a resoluÇÃo 125 do cnj como polÍtica pÚblica de ... · resumo o presente artigo tem como...

12
A RESOLUÇÃO 125 DO CNJ COMO POLÍTICA PÚBLICA DE FORTALECIMENTO DA CIDADANIA NO TRATAMENTO DOS CONFLITOS Luthyana Demarchi de Oliveira * Luciano de Araújo Migliavacca ** SUMÁRIO 1 Introdução. 2 Contextualização social e conflitos. 3 A Resolução 125 do CNJ como política pública de tratamento de conflitos. 4 Uma política pública para o fortalecimento da cidadania.5 Considerações Finais. 6 Referências. RESUMO O presente artigo tem como objetivo delinear o Estado e a ordem globalizada frente a sociedade e seus conflitos contemporâneos. Nesse sentido, a implementação das políticas públicas estabelece ações e metas que vão nortear o tratamento de muitos problemas sociais. Desse modo, a política pública de tratamento do conflito instituída pela Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça consolida-se apresentando mecanismos consensuais como a mediação e a conciliação que vem contribuindo para a construção de um novo paradigma de sistema voltado para a pacificação social. Frente a esse contexto, analisam-se os contornos da crise do mundo globalizado de modo que a política pública possa promover a cidadania. Palavras- chaves: Estado. Tratamento de conflitos. Políticas Públicas. Cidadania. ABSTRACT This research paper aims to outline the state and global order in the face of contemporary society and its conflicts. In this sense, the implementation of public policy establishes actions and goals that will guide the treatment of many social problems. Thus, the public policy treatment of the conflict, as established by Resolution nº. 125 of the Conselho Nacional de Justiça consolidated performing consensual mechanisms such as mediation and conciliation that has * Mestre em Direito pela UNISC (2012). Especialista em Direito Civil pela IMED (2010). Especialista em Direitos Humanos pelo IFIBE (2006). Docente da Faculdade Meridional/IMED/Passo Fundo. Advogada. ** Doutorando pela UNESA/IMED 2013. Mestre pela UNISC (2013). Especialista em Direito Tributário (UPF 2004). Graduado em Direito (UPF, 1999). Advogado, Professor, Juiz Leigo.

Upload: dodat

Post on 20-Jan-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A RESOLUÇÃO 125 DO CNJ COMO POLÍTICA PÚBLICA DE

FORTALECIMENTO DA CIDADANIA NO TRATAMENTO DOS CONFLITOS

Luthyana Demarchi de Oliveira* Luciano de Araújo Migliavacca**

SUMÁRIO

1 Introdução. 2 Contextualização social e conflitos. 3 A Resolução 125 do CNJ como política pública de tratamento de conflitos. 4 Uma política pública para o fortalecimento da cidadania.5 Considerações Finais. 6 Referências.

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo delinear o Estado e a ordem globalizada frente a sociedade e seus conflitos contemporâneos. Nesse sentido, a implementação das políticas públicas estabelece ações e metas que vão nortear o tratamento de muitos problemas sociais. Desse modo, a política pública de tratamento do conflito instituída pela Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça consolida-se apresentando mecanismos consensuais como a mediação e a conciliação que vem contribuindo para a construção de um novo paradigma de sistema voltado para a pacificação social. Frente a esse contexto, analisam-se os contornos da crise do mundo globalizado de modo que a política pública possa promover a cidadania. Palavras- chaves: Estado. Tratamento de conflitos. Políticas Públicas. Cidadania.

ABSTRACT

This research paper aims to outline the state and global order in the face of contemporary society and its conflicts. In this sense, the implementation of public policy establishes actions and goals that will guide the treatment of many social problems. Thus, the public policy treatment of the conflict, as established by Resolution nº. 125 of the Conselho Nacional de Justiça consolidated performing consensual mechanisms such as mediation and conciliation that has

* Mestre em Direito pela UNISC (2012). Especialista em Direito Civil pela IMED (2010). Especialista em Direitos Humanos pelo IFIBE (2006). Docente da Faculdade Meridional/IMED/Passo Fundo. Advogada. ** Doutorando pela UNESA/IMED 2013. Mestre pela UNISC (2013). Especialista em Direito Tributário (UPF 2004). Graduado em Direito (UPF, 1999). Advogado, Professor, Juiz Leigo.

contributed to the construction of a new paradigm of system oriented to social peace. Faced with this context, analyze the contours of the crisis of the globalized world so that public policy can promote citizenship. Keywords: State. Treatment of the conflict. Public Policy. Citizenship. 1 Introdução

Diante da complexidade da sociedade contemporânea, é de fundamental

importância à análise do panorama do sistema estatal, em especial da

sociedade e seus conflitos e o modo de tratá-los. Nesse contexto, frente aos

desafios da globalização, estabelece-se uma interligação em escala mundial

das dimensões econômicas, políticas, sociais e culturais.

Desse modo, o presente artigo, através do método de revisão

bibliográfica e da coleta de dados, informações e resolução, faz uma análise da

importância das políticas públicas para o sistema jurisdicional traçando, o

alcance desses mecanismos para a sociedade.

Dessa forma, através da Resolução n.º 125, o Conselho Nacional de

Justiça institui uma política pública denominada “Política Judiciária Nacional de

Tratamento Adequado de Interesses” no âmbito do Poder Judiciário, de modo a

incentivar e adotar mecanismos consensuais de tratamento do conflito. Por

meio de Resolução, estipula-se a mediação e a conciliação como mecanismos

de solução e tratamento do conflito de modo a transformar o paradigma de

litígio para o de consenso.

Nesse sentido, após uma breve contextualização da transformação do

Estado na sociedade contemporânea e seus desafios frente ao fenômeno da

globalização, analisa-se a sua atuação através das políticas públicas, em

especial a política pública de tratamento de conflitos, como fortalecimento da

cidadania.

2 A contextualização social e conflitos

Os conflitos que permeiam a sociedade moderna são resultado de uma

série de fatores que englobam o sistema de organização de uma sociedade.

Normalmente o conflito nasce das complexidades das relações sociais e o

modo habitual de resolução se dá pela aplicação do Direito.

O Direito, assim, exerce a função de formular e aplicar princípios e

regras de ordem social. A sociedade moderna é movida por conflitos que

envolvem questões tecnológicas, políticas, econômicas e sociais. O conflito

envolve uma disputa de interesses, ideias ou valores. Assim, para que haja um

conflito “é preciso em primeiro lugar, que as forças confrontantes sejam

dinâmicas, contendo em si próprias o sentido da ação, reagindo umas sobre as

outras” (MORAES; SPENGLER, 2008, p.45).

Em outras palavras, pode-se dizer que o conflito é o enfrentamento, o

litígio entre dois indivíduos ou grupos, por um determinado direito, algumas

vezes, esse direito pode ser garantido através da violência. O Estado toma

para si a legitimidade de regular as relações sociais sendo que compete ao

poder jurisdicional a resolução do conflito. Consequentemente,

Para tratar os conflitos nascidos da sociedade, o Estado, enquanto detentor do monopólio da força legítima, utiliza-se do Poder Judiciário. O juiz deve, então decidir os litígios porque o sistema social não suportaria a perpetuação do conflito. A legitimidade estatal de decidir os conflitos nasce, assim, do contrato social no qual os homens outorgaram a um terceiro o direito de fazer a guerra em busca da paz (MORAES; SPENGLER, 2008, p.65).

O poder jurisdicional é exercido pelo Judiciário, que representado por

uma pessoa investida de poder, colhe as informações necessárias para análise

e julgamento do conflito. Essa forma de resolução do conflito tornou-se o

método tradicional. Para Alberton “não se exaure na proteção de direitos, nem

se identifica nessa proteção, mas na influência que esse atuar terá sobre a vida

das pessoas pelo acesso à ordem jurídica justa” (2009, p. 119).

Nessa forma tradicional de tratamento de conflito, as pessoas acessam

o sistema jurisdicional, de modo a buscar “justiça” para seus problemas. Nas

palavras de Cappelletti e Garth “o acesso à justiça pode, portanto, ser

encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos –

de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não

apenas proclamar os direitos de todos” (1988, p.12). A abertura das portas do

judiciário é o resultado do crescimento da população mundial que sofre com o

aumento dos conflitos. Nesse sentido,

A proliferação dos conflitos tem direita relação com o aumento populacional, que é inevitável. Com a tendência universal de ampliação do acesso à justiça, sentida no Brasil, notadamente a partir do advento da Constituição da República de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, sintomaticamente, houve uma redescoberta da justiça pelo cidadão (BACCELAR, 2003, p.30).

Por conseguinte, o acesso ao Judiciário torna-se, assim, um direito para

o cidadão, fazendo com que cresça o número das demandas. A explosão de

litigiosidade, em virtude das inovações modernas, fez com que as pessoas

vissem nessa a estrutura a única forma válida de solução do conflito,

instaurando assim, uma crise no sistema. Nesse viés, explica Spengler e

Morais:

Devemos, portanto entender esta crise sob diversas perspectivas: uma que diz respeito ao seu financiamento- infra-estrutura de instalações, pessoal, equipamento, custos- que dizem respeito não apenas aos valores (custas judiciais, honorários, etc.), efetivamente despendidos, como também ao custo diferido que se reflete em razão do alongamento temporal das demandas-, remuneração, etc.- que nominamos crise estrutural (MORAES; SPENGLER, 2008, p.78).

Para os autores, mencionam-se os seguintes tipos de crise: a objetiva ou

pragmática que é aquela referente a questões de linguagem técnico-formal

utilizada nos trabalhos forenses e que acumulam burocracia e lentidão ao

procedimento. A crise subjetiva ou tecnológica que busca a (re) formulação das

mentalidades, em especial as soluções buscadas para conflitos

transindividuais. E a última, considerada paradigmática que é aquela que se

refere aos métodos e conteúdos utilizados para a busca de um tratamento

pacífico para os conflitos, ou seja, “a adequação do modelo jurisdicional para

atender às necessidades sociais do final do século- e do milênio” (2008, p.79).

Pode-se dizer que a identificação da crise do Estado e da jurisdição,

“nada mais é do que o reconhecimento de uma transformação das

organizações e das formas de tratamento dos conflitos. É a necessidade de

reacomodação da sociedade para a convivência, decorrência da própria

humanidade” (ALBERTON, 2009, p. 121).

Portanto, a crise é resultado também da própria concepção de jurisdição.

Normalmente, tem-se a jurisdição como sendo composta pela autoridade

estatal (Juiz), encarregado de resolver o conflito dos cidadãos, sendo que

nesse sistema, para se ter “justiça”, tem-se um ganhador e um perdedor, ou

seja, há uma cultura que “privilegiou o paradigma ganhar-perder, que funciona

com uma lógica determinista binária, na qual a disjunção e a simplificação

limitam as opções possíveis” (SCHNITMAN; LITTLEJOHN, 1999, p.17). Para

Spengler:

A justiça consensual surge como resposta ao disfuncionamento do modelo judiciário tradicional, resgatando um modo de regulação social que embora possa ser percebido como um instrumento de integração apresenta-se como um procedimento geralmente informal, através do qual um terceiro busca promover a comunicação e, consequentemente, as trocas entre as partes, possibilitando que as mesmas se confrontem, em igualdade de posições, buscando o consenso. Essa busca pelo consenso ocorre mediante a apropriação, pelas partes, do poder de tratar seus conflitos (SPENGLER; SPENGLER NETO, 2010, p.3036).

Desse modo, frente a esse quadro de crise iniciou-se um processo de

reforma da justiça em que o paradigma cultural do litígio volta-se para a

consensualidade para o tratamento do conflito em busca da pacificação social.

Frente essa perspectiva começa a ser implementada no país uma nova política

pública.

3 A Resolução 125 do CNJ como política pública de tratamento de

conflitos

Geralmente, a política pública é um conjunto de ações ou programa

instituído pelo bem ou interesse comum. O conceito tem ligação direta com a

“política” que advém da palavra de origem grega “polis”, que se refere às

coisas da cidade, ou seja, “ao que é urbano, público, civil e social”

(RODRIGUES, 2010, P.13).

Dessa forma, observa-se que várias são as definições de políticas

públicas, sendo um processo pelo qual os diversos atores que compõem a

sociedade tomam decisões coletivas que objetivam um interesse comum.

Nesse sentido, a definição de políticas públicas permeia um campo de

estudo que vem trazendo importantes contribuições para compreender o

funcionamento das instituições e das complexidades que envolvem a vida nos

dias atuais. O quadro de crise do sistema exigiu do Estado reformas de modo a

garantir e assegurar o princípio de acesso à justiça dos cidadãos. Nesse

sentido, cria através da emenda constitucional nº 45 de 30 de dezembro de

2004, que inclui no art.103-B da Constituição Federal, o Conselho Nacional de

Justiça que é o órgão encarregado de desenvolver ações e programas com o

objetivo de garantir o controle administrativo e processual, a transparência e o

bom funcionamento do Judiciário.

Dentre as múltiplas funções do Conselho Nacional de Justiça, estipulam-

se ações de reforma do sistema de justiça, instituindo, assim, uma política de

tratamento adequado dos conflitos, através da Resolução nº 125 de novembro

de 2010. A política pública, normalmente, é instituída tendo como base

conceitual os problemas da esfera pública.

Assim, ampliando a abrangência da política, conforme os termos da

Resolução nº 70, de 18 de março de 2009, do próprio Conselho, estipula-se

que a eficiência operacional, o acesso ao sistema de Justiça e a

responsabilidade social serão os objetivos estratégicos do Poder Judiciário e

que o direito de acesso à justiça, conforme o previsto no art. 5º, XXXV, da

Constituição Federal, implicará também a ordem jurídica justa. Para Bacellar:

A finalidade do Poder Judiciário é a pacificação social e, portanto, independentemente do processo e do procedimento desenvolvido para a resolução dos conflitos no âmbito do que se denomina monopólio jurisdicional, também cabe ao Judiciário incentivar mecanismos e técnicas que mais se aproximem o cidadão da verdadeira Justiça (2003, p. 222).

Portanto, a justificativa de implementação da política pública considera o

largo e crescente aumento dos problemas e conflitos jurídicos na sociedade, de

forma a organizar e consolidar, em âmbito nacional, não somente os serviços

prestados nos processos judiciais, como também de outros mecanismos de

solução de conflitos, em especial os consensuais, como a mediação e a

conciliação. Assim, “desenvolvem-se novas políticas sociais referentes ao

papel jurisdicional do Estado frente a essa explosão de litigiosidade, decorrente

da complexidade socioeconômica moderna” (MORAES; SPENGLER, 2008,

p.113).

A Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho

Nacional de Justiça estipula uma política pública de tratamento adequado dos

conflitos de interesse, assegurando a todos à solução dos conflitos por meios

adequados, atendendo sua natureza e peculiaridade. (art.1º).

Consequentemente, o objetivo desse artigo é assegurar que todos os

cidadãos tenham atendimento e orientação ao seu problema, oferecendo

mecanismos de tratamento de controvérsias, em especial os denominados

consensuais, como a mediação e a conciliação e não havendo resultado

assegurar a solução mediante sentença do órgão judiciário. Para tanto, a

implementação da política, destacando a qualidade dos serviços e à

disseminação da cultura de pacificação social, deverá priorizar a centralização

das estruturas judiciárias, formação e treinamento adequado aos servidores,

conciliadores e mediadores e acompanhamento estatístico específico.

No art. 4º da Resolução reitera-se, uma das atribuições do Conselho

Nacional de Justiça, de promover ações de incentivo à auto composição de

litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação, prevendo

a implementação do programa com a participação de uma rede de todos os

órgãos do Poder Judiciário, bem como pelas entidades públicas e privadas

parceiras e as entidades de ensino.

Cabe destacar que a Resolução menciona a conciliação e a mediação

como instrumentos efetivos de pacificação social, de modo a solucionar e

prevenir os litígios, já que sua prática em programas pioneiros no país tem

reduzido à excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de

recursos e de execução de sentenças, devendo servir de base para a criação

de Juízos de resolução alternativo de conflitos, verdadeiros órgãos judiciais

especializados na matéria. Para Favreto deve-se trabalhar com uma solução

pacífica e negociada “portanto, mais preventiva do que curativa- dos problemas

que surgem na sociedade, visando à estrutura de um processo de formação de

pacificação social no âmbito das lides- judicializadas ou não” (2009, p.18).

Por isso, a adoção da mediação e da conciliação como meio de

tratamento de conflito busca de uma política não adversarial e de pacificação.

Nesse sentido, Bacellar explica “o processo perante o Judiciário só deve

aparecer na impossibilidade de auto superação do conflito pelos interessados,

que deverão ter à disposição um modelo consensual que propicie a resolução

pacífica e não adversarial da lide” (1999, p.126).

Por conseguinte, a introdução de mecanismos de tratamento de conflito

permite uma nova visão do processo de construção de um sistema em crise.

Nesse sentido, duas são as formas de tratamento consensuais de conflito: a

conciliação e a mediação. A conciliação é o meio pelo qual um terceiro

interlocutor apresenta possíveis respostas ao conflito, fazendo com que os

envolvidos as aceitem ou não. Poderá haver o debate entre as partes, contudo

o terceiro limitará as propostas de modo a conciliar o conflito. Para Egger “o

conciliador faz sugestões incentivando as partes para a realização do acordo”

(2008, p. 64).

Destaca-se que a mediação é meio pelo qual os envolvidos tratando o

problema, ajudados por um terceiro, isento de qualquer proposta ou tentativa

de acordo, restabelecem o diálogo.

Nesse sentido, para melhor esclarecimento e distinção, a arbitragem é o

mecanismo pelo qual as partes escolhem um terceiro, denominado árbitro,

sendo que esse terá autoridade para proferir decisão. Nas explicações de

Câmara: “os titulares de interesse em conflito, por ato voluntário, nomeiam um

(ou mais de um) terceiro, estranho ao litígio, conferindo-lhe poder para

apresentar uma solução para aquela lide, solução está que lhe será imposta

coativamente” (2005, p.10).

Cabe salientar, que a política instituída pelo Conselho Nacional de

Justiça, refere-se pontualmente a conciliação e a mediação, prevendo,

igualmente, outros mecanismos. Por fim, estabelece ainda a relevância e a

necessidade de organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e

outros métodos consensuais de solução de conflitos, para evitar disparidades

de orientação e práticas, bem como para assegurar a boa execução da política

pública. Nesse sentido, a seguir passa-se a analisar a política pública como

fortalecimento da cidadania.

4 Uma política pública como fortalecimento da cidadania

Atualmente, a adoção de uma política pública é instrumento utilizado

para a promoção da cidadania. O mundo suporta de uma séria de crises que

trouxeram consequências devastadoras para toda a sociedade. Nesse sentido,

as políticas públicas nascem com o objetivo de fortalecimento da cidadania e

como uma alternativa pacífica de tratamento dos conflitos sociais.

Observa-se, que é fundamental para o Estado garantir os direitos

individuais e coletivos, para a construção de uma sociedade livre que propicie o

desenvolvimento social, o bem-estar e erradicação da pobreza. Para Leal, a

concretização do Estado Democrático de Direito que tem como objetivo

“assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como

valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”

(1998, p.167).

Vale ressaltar, que muitos desses direitos não tiveram sua efetiva

aplicabilidade, devido uma série de fatores de ordem política, economia e

funcional que provocaram uma crise do Estado Democrático de Direito. Assim,

a retomada desse Estado perpassa pela ideia de política dedicada a reinventar

a convivência entre os cidadãos e isso depende da multiplicação de espaços

sociais favoráveis a expansão de novas formas de solidariedade, cooperação e

participação democrática.

Essas políticas implicam também em novas formas de tratamento dos

conflitos sociais, os quais somente produzem eficácia se contarem com uma

mudança de paradigma, transformando o litígio em consenso. Nesse sentido, o

Estado Democrático de Direito, promulgado pela Constituição de 1988, passou

a contar com um conjunto significativo de instrumentos de modo a enfrentar os

problemas frutos das relações sociais modernas. Assim, “essa medidas

deverão ser implementadas, conjuntamente, com meios assecuratórios à

cidadania, pois a crise que enfrentamos provém de causas distintas

pertencentes a um mesmo fenômeno global, mas com características próprias”

(MORAES; SPENGLER, 2008, p. 109).

Consequentemente, o objetivo maior dessa política é pressionar e

reclamar uma prestação jurisdicional célere e eficaz, capaz de tratar os

conflitos decorrentes das relações sociais, aproximando a jurisdição da

cidadania, para que haja efetividade do acesso à justiça. Desse modo, o que se

almeja é um Estado participativo que se aproxime do seu cidadão e busque a

defesa das questões sociais, priorizando a inclusão social através da

valorização da cidadania e da participação.

Para tanto, busca-se um outro modo de vida baseada num espaço

comunitário de efetivação da pluralidade democrática, comprometida com a

alteridade e a diversidade cultural. Ressalta-se um contexto global de

emancipação, que tem como “estratégia progressista de integração procurar

promover e estimular a participação múltipla de segmentos populares e de

novos sujeitos coletivos de base” (MARTINEZ, 2008, p.214).

Portando, a cidadania é definida como princípio da democracia,

constituindo-se na criação de espaços sociais de luta e na definição de

instituições permanente para a expressão política, significando também

conquista e consolidação social e política. “A cidadania poderá, dessa forma,

cumprir um papel libertador e contribuir para a emancipação humana, abrindo

novos espaços de liberdade” (VIEIRA, 2004, p.41).

Assim, as políticas públicas também podem ser entendidas como meio

que as pessoas possuem para acessarem outros recursos socialmente

valorizados em virtude das suas relações. Nas explicações de Schmidt é “um

conjunto de redes, relações e normas que facilitam ações coordenadas na

resolução de problemas coletivos e que proporcionam recursos que habilitam

os participantes a acessarem bens, serviços e outras formas de capital” (2009,

p.1560).

Por isso, a efetivação de políticas públicas favorece a construção de

uma democracia, já que elas fortalecem a cidadania que reside nas classes

econômicas menos favorecidas, através dos vínculos entre as pessoas. E é

através desses vínculos que se fortalece a cooperação, que gera a confiança.

A atuação conjunta do Estado e da sociedade fomenta essa confiança. Nas

palavras de Rodrigues:

Da capacidade do Estado (pelos diversos Governos) para executar políticas públicas sociais mais eficazes, abrangentes e universais, depende o aprimoramento do bem estar e da cidadania, com a diminuição das desigualdades e a consolidação da democracia de cidadãos e cidadão (2010, p. 79).

Nesse sentido, a atuação conjunta entre Estado e sociedade fomenta a

confiança e propicia o fortalecimento da dita democracia participativa, que

busca incessantemente espaços públicos destinados a políticas públicas de

bem estar e de pacificação social.

5 Considerações Finais

Frente à complexidade do mundo contemporâneo, a cidadania é o

princípio norteador, recriando espaços sociais de luta e participação,

redefinindo a dimensão social e política e estabelecendo alternativas de

enfretamento das devastadoras e desumanas consequências da ordem

globalizada.

Por conseguinte há uma reestruturação da teoria política, já que se

remodelam as inter-relações entre Estado, economia e sociedade. Nesse

sentido, a definição de políticas públicas permeia um campo de estudo que

vem trazendo importantes contribuições para compreender o funcionamento

das instituições e das complexidades que envolvem as relações sociais nos

dias atuais.

Assim, a implementação de uma política nacional de tratamento dos

conflitos, através da Resolução nº 125 do CNJ que adota como mecanismos

consensuais, a conciliação e a mediação, transforma as relações não só dos

envolvidos, mas contribui e muito para a mudança de paradigma de um

sistema de justiça voltado para o consenso e a pacificação social.

Desse modo, a atuação conjunta entre Estado e sociedade fomenta a

confiança e propicia a cooperação e a participação, inclusive com novas formas

de tratamento de conflitos, que promovam incessantemente espaços públicos

destinados a políticas públicas de bem estar e de pacificação social,

priorizando a inclusão social através do fortalecimento da cidadania.

6 Referências

ALBERTON, Genacéia da Silva. Repensando a jurisdição conflitual. Revista da Ajuris: doutrina e jurisprudência, v.36, n.115, set. 2009, p.119-158.

BACELLAR. Roberto Portugal. A mediação no contexto dos modelos consensuais de resolução dos conflitos. São Paulo: Revista do Processo, n. 95, p. 122-134, jul./set.1999, v. 24.

BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação paraprocessual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem: lei nº 9.307/96. 4. Ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2005.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: SAFE, 1988.

EGGER, Ildemar. Cultura da Paz e Mediação: uma experiência com adolescentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008.

FRAVETO, Rogério. A implantação de uma política pública. In: AZEVEDO, André Gomma (org.). Manual de Mediação Judicial. Brasília/DF: Ministério da justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PNUD. 2009.

LEAL, Rogério Gesta. Significados e sentidos do Estado democrático de direito enquanto modalidade ideal/constitucional do Estado brasileiro. Redes- o mundo do trabalho na virada do século, Santa Cruz do Sul: Edunisc, v.3, pp. 149-174, julho, 1998.

MARTINEZ, Alejandro Rosillo, CARVALHO, Amilton Bueno de, Et.Alli. Direitos Humanos no Século XXI. Porto Alegre: Edipucrs, 2008.

MORAIS, José Luiz Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à jurisdição. 2. Ed. rev. E ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.

RODRIGUES, Marta Maria Assumpção. Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2010.

SCHMIDT, João Pedro. Para entender as políticas públicas: aspectos conceituais e metodológicos. In: REIS, Jorge Renato. LEAL, Rogério Gesta (org.). Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. Santa Cruz: EDUNISC, 2008.

SCHNITMAN, Dora Fried, LITTLEJOHN, Stephen. Novos paradigmas em mediação. Trad. Marcos A.G. Domingues e Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

SPENGLER, Fabiana Marion. Da Jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento do conflito. Ijuí: Ed. Ijuí, 2010.

SPENGLER, Fabiana Moraes; SPENGLER NETO, Theobaldo. Considerações sobre o tratamento de conflitos sociais: do consenso hobbesiano induzido ao consenso construído pela prática da mediação. In:REIS, Jorge Renato. LEAL, Rogério Gesta (org.). Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. 1. Ed. Tomo 10. Santa Cruz: EDUNISC, 2010.

VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 7.ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.