DO ESTADO DE NECESSIDADE ...................................................................................................... 23

1.7.2 DA LEGÍTIMA DEFESA ........................................................................................................................ 24

1.7.3 DO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO E ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL ...................................................................................................................................................................... 25

1.7.4 DO CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR ...................................................................................... 26

1.7.5 DA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA ........................................................................................... 27

1.7.6 DO FATO DE TERCEIRO...................................................................................................................... 27

2 DA FUNÇÃO NOTARIAL E REGISTRAL ....................................................................................29

2.1 ORIGEM DA FUNÇÃO NOTARIAL E SEU DESENVOLVIMENTO NO BRASIL .......... 29

2.2 CARACTERÍSTICAS E CONSIDERAÇÕES GERAIS................................................................... 31

2.3 NATUREZA JURÍDICA DOS NOTÁRIOS E DOS REGISTRADORES ................................. 34

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL APLICADA............................................................................45

3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ............................................................................ 45

3.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E DOS REGISTRADORES............. 49

3.2.1 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA DO ESTADO FRENTE AOS NOTÁRIOS E AOS REGISTRADORES...................................................................................................... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 60

REFERÊNCIAS.................................................................................................................................. 62

ANEXOS ............................................................................................................................................. 64

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INTRODUÇÃO

Em razão das complexas relações que compõem a sociedade moderna,

principalmente em virtude das transformações econômicas, políticas e sociais, a

responsabilidade civil tornou-se assunto em constante discussão no meio jurídico, pela busca

da melhor interpretação e adaptação da legislação às necessidades e aos anseios da

coletividade.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o legislador inseriu e

valorizou os princípios da moralidade, publicidade, legalidade e impessoalidade da

Administração Pública, do Estado, frente aos seus administrados. Isso refletiu na exigência de

concurso público para o ingresso no serviço estatal, bem como no regramento atinente à

função notarial e de registro.

Esses princípios encontram-se expressos no art. 1°, da Lei n° 8.935/1994, lei

que regulamenta a atividade notarial e de registro, ao mencionar que os “serviços notariais e

de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade,

autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.

Não obstante, toda técnica e zelo exigidos pela legislação, a atividade

notarial e registral é operada por seres humanos, ficando sujeita a erros que poderão resultar

em danos aos utilizadores do serviço. A reparação desses danos é o cerne de discussão deste

trabalho, haja vista a natureza jurídica dúbia conferida aos notários e aos registradores, quais

sejam, de servidores públicos ou de delegados privados.

Dependendo da resposta quanto à natureza jurídica destes personagens, a

responsabilidade pode recair-lhes de forma objetiva ou subjetiva, e ainda poderá envolver ou

não o Estado no dever de adimplemento da reparação. Ainda, caso envolva o Estado, surge o

questionamento se tal dever de reparação deverá ser solidário ou subsidiário.

Diante dessa situação fática, a presente monografia tem por objetivo analisar

a responsabilidade civil dos notários e dos registradores, levando-se em conta a natureza

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jurídica da atividade e da sua vinculação com a Administração sob o prisma da Constituição

Federal de 1988, bem como dos princípios de direito Constitucional e Administrativo, Lei n°

8.935/1994, além de trazer à tona os entendimentos dos Tribunais Superiores.

Para tanto, no Capítulo I se tratará do instituto da Responsabilidade Civil no

ordenamento jurídico brasileiro, abordando o seu surgimento histórico na Antiguidade, bem

como sua doutrinária no Brasil. Ainda, apresentar-se-ão as teorias em que os doutrinadores

subdividem o tema, prestando subsídios para o melhor entendimento da controvérsia.

Por conseguinte, o Capítulo II abarcará os conceitos da função notarial e de

registro, sua origem histórica no mundo antigo e seu desenvolvimento no Brasil desde o

descobrimento dos portugueses até os dias atuais, além de discorrer sobre a legislação que

regulamenta a função em relação à responsabilidade civil destes agentes.

Logo após, o Capítulo III correlaciona qual responsabilização deve ser

aplicada nos casos de danos oriundos da prestação do serviço público notarial e registral, se

objetiva do Estado, se objetiva ou subjetiva do titular do Cartório, observada a natureza

jurídica destes elementos e demais aspectos inerentes à espécie.

A presente monografia se encerra com as conclusões, nas quais são

apresentados os pontos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre a responsabilização do notário e do registrador em razão dos serviços públicos

prestados em caráter de delegação, em razão de inconsistências jurisprudenciais e doutrinárias

apresentadas.

Quanto ao suporte metodológico desta investigação, foram utilizados

basicamente o método indutivo, ou seja, extraindo uma ideia geral a partir de uma premissa

específica, com auxílio de técnica de pesquisa de documentação indireta (pesquisa

bibliográfica).

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1 DA RESPONSABILIDADE

1.1 CONCEITO

Intimamente ligada ao direito das obrigações, a responsabilidade civil é uma

matéria que está sempre em voga, pois trata da obrigação de reparação de eventuais danos

ocorridos nas relações jurídicas estabelecidas na sociedade, desde a Antiguidade, até os

tempos hodiernos.

Em um universo dinâmico, qualquer manifestação humana ou natural que

cause prejuízo traz consigo a responsabilidade de restauração do equilíbrio violado pelo dano,

em todos os ramos sociais.

Sobre o assunto, esclarece Noronha1 que: “A responsabilidade civil é

sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de

outrem, ou danos causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam estes difusos,

sejam coletivos stricto sensu”.

Stoco ilustra que responsabilidade é uma imposição estabelecida pelo meio

social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de

responder por seus atos, traduzindo a própria noção de Justiça existente no grupo social

estratificado2.

Já Diniz3 conceitua a responsabilidade Civil como “a aplicação de medidas

que obriguem alguém a reparar - dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razão de

ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele guarda (responsabilidade subjetiva) ou

ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”.

1 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 429. 2 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 6. ed. rev. atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 118. 3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21 ed. rev. e atual. de acordo com a Reforma do CPC. v. 7. São Paulo: Saraiva: 2007, p. 32.

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De acordo com Cavalieri Filho4, responsabilidade é um dever jurídico

sucessivo decorrente da violação de uma obrigação (dever jurídico originário):

A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano.

Para ele, só há responsabilidade civil se houver a violação de um dever

jurídico e dano. Deste modo, a responsabilidade designa o dever de reparação de um prejuízo

decorrente da violação de outro dever jurídico. Sobre o tema, resume Stoco que “a

responsabilidade civil traduz a obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o

dano causado por conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem

laedere) implícito ou expresso em lei”5.

Conforme os ensinamentos de Cavalieri Filho6, é importante diferenciar

obrigação de responsabilidade. Como dito anteriormente, para ele, obrigação é um dever

jurídico originário, e a responsabilidade um dever jurídico sucessivo. Dessa forma, afirma que

a responsabilidade é a sombra da obrigação, não existindo, segundo as leis da física, sombra

sem corpo físico.

Assim, a responsabilidade é uma obrigação que nasce da inexecução de

outra obrigação original.

1.2 DO ASPECTO HISTÓRICO

Nas civilizações antigas, antes do surgimento do Direito Romano e Grego,

não existia o conceito de culpa e nem o direito. A vingança privada era o que predominava,

onde aos indivíduos era permitido fazer justiça com as próprias mãos, ficando mais conhecida

como lei de Talião7, “olho por olho, dente por dente”.

4 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 2. 5 STOCO, 2004, p. 120. 6 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2. 7 A Lei do Talião se resumia em um princípio da retribuição do mal pelo mal, “olho por olho”, princípio este de natureza humana, reagindo a qualquer injusto perpetrado contra si ou terceiros. in VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 16.

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Nesse sentido, Gonçalves8 expõe que “nos primórdios da humanidade,

entretanto, não se cogitava do fator culpa. O dano provocava a reação imediata, instintiva e

brutal do ofendido. Não havia regras, nem limitações. Não imperava, ainda, o direito.

Dominava, então, a vingança privada, forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da

reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas

origens, para a reparação do mal pelo mal. Se a reação não pudesse acontecer desde logo,

sobrevinha a vindita meditada, posteriormente regulamentada, e que resultou na pena de

talião, do ‘olho por olho, dente por dente’.”

É fato notório que esse comportamento baseado na vingança pessoal não

sustentou-se com a evolução da sociedade e do Estado. Este passou, aos poucos, a intervir nas

relações jurídicas particulares, impondo a substituição da revanche e da arbitrariedade, pela

conciliação ou penas específicas.

Como prova disso, tem-se o surgimento da Lei das XII Tábuas, em que o

Estado pronunciava as formas em que a vítima teria direito à retratação e à reparação do

ofensor, mantendo-se, contudo, a ideia do mal pelo mal. A responsabilidade não dependia da

culpa, era apenas uma reação do lesado contra uma causa aparente.

Sobre essa Lei, em sua obra, Rizzardo9 citando Alvino Lima, esclarece que

“na antiguidade clássica, a vingança vem a ser substituída pela composição, a qual, porém, é

estabelecida por critério exclusivo do lesado. Nessa fase, introduziu-se uma tarifação aos

danos. E apareceu um quadro de compensações. Para cada ofensa vinha convencionada uma

pena ou uma retribuição. Tal sistema já constava na Lei das XII Tábuas, e remanesce, ainda

hoje em certas regiões de origem islâmica, onde se prevêem diferentes penas corporais para

delitos como furto, estupro, morte”, [...].

Diniz10 ainda esclarece que:

Para coibir os abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito à retratação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou. A responsabilidade era objetiva, não dependia de culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado contra causa aparente do dano.

8 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 36. 9 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 33. 10 DINIZ, 2007, p. 10.

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Todavia, o marco da evolução da responsabilidade civil foi a edição da Lex

Aquilia. Nela, a reparação do dano era suportada pelo lesante com seu patrimônio. Nesta fase,

o ônus da reparação baseava-se na ideia de culpa. A inexistência de comprovação de culpa,

isentava a reparação.

Conforme ensinamentos de Venosa11:

A Lex Aquilia é o divisor de águas da responsabilidade civil. Este diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual.

Como versa Diniz12:

A Lex Aquilia veio a cristalizar a ideia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse o ônus da reparação, em razão do valor da rês, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse precedido sem culpa.

Ainda, consoante Gonçalves13:

É na Lei de Aquília que se esboça, afinal, um principio geral regulador da reparação do dano. Embora se reconheça que não continha ainda “uma regra de conjunto, nos moldes do direito moderno”, era, sem nenhuma dúvida, o germe da jurisprudência clássica com relação a injúria, e “fonte direta da moderna concepção da culpa aquiliana, que tomou da Lei Aquília o seu nome característico”.

A Lei Aquília do dano estabeleceu a indenização pecuniária pelo dano

causado, determinando um valor para a indenização e correlacionado com o valor da coisa

lesada14. A partir dessa lei, observa-se que o Estado tomou para si o poder sancionador, sendo

o modelo que mais se aproxima da doutrina moderna.

Portanto, o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente

provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente, é extraído da

interpretação do sistema romano de responsabilidade, onde o Estado passou a fixar o valor do

prejuízo, passando assim a evitar a vingança, porém ainda não se conseguia satisfazer todas as

necessidades.

11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 16. 12 DINIZ, 2007, p. 10. 13 GONÇALVES, 2011, p. 37. 14 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a Reforma do CPC. v. 7. São Paulo: Saraiva: 2007, p. 11.

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Com o advento do Código Civil de Napoleão, fundamentou-se o

entendimento no sentido de que a responsabilidade civil teria a reparação patrimonial como

base, abstraindo-se a ideia de culpa15. A noção da culpa in abstracto e a distinção entre culpa

delitual e contratual passou a ser inserida na legislação de todo mundo16.

A partir disso, consolidaram-se os seguintes princípios: direito à reparação

sempre que houvesse culpa, ainda que leve; separação da responsabilidade: civil, perante a

vítima; e penal, perante o Estado; e a existência de culpa contratual das pessoas que

descumprem as obrigações, independentemente, de algum crime ou delito, mas originada da

negligência ou imprudência17.

Com a chegada da Revolução Industrial advieram novas teorias que

objetivavam propiciar maior proteção às vítimas, haja vista o aumento de causas danosas

possíveis. Nesse passo, a teoria da culpa já não abarcava as soluções mais justas de algumas

lides, deixando muitos desprotegidos e desamparados.

Para satisfazer tais necessidades sociais, nesse cenário nasce a teoria do

risco. Tal teoria estipula que o mero exercício de uma atividade perigosa representa um risco

que o agente assume, e por esse motivo é obrigado a ressarcir os danos que venha a causar a

terceiros dessa atividade.

Sobre a teoria do risco, resume Cavalieri Filho18:

A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano.

Atualmente, a responsabilidade civil no direito brasileiro encontra-se

disciplinada de forma esparsa no Código Civil de 2002, abarcando tanto a teoria subjetivista

quanto objetivista.

Ao longo do Código Civil e na maioria dos diplomas de direito positivo encontram-se normas tratando a respeito de da responsabilidade civil, a qual, no seu conteúdo, corresponde às

15 VENOSA, 2007, p. 17. 16 GONÇALVES, 2011, p. 38. 17 Idem. 18 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 136.

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obrigações decorrentes da conduta da pessoa. Pode-se dizer sem temor que em cada ramo do direito está inerente considerável parcela tratando da responsabilidade19.

Contudo, a responsabilização subjetiva vinculada à ideia de culpa ainda é a

regra geral e a responsabilização objetiva, trazida como exceção, é aplicável em casos

especificados em lei, assunto adiante tratado.

1.3 DA AÇÃO OU OMISSÃO

A partir da análise da ação ou omissão do agente é que se mensura a

existência, ou inexistência de violação de um preceito legal (ato ilícito) que venha a atingir,

direta ou indiretamente, o direito de outrem - que, por sua vez, será passível (ou não) de

responsabilização civil.

É “o elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária

no mundo exterior. [...] Mas a lesão a bem jurídico cuja existência se verificará no plano

normativo da culpa, está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma

ação ou omissão que constitui a base do resultado lesivo. Trata-se, em suma, de ação

comissiva ou omissiva, voluntária e contrária ao ordenamento jurídico vigente. 20

Ação e omissão relacionam-se diretamente com a conduta humana de fazer

ou deixar de fazer. Aqui são relevantes as condutas que reflitam em atos que violem o direito

alheio, produzindo consequências jurídicas contrárias àquelas esperadas. Pode se dar por ação

(por exemplo, danificar coisa alheia), ou por omissão, (deixar de agir quando era por contrato

ou por lei obrigado).

Gagliano e Pamplona Filho21 caracterizam a ação e a omissão como positiva

ou negativa. Por ação positiva tem-se a prática de um comportamento ativo, por exemplo, o

dano causado pelo sujeito que, embriagado, arremessa o seu veículo contra o muro do

vizinho. Por ação negativa tem-se a omissão, interpretado por um “deixar de fazer”, que gera

dano a alguém e que gera responsabilidade a quem se omitiu.

19 RIZZARDO, 2006, p. 27. 20 STOCO, 2004, p. 131. 21 GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2010, p. 29.

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Diniz22 conceitua a ação como “elemento constitutivo da responsabilidade,

vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente

imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que

cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.

O artigo 186 do Código Civil enfatiza os elementos da ação e da omissão,

conferindo a eles responsabilidade legal no caso de violação ao direito alheio, no momento

em que versa: “aquele que por ação ou omissão voluntária, violar direito ou causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Independentemente de ação ou omissão, a legislação também impõe

responsabilidade civil por ato de terceiros, baseado na ideia do risco. Exemplo clássico é o da

responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores, ou a do empregador em razão dos

atos de seus empregados. Nesse sentido, preceitua o art. 932 do Código Civil:

São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia23.

O aspecto da voluntariedade é imprescindível para a caracterização da

responsabilidade. A lei diferencia responsabilização decorrente de ação ou omissão com dolo

ou culpa, ou responsabilização independente de tais elementos de vontade, o que se verá a

seguir.

22 DINIZ, 2007, p. 39. 23 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 11 nov. 2010.

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1.4 DO DOLO OU DA CULPA

A análise de dolo e culpa, ao se produzir um ato ilícito, depende diretamente

da intenção, do propósito, seja por ação ou por omissão do agente. Se causou o dano no

intuito específico de produzi-lo, trata-se de dolo; se causou o dano, sem tal intenção, mas por

imprudência, negligência ou imperícia, trata-se de culpa.

A culpa é o descumprimento do dever de cuidado que o agente poderia e

deveria observar e conhecer, e que apesar não de não querer, acaba produzindo resultado

danoso, fruto de ato ilícito. Por conseguinte, a culpa é caracterizada pela ausência de dolo na

prática de ato ilícito.

Todavia, a culpa apresenta diversas nuances, podendo ser classificada como

contratual, quando decorrer de violação de um direito convencional ou contratual; ou

extracontratual, quando a violação decorrer de um princípio geral do direito, que estabeleça o

respeito e proteção ao bem jurídico tutelado. Este assunto será mais bem abordado no tópico

seguinte que trata de responsabilidade contratual e extracontrual.

Classifica-se, ainda, a culpa quanto ao modo que se apresenta, podendo ser

culpa in eligendo, culpa in vigilando, culpa in custodiendo, culpa in faciendo ou ainda culpa

in omittendo. Gagliano e Pamplona Filho24 conceituam essas espécies de culpa da seguinte

forma:

a) Culpa in eligendo é aquela que decorre da má escolha do representante ou

preposto. Quer dizer, dos seus patrões pela má escolha de seus empregados. Delineada no

artigo 932, III, do Código Civil – “São também responsáveis pela reparação civil: [...] III - o

empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do

trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

b) Culpa in vigilando é a que resulta da ausência de fiscalização sobre a

pessoa que se encontra sob a responsabilidade ou guarda do agente. Disposta no artigo 932, I,

do Código Civil – “São também responsáveis pela reparação civil: [...] I - os pais, pelos filhos

menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

24 GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2010, p. 129-130.

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c) Culpa in custodiendo é a que resulta culpa na guarda de coisas ou

animais, sob custódia. Conforme versa artigo 936 do Código Civil – “O dono, ou detentor, do

animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”.

d) Culpa in comittendo é quando o agente realiza um ato positivo, violando

um dever jurídico e, por fim, culpa in omittendo ocorre quando o agente realiza uma

abstenção culposa, ação negativa, negligenciando um dever de cuidado.

1.5 DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

A doutrina majoritária divide a responsabilidade civil em Contratual e

Extracontratual, de acordo com a natureza da operação e gerando reflexos quanto ao ônus da

prova.

Tem-se a responsabilidade contratual se o dever de reparar derivar de uma

relação jurídica obrigacional preexistente, como, por exemplo, o de um contrato, e, a

contrário sensu, tem-se a responsabilidade extracontratual se o dever de reparar derivar de

uma obrigação imposta pela lei ou por princípios gerais do direito.

Nesse sentido nos ensina Cavalieri Filho25:

[...] a doutrina divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, isto é, de acordo com a qualidade da violação. Se preexistir um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é conseqüência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também, chamada de ilícito aquiliano ou absoluto.

Tem-se uma transferência do ônus da prova toda vez que descumprida a

obrigação, conforme elucida Rodrigues26:

[...] na responsabilidade contratual, demonstrado pelo credor que a prestação foi descumprida, o ônus probandi se transfere para o

25 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 15. 26 RODRIGUES, 2002, p.10.

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devedor inadimplente, que terá que evidenciar a inexistência de culpa de sua parte, ou a presença de forma maior, ou outra excludente da responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar, enquanto, se for aquiliana a responsabilidade, caberá à vítima o encargo de demonstrar a culpa do agente causador do dano.

Na responsabilidade contratual, o ônus da prova caberá ao devedor, que

deverá comprovar, diante do inadimplemento, a presença de qualquer excludente do dever de

indenizar ou mesmo a inexistência de sua culpa, conforme previsto nos artigos 389 e 393 do

Código Civil vigente27.

Nesse sentido, segue explicação de Gagliano e Pamplona Filho28:

Na responsabilidade contratual a culpa, é de regra, presumida, invertendo-se o ônus da prova, cabendo à vítima comprovar, apenas que a obrigação não foi cumprida, restando ao devedor o onus

probandi, por exemplo, de que não agiu com culpa ou que ocorreu alguma causa excludente do elo de causalidade.

De outro lado, a responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, a culpa deve

ser sempre provada pela vítima. Difere da contratual, pois não decorre de uma relação

contratual preexistente e o ato ilícito decorre de violação à lei ou a algum princípio geral do

direito.

Os artigos 186 e 927 do Código Civil preveem, genericamente, as

consequências da responsabilidade extracontratual29, podendo-se dizer que a responsabilidade

extracontratual nasce a partir do momento em que ocorrer um dano oriundo de um ato ilícito

de uma das partes.

1.6 DAS MODALIDADES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A obrigação de reparar danos, traduzida na responsabilidade civil em

sentido estrito, resultantes da violação do dever geral de neminem laedere (não causar

27 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 18. 28 Idem. 29 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, e causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

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prejuízo a outrem) defrontam-se com dois princípios em certa medida antagônicos, quais

sejam: da culpa e do risco.

“Os casos em que prevalece o princípio da culpa são chamados de

responsabilidade subjetiva, ou culposa; aqueles em que domina o princípio do risco, são os de

responsabilidade civil objetiva, ou pelo risco”.30

1.6.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

A responsabilidade subjetiva, ou culposa, traduz-se na obrigação de reparar

danos causados por ações ou omissões intencionais (dolosas), imperitas, imperitas,

negligentes ou imprudentes (culposas), que violem direito alheio31.

Sobre o assunto, segue orientação do mestre Gonçalves32:

Conforme o fundamento que se dê à responsabilidade, a culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano.

Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Essa teoria, também chamada teoria da culpa, ou ‘subjetiva’, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade.

Diz-se, pois, ser ‘subjetiva’ a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro dessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.

No mesmo sentido, Gagliano e Pamplona Filho33 explicam que a noção

básica da responsabilidade civil, dentro da doutrina subjetiva, é o principio segundo o qual

cada um responde pela própria culpa – unuscuique sua culpa nocet. Por se caracterizar em

30 NORONHA, 2003, p. 484. 31 NORONHA, 2003, p. 485. 32 GONÇALVES, 2011, p. 53-54. 33 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Responsabilidade Civil. Vol. III., 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 8.

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fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova

de tal culpa do réu.

Também há a figura da culpa indireta, em que este elemento é presumido

em função de dever geral de vigilância, recaindo, portando, a responsabilidade a um terceiro

que não foi o efetivo causador do dano, mas mantém uma relação jurídica com o bem

lesionado.

Como observa Caio Mario da Silva Pereira34:

[...] na tese da presunção de culpa subsiste o conceito genérico de culpa Como fundamento da responsabilidade civil. Onde se distancia da concepção subjetiva tradicional é no que concerne ao ônus da prova. Dentro da maioria clássica da culpa, a vitima tem de demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão, sobressaindo o comportamento culposo do demandado. Ao se encaminhar para a especialização da culpa presumida, ocorre uma inversão do ônus probandi. Em certas circunstancias, presume-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa, para se eximir do dever de indenizar. Foi um modo de afirmar a responsabilidade civil, sem a necessidade de provar o lesado a conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional.

Em determinadas circunstâncias é a lei que enuncia a presunção. Em outras, é a elaboração jurisprudencial que, partindo de uma ideia tipicamente assentada ma culpa, inverte a situação impondo o dever ressarcitório, a não ser que o acusado demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria vítima.

O Código Civil de 2002 adotou como preceito geral a responsabilidade

subjetiva, aplicável às relações ocorridas no âmbito do direito privado, sendo que é no artigo

186 do Código Civil que emergem os pressupostos deste tipo de responsabilidade, versando

que: “aquele que, por ação ou missão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comente ato ilícito”.

Analisando o artigo, têm-se como pressupostos: a) a conduta do agente - a

existência de uma ação do agente violar o direito ou causar dano a outrem resultará em ato

ilícito; b) o dano - violar direito ou causar dano a outrem; c) e o nexo causal - abstraído do

verbo “causar”.

34 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil, 9. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 265 – 266, Apud GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Responsabilidade Civil. V. III., 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 9.

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Portanto, não existirá responsabilidade sem o respectivo vínculo entre a

ação e o dano. Todavia, existem hipóteses em que, para caracterização da responsabilidade

civil, não é necessário o elemento culpa, que se engloba na chamada responsabilidade civil

objetiva.

1.6.1.1 DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

Para que haja a responsabilidade civil, como visto, é necessária a existência

de um dano e de uma pessoa a ser responsabilizada. Para saber quando haverá a

responsabilização civil, a doutrina, apesar de não ser uníssona, classifica elementos

indispensáveis para sua configuração, quais sejam: a) conduta humana (comissiva ou

omissiva); b) culpa ou dolo do agente; c) dano ou prejuízo; e d) nexo de causalidade35.

Tais elementos são extraídos do artigo 186 do Código Civil:

Àquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito36.

Nos ensinamentos de Noronha, de forma mais didática, tem-se que para

haver a responsabilidade civil, é necessário:

a) que haja um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza) que seja antijurídico (isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou em suas conseqüências);

b) que esse fato possa ser imputado a alguém, seja por se dever à situação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela;

c) que tenham sido produzidos danos;

d) que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta;

35 VENOSA, 2007, p. 5. 36 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 11 nov. 2010.

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e) e é preciso que este dano esteja contido no âmbito da função de proteção assinada à norma violada37.

Diante disso, temos que os principais pressupostos são o dano, o nexo de

imputação e o nexo de causalidade.

1.6.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

Essa teoria tem origem no movimento objetivista do final do Século XIX,

quando o Direito Civil passou a receber a influência da Escola Positiva Penal, na qual a

questão da reparação de danos era fundada diretamente no risco da atividade exercida pelo

agente.38

Partindo da necessidade de uma teoria que abarcasse a reparação de

diferentes causas de danos oriundas da evolução da sociedade e de fatos sociais, desenvolveu-

se a teoria objetiva, forjada na culpa presumida e na inversão do ônus da prova, visto que a

teoria subjetivista já era insuficiente para cobrir todos os casos de reparação.

De acordo com Venosa39, a responsabilização objetiva se consolidou no

curso da história a partir do momento em que se percebeu que os princípios da

responsabilidade com culpa eram insuficientes para muitas das situações de prejuízo, a

começar pela dificuldade da prova da própria culpa.

A responsabilidade objetiva fundamenta-se na teoria do risco, obrigando o

agente a indenizar, com foco no elemento objetivo, independente de seu comportamento,

bastando comprovação de nexo de causalidade entre o ato e o dano para emergir a

responsabilização.

Nesse passo, lecionam Gagliano e Pamplona Filho que na responsabilidade

civil objetiva “o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é totalmente irrelevante

juridicamente, sendo somente necessários os demais elementos caracterizadores da

37 NORONHA, 2003, p. 468 e 469. 38 GAGLIANO, 2010, p. 10. 39 VENOSA, 2007, p. 11.

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responsabilidade, ou seja, o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente para

surgir a obrigação de indenizar”40.

Portanto, verifica-se que não há necessidade da vítima demonstrar o dolo ou

a culpa, mas tão somente o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente para que

haja a obrigação de indenizar, consoante ensinamentos de Diniz41:

[...] a corrente objetivista desvinculou o dever de reparação do dano da ideia de culpa, baseando-o na atividade lícita ou no risco com o intuito de permitir ao lesado, ante a dificuldade da prova de culpa, a obtenção de meios para reparar os danos experimentados. Assim, o agente deverá ressarcir o prejuízo causado, mesmo que isento de culpa, porque sua responsabilidade é imposta por lei independente de culpa e mesmo sem necessidade de apelo ao recurso da presunção. O dever ressarcitório estabelecido por lei, ocorre sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo, sem necessidade de se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, ou melhor, se houver ou não um erro de conduta. Com a apuração do dano, o ofensor ou seu proponente deverá indenizá-lo. Mas, como não há que se falar em imputabilidade da conduta, tal responsabilidade só terá cabimento nos casos expressamente previstos em lei [...].

E reforça elucidando que, “se fundada no risco, [...]. É irrelevante a conduta

culposa ou dolosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre

o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar”.42

No Brasil, a responsabilidade objetiva encontra amparo constitucional em

seu artigo 37, § 6º, in verbis:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa43.

Da mesma forma, encontra respaldo no parágrafo único do artigo 927 do

Código Civil44:

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

40 GAGLIANO, 2010, p. 14 - 15. 41 DINIZ, 2005, p. 55. 42 DINIZ, 2005, p. 128. 43 Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 11 nov. 2010. 44 Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 11 nov. 2010.

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desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, insculpido na Lei

8.078/90, art. 12, ampliou-se o âmbito de aplicação da responsabilidade objetiva para fora dos

limites do Estado, estabelecendo que “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou

estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela

reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto,

fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou

acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas

sobre sua utilização e riscos”.

Destaca-se, ainda, que existem outras legislações, tais como a Lei de

Acidentes do Trabalho45, Código Brasileiro de Aeronáutica46, Lei n. 6.453/7747 (dispõe sobre

a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos

relacionados com atividades nucleares e dá outras providências), que aplicam a

responsabilidade civil objetiva.

Frise-se que a responsabilidade objetiva somente é cabível em casos

permitidos expressamente por lei expressa ou quando, no caso concreto, a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem, conforme estabelecido no artigo 927 do Código Civil.

Conclui-se, pois, que a responsabilidade objetiva é a responsabilidade que

independe de culpa, determinada por imposição legal, bastando a demonstração de relação

entre a conduta e o dano, independentemente do comportamento do agente.

45 Lei nº 8.213, de 24 de Julho de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213cons.htm> Acesso em: 11 nov. 2010. 46 Lei nº 7.565, de 19 de Dezembro de 1986. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm> Acesso em: 11 nov. 2010. 47 Lei nº 6.453, de 17 de Outubro de 1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L6453.htm> Acesso em: 11 nov. 2010.

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1.7 DAS CAUSAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

Como quase tudo no direito tem exceção, não é diferente no tocante à

responsabilidade civil. Existem determinadas causas que excluem o nexo causal, ora

denominados fatos excludentes da responsabilidade.

Nesse sentido ensina Cavalieri Filho48:

Causas de exclusão do nexo causal são, pois, casos de impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação não imputáveis ao devedor ou agente. Essa impossibilidade, de acordo com a doutrina tradicional, ocorre nas hipóteses de caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro.

As causas excludentes de responsabilidade civil devem ser interpretadas

como todas as circunstâncias que têm por finalidade atacar um dos elementos caracterizadores

da responsabilidade civil, impedindo a concretização do nexo causal, terminando assim com

qualquer pretensão indenizatória49.

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho50, são excludentes de

responsabilidade, que fulminam o nexo causal e que interessam a presente pesquisa:

a) Estado de necessidade;

b) Legítima defesa;

c) Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal;

d) Caso fortuito e força maior;

e) Culpa exclusiva da vítima;

f) Fato de terceiro.

Como visto anteriormente, é imprescindível a existência de nexo causal

entre a ação e o dano provocado para que haja responsabilização. Por decorrência lógica, uma

vez descaracterizado o nexo de causalidade, fulmina-se a responsabilidade.

48 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 64. 49 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 101. 50 Idem.

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1.7.1 DO ESTADO DE NECESSIDADE

Cunha Gonçalves, citado por Rizzardo51, expõe de forma clara o conceito de

estado de necessidade:

O estado de necessidade é uma situação de fato, em que uma pessoa, para se livrar de perigo desencadeado, sacrifica outra pessoa ou coisa alheia.

Observa-se nessa figura um claro conflito de interesses, uma colisão de

interesses jurídicos tutelados, que não se confunde com legítima defesa, em que o agente

reage a uma situação injusta, mas atua para esquivar-se de uma situação de perigo concreto.

Está previsto no Código Civil, em seu artigo 188, II:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

[...]

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Contudo, nessa figura, se o terceiro prejudicado não foi o causador da

situação de risco, poderá reclamar a indenização do prejuízo sofrido a quem causou o dano,

que, por sua vez, terá direito de regresso a quem causou a situação perigosa, ou seja, o

verdadeiro culpado e responde pelos excessos que cometer52.

O causador do dano que age em estado de necessidade responde perante a vitima inocente, ficando com a ação regressiva contra o terceiro que causou o perigo (Revista dos Tribunais, 454/86)53.

Tal estipulação encontra-se defendida no artigo 929 do Código Civil:

Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

51 GONÇALVES, Cunha. Tratado de Direito Civil. vol. I, tomo I, p. 318, Apud RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 87. 52 GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2010, p. 101. 53 RIZZARDO, 2006, p. 88.

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Assim, quando um sujeito atuar no exercício de um direito, deve manter-se

dentro dos limites do razoável, sob pena de praticar excessos, o que acarretaria ato ilícito,

abuso de direito, passível de condenação na seara penal e civil54.

1.7.2 DA LEGÍTIMA DEFESA

O art. 188, I, do Código Civil, prevê a legítima defesa como excludente de

ilicitude. “A legítima defesa pressupõe uma injustiça, uma violação do direito subjetivo e

deve ser uma reação dirigida, exclusivamente, contra o autor da injustiça, seus auxiliares e

instrumentos de agressão, porém dentro de certos limites e adequadas normas”55.

Os elementos para configuração da legítima defesa são: a) agressão atual ou

iminente e injusta; b) preservação de um direito, próprio ou de outro; c) emprego moderados

dos meios necessários à defesa”56.

Contudo, com relação à responsabilidade, quando um ato praticado em

legítima defesa resultar em lesão a terceiro, subsiste o dever de reparação. Outrossim, cabe

indenização contra terceiro agressor que provocou a reação que redundou em dano57.

Desta forma, como no caso do estado de necessidade, somente subsiste a

responsabilidade em favor daqueles que, atingidos, não concorreram como causa da situação

de perigo, bem como o direito de regresso contra quem efetivamente deu causa, bem como,

responde-se pelos excessos cometidos.

54 VENOSA, 2006, p. 54. 55 SOARES, Orlando. Responsabilidade civil no direito brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.

490. 56 RIZZARDO, 2006, p. 82. 57 RIZZARDO, 2006, p. 83.

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1.7.3 DO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO E ESTRITO CUMPRIMENTO DO

DEVER LEGAL

O artigo 188, I, do Código Civil prevê que não haverá responsabilidade civil

se o agente atuar no exercício regular de um direito, ou seja, “se alguém atua escudado pelo

Direito, não poderá estar atuando contra esse mesmo Direito”58.

Pontes de Miranda explica como ha de se considerar a hipótese para excluir a ilicitude: “Se há dano, o que exercia o direito comete ato ilícito, salvo se regularmente o exercia, donde o ônus da prova, no direito brasileiro, ir ao culpado do dano, e não ao que sofreu, pois a esse somente incumbe provar o dano e a culpa, apontando a contrariedade do direito. O que alega ter sido o ato praticado no exercício regular do direito é que tem que provar esse exercício e essa regularidade.59

Portanto, a conduta, à primeira vista ilícita, apenas será considerada lícita se

houver uma causa excludente dessa ilicitude, ou também chamada de causa de justificativa,

para a conduta do agente.

De acordo com Soares60, “[...] essa causa de exclusão de ilicitude ocorre

especialmente, em relação ao agente do poder público. Nota-se que esse não é um princípio

absoluto, porquanto pode não só ocorrer excesso, como também servir de capa de abuso, a

serviço do arbítrio [...]”.

Todavia, o exercício regular de direito contrapõe-se ao abuso de poder, não

podendo agredir direito alheio, sob pena de tornar-se abusivo e desconforme aos seus fins,

tampouco servir de pretexto para o abuso a serviço da arbitrariedade.

58 GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2010, p. 106. 59 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Vol. II. p. 291, Apud RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 2. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2006, p. 85. 60 SOARES, 1999, p. 494.

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1.7.4 DO CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

Dentre as causas excludentes de responsabilidade civil, estas são as mais

polêmicas, em virtude da dificuldade de definição destes fenômenos.

O caso fortuito ou força maior encontram-se elencados no art. 393 do

Código Civil, dispondo que:

O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Assim, no parágrafo único a própria lei tenta definir o conceito de caso

fortuito e força maior, mas não de forma muito elucidativa. Por isso, a doutrina trata de tentar

especificar o instituto.

Para Venosa, “o caso fortuito (act of God, ato de Deus no direito anglo-

saxão) decorreria de forças da natureza, tais como o terremoto, a inundação, o incêndio não

provocado, enquanto a força maior decorreria de atos humanos, tais como guerras,

revoluções, greves e determinações de autoridade (fato do príncipe)61.

Para Gagliano e Pamplona Filho62, “a característica básica da força maior é

a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que

pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota

distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio”.

Assim, só haverá a obrigação de indenizar no caso fortuito diante da sua

previsibilidade e “evitabilidade”.

61 VENOSA, 2006, p. 115 – 116. 62 GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2010, p. 111.

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1.7.5 DA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA

Na culpa exclusiva da vítima, exclui-se qualquer responsabilidade do

causador do dano, pois como o próprio nome explica, a vítima é quem exclusivamente

concorre para o acontecimento do dano, devendo, portanto, arcar com todos os prejuízos.

Nessa hipótese, o agente causador do dano nada mais é do que um instrumento do acidente,

excluindo-se o nexo causal entre sua ação e a lesão ocorrida.

De acordo com Cavalieri Filho63, “o fato exclusivo da vitima exclui o

próprio nexo causal em relação ao aparentemente causador direto do dano, pelo que não se

deve falar em simples ausência de culpa deste, mas em causa de isenção de responsabilidade.

O Código do Consumidor, em seus arts. 12, § 3º, III, e 14, § 3º, II, incluiu expressamente a

culpa exclusiva do consumidor entre as causas exonerativas da responsabilidade do

fornecedor”.

Ressalta-se que a quebra de nexo causal somente ocorrerá se a atuação da

vítima para o acontecimento do dano for exclusiva. Caso haja concorrência de culpas (ou de

causas), a indenização deverá, por vez, ser mitigada, na proporção da ação de cada sujeito64.

Por orientação do STJ, o réu é quem deve demonstrar com firmeza o

acometimento da culpa exclusiva da vítima, para efeito de se eximir da obrigação de indenizar

(REsp 439408/SP, DJ, 21.10.2002)65.

1.7.6 DO FATO DE TERCEIRO

Terceiro é qualquer pessoa além da vítima e o responsável, ou seja, alguém

que não tenha vinculação aparente no evento danoso.

63 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 64. 64 DINIZ, 2006, p. 113. 65 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 115.

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Na excludente de responsabilidade por fato de terceiro, o ato de terceiro é o

causador do dano, o que afasta a relação de causalidade entre a conduta do autor aparente e da

vítima66.

De acordo com Cavalieri Filho67, “em casos tais, o fato de terceiro, segundo

a opinião dominante, equipara-se ao caso fortuito ou força maior, por ser uma causa estranha

à conduta do agente aparente, imprevisível e inevitável. A culpa exclusiva de terceiro também

foi incluída pelo Código de Defesa do Consumidor entre as causas de exclusão de

responsabilidade do fornecedor (arts. 12, § 3º, III, e 14, § 3º, II)”.

66 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 65. 67 Idem.

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2 DA FUNÇÃO NOTARIAL E REGISTRAL

Neste capítulo, primeiramente, discorrer-se-á, de forma breve, sobre a

origem dos notários e dos registradores, no intuito de prestar subsídios para uma melhor

compreensão da função exercida pela classe. A história demonstra o processo evolutivo,

demonstrando as razões dos legisladores, bem como o entendimento político acerca do tema

em cada época e a natureza jurídica atribuída a atividade.

2.1 ORIGEM DA FUNÇÃO NOTARIAL E SEU DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

O sistema notarial e registral tem origem na necessidade dos homens em dar

veracidade e validade a atos e fatos e confunde-se com a história do direito. Um dos marcos

iniciais de que se tem notícia remonta ao Egito Antigo, na figura dos scribae, ou scribas, “que

atendiam e anotavam todas as atividades privadas, bem como redigiam todos os atos jurídicos

para o monarca. Era uma atividade sem denotação de fé pública, necessitando de

homologação de autoridade superior”68.

Na Roma Antiga, as atividades eram desenvolvidas pelos notarii (ou

notarius), que em razão da uma “tradição local de registro imobiliário conheceu e operou um

sistema de transferência de propriedade”69. Conforme Oliveira70, “diferenciavam-se dos atuais

notários ao passo que, naquela época, tinham como funções produzir transcrições e registros

de julgamentos e de procedimentos judiciais, ou até mesmo de origem legislativa, de acordo

com o órgão a que estivessem subordinados”. Foi neste período que começaram a surgir as

primeiras noções de fé-pública.

68 MACHADO, Ana Amélia Marquezi; AMARAL, Sérgio Tibiriçá. Evolução Histórica do Direito Notarial. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1619/1543>. Acesso em: 11 nov. 2010. 69 MELO, Marcelo Augusto Santana de. Registro de Imóveis no Egito Faraônico. Disponível em: <http://fm.registroaracatuba.com.br/plugins/filemanager/files/Registro_de_Imoveis_no_Egito_Faraonico.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2010. 70 OLIVEIRA, Thiago Martins de. Notários e registradores: aspectos constitucionais e responsabilidade civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1425, 27 maio 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9938>. Acesso em: 11 nov. 2010.

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Conforme leciona Sander71, “Justiniano I, imperador bizantino e unificador

do império romano cristão, foi o responsável pela transformação da rudimentar atividade

tabelioa em profissão regulamentada”, por intermédio do Corpus Juris Civilis, obra jurídica

fundamental para a consolidação do direito romano, que até hoje repercute no mundo

civilizado.

Segundo a autora, “as principais disposições da legislação Justiniana, no

âmbito notarial, consistiram na instituição do protocolo; na valorização do pacto pela

intervenção do notário; na obrigação quanto ao local em que o Tabelião e seus auxiliares

deveriam permanecer à disposição dos clientes; na disciplina rigorosa a que aquele e estes

ficavam submetidos no exercício da profissão, inclusive quanto a substituições e na obrigação

de redigir uma minuta do ato, perante testemunhas, dela extraindo cópia imediata”.

Já nessa época, o protocolo estabelecia que os documentos deveriam ser

lavrados em papel com a marca e o nome do tabelião, anexado a documentos específicos, com

anotações dos resumos dos atos, no intuito de dificultar falsificações e conferir veracidade,

motivo pelo qual foi determinado seu uso.

No Brasil, a origem dos serviços notariais remontam ao período colonial,

implantados pelo Reino Português, sendo que o primeiro tabelião no país que se tem notícia

foi Pero Vaz de Caminha, ao narrar em suas cartas a descoberta do Brasil e a posse da terra,

traduzindo-se no único documento oficial do descobrimento72.

A regulamentação do notariado brasileiro se deu por transplantação da

legislação portuguesa, sem qualquer inovação ou melhoramento. Segundo Brandelli, no

período colonial vigoravam as ordenações portuguesas (Afonsinas, Manoelinas e Filipinas)

que resultaram na fonte basilar do notariado brasileiro (até o Século XX), e dispunham sobre

a forma que os tabeliães deveriam realizar seus atos.73 Contudo, naquela época, os oficiais não

possuíam preparo técnico-jurídico para a função, uma vez que o provimento dos cargos se

davam por nomeação real, doação, venda ou sucessão, com características de vitaliciedade.

71 SANDER, Tatiana. A Atividade Notarial E Sua Regulamentação. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, no 132. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=683> Acesso em: 12 nov. 2010. 72 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 45. 73Idem.

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A primeira legislação que tangenciou o aprimoramento dos serviços de

tabelionato se deu em 1827 e determinava que os cargos deveriam ser providos a título de

serventia vitalícia, por pessoas idôneas e vedando a transmissão como título de propriedade.

No entanto, nada dispunha sobre a formação e o conhecimento necessários ao profissional74.

Somente com a promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 é que se deu relevância social e jurídica ao sistema notarial brasileiro. Nela

fixaram-se novos princípios e diretrizes, deixando de ser a serventia hereditária e por

indicação, vez que estabeleceu a necessidade de concurso público para ingresso, aferindo,

sobretudo, os conhecimentos técnicos mínimos para o ofício.

No ano de 1994 foi editada a Lei Orgânica dos Notários e Registradores, Lei

nº 8.935, regulamentando a atividade, bem como exigindo o diploma de bacharel em Direito

como requisito de ingresso na carreira, fato que valorizou a capacitação do oficial para o

exercício da função. Em compensação, excetuou tal exigência para os candidatos que

contassem com dez anos completos de exercício na função notarial.

Com a Lei 11.441/2007, ampliou-se a competência dos notários para

realizar separação, divórcio, inventário e partilha consensuais por escritura pública, se não

envolver interesses de incapazes. Tal alteração se fez no intuito do desafogar o judiciário e

promover a celeridade e a desburocratização do processo. A aplicação desta lei é disciplinada

pela Resolução nº 35, de 2007 do Conselho Nacional de Justiça.

Ultrapassado o breve contexto histórico da evolução do sistema notarial e

registral, passa-se à conceituação da função notarial e suas particularidades que se fazem

relevantes para a análise final do tema deste trabalho, qual seja, a responsabilidade civil

decorrente dos atos ilícitos cometidos por notários e registradores.

2.2 CARACTERÍSTICAS E CONSIDERAÇÕES GERAIS

Representantes de uma atividade inerente à Soberania Estatal, a atividade

notarial e registral consiste, primordialmente, no serviço público de formalização de atos

74BRANDELLI, 1998, p. 46-48.

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jurídicos, conferindo-lhes publicidade, autenticidade e garantindo a segurança nas relações

jurídicas, pois são dotados de fé pública75.

Brandelli76 entende que “há a necessidade presente de se perpetuar no tempo

os atos e contratos, fato pelo qual eles se manifestam na vida jurídica documentalmente. [...]

Assim pois, a função notarial está voltada a dar uma intervenção e, via de regra, também uma

documentação, especial, pública, privilegiada, aos atos e contratos, aos negócios jurídicos,

dando-lhes mais qualidade e tornando-os críveis, forçosamente, o que traz vantagens e

soluções óbvias”.

Primeiramente, para fins de exame da atividade notarial e registral,

importante se faz a análise do artigo 236 da Constituição Federal, que determinou que os

serviços notariais e registrais são exercidos em caráter privado, por delegação do poder

público, que se transcreve:

Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários e registradores, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus prepostos pelo Poder Judiciário.

§2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses77.

A questão da delegação dos serviços notariais e de registro é interessante, à

medida que se dá de forma única, diferenciando-se das demais formas de delegação

conhecidas no direito administrativo. Bolzani78 denomina tal delegação de sui generis, visto

que não se dá, nem por permissão, nem por concessão, assumindo características próprias.

A Constituição deixou a regulamentação das funções das atividades dos

serviços de notas e registros públicos, citada no § 2º do artigo 236 da CF, a cargo de lei 75 BOLZANI, 2007, p. 42. 76 BRANDELLI, p. 127-128. 77 Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 11 nov. 2010. 78 BOLZANI, 2007, p. 44.

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ordinária, tento a referida lacuna sido suprida com a edição da Lei nº 8.935/94. A partir de

uma interpretação sistemática desta lei, pacificou-se também a discussão acerca de qual Poder

seria o responsável pela delegação, restando tal incumbência, portanto, ao Poder Judiciário.

Assim, estatui o artigo 1º da Lei 8.935 de 1994 dos notários e dos

registradores que os “serviços notariais e de registro são os de organização técnica e

administrativa, destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos

atos jurídicos”, definindo a função e a razão da existência de tais serventias.

Observa-se que a LNR estabelece princípios norteadores da atividade

notarial, quais sejam: publicidade, autenticidade, segurança jurídica e eficácia, sendo que o

quesito da publicidade é o atributo conferido pelo ato do notário, dando ciência a terceiros,

com efeito, erga omnes de modo que ninguém poderá negar conhecimento da existência de

um ato ou negócio jurídico.

Por sua vez, os atos emanados pelo tabelião, assim como pela

Administração Pública, são dotados de presunção de legitimidade e autenticidade, o que

significa, conforme os ensinamentos de Di Pietro79, que o ato encontra-se em conformidade

com a lei, até prova em contrário.

A lei ainda confere eficácia jurídica aos atos efetuados, “calcada na

segurança dos assentos, na autenticidade dos negócios e declarações”80, de forma que estes

atributos, em conjunto, exalem o sentimento de segurança jurídica em toda coletividade.

Com relação à conceituação e às características dos oficiais, o artigo 3º da

Lei nº 8.935/94 preceitua:

Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro81.

Para Antunes82, “a atuação do notário visa garantir a publicidade,

autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos preventivamente, desobstruindo o

79 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 191. 80 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 16 ed. atual. até 30 de junho de 2005. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 5. 81 Lei nº 8.935, de 18 de Novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 10 nov. 2010. 82 ANTUNES, Luciana Rodrigues. Introdução ao Direito Notarial e Registral. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 691, 27 maio 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6765>. Acesso em: 12 nov. 2010.

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Judiciário do acúmulo de processos instaurados no intuito de restabelecer a Ordem Jurídica do

país, e atuando como instrumento de pacificação social”.

Nota-se que a lei confere fé-pública a esses personagens, consubstanciando-

se, conforme anota Ceneviva83, na afirmação de certeza e verdade dos assentamentos que o

notário e o oficial de registro praticarem, bem como das certidões que expeçam nessa

condição, conferindo validade e eficácia aos atos jurídicos.

A fé-pública é um atributo do ato administrativo, traduzido pela presunção

de veracidade. Nas palavras de Di Pietro84, “presunção de veracidade diz respeito aos fatos”;

presumindo-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. “Assim ocorre com relação

as certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé-

pública”.

Deste modo, resumidamente, a função notarial é a atividade jurídica

desempenhada por um profissional de Direito, por delegação, que formaliza dentro das

normas legais os atos de vontades das partes, conferindo segurança jurídica, autenticidade e fé

pública, com a harmonização das relações sociais.

2.3 NATUREZA JURÍDICA DOS NOTÁRIOS E DOS REGISTRADORES

Para determinar-se a responsabilidade civil dos notários e dos registradores,

é imprescindível a definição da natureza jurídica que os vincula ao Estado, pois a partir da

percepção da tal natureza é que a maioria da doutrina tem caracterizado e determinado a

responsabilidade civil.

Conforme preceitua o art. 236 da Constituição da República Federativa do

Brasil, tem-se que os serviços notariais serão exercidos em caráter privado, por delegação do

Poder Público, ou seja, os serviços notariais e de registro são serviços públicos delegados a

particulares.

Questiona-se se, em razão dessa delegação, os tabeliães e os oficiais de

83 CENEVIVA, 2005, p. 5. 84 DI PIETRO, 2005, p. 191.

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registro seriam servidores públicos ou profissionais do direito que exercem atividade pública

em caráter privado? Eles fazem as vezes do Estado ou se seriam eles o próprio Estado no

exercício de sua função?

Primeiramente, o artigo 236 da CF exclui a possibilidade de os serviços

notariais e registrais se tratarem de serviços de caráter privado, não se encaixando em uma

atividade econômica de livre concorrência e livre iniciativa, conforme leciona Figueiredo85:

Salta aos olhos, nessa medida, que na conformidade do precitado art. 236 da nossa Carta Constitucional, as atividades notariais e registrais jamais e em tempo algum, ao menos entre nós, poderão ser vistas como uma atividade econômica, de natureza privada, passível de ser exercida pelos cidadãos, sob o manto da livre iniciativa e da livre concorrência. Muito pelo contrário. De acordo com este mandamento constitucional o Poder Público delega a pessoas privadas o seu exercício, afastando-o, por conseguinte, da livre iniciativa. E além de regulá-lo na sua prestação por lei, afasta-o inteiramente do campo da livre concorrência ao submetê-lo, na outorga da respectiva delegação, a concurso público de provas e títulos. Pela Constituição, por conseguinte, é juridicamente qualificada como função pública, de titularidade do Estado, passível de ser delegada, na sua prestação, a pessoas privadas. Disso não se poderá ter qualquer dúvida.

Como bem explica Mello86, a titularidade do serviço não deve ser

confundida com a prestação do serviço. “O fato de o Estado (União, Estados, Distrito Federal

e Municípios) ser titular de serviços públicos, ou seja, de ser o sujeito que detém ‘senhoria’

sobre eles (a qual, de resto é, antes de tudo, um dever em relação aos serviços que a

Constituição ou as leis puseram ou venham a por seu cargo) não significa que deva

obrigatoriamente prestá-los por si ou por criatura sua quando detenha a titularidade exclusiva

do serviço”. Portanto, afirma-se que a atividade notarial e de registro é um serviço público.

É um serviço público executado por particulares, em caráter privado –

estrutura interna –, cujos atos são imputados ao Estado e não aos notários e aos registradores

individualmente. Em outras palavras, os atos notariais e de registro não são atos

personalíssimos dos titulares da execução destas atividades.

Uma vez compreendida que a atividade é estatal, mas que por opção

constitucional o Estado não pode executar diretamente o serviço público, e continuar sendo

85 FIGUEIREDO, Marcelo. Consulta – Natureza Jurídica das Atividades Notariais e Registrais. Disponível em: <http://arisp.files.wordpress.com/2008/01/notarios-e-registrador-marcelo-figueeiredo.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2010. 86 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 650.

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seu titular, passa-se a conceituação de serviço público, que para Mello87 é “toda atividade de

oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade, em

geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a

seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito

Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -,

instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”.

Para Mello88, “atividade notarial e de registro, embora não considerada um

serviço público de ordem material (atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade

material fruível diretamente pelos administrados, prestada pelo Estado ou por quem lhe faça

as vezes, sob um regime de direito público), o é de ordem puramente jurídica”.

Conforme Meirelles89, serviço público é “todo aquele prestado pela

Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer

necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”,

e conceitua agentes públicos como “todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou

transitoriamente, do exercício de alguma função estatal e” que “desempenham as funções do

órgão, distribuídas entre os cargos de que são titulares, mas” que “excepcionalmente podem

exercer funções sem cargo”, definição esta que se subsume perfeitamente à atividade notarial

e de registro.

Para Figueiredo90, “deve-se entender como serviço público apenas o

particular segmento da função administrativa do Estado capaz de gerar aos administrados

utilidades ou comodidades materiais individualmente por ele fruíveis (como luz, água, gás,

telefone, transporte coletivo, etc.)”.

Neste conceito, verifica-se que não são englobadas as atividades notariais e

registrais, propriamente ditas, pois as atividades desenvolvidas pelos notários e registradores

não geram aos administrados utilidades ou comodidades materiais de qualquer natureza.

Produzem, conforme preleciona Silva91, sim, certeza, eficácia e segurança jurídica, bem como

87 Idem. 88 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Prestação de serviços públicos e administração indireta, 2. ed. São Paulo: RT, 1979, p.17 , Apud RICHTER, Luiz Egon. A Função Qualificadora no Registro de Imóveis: Considerações, Reflexão e Pensamento. Disponível em: <http://www.regimo.com.br/funcao.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2010. 89 MEIRELLES, 1987, p. 269. 90 FIGUEIREDO, 2007, p. 15. 91 SILVA, José Afonso da. Apud. FIGUEIREDO, 2007, p. 18.

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assevera que a função publica das serventias notariais e registrais se dão na mesma medida

que as atividades de telecomunicações, de radiodifusão, de energia elétrica, de navegação

aérea e aeroespacial e de transportes, por força do disposto na Constituição Federal (art. 21,

XI e XII), que:

[...] a distinção que se pode fazer consiste no fato de que os últimos são serviços públicos de ordem material, serviços de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, enquanto os prestados pelas serventias do foro extrajudicial são serviços de ordem jurídica ou formal, por isso têm antes a característica de ofício ou de função pública, mediante a qual o Estado intervém em atos ou negócios da vida privada para conferir-lhes certeza, eficácia e segurança jurídica, por isso, sua prestação indireta configura delegação de função ou ofício público e não concessão ou permissão, como ocorre nas hipóteses de prestação indireta de serviços materiais.

Ainda de acordo com o art. 175, caput, da Constituição Federal, o serviço

público somente poderá ser prestado pelo Poder Público diretamente, ou indiretamente “sob o

regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação”, nada mencionando sobre a

delegação, referida no artigo 236 da CF. Frisa-se que notários e registradores não são

concessionários, tampouco permissionários de serviços público, mas delegados que prestam

função administrativa do Estado.

Antes de se aferir a natureza jurídica e a responsabilidade civil dos notários

e dos registradores parte-se para a conceituação de servidor público, com o intuito de verificar

se esses personagens se incluem em tal parâmetro ou se são figuras distintas no ordenamento

jurídico.

A doutrina se divide nesta classificação. Muitos passaram a entender os

notários e os registradores como uma espécie do gênero servidor público, como é o exemplo

de Diniz, ao tratar do registrado de imóveis:

O oficial de registro imobiliário não é um servidor público ordinário; é um técnico incumbido de registrar a aquisição de um imóvel ou a sua oneração, constituindo, com o assento, um direito real em favor de alguém. A tecnicidade de sua função requer qualidade de serviços prestados. O oficial titular do Cartório é servidor público, tendo autonomia administrativa, mas não é remunerado pelo Estado, e sim, pelos interessados no registro, pois terá direito, a título de remuneração, a emolumentos, fixados por órgão competente, pelos atos praticados. O Poder Público não arcará com o ônus dos serviços do Registro Imobiliário. Embora exerça função pública em interesse próprio, não estando vinculado ao Estado por uma relação hierárquica,

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ele se subordina aos critérios estatais quanto à fiscalização, disciplina e punição dos atos por ele praticados, oficializados ou privatizados; portanto, o serventuário é um servidor público92.

Já Meirelles93 classifica os notários e os registradores como “agentes

delegados”, formada por “particulares que recebem a incumbência da execução de

determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e

risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. Esses

agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia,

constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nessa categoria

encontram-se os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os

serventuários de ofícios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, as

demais pessoas que recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço

de interesse coletivo”. Por sua vez, Mello94 e Di Pietro95 os classificam como “particulares em

colaboração com administração”.

Logo, os notários e os registradores não podem ser confundidos com

servidores públicos estatutários. Estes integram ou constituem o órgão público e não têm

personalidade jurídica. Logo, um servidor público não pode agir sob delegação do Estado,

pois ele é o Estado.

O notário e o registrador são delegados do Estado, agem em nome próprio e

fazem as vezes ou realizam atribuições legais em seu nome. Desta forma, para ser delegado,

não pode fazer parte dele, pois seria como se o Estado delegasse a si próprio, ou a parte de si

próprio a função, o que é um contrassenso.

Além disso, outras razões elencadas por Figueiredo96, que subsidiam a tese

de que os notários e os registradores não incorporam a identidade de servidores públicos:

Primeiro: os servidores públicos recebem vencimentos ou subsídios pagos diretamente pelo Estado, ou seja, por meio de receita carreada aos cofres públicos (receita pública). Os notários ou registradores recebem sua remuneração dos emolumentos diretamente pagos pelos usuários da função que realizam. Seu pagamento não se dá com dinheiro público, ou por meio de receita pública. Sua remuneração se

92 DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis, Saraiva, 2006, p. 619 e 620, Apud FIGUEIREDO, 2007, p. 20. 93 MEIRELLES, 1987, p. 54. 94 MELLO, 2004, p. 241 e 242 95 DI PIETRO, 2004, p. 449 - 450. 96 FIGUEIREDO, 2007, p. 37.

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dá, portanto, em situação muito semelhante ao que acontece com concessionários e permissionários de serviço públicos, que são particulares que atuam em colaboração com o Poder Público em decorrência de delegação estatal (art. 175 da Constituição Federal), e em moldes muito diferenciados da que ocorre em relação aos autênticos servidores públicos. Recebem emolumentos pagos pelos usuários da atividade e não os repassam ao Poder Público. Incorporam esta receita ao seu patrimônio particular.

Segundo: os titulares das serventias de notas ou de registros, na conformidade do que admite o direito positivo brasileiro, podem contratar empregados, pagos por sua conta e responsabilidade, e a seu critério, sob o regime da legislação trabalhista, pagando-lhes diretamente remuneração livremente ajustada. Estes empregados também nada recebem dos cofres públicos, percebendo salários daquele que os contrata. Jamais poderá um servidor público agir assim, em face da nossa Constituição, e dentro dos limites impostos pelo nosso ordenamento jurídico. Ensina, a respeito, JOSÉ AFONSO DA SILVA em entendimento do qual compartilhamos in totum: ‘Como pode ser considerado servidor público alguém que tem tais faculdades? Servidor público não contrata empregado, não escolhe substituto, não tem poder para fixar remuneração de ninguém. Quando algum agente público firma alguma forma de contrato de trabalho, ele o faz em nome da entidade estatal a que está vinculado. Nunca tem competência para fixar ou ajustar a remuneração de quem eventualmente contrata em nome da entidade estatal, pois a remuneração é sempre prevista legalmente’.

Terceiro: as atividades de notários e registradores, não apenas no âmbito dos empregados que auxiliam na sua prestação, são de exclusiva e integral responsabilidade do titular da serventia. Todo o aspecto de gerenciamento administrativo e financeiro compete também a estes, com absoluta exclusividade, incluindo-se aqui as despesas de custeio e de investimento. Aos titulares das serventias cabe “estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços”. Tal situação é absolutamente incompatível com a atuação de servidores públicos, mas muito semelhante ao que ocorre com concessionários e permissionários de serviços públicos, ou seja, próxima à daqueles que induvidosamente exercem delegação de função outorgada pelo Poder Público.

Quarto: notários e registradores não estão subordinados a qualquer relação hierárquica em relação ao Poder Público, mas apenas sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, nos termos estabelecidos pela lei (art. 236, §1º, da Constituição Federal). Como se sabe, os servidores públicos, em quaisquer das suas espécies, estão submetidos ao poder hierárquico. Poder hierárquico ‘é o de que dispõe o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal’. Esse poder, como habitualmente se reconhece em doutrina, envolve a prerrogativa do superior hierárquico em relação ao subordinado de comandar, de fiscalizar, de rever atos, de punir, de dirimir controvérsias de

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competência, de delegar e avocar competências, sempre de modo pressuposto, contínuo e permanente sobre toda a atividade administrativa dos subordinados. Não é o que acontece com notários e registradores. Eles são apenas submetidos à mera fiscalização do Poder Judiciário (uma pequena parcela das atribuições que o superior hierárquico mantém sobre o subordinado) e nos termos expressamente estabelecidos na lei, ou seja, de modo não pressuposto, não contínuo e não permanente sobre toda atividade por eles exercida, mas limitada à verificação de se esta ‘está sendo corretamente exercida no interesse coletivo’. Note-se que ‘também os concessionários e permissionários de serviços públicos são submetidos à fiscalização do Poder Público’, e não seriam por isso considerados servidores públicos, ‘mesmo se fossem pessoas físicas’. Observe-se, ademais, que em regra, os argumentos adotados por aqueles que sustentam pertencerem notários e registradores à categoria dos servidores públicos são difíceis de serem aceitos após uma reflexão mais aprofundada da matéria. Afirmam que pertenceriam a esta categoria porque exercem ‘serviço público’. Ora, nem todos os agentes públicos que prestam serviços públicos são necessariamente servidores públicos. O exemplo inconteste é obviamente o dos concessionários e permissionários de serviço público, que ninguém ousaria afirmar, em face do próprio art.175 da Constituição Federal, que pertençam a esta particular categoria de pessoas que exercem função pública.

Não obstante, toda a discussão da doutrina sobre os conceitos de serviço

público, servidor, o entendimento do Supremo Tribunal Federal também diverge do que foi

exposto. As decisões que versam sobre notários e registradores oscilam como sendo

servidores públicos em sentido amplo (lato sensu) e estrito (stricto sensu), conforme

pormenorizado conforme o histórico a seguir.

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, revelou-se

necessário refletir acerca da responsabilização dos notários e registradores. Nos regimes

anteriores, Constituições de 1946, 1967 e 1969, não havia muita discrepância em relação à

responsabilidade civil dos notários e dos registradores, pois seguia o entendimento de que o

Estado era o responsável pelos prejuízos provocados por servidores a terceiros97.

De início, a exegese do artigo 37, § 6º da nova Constituição (1988) era

realizada de acordo com o artigo 327 do Código Penal, o qual considera funcionário público

aquele que exercer cargo, emprego ou função pública, ainda que transitoriamente ou sem

remuneração, in verbis:

Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”, que se utilizava dos preceitos relativos aos crimes

97 CENEVIVA, 2005, p. 55.

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contra a administração pública98.

A partir da análise mais profunda do artigo 236 da Carta Magna99, entendeu-

se que tal regra, aparentemente, faz uma exceção à regra geral do artigo 37, § 6º, por se tratar

de norma especial específica, passando a responsabilidade civil ser objetiva do notário e do

registrador, com direito de regresso contra os empregados, visto que se tratava de agentes

públicos especiais, com regras diferentes das aplicadas aos demais servidores públicos. A

polêmica restou ratificada pelo artigo 22 da Lei dos Notários e Registradores100 (L. 8.935/94).

Contudo, com o julgamento do RE 178.236/RJ101 pelo STF, que decidiu pelo

cabimento da aposentadoria compulsória dos delegados aos 70 anos, sob o fundamento de que

“sendo ocupantes de cargo público criado por lei, submetido à permanente fiscalização do

Estado e diretamente remunerado à conta de receitas públicas (custas e emolumentos fixados

por lei), bem como provido por concurso público – estão os serventuários de notas e de

registro sujeitos à aposentadoria por implemento de idade...”, tal decisão refletiu na definição

da natureza jurídica da classe, colocando-a na mesma condição dos agentes ordinários e

sujeita à aposentadoria compulsória.

Versava o artigo 40 da Constituição que “o servidor será aposentado: [...] II

– compulsoriamente, aos 70 anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de

serviço;”, de forma que o termo servidor era interpretado em sentido amplo (lato sensu),

abrangendo, sob a definição de Celso Antonio Bandeira de Mello102, agentes políticos,

servidores estaduais, servidores públicos stricto sensu e servidores das pessoas

governamentais de Direito Privado e particulares em atuação colaboradora com o Poder

Público.

Sobre este norte, restou inviável qualquer conclusão diversa da exposta no

artigo 37, § 6º, da CF, entendendo-se, portanto, em razão da natureza jurídica dos notários e

98 CENEVIVA, 2005, p. 56. 99 CF, art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. 100 L. 8.935, art. 22 - Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos. 101 Publicado em 7.3.1996. 102 Apud BOLZANI, 2007, p. 61.

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dos registradores definida pelo Supremo, que a responsabilidade é objetiva do Estado e

subjetiva do notário (através do direito de regresso daquele).

Contudo, em 1998, a Emenda Constitucional nº 20 alterou o texto do artigo

40 da Constituição Federal103, com relação à aposentadoria compulsória, substituindo o termo

“servidor” por “servidores titulares de cargos efetivos”, que não deixariam margem a

interpretações extensivas, como a inclusão dos notários e dos registradores, visto que não são

titulares de cargos efetivos, conforme segue:

Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (grifou-se)

§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3º:

[...]

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.104

Não obstante a alteração do artigo 40 da CF, de início, por equívoco, o STJ

manteve o entendimento anterior, de que os notários e registradores eram “servidores públicos

lato sensu submetidos às regras administrativo-constitucionais quanto ao provimento do cargo

e, portanto, sujeitos também às normas de caráter geral da função pública, exercida por

delegação”105 (excerto do voto do Min. Fernando Gonçalves, no RO em MS 15.292/MG).

Posteriormente, o STJ e o STF106 passaram a aplicar o entendimento de que

o artigo 40 da Constituição trata de servidores públicos stricto sensu e, portanto, os notários e

os registradores foram afastados da exigibilidade de aposentadoria compulsória aos 70 anos,

visto que não são servidores titulares de cargos efetivos.

Essa distinção é de suma importância para o caso, pois uma vez

considerados os notários e os registradores como funcionários públicos lato sensu, estes

103 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, posteriormente alterado pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003. 104 Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 11 nov. 2010. 105 CENEVIVA, 2005, p. 28. 106 RE 234.935-SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ. 9.8.1999.

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respondem subjetivamente em ação de regresso do Estado, mediante comprovação de dolo e

culpa. Se considerados funcionários públicos stricto sensu, saem da esfera do artigo 37, §6º da

Constituição Federal, respondendo objetivamente pelos danos causados, sob a égide do artigo

22 da Lei dos Notários e Registradores.

Muito embora o atual posicionamento do Supremo seja no sentido de que os

notários e registradores são funcionários públicos em sentido estrito, o assunto não é pacífico

na doutrina. Note-se que se trata de um cargo provido por concurso público, que delega

funções estatais, que é remunerado por emolumentos do Estado, mas trabalha de forma

privada, sendo responsável financeiramente pela serventia e seus empregados.

Diante dessas dissensões, Bolzani107 defende que os notários e os

registradores são titulares de uma natureza atípica, fundamentando que a lei é mista, ou

antagônica, atribuindo características tanto de servidores públicos, quanto de agentes

delegados. Ilustra tais situações dando ênfase à forma de admissão (concurso público de

provas e títulos) e ao caráter privado das suas atividades. Destaca que são agentes com

presunção de fé pública, e no entanto são regidos pelo regime Geral de Previdência Social,

etc.

Essa corrente, pela defesa da natureza atípica, é de fato minoritária, e seu

principal argumento que no sentido de que é preciso vislumbrar a natureza jurídica de forma

ampla, holística, e não isoladamente. Definindo-se, portanto, a natureza jurídica dos notários e

dos registradores como uma natureza híbrida.

Nesse sentido, segue excerto de Bolzani108:

A forma pela qual exercem a atividade é privada, mas a forma pelo qual ingressam assume características idênticas às do servidor público. Reconhecer a natureza híbrida é indispensável para não cair na confusão de afirmar ter o notário e registrador natureza jurídica de servidor público pura e simplesmente ou, do contrário, afirmar ser ele um delegado nos moldes que se faz a delegação de um servidor público por permissão ou concessão.

Sob a luz dessa corrente, os notários e registradores recebem uma

investidura sui generis, sob argumento de que, ao contrário dos delegatários em geral, os atos

107 BOLZANI, 2007, p. 70-71 108 BOLZANI, 2007, p. 70.

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praticados pelos notários e registradores não são imputados a eles, mas ao próprio Estado.

Que os notários e os registradores não fazem as vezes do Estado, mas são o próprio Estado no

exercício da função registral e notarial.

Conclui-se, portanto, que o tema não está pacificado, pois parte da doutrina

entende que notários e registradores não são servidores públicos, mas agentes públicos,

compreendidos na categoria de particulares em colaboração com a Administração, enquanto o

atual posicionamento do Supremo firma-se no sentido de que os notários e registradores são

servidores públicos em sentido estrito, delegatários do serviço público. Logo, é evidente que a

Lei n° 8.935/94, regulamentadora do artigo 236 da Constituição, não foi suficiente para

delimitar com segurança o tema, fazendo-se necessária uma legislação mais clara e pontual.

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3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL APLICADA

Neste capítulo, discorrer-se-á acerca da responsabilização do Estado e dos

notários e dos registradores em sua esfera cível. Ainda será verificada a natureza de eventual

responsabilização do Estado em relação aos notários e aos registradores, se há benefício de

ordem, ou não, ou seja, se é solidária ou subsidiária.

3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado é o dever de recomposição de danos

patrimoniais causados por agentes públicos no desempenho de suas atribuições ou a pretexto

de exercê-las, em face de um particular, e que se exaure com a indenização109.

Conforme leciona Di Pietro110, a responsabilidade patrimonial pode decorrer

de atos jurídicos, de atos ilícitos, de comportamentos materiais ou de omissão do Poder

Público. O essencial é que haja um dano causado a terceiro por comportamento omissivo ou

comissivo de agente de Estado.

A responsabilidade, no direito administrativo, decorre de atos e

comportamentos que, lícitos, venham a causar a uma pessoa um prejuízo maior do que o

imposto aos demais membros da coletividade111. Contudo, a doutrina da responsabilização do

Estado não restou estante na história, evolvendo primeiramente de um conceito de

irresponsabilidade, para o da responsabilidade com culpa (subjetiva) e deste para a

responsabilidade sem culpa (objetiva).

Delineando rapidamente a evolução do tema na história, esta teve início com

o princípio da irresponsabilidade, que perdurou durante o período das monarquias

109 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 546. 110 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 561. 111 Idem.

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absolutistas, negando-se a responsabilidade do Estado contemplada na frase: “The King can

do no wrong", extensiva a seus representantes112.

Repousada na ideia de soberania, o “Estado era o rei” e dispunha de uma

autoridade incontestável perante o súdito. Em virtude de o Estado ser investido de tutela

jurisdicional, tal princípio refletia uma assombrosa tirania.

Por influência da doutrina liberal, o Estado aproximou-se dos cidadãos e a

doutrina da irresponsabilidade foi sepultada por completo com a edição do Crown Proceeding

Act113 (1947) e o Federal Tort Claims Act114 (1946) na Inglaterra e os Estados Unidos,

respectivamente.

Deu-se espaço para a doutrina civilística115, ou da culpa comum, que, por

sua vez, perdeu terra para a teoria da responsabilidade sem culpa, em razão do predomínio das

normas de direito público sobre as de direito privado.

No Brasil, o princípio da irresponsabilidade do Estado sempre foi repudiado

pelos juristas e tribunais, sempre oscilando entre as doutrinas subjetiva e objetiva. Muito

embora na Constituição Imperial de 1824116, no artigo 179, inciso XXIX (reproduzido na

Constituição de 1891, no artigo 82), o Estado “transferisse” a responsabilidade para o

funcionário, a jurisprudência tratou de consolidar essa responsabilidade como solidária117.

O Código Civil de 1916 acolheu a doutrina subjetivista insculpida em seu

artigo 15, que determinava:

Art. 15 As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nesta qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou

112 MEIRELLES, 1987, p. 547. 113 “Na Inglaterra, [...] a coroa passou a responder por danos causados por seus funcionários ou agentes, desde que haja infração daqueles deveres que toda pessoa comum tem em relação à propriedade. (Di Pietro, 2004, p. 563) 114 “Nos Estados Unidos, em grande parte dos casos, o particular pode acionar direitamente o funcionário, admitindo-se, em algumas hipóteses, a responsabilidade direta do Estado, porém, desde que haja culpa” [...] “Trata-se de responsabilidade subjetiva”. (Di Pietro, 2004, p. 563) 115 MEIRELLES, 1987, p. 547. 116 “os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seu cargo, assim como pela indulgência, ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos”. 117 DI PIETRO, 2004, p. 566.

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faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano118.

Tal entendimento consolidou-se entre os juristas em razão da imprecisão do

legislador ao estabelecer a expressão “de modo contrário ao direito ou faltando a dever

prescrito por lei”, que levava a crer a necessidade de demonstração de culpa do funcionário

para o que o Estado respondesse.

Com o advento da Constituição de 1946, com o disposto no artigo 194, o

legislador acolheu a teoria objetiva do risco administrativo, fato que revogou em parte o artigo

15 do Código Civil de 1916, in verbis:

Art. 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo Único – Caber-lhes-á ação de regressiva contra funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

Por sua vez, com a Constituição de 1967, a redação do artigo 194 foi

mantida, entretanto foi acrescido o direito de regresso também em casos de dolo.

Atualmente, a Constituição Federal de 1988 trata do assunto no artigo 37,

parágrafo 6°, in verbis:

Art. 37

[...]

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos causados que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regressar contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Quanto à caracterização da responsabilidade do Estado, os doutrinadores

entendem não ser irrestrita a característica objetiva, aplicando-se, portanto, as excludentes

conforme o risco criado.

Abre-se um parêntese com relação à teoria do risco, esclarecendo que, de

acordo com Meirelles119, a doutrina dividia-se em duas modalidades: a teoria do risco integral

e a teoria do risco administrativo, em que a primeira admitiria as causas excludentes de

responsabilidade, enquanto a segunda não. Contudo, atualmente a doutrina não aceita mais 118 Lei nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L3071.htm>. Acesso em: 11 de nov. 2010. 119 MEIRELLES, 1987, p. 548-549.

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essa distinção, em razão de ela não ser absoluta e ser objeto de extinção e/ou atenuação nos

tribunais.

Cavalieri Filho120 entende que a responsabilização objetiva do Estado é

correta partindo da premissa de que, “se a atividade administrativa do Estado é exercida em

prol da coletividade, se traz benefícios para todos, justo é, também, que todos respondam

pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos. O que não tem sentido, nem amparo

jurídico, é fazer com que apenas alguns administradores sofram todas as conseqüências

danosas da atividade administrativa”.

Por sua vez, Gasparini121 delineia sobre a responsabilização do Estado e suas

causas excludentes:

Por certo não se há de admitir sempre a obrigação de indenizar do Estado. Com efeito, o dever de recompor os prejuízos só lhe cabe em razão de comportamentos danosos de seus agentes e, ainda assim, quando a vítima não concorreu para o dano, embora nessa hipótese se possa afirmar que o Estado só em parte colaborou para o evento danoso. Se a vítima concorreu para a ocorrência do evento danoso atribui-se lhe a responsabilidade decorrente na proporção de sua contribuição, conforme decidiu o então TRF na vigência da Constituição Federal anterior (RDA, 137: 233), mas de plena aplicabilidade no regime da Lei Maior Vigente. De sorte que não se cogita da responsabilização do Estado por dano decorrente de ato de terceiro (RDA, 133: 199) ou de fato da natureza (vendaval, inundação), salvo se há hipótese de comportamento estatal culposo.

Com relação à imputação do dano decorrente de omissão Estatal, no

entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, esta não pode ser realizada de forma

imediata, partindo da premissa que a inércia não pode ser causadora de dano. Assim, o Estado

somente é responsabilizado caso reste provado um dever de agir da Administração, ou seja,

que havia obrigação legal de se impedir a ocorrência do evento danoso. Tem-se, portanto, um

ato ilícito e, em decorrência disso, a aplicação da responsabilidade subjetiva122.

Dessa forma, a corrente majoritária fixou-se no sentido da aplicação da

teoria da responsabilidade subjetiva do Estado na modalidade faute du service (“falta do

120 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 222. 121 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 972. 122 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p, p. 430.

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serviço”), diante de casos de omissão do Poder Público123.

Em resumo, hodiernamente impera no ordenamento jurídico brasileiro,

apoiada na teoria do risco, a doutrina da responsabilidade civil objetiva, na qual, não é

necessária a demonstração de culpa do agente público causador. E, por sua vez, o direito de

regresso do Estado contra o agente causador do dano fica sujeito à comprovação de culpa ou

dolo daquele, ou seja, nestes casos a responsabilidade é subjetiva. Esta teoria parece ser a

mais adequada à posição da Administração perante seus administrados, vez que o Estado

dispõe de privilégios e prerrogativas que o particular não possui.

Por outro lado, o texto constitucional remete à ideia de que as pessoas de

direito privado prestadoras de serviços públicos foram equiparadas ao próprio Estado para

fins de responsabilização civil, com lastro na teoria da responsabilidade objetiva, o que se

verá seguir.

3.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E DOS REGISTRADORES

Conforme discorrido alhures, a Constituição Federal de 1988 adotou a teoria

da responsabilidade direta e objetiva do Estado pelos danos que seus agentes causarem a

terceiros (Art. 37, § 6º, CF).

Por sua vez, com relação aos serviços notariais e de registro, o artigo 236 da

Constituição Federal trouxe a seguinte redação:

Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer

123 DI PIETRO, 2004, p. 568.

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serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.124

Da leitura do texto constitucional infere-se que o serviço é de caráter

privado e por delegação125, contudo, deixou a cargo da legislação ordinária o tema da

responsabilização civil e criminal dos notários e dos registradores.

Nessa senda, a Lei n. 8.935/94 foi criada no intuito de suprir as lacunas

exigidas pela Constituição Federal, trazendo em seu artigo 22 a disciplina da

responsabilização civil, que não deixou clara a qualificação da responsabilidade, se objetiva

ou subjetiva, gerando divergências doutrinárias e jurisprudenciais em ambos sentidos, in

verbis:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos126.

Durante a vigência da Constituição anterior, Hely Lopes Meirelles e Celso

Antonio Bandeira de Mello levantavam a bandeira pela responsabilização objetiva dos

autorizatários de serviços públicos, sob a máxima de que “quem tem o bônus, deve suportar o

ônus”127.

No entanto, atualmente, no âmbito específico da responsabilidade dos

notários e dos registradores, a questão não restou pacífica, seguindo a problemática nas

seguintes correntes:

A primeira, embasada no artigo 22 da Lei 8.935/94, no sentido de que a

responsabilidade e a obrigação de reparar o dano é objetiva e pessoal do notário e registrador,

uma vez que a serventia, por ser desprovida de personalidade jurídica, seria parte ilegítima

para responder. Todavia, de acordo com Cavalieri Filho128, segundo o entendimento do

Superior Tribunal de Justiça no REsp 476.532-RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, os

cartórios são partes legítimas para figurar em juízo, por serem detentoras de personalidade

124 Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 11 nov. 2010. 125 De acordo com CAVALIERI FILHO (2008, p. 246), “a delegação é um dos mais eficientes instrumentos da chamada administração privada associada de interesses públicos, pois permite que determinadas atividades de interesse público, mas que são privativas do Estado, sejam executadas pelo particular”. 126 Lei nº 8.935, de 18 de Novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 10 nov. 2010. 127 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 243. 128 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 246.

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judiciária, equiparadas a “pessoas formais”. Desta forma, o ofício ou a serventia responde

solidariamente com tabelião, notário ou oficial de registro.

Bolzani129 destaca que o fundamento dessa teoria advém da leitura do artigo

22 da Lei n. 8.935/94. Pois, apesar de o primeiro trecho não definir se a responsabilidade será

objetiva (“os notários e os oficiais de registro responderão pelos danos que ele e seus

prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia”), tal informação infere-

se do segundo trecho (“assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa

dos prepostos”), vez que, em razão da possibilidade de regresso dos titulares contra os

prepostos, que a responsabilização dos notários e dos registradores é objetiva .

Claudio Antônio Soares Levada, citado por Bolzani130, sustenta que a lei traz

subsídios suficientes para a responsabilização objetiva do notário, pois o direito de regresso

depende de comprovação de dolo e culpa nos exatos moldes do artigo 37, § 6º da Constituição

Federal, em que fora consagrada a responsabilidade objetiva.

Cavalieri Filho131, defensor desta corrente, afirma não encontrar justificativa

para responsabilizar o Estado diretamente em lugar do delegatário, vez que este aufere todas

as vantagens econômicas da atividade delegada, que não lhe foi imposta e sim escolhida.

Ainda, entende que o Estado somente poderia ser responsabilizado subsidiariamente nos casos

de insolvência do delegado e nunca diretamente ou solidariamente, como ocorre no caso dos

prestadores de serviços públicos.

Sobre o tema, Diniz132 também adepta da teoria da responsabilidade objetiva

dos oficiais de registro, anota que o que o § 1º do artigo 236 da Constituição Federal é uma

norma especial, que deve prevalecer sobre a norma do § 6º do artigo 37 da mesma carta, que é

uma norma de cunho geral. Por esse motivo, a responsabilidade por atos praticados nas

atribuições das serventias deve ser interpretada à luz do Código Civil, em seu artigo 942133 e

parágrafo único, respondendo o oficial com o seu próprio patrimônio.

Nesse passo, segue estatuindo que o notário público autônomo, diante dos

129 BOLZANI, 2007, p. 75. 130 Idem. 131 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 247. 132 DINIZ, 2004, p. 293. 133 Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

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artigos 186, 927 e 932, III, do Código Civil, responderá objetivamente, não somente por seus

atos, mas também pelos atos irregulares, dolosos ou culposos de seus empregados em

exercício, independentemente da existência de culpa in vigilando ou in eligendo, restando-lhe

o direito de regresso, conforme artigo 934 do Código Civil134.

Como se observa, os defensores dessa teoria declaram haver lacunas na Lei

nº 8.935/94, vez que esta não define a qualificação da responsabilidade dos oficiais de registro

e, por esse motivo, deve ser aplicado subsidiariamente o Código Civil, no tocante ao

parágrafo único, do artigo 927 (teoria do risco)135, in verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O artigo 932, inciso III, do Código Civil, justapõe-se ao argumento supra,

acrescentando a responsabilidade do cartorário pelos atos de seus empregados, conforme

segue:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

[...]

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

A segunda corrente é conferida pelo entendimento do Supremo Tribunal

Federal, que, no ano de 1999, manifestou-se no sentido de que a responsabilidade civil pelos

atos praticados pelos notários e registradores é do Estado, assegurado o direito de regresso nos

termos do art. 37, § 6º da Constituição Federal, fundamentado no fato de que “os cargos

notariais são criados por lei, providos mediante concurso público, e os atos de seus agentes,

sujeitos à fiscalização estatal, são dotados de fé pública, prerrogativa esta inerente à ideia de

poder delegado pelo Estado”136.

Nesse sentido, segue ementa da decisão do Supremo Tribunal Federal, no

134 DINIZ, 2004, p 289. 135 BOLZANI, 2007, p. 77. 136 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 246.

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RE 212.724-MG, Min. Relator Carlos Velloso, DJ, 16.4.1999:

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. TABELIÃO. TITULARES DE OFÍCIO DE JUSTIÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (C.F., art. 37, § 6º). II. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.)137

Em julgado mais recente, o Supremo manifestou-se novamente acerca do

tema, reiterando a decisão supracitada, conforme segue:

RE 551.156 AgR / SC, Relator(a): Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 03.4.2009:

Ementa - CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. TABELIÃO. AGENTE PÚBLICO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. 1. A função eminentemente pública dos serviços notariais configura a natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais. RE 209.354/PR. 2. Responsabilidade extracontratual do Estado caracterizada. 3. Reexame de fatos e provas para eventual desconstituição do acórdão recorrido. Incidência da Súmula STF 279. 4. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 5. Agravo regimental improvido.138

Stoco139, defensor da teoria subjetiva da responsabilidade dos notários e dos

registradores, elucida que essa responsabilidade é objetiva do Estado, nos termos do art. 37,

§6º, da CF, mas que não exclui a responsabilidade solidária do serventuário, se tiver agido

com dolo ou culpa. Além disso, a partir do artigo 22 da Lei n. 8.935/94 consagrou-se na lei o

entendimento de há muito consolidado em nossos Pretórios, no sentido de que os

serventuários respondem pelos atos próprios ou por aqueles praticados por seus funcionários,

assegurado o direito de regresso contra o empregado do cartório que tenha sido o causador do

137 Supremo Tribunal Federal. RE 212.724-MG. Min. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+212724%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+212724%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 10 de nov. 2010. 138 Supremo Tribunal Federal. RE 551.156-SC. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+551156%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+551156%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 10 de nov. 2010. 139 STOCO, 2004. p. 1001.

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dano.

Para Venosa140, “embora o notário exerça serviço de natureza especial e os

serviços notariais apontados sejam desempenhados em caráter privado, cuida-se de serviços

públicos delegados, como tanto outros existentes. Os cartorários são detentores de cargos

públicos e, portanto, funcionários em sentido amplo. Nesse prisma, o Estado responde

objetivamente pelo dano causado por esses serviços como, por exemplo, reconhecimento falso

de firma, procuração ou escritura falsa. A responsabilidade emergirá quando o notário causar

um dano a seus clientes, quando o fim colimado pelo serviço não for devidamente atingido ou

quando houver vício. Leva-se em conta, em princípio, a falha do serviço público. Nesse

sentido, é ampla a responsabilidade do notário, cuja repercussão deve ser analisada no caso

concreto. Em princípio a ação indenizatória deve ser dirigida contra o Estado, embora entenda

parte da doutrina que a ação pode também ser direcionada diretamente contra o notário,

hipótese em que o autor deve provar culpa ou dolo, porque a responsabilidade objetiva é

somente do Estado nessa hipótese”.

Por sua vez, Rizzardo141 entende que: “se o exercício da delegação em

caráter privado não descaracteriza os notários e registradores como servidores públicos, ipso

facto, o Estado continua solidariamente responsável pelos seus atos, contra os quais caberá

ação regressiva nos casos de culpa ou dolo”.

Da mesma forma o texto, apesar de entendimentos contrários, a literalidade

do artigo 37, § 6º da CF, que adota a teoria da responsabilidade civil do risco administrativo,

não inclui as pessoas naturais e sim as jurídicas na responsabilização pelos danos provocados

no exercício da prestação de serviços públicos. Assim, sob esta lente, a lei infraconstitucional

não poderia criar ônus, encargos ou responsabilidades não albergadas pela Constituição

Federal, da mesma forma que não poderia criar direitos142.

Outro argumento que afasta a tese da responsabilidade objetiva do notário é

o fato de que os oficiais das serventias não são titulares do serviço, só executam a função,

remanescendo, desta forma, a responsabilidade objetiva estatal em razão da titularidade do

serviço delegado.

140 VENOSA, 2006, p. 256. 141 RIZZARDO, 2006, p. 394. 142 RICHTER, Luiz Egon. A problemática conceitual do registro de imóveis - Rudimentos de uma teoria crítica da atividade registral. Artigo disponibilizado no curso de pós-graduação. p.17.

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Ao explanar a responsabilidade civil dos notários e dos registradores

Richter143 destaca que as lições de Dip, no sentido de que “a delegação não é em favor do

cartório de notas ou do cartório de registro e em complemento diz: ‘Se assim é, se o

registrador é uma pessoa física privada, um profissional do direito, é um jurisprudente que,

em nome próprio, exercita o serviço registrário, mediante prévio concurso público, delegado

pelo Poder Público, tem-se de concluir que a esse registrador não se aplica a norma contida no

§ 6º do art. 37, da CF/88’”.

Após a verificação dos fundamentos das correntes doutrinárias que se

mantêm resistentes no cotidiano jurídico, posicionando o entendimento pela responsabilização

Objetiva do Estado e Subjetiva dos oficiais das serventias, conforme estabelecido pelo

Supremo Tribunal Federal, o trabalho segue com o caráter de ordem de pagamento em caso

de obrigação de indenização decorrente desses serviços.

3.2.1 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA DO ESTADO FRENTE

AOS NOTÁRIOS E AOS REGISTRADORES

Independentemente da caracterização da responsabilidade, este tópico

evidencia a divergência doutrinária e jurisprudencial existente quanto à posição do Estado em

relação aos notários e aos registradores, em face de uma eventual ação de indenização por ato

ilicíto.

Sobre o tema, leciona Bolzani144 que “é pacífico o entendimento de que

este” (o Estado) “tem o dever de indenizar o usuário destes serviços (culpa contratual), e até

mesmo terceiros que sejam prejudicados em decorrência de danos deles advindos (culpa

extracontratual ou aquiliana).” A divergência recai quanto ao eventual benefício de ordem, se

o Estado responde solidária ou subsidiariamente.

Nesse sentido, parte da doutrina inclina-se no sentido de que a

143 DIP, Ricardo Henry Marques. Da responsabilidade Civil e Penal dos Oficiais Registradores, in: Boletim Eletrônico nº 551, são Paulo, 14 de outubro de 2002. Apud RICHTER, Luiz Egon. A problemática conceitual do registro de imóveis - Rudimentos de uma teoria crítica da atividade registral. Artigo disponibilizado no curso de pós-graduação. p.18. 144 BOLZANI, 2007, p. 93.

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responsabilização do Estado deve ser subsidiária, ou seja, somente após comprada

impossibilidade do notário ou registrador adimplir a condenação é que se poderia requerer do

Estado.

Esse entendimento agrada à maior parte dos defensores da responsabilização

objetiva dos notários e dos registradores, sob o fundamento de Meirelles, já mencionado

alhures, no sentido de que o agente que recebe o bônus deve arcar com o ônus:

[...] o Estado tem responsabilidade subsidiária pelos atos funcionais lesivos aos usuários ou terceiros, desde que a vítima comprove a insolvência do delegado, devedor principal. Note-se bem que a responsabilidade do delegante não é conjunta nem solidária com a do delegado; é subsidiária, ou seja, supletiva da do causador do dano na execução da delegação, se aquele se revelar incapaz de satisfazer a indenização devida145.

Nesse passo, Ivan Ricardo Garisio Sartori, citado por Bolzani146, discorre no

sentido de que em razão de todas as vantagens auferidas pelos delegados, este fato mitigaria a

possibilidade de responsabilização solidária do Estado, aplicando-se, por conseguinte, a

subsidiária:

Se os delegados fazem sua vez, assumindo todos os encargos da atividade, justamente porque auferem todas as vantagens, inconcusso que fica mitigada a responsabilidade do Poder Público, a ocorrer somente supletiva ou subsidiariamente. (...) Mas, com a ‘devida vênia’ dessa posição, se não existe esse supletividade, então não se vê razão para a delegação constitucional, parecendo mais adequado que o próprio Estado exerça as atividades sob exame. Ademais, o entendimento revés contraria o interesse público, em benefício privado, minimizando a responsabilidade do notário ou registrador, que, como dito, desfruta de todas as vantagens da delegação.

Também se enquadram como defensores da teoria da responsabilidade

subsidiária os doutrinadores que caracterizam a atividade notarial e de registro como de

natureza atípica.

Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, conforme

aduzido na Apelação Cível n. 2006.044675-4, da Capital, Relator: Jânio Machado, Juiz

Prolator: Luis Felipe Canever, Órgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Público, DJ:

23.7.2009:

145 MEIRELLES, 1987, p. 55. 146 BOLZANI, 2007, p. 93.

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Ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA O PLEITO. ARTS. 514, INCISO II, E 244, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REJEIÇÃO. TÍTULO DE CRÉDITO APONTADO PARA PROTESTO E RESGATADO DOIS DIAS ANTES DA PUBLICAÇÃO DO EDITAL DE NOTIFICAÇÃO. DUPLICATA QUE REPRESENTA UMA COMPRA E VENDA MERCANTIL. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE TENHA HAVIDO CONLUIO OU PARTICIPAÇÃO DA EMITENTE. INDENIZAÇÃO QUE É INDEVIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO POR ILÍCITO PRATICADO POR NOTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE O PLEITO INDENIZATÓRIO SER DIRECIONADO, PRIMEIRAMENTE, CONTRA O ESTADO. AUSÊNCIA, AINDA, DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DOS AGENTES INDICADOS NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO E O DANO EXPERIMENTADO PELO AUTOR. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. ART. 333, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. ART. 20, § § 3º E 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

1. O pedido genérico de anulação da sentença, sem a necessária fundamentação, inviabiliza o seu acolhimento, sabido que nenhum ato processual é anulado sem a efetiva demonstração de prejuízo.

2. Por força das regras que orientam a distribuição do ônus probatório, conforme o que é estabelecido pelo legislador processual civil em seu art. 333, sobre o autor recai o ônus da prova dos fatos que alicerçam o seu pleito.

3. O Estado, por ato ilícito de seu delegatário, responde civilmente de forma subsidiária; nunca diretamente em nome daquele.

4. Não havendo condenação, os honorários advocatícios serão fixados com base na eqüidade, observados a importância da causa, a sua complexidade e o trabalho desenvolvido pelo profissional147.

De outro lado estão os doutrinadores que defendem que a responsabilidade

do Estado frente aos notários e aos registradores é solidária, podendo a vítima acionar ambos,

ou somente o notários/registrador ou somente o Estado. Fundamentam esse posicionamento

no artigo 37, § 6º da CF, que prevê o direito de regresso, combinado com o artigo 22 da Lei

8.935/94, que prevê a responsabilização objetiva do Estado e lhe atribui direito de regresso, 147 Tribunal de Justiça de Santa Catarina. AC 2006.044675-4, da Capital. Disponível em: <http://tjsc6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=0100092RP0000&nuSeqProcessoMv=44&tipoDocumento=D&nuDocumento=1619186>. Acesso em: 10 de nov. 2010.

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em caso de dolo ou culpa, contra os notários e os registradores.

Para Souza148, a corrente pela responsabilidade solidária ganha força com a

inclusão do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) no ordenamento, ao passo

que em seu artigo 3º admite como figura de fornecedor “toda a pessoa física ou jurídica,

pública ou privada, nacional ou estrangeira”, constituindo, portanto, em seu artigo 17, a

prestação de serviços públicos como relação de consumo, vez que equipara a vítima dos danos

provocados pela administração pública como consumidor final ou equiparado.

Desta forma, afirma o autor, que “a legislação avança em direção à proteção

do consumidor, que se amplia com o reconhecimento da solidariedade entre o Estado e o

prestador de serviços públicos, não cabendo afastar o primeiro, mas, ao contrário,

responsabilizá-lo”.

Para Ceneviva149, apesar do CDC ter incluído como direito básico do

consumidor “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”, o autor entende

pela não aplicação do referido Codex aos registradores, haja vista sua relação não vincular o

mercado de consumo” delineados na legislação. Todavia, também é um dos seguidores da

responsabilidade solidária do Estado.

Demonstrando a disparidade jurisprudencial acerca do tema, colaciona-se

outro acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, desta vez defendendo a aplicabilidade

da responsabilidade solidária do Estado. Apelação Cível n. 2009.061860-8, de Joinville,

Relator: João Henrique Blasi, Juiz Prolator: Carlos Adilson Silva, Órgão Julgador: Segunda

Câmara de Direito Público, DJ: 08/11/2010

Ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. ATO ILÍCITO PRATICADO POR TABELIONATO DE NOTAS. AUSÊNCIA DE REPASSE, AO CREDOR, DE VALORES REFERENTES A TÍTULO PROTESTADO. PROVA DO FATO, DO DANO E DO NEXO CAUSAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO E DO TITULAR DO CARTÓRIO. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA A PARTIR DA CITAÇÃO E NÃO DA DATA DO EVENTO DANOSO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

148 SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Os serviços notariais e registrais no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1358, 21 mar. 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9629>. Acesso em: 12 nov. 2010. 149 CENEVIVA, 2005, p. 60.

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I. Por ser a atividade notarial serviço público delegado, ex vi do art. 236, caput, da Constituição da República, avulta inobjetável a legitimidade do ente estadual delegante para figurar, juntamente com o titular do tabelionato, no polo passivo de ação de cobrança defluente de ato ilícito praticado na serventia, sendo-lhes solidariamente atribuível a responsabilidade civil objetiva (art. 37, § 6º, CR) pelo reportado ato.

II. Conforme o normado pelo art. 219 do Código de Processo Civil, os juros de mora incidem a contar da citação, ou seja, do momento em que o devedor é constituído em mora, e não a partir da data do evento danoso.150

Bolzani151 entende ser mais razoável a aplicação da responsabilidade

solidária do Estado, facultando à vítima a escolha do polo passivo que possa adimplir a

condenação de forma mais célere e eficaz, atentando quanto à questão da comprovação de

dolo ou culpa para os notários e os registradores, bem como a comprovação de nexo causal

entre o ato ilícito e o dano para o Estado.

150 Tribunal de Justiça de Santa Catarina. AC 2006.044675-4, da Capital. Disponível em: <http://tjsc6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000F3DZ0000&nuSeqProcessoMv=23&tipoDocumento=D&nuDocumento=2863236>. Acesso em: 10 de nov. 2010. 151 BOLZANI, 2007, p. 100.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho revelou-se útil para destacar a importância da atividade

realizada por notários e registradores, principalmente quanto à capacidade de conferir

publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos e negócios produzidos nas

serventias.

Justamente em razão da segurança jurídica ser um princípio tão sensível na

organização do nosso ordenamento, é que o foco principal descansa sobre a responsabilidade

civil decorrente de atos ilícitos ocorridos nos cartórios.

Após demonstrada a evolução da legislação no tempo, esta não deve restar

estar estante, deve ser aprimorada, haja vista inúmeras lacunas e redações que levam o

hermeneuta a interpretações dúbias, e estas com consequências caras, seja em relação ao

cidadão, seja em relação aos cartorários, ou ao Estado.

Inferiu-se que os serviços notariais e de registro gozam de previsão

Constitucional no artigo 236, que estabelece o caráter privado do exercício da atividade, que é

conferido por delegação do Poder Público (Judiciário) a pessoas físicas, admitidas em

concurso público de provas e títulos.

A regulamentação do referido dispositivo se deu em legislação ordinária sob

nº 8.935/94, que, por sua vez, não satisfez as necessidades exigidas no dia a dia da

coletividade. Não atribuiu concepções precisas sobre os institutos da responsabilidade civil e

sobre a natureza jurídica da função notarial e registral, imperiosas para se alcançar uma

conclusão apropriada.

Quanto à natureza da atividade dos notários e dos registradores, conforme

mencionado no parágrafo anterior, a doutrina e a jurisprudência se dividem, considerando-os

ou como agentes públicos, ou como profissionais do direito independentes, ou, ainda, como

portadores de natureza híbrida e atípica das atividades, que denotaria a existência de

regulamentação individualizada.

A definição da natureza jurídica da atividade reflete primordialmente na sua

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responsabilização, pois uma vez considerados agentes públicos lato sensu, a

responsabilização é objetiva do Estado, com direito de regresso contra o tabelião, que

responde subjetivamente, ou seja, responde somente se comprovado o dolo ou a culpa do

agente. Tal conclusão advém da interpretação sistêmica do artigo 37, § da CF e do artigo 22

da 8.935/94. Nesse sistema, o lesado pode demandar tanto o Estado (comprovando nexo

causal entre ato e dano) quanto o registrador (comprovando dolo e culpa).

Se considerados agentes públicos stricto sensu, ou simplesmente como

profissionais do direito, a responsabilidade recai objetivamente sobre o notário, respondendo

independentemente de dolo ou culpa, bastando tão somente a comprovação de nexo causal

entre o ato ilícito e o dano. Sob o entendimento dessa corrente, o lesado pode acionar tão

somente o notário ou o registrador.

O que resta assegurado na legislação é a reparação do dano à vítima, seja

pelo Estado, seja pelos notários e registradores, contudo, não está pacificada na doutrina se a

responsabilidade do Estado frente aos notários e registradores se dá de forma solidária ou

subsidiária. Verificaram-se disparidades em julgamentos recentes e no mesmo tribunal.

Da mesma forma, toda pesquisa resultou infrutífera quanto à uma posição

definitiva na doutrina e na jurisprudência pátria quanto a responsabilidade civil dos notários e

dos registradores, da mesma forma que esta discussão projetou outro dissenso, qual seja, a

determinação da natureza jurídica da função notarial.

Em outros casos, as divergências se encerram com o posicionamento do

Supremo Tribunal Federal (pela responsabilização objetiva do Estado e Subjetiva do

Cartorário), no que tange à responsabilização dos notários e dos registradores, verificando-se

que os doutrinadores não têm se curvado a sua manifestação.

Por derradeiro, mister se faz o implemento de uma legislação mais clara e

objetiva, a fim de que o legislador especifique sua vontade, não deixando somente a cargo da

hermenêutica doutrinária e jurisprudencial a elucidação da questão.

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ANEXOS

LEI Nº 8.935, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1994.

Artigo 236 da Constituição Federal Mensagem de veto Regulamento O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

TÍTULO I - Dos Serviços Notariais e de Registros

CAPÍTULO I - Natureza e Fins

Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Art. 2º (Vetado).

Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

Art. 4º Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos.

§ 1º O serviço de registro civil das pessoas naturais será prestado, também, nos sábados, domingos e feriados pelo sistema de plantão.

§ 2º O atendimento ao público será, no mínimo, de seis horas diárias.

CAPÍTULO II - Dos Notários e Registradores

SEÇÃO I�Dos Titulares

Art. 5º Os titulares de serviços notariais e de registro são os:

I - tabeliães de notas;

II - tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos;

III - tabeliães de protesto de títulos;

IV - oficiais de registro de imóveis;

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V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas;

VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas;

VII - oficiais de registro de distribuição.

SEÇÃO II - Das Atribuições e Competências dos Notários

Art. 6º Aos notários compete:

I - formalizar juridicamente a vontade das partes;

II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

III - autenticar fatos.

Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:

I - lavrar escrituras e procurações, públicas;

II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;

III - lavrar atas notariais;

IV - reconhecer firmas;

V - autenticar cópias.

Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato.

Art. 8º É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.

Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.

Art. 10. Aos tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos compete:

I - lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública;

II - registrar os documentos da mesma natureza;

III - reconhecer firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo;

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IV - expedir traslados e certidões.

Art. 11. Aos tabeliães de protesto de título compete privativamente:

I - protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova do descumprimento da obrigação;

II - intimar os devedores dos títulos para aceitá-los, devolvê-los ou pagá-los, sob pena de protesto;

III - receber o pagamento dos títulos protocolizados, dando quitação;

IV - lavrar o protesto, registrando o ato em livro próprio, em microfilme ou sob outra forma de documentação;

V - acatar o pedido de desistência do protesto formulado pelo apresentante;

VI - averbar:

a) o cancelamento do protesto;

b) as alterações necessárias para atualização dos registros efetuados;

VII - expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis.

Parágrafo único. Havendo mais de um tabelião de protestos na mesma localidade, será obrigatória a prévia distribuição dos títulos.

SEÇÃO III - Das Atribuições e Competências dos Oficiais de Registros

Art. 12. Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas.

Art. 13. Aos oficiais de registro de distribuição compete privativamente:

I - quando previamente exigida, proceder à distribuição eqüitativa pelos serviços da mesma natureza, registrando os atos praticados; em caso contrário, registrar as comunicações recebidas dos órgãos e serviços competentes;

II - efetuar as averbações e os cancelamentos de sua competência;

III - expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis.

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TÍTULO II - Das Normas Comuns

CAPÍTULO I - Do Ingresso na Atividade Notarial e de Registro

Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:

I - habilitação em concurso público de provas e títulos;

II - nacionalidade brasileira;

III - capacidade civil;

IV - quitação com as obrigações eleitorais e militares;

V - diploma de bacharel em direito;

VI - verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

Art. 15. Os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador.

§ 1º O concurso será aberto com a publicação de edital, dele constando os critérios de desempate.

§ 2º Ao concurso público poderão concorrer candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro.

§ 3º (Vetado).

Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por concurso de remoção, de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou de remoção, por mais de seis meses. (Redação dada pela Lei nº 10.506, de 9.7.2002)

Parágrafo único. Para estabelecer o critério do preenchimento, tomar-se-á por base a data de vacância da titularidade ou, quando vagas na mesma data, aquela da criação do serviço.

Art. 17. Ao concurso de remoção somente serão admitidos titulares que exerçam

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a atividade por mais de dois anos.

Art. 18. A legislação estadual disporá sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção.

Art. 19. Os candidatos serão declarados habilitados na rigorosa ordem de classificação no concurso.

CAPÍTULO II - Dos Prepostos

Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho.

§ 1º Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro.

§ 2º Os notários e os oficiais de registro encaminharão ao juízo competente os nomes dos substitutos.

§ 3º Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar.

§ 4º Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos.

§ 5º Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular.

Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.

CAPÍTULO III - Da Responsabilidade Civil e Criminal

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.

Art. 23. A responsabilidade civil independe da criminal.

Art. 24. A responsabilidade criminal será individualizada, aplicando-se, no que

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couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública.

Parágrafo único. A individualização prevista no caput não exime os notários e os oficiais de registro de sua responsabilidade civil.

CAPÍTULO IV - Das Incompatibilidades e dos Impedimentos

Art. 25. O exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão.

§ 1º (Vetado).

§ 2º A diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e a posse, nos demais casos, implicará no afastamento da atividade.

Art. 26. Não são acumuláveis os serviços enumerados no art. 5º.

Parágrafo único. Poderão, contudo, ser acumulados nos Municípios que não comportarem, em razão do volume dos serviços ou da receita, a instalação de mais de um dos serviços.

Art. 27. No serviço de que é titular, o notário e o registrador não poderão praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse, ou de interesse de seu cônjuge ou de parentes, na linha reta, ou na colateral, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau.

CAPÍTULO V - Dos Direitos e Deveres

Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.

Art. 29. São direitos do notário e do registrador:

I - exercer opção, nos casos de desmembramento ou desdobramento de sua serventia;

II - organizar associações ou sindicatos de classe e deles participar.

Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:

I - manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros;

II - atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza;

III - atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos, informações ou providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades judiciárias ou

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administrativas para a defesa das pessoas jurídicas de direito público em juízo;

IV - manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos, regimentos, ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade;

V - proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades profissionais como na vida privada;

VI - guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício de sua profissão;

VII - afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos em vigor;

VIII - observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício;

IX - dar recibo dos emolumentos percebidos;

X - observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício;

XI - fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar;

XII - facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitadas;

XIII - encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida a sistemática processual fixada pela legislação respectiva;

XIV - observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente.

CAPÍTULO VI - Das Infrações Disciplinares e das Penalidades

Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

I - a inobservância das prescrições legais ou normativas;

II - a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;

III - a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência;

IV - a violação do sigilo profissional;

V - o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30.

Art. 32. Os notários e os oficiais de registro estão sujeitos, pelas infrações que

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praticarem, assegurado amplo direito de defesa, às seguintes penas:

I - repreensão;

II - multa;

III - suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta;

IV - perda da delegação.

Art. 33. As penas serão aplicadas:

I - a de repreensão, no caso de falta leve;

II - a de multa, em caso de reincidência ou de infração que não configure falta mais grave;

III - a de suspensão, em caso de reiterado descumprimento dos deveres ou de falta grave.

Art. 34. As penas serão impostas pelo juízo competente, independentemente da ordem de gradação, conforme a gravidade do fato.

Art. 35. A perda da delegação dependerá:

I - de sentença judicial transitada em julgado; ou

II - de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa.

§ 1º Quando o caso configurar a perda da delegação, o juízo competente suspenderá o notário ou oficial de registro, até a decisão final, e designará interventor, observando-se o disposto no art. 36.

§ 2º (Vetado).

Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a oficiais de registro, for necessário o afastamento do titular do serviço, poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta.

§ 1º Na hipótese do caput, o juízo competente designará interventor para responder pela serventia, quando o substituto também for acusado das faltas ou quando a medida se revelar conveniente para os serviços.

§ 2º Durante o período de afastamento, o titular perceberá metade da renda líquida da serventia; outra metade será depositada em conta bancária especial, com correção monetária.

§ 3º Absolvido o titular, receberá ele o montante dessa conta; condenado, caberá

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esse montante ao interventor.

CAPÍTULO VII - Da Fiscalização pelo Poder Judiciário

Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.

Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Art. 38. O juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços, observados, também, critérios populacionais e sócio-econômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

CAPÍTULO VIII - Da Extinção da Delegação

Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por:

I - morte;

II - aposentadoria facultativa;

III - invalidez;

IV - renúncia;

V - perda, nos termos do art. 35.

VI - descumprimento, comprovado, da gratuidade estabelecida na Lei no 9.534, de 10 de dezembro de 1997. (Inciso incluído pela Lei nº 9.812, de 10.8.1999)

§ 1º Dar-se-á aposentadoria facultativa ou por invalidez nos termos da legislação previdenciária federal.

§ 2º Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso.

CAPÍTULO IX - Da Seguridade Social

Art. 40. Os notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares são vinculados à

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previdência social, de âmbito federal, e têm assegurada a contagem recíproca de tempo de serviço em sistemas diversos.

Parágrafo único. Ficam assegurados, aos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares os direitos e vantagens previdenciários adquiridos até a data da publicação desta lei.

TÍTULO III - Das Disposições Gerais

Art. 41. Incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar, independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução.

Art. 42. Os papéis referentes aos serviços dos notários e dos oficiais de registro serão arquivados mediante utilização de processos que facilitem as buscas.

Art. 43. Cada serviço notarial ou de registro funcionará em um só local, vedada a instalação de sucursal.

Art. 44. Verificada a absoluta impossibilidade de se prover, através de concurso público, a titularidade de serviço notarial ou de registro, por desinteresse ou inexistência de candidatos, o juízo competente proporá à autoridade competente a extinção do serviço e a anexação de suas atribuições ao serviço da mesma natureza mais próximo ou àquele localizado na sede do respectivo Município ou de Município contíguo.

§ 1º (Vetado).

§ 2º Em cada sede municipal haverá no mínimo um registrador civil das pessoas naturais.

§ 3º Nos municípios de significativa extensão territorial, a juízo do respectivo Estado, cada sede distrital disporá no mínimo de um registrador civil das pessoas naturais.

Art. 45. São gratuitos para os reconhecidamente pobres os assentos do registro civil de nascimento e o de óbito, bem como as respectivas certidões.

Art. 45. São gratuitos os assentos do registro civil de nascimento e o de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. (Redação dada pela Lei nº 9.534, de 10.12.1997)

Parágrafo único. Para os reconhecidamente pobres não serão cobrados emolumentos pelas certidões a que se refere este artigo. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.534, de 10.12.1997)

§ 1º Para os reconhecidamente pobres não serão cobrados emolumentos pelas

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certidões a que se refere este artigo. (Incluído pela Lei nº 11.789, de 2008)

§ 2º É proibida a inserção nas certidões de que trata o § 1º deste artigo de expressões que indiquem condição de pobreza ou semelhantes. (Incluído pela Lei nº 11.789, de 2008)

Art. 46. Os livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação deverão permanecer sempre sob a guarda e responsabilidade do titular de serviço notarial ou de registro, que zelará por sua ordem, segurança e conservação.

Parágrafo único. Se houver necessidade de serem periciados, o exame deverá ocorrer na própria sede do serviço, em dia e hora adrede designados, com ciência do titular e autorização do juízo competente.

TÍTULO IV - Das Disposições Transitórias

Art. 47. O notário e o oficial de registro, legalmente nomeados até 5 de outubro de 1988, detêm a delegação constitucional de que trata o art. 2º.

Art. 48. Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei.

§ 1º Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado, para todos os efeitos de direito.

§ 2º Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei.

Art. 49. Quando da primeira vacância da titularidade de serviço notarial ou de registro, será procedida a desacumulação, nos termos do art. 26.

Art. 50. Em caso de vacância, os serviços notariais e de registro estatizados passarão automaticamente ao regime desta lei.

Art. 51. Aos atuais notários e oficiais de registro, quando da aposentadoria, fica assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão.

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial que vierem a ser contratados em virtude da opção de que trata o art. 48.

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§ 2º Os proventos de que trata este artigo serão os fixados pela legislação previdenciária aludida no caput.

§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às pensões deixadas, por morte, pelos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares.

Art. 52. Nas unidades federativas onde já existia lei estadual específica, em vigor na data de publicação desta lei, são competentes para a lavratura de instrumentos traslatícios de direitos reais, procurações, reconhecimento de firmas e autenticação de cópia reprográfica os serviços de Registro Civil das Pessoas Naturais.

Art. 53. Nos Estados cujas organizações judiciárias, vigentes à época da publicação desta lei, assim previrem, continuam em vigor as determinações relativas à fixação da área territorial de atuação dos tabeliães de protesto de títulos, a quem os títulos serão distribuídos em obediência às respectivas zonas.

Parágrafo único. Quando da primeira vacância, aplicar-se-á à espécie o disposto no parágrafo único do art. 11.

Art. 54. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Art. 55. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 18 de novembro de 1994; 173º da Independência e 106º da República.

ITAMAR FRANCO

Alexandre de Paula Dupeyrat Martins

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 21.11.1994