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A Representação do Negro entre Alunos em Barra do Jacaré/PR

Nascimento, Santina Candida do1.

Ms. Prof. Barnabé, Luís Ernesto2.

Resumo

Este Artigo é resultado da Implementação realizada com os alunos do 3º ano A, do Colégio Estadual Maria Francisca de Souza – EFM, de Barra do Jacaré, como parte integrante do PDE. Ao mostrar como o público afrodescendente estabelece relações com as heranças africanas no contexto escolar, se propõe a refletir, repensar e debater com alunos e professores as questões étnico-raciais, a escravidão africana e a presença dos afro-descendentes no Brasil – e consequentemente as origens africanas de nossa população. Destaca-se assim Lei 10.639/03, que assegura os conteúdos programáticos aos estudos da História da África e dos africanos, como também a cultura africana, o que possibilita análises significativas para entender nossa sociedade, pois há um conjunto de heranças africanas formadoras da identidade nacional que foi constituído ao longo da história do ensino de História do Brasil. Palavras-chave: Afrodescendentes – Origens Étnico-Raciais –I dentidade.

I INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado da Implementação realizada no primeiro semestre

de 2013, com os alunos do 3º ano do Colégio Estadual Maria Francisca de Souza,

município de Barra do Jacaré, com o propósito de refletir, repensar e debater com

alunos e professores as questões étnico-raciais, a escravidão africana e a

presença dos afro-descendentes no Brasil – e consequentemente as origens

africanas de nossa cultura. Destacamos desta maneira Lei 10.639/03, que

assegura os conteúdos programáticos aos estudos da História da África e dos

africanos, como também a cultura africana.

Dentre os objetivos para a realização desta Implementação se destacam:

romper com práticas escolares tradicionais que trabalham a História do negro

focalizando apenas a escravidão e o tempo do Brasil colônia, buscando resgatar

1 Santina Candida do Nascimento. Professora História no Colégio Estadual Maria Francisca de Souza. Barra do Jacaré, PDE 2012.

2 Luis Ernesto Barnabé, Docente do curso de História na UENP, mestre em História, Orientador PDE.

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as contribuições dos africanos e afro-descendentes no Brasil nas áreas social,

econômica e política, além de apresentar aos educadores e alunos informações

atualizadas e contextualizadas sobre a cultura e história africana, numa tentativa

de contribuir para a construção de novas relações nas quais a diversidade seja

foco de reflexão e respeito; aprofundar discussões e análises sobre

desigualdades e injustiças, práticas racistas, discriminações que fazem parte do

cotidiano brasileiro; levar os alunos a atuarem como cidadãos na construção de

uma sociedade mais justa, igualitária, pela via da educação e reconstruir a

memória dos afro-brasileiros a partir de referências positivas.

O tema escolhido para a Implementação “A representação do negro entre

alunos em Barra do Jacaré” se deu para mostrar aos alunos o que a atual política

nacional curricular atribui ao ensino de História: o papel de formar um novo

cidadão que, dentre outras características seja capaz de compreender a História

do país e do mundo como resultante de múltiplas memórias originárias da

diversidade das experiências humanas em oposição ao entendimento, até então

dominante, de uma memória unívoca das elites ou de um passado homogêneo

(SIMAN, 2005)

É possível observar a ascendência africana no Brasil, nas cidades de São

Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, e na faixa litorânea brasileira. Essa

ascendência serviu para a estruturação do território, principalmente nas

extensões aonde vão se desenvolver os grandes ciclos econômicos.

Apesar da política de branqueamento desenhada para o Brasil, e

implantada no final do século XIX e início do século XX, segundo a qual asiáticos

e africanos eram considerados seres inferiores, as respostas, segundo os mapas

demográficos utilizados pelo IBGE, nos mostram a constatação do mosaico

demográfico afro-brasileiro que construiu a estrutura territorial e econômica do

país. Assim, é necessário registrar e divulgar as informações que possam permitir

a reconstrução de um perfil do continente africano de forma mais adequada. Um

primeiro ponto de partida é o estabelecimento e reconhecimento de outras

perspectivas para a compreensão do tráfico, da escravidão, da diáspora e da

tecnologia africana como elementos formadores e estruturadores da configuração

do mundo contemporâneo.

Se juntarmos as populações do Brasil recenseadas pelo IBGE como preta

e parda teremos 69.649.862 habitantes, 47% do total nacional. O pardo tem

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identidade indefinida, à moda do ditado popular: “a noite todos os gatos são

pardos”. Isto é, incapazes de serem reconhecidos, classificados, identificados

perdem seu lugar na sociedade, dispersam-se de sua referência ancestral e,

portanto, desaparece sua territorialidade.

No encontro dos povos africanos com os europeus, estes, desconhecendo

as especificidades de cada etnia, os denominavam genericamente de etíopes.

Porém, os africanos estavam divididos em diversos territórios étnicos. Cada

africano se reconhecia como Fanti, Peul, Mandinga, Fulani, Zulu, entre outros.

Esses diversos tipos de africanos, dessas várias áfricas não foram trazidos

para um único Brasil. As diversidades regionais e os diversos tipos de atividades

econômicas em que os africanos foram introduzidos exigem que todo estudioso

fique atento para o fato de que a própria experiência da escravidão foi plural.

Conscientes do empobrecimento que toda tentativa de generalização traz,

busca-se entender a participação dos africanos na cultura brasileira de acordo

com o sugerido por Alex Ratts:

Para melhor compreender a participação do segmento negro na formação brasileira, três dimensões são de fundamental importância: a história, a memória, as práticas culturais (...) A memória, ao lado da identificação com certos valores culturais, aponta fortes sinais dos elementos que compõem a participação da população negra na cultura brasileira, com toda multiplicidade que ela carrega. (2007, p. 34)

Ao fazer um estudo sobre os povos africanos é possível notar que a

maioria deles era aprisionada já na idade adulta com padrões de comportamento,

valores e pensamento fundados nos povos em que haviam nascido. O primeiro

passo era aprender um pouco do idioma que lhes permitisse conversar com

outros escravizados, com os capatazes ou homens livres com os quais se

relacionava e dos quais já era possível entender as ordens. Era o afastamento

gradativo da África e a aproximação com o Brasil que também ia sendo

gradativamente construído com a participação africana, ameríndia e lusitana. A

cada tumbeiro (navio que trazia os escravizados) que chegava os elementos da

cultura africana se revigoravam.

Nos diversos cantos do Brasil, de maneira adequada a cada situação

particular formavam-se comunidades negras de africanos e seus descendentes

que encontravam pontos em comum para conviverem, por exemplo, o fato de

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terem todos sido embarcados em uma certa região. Surgiram então a

identificação de “nação angola”, “preto mina”, “benguela” (Darcy Ribeiro, pág.34,

2007).

Na formação das comunidades negras a escolha do parceiro e a formação

de novas famílias também eram importantes na organização desta nova

identidade. Normalmente optavam por parceiros da mesma nação. Os crioulos

também costumavam casar entre si.

Como existiam mais homens que mulheres era comum uma mulher ter

diferentes homens em diferentes fases da vida.

Os núcleos familiares nas comunidades negras eram comandados por

mulheres que criavam filhos de vários parceiros estáveis que teve ao longo da

vida uma vez que as relações afetivas eram muitas vezes interrompidas pela

venda de um dos parceiros.

Os laços de parentesco se estabeleciam também de diversas formas. Era

comum os africanos que fizeram juntos a viagem pelo Atlântico considerarem-se

parentes em função de juramentos de ajuda mútua que faziam durante as

viagens.

Algumas coisas eram tomadas emprestadas do mundo cristão português.

Um exemplo é o compadrio onde o padrinho transformava-se em um espécie de

substituto do pai.

Nos centros urbanos formavam-se comunidades negras a partir do

trabalho. Escravos de ganho reuniam-se por nações dividindo territórios de

trabalho e escolhendo uma liderança que os chefiasse. As doceiras, vendedora

com tabuleiro, lavadeiras e outras trabalhadoras também estabeleciam regras

para suas atividades.

Exemplificando as práticas culturais temos o mestre Aleijadinho (Antonio

Francisco Lisboa) que foi autor de esculturas e fachadas de igrejas barrocas na

cidade de Sabará, Ouro Preto, Congonhas do Campo em Minas Gerais.

Tão importante quanto Aleijadinho em Minas foi mestre Valentim, um

escultor, cujas obras se encontram em igrejas ou parques da cidade do Rio de

Janeiro.

Não só nas artes plásticas brilharam artistas negros. Na música até hoje se

destacam. Costuma-se reduzir a influência musical africana apenas aos ritmos,

através da percussão de tambores. Em meio a tantas influências africanas que se

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recriaram no país, a musical é certamente um dos campos onde as referências

africanas aparecem de maneira significativa.

Segundo Oliva (2003), mesmo com as mudanças teóricas, principalmente

provenientes da historiografia francesa, que desde os anos 1950 inundavam os

cursos de História, percebeu-se que, se a reestruturação escolar nos anos finais

do século XX tinha sido frutífera, mas era ainda inadequada para se pensar a

realidade a realidade da população brasileira, uma vez que a história dos

africanos não se apresentava a não ser pelo viés eurocêntrico.

É possível sugerir que os motivos deste silêncio em relação à África

ocorreram devido à esta própria orientação narrativa eurocêntrica, mas também

por dificuldade em se obter informações sobre os africanos. Segundo Oliva,

quando se fala do estudo da História da África, somente na década de 1970,

paralelamente ao processo de independências africanas, é que se torna possível

encontrar produção significativa na África, na Europa e na América, mas há

“dificuldade em transportar para seus ensinos as inovações conquistadas por

seus pesquisadores” (2003, p.428).

Ainda segundo Oliva (2003) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva

demonstrou a intenção do estado brasileiro, pelo menos de forma simbólica, de

quebrar o silêncio de algumas décadas nas relações econômicas e diplomáticas

mais vantajosas entre as duas margens do Atlântico. Em seus improvisados, mais

reveladores discursos, cometeu o que foi para alguns uma gafe, para outros uma

dura ofensa à África, ao se espantar com a beleza da capital da Namíbia,

Windhoek.

Mas Lula afirmou que apenas constatou o óbvio. Porém, é mais

enriquecedor analisar os pensamentos do chefe de Estado por uma outra

dimensão. Para além da educação escolar falha, é certo afirmar que as

interpretações racistas e discriminatórias elaboradas sobre a África e

incorporadas pelos brasileiros são resultado do casamento de ações e

pensamentos do passado e do presente. Neste caso, percebe-se que as

representações deturpadas sobre o continente africano não são uma

exclusividade brasileira dos dias do presidente Lula. As distorções, simplificações

e generalizações de sua história e de suas populações são comuns a várias

partes e tempos do mundo ocidental. (OLIVA, 2003, p. 431)

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A lei 10639/03, que inclui no currículo oficial a obrigatoriedade da História e

Cultura Afro-Brasileira, seguida das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana e também o ensino da História e cultura dos povos indígenas

é uma medida justa, e tardia, porém difícil de ser implantada.

Difícil por um motivo prático: muitos professores formados ou em formação,

com algumas exceções, nunca tiveram, em suas graduações, contato com

disciplinas específicas sobre a História da África. Soma-se a esse relevante fator

a constatação de que a grande maioria dos livros didáticos de História utilizada

nesses níveis de ensino não reserva para a África espaço adequado, pouco

atentando para a produção historiográfica sobre o Continente. Os alunos passam

assim, a construir apenas estereótipos sobre a África e suas populações. Justa

sob a perspectiva da inclusão social, pois as diretrizes consideram a diversidade

cultural.

Ao preservarem as raízes africanas seus descendentes ocupam um lugar

numa sociedade complexa e multicultural como a nossa. Buscar uma identidade

diferenciada é também ser mais brasileiro. Assumir a beleza estética que veio dos

ancestrais é uma forma de resistência e de pertencimento. É conquista de

cidadania. (ZANON, 2011)

É preciso lembrar que faz parte do ideário da escola fazer a transformação

social e agir pró ativamente na formação da identidade possível.

II DESENVOLVIMENTO

O trabalho de Implementação teve inicio com a apresentação da proposta

de intervenção para professores do período matutino do colégio, apresentando

questões sobre como a escola combate a discriminação e como os professores

reagem diante situações relacionas ao tema; com um debate tendo a Lei n°

10.639/03, que insere a cultura Africana e Indígena na proposta curricular de cada

disciplina que envolve o currículo, tanto do Ensino Médio quanto do Ensino

Fundamental.

Este momento de reflexão serviu para uma troca de experiência entre os

professores que acreditam que a lei em si não basta e que é necessária uma

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mudança no ensino-aprendizagem para que se rompa o modelo que vigora

atualmente na sociedade, pois é preciso valorizar o conhecimento da cultura

trazida pelos para o Brasil.

Como segunda atividade, foi exibido o filme “Vista Minha Pele” (JOEL ZITO

ARAÚJO, 2000). O filme retrata a discriminação racial vista por outro lado,

mostrando ao aluno uma outra visão da que sempre teve do negro: a cor da pele

e não as qualidades.

De acordo com a DCE - Diretrizes Curriculares da Educação Básica – do

Estado do Paraná (2008), disciplina de HISTÓRIA, somos levados e

conscientizados a dialogar tirando como ponto principal as verdades prontas e

definitivas. É necessário registrar e divulgar as informações que possam permitir a

reconstrução de um perfil do continente africano de forma mais adequada.

As questões raciais que são relatadas no filme permitiram ao aluno pensar

sobre sua própria realidade, sua vida e como se deve tratar os outros, sem pensar

apenas em si mesmo.

Ao término da sessão os alunos responderam uma ficha com questões

sobre o mesmo e em seguida um debate com comentários sobre o que cada um

entendeu apontando os pontos mais relevantes.

A terceira atividade contou com a apresentação do filme “Mãos Talentosas”

– Ben Carson (THOMAS CARTER, 2009). O filme narra a história do preconceito

sofrido na sala de aula. Com o incentivo da mãe o menino se sobressai na vida

escolar e na profissional.

Ben já tinha visão sobre sua profissão. Sua mãe passou por grandes

dificuldades durante o relacionamento com seu marido, pois ele tinha outra família

e o pai de Ben era traficante. A mãe era analfabeta e não sabia ler, nem escrever,

ela não queria mostrar para os filhos a realidade de seu pai. Ela iria fazer um

tratamento psiquiátrico e os meninos iriam ficar. Ela iria para Boston e

recomendou que os filhos estudassem matemática. De aluno considerado burro, a

partir do momento em que começou a participar das leituras da biblioteca, Ben se

interessa por leituras sobre as rochas. A mãe de Ben é incentivada à leitura pelo

professor da casa onde é empregada doméstica. Através da TV, Bem e seu irmão

são incentivados a responder perguntas.

Benjamim tira o primeiro lugar das notas acadêmicas. A única

desvantagem era ser negro, porém o aluno negro tornou-se um neurocirurgião

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famoso, realizando cirurgias em crianças, sendo inclusive o primeiro

neurocirurgião a realizar a cirurgia para separar duas irmãs que nasceram com as

cabeças grudadas.

A história narrada no filme é verídica e os alunos puderam ver que basta

ter força de vontade e lutar pelos ideais. A realidade nem sempre é fácil para as

pessoas de cor negra, porém, racismo é crime, e com incentivo e apoio todos

podem atingir o sucesso. Nota-se então que o racismo é uma prática com raízes

históricas, devido a isto causou e continua causando muitas dificuldades entre os

afrodescendentes.

A quarta atividade serviu para aprofundar discussões e análises sobre

desigualdades e injustiças, práticas racistas, discriminações que fazem parte do

cotidiano brasileiro. Para isso foi apresentado o texto: “A Colonização da África”.

Marina de Mello e Souza (2008, p. 158) África e Brasil Africano que retrata o

imperialismo e o controle de alguns países europeus sobre a África, o papel do

missionário no processo de colonização da África e a maneira como os acordos

foram assinados.

Após a leitura os alunos analisaram os elementos geradores das

diferenças. O objetivo da atividade foi apontar maneiras para o combate ao

preconceito, ao racismo, fatores de exclusão do educando levando os alunos a

formarem opiniões, atitudes e valores que desenvolvem os cidadãos para a

consciência étnico-racial, pensando sobre a cultura africana.

Desde o início da Implementação deste Projeto buscou-se construir um elo

entre a cultura africana e a brasileira possibilitando a releitura e a valorização da

cultura afro. Para isso outra atividade foi uma interpretação da música NEGRO

REI (Cidade Negra, álbum Direto ao Vivo, 2006). Para um melhor entendimento

do que a letra da música quer transmitir foi utilizado um dicionário de expressões

da cultura africana, que permitiu ao aluno ver como o negro é retratado. Depois os

alunos complementaram o trabalho com pesquisas na biblioteca da escola sobre

o negro e a cultura africana. Após as pesquisas os alunos fizeram um relatório,

que foi apresentado no final da Implementação, destacando a importância do

negro para a sociedade.

O município de Barra do Jacaré, situado no norte do Paraná, tem uma

população de 2.727 habitantes, destes 138 se declararam de cor preta, 508

declaram serem pardos segundo dados extraídos do site do IBGE.

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Para entender melhor a história dos negros que viveram e ainda vivem no

município, a atividade subsequente contou com a presença da senhora Francisca

Borges, popularmente conhecida por dona Chica, com 92 anos de idade e

moradora barrense desde 1955.

Dona Chica fez uma visita aos alunos do 3º ano para dar um depoimento

sobre sua experiência de vida, sobre o preconceito sofrido e qual a visão de

mudança do passado e do presente. Conforme dona Chica fazia o relato de sua

vida, os alunos levantavam questões, instigando-a a falar se sofreu algum tipo de

discriminação, como se sentiu após um momento de discriminação, se ela acha

que a escola poderia mudar a questão da discriminação e preconceito.

Esta etapa da Implementação foi muito válida e emocionante, e os alunos

puderam sentir realmente como era a situação do negro na sociedade tempos

atrás, uma realidade diferente da que vemos hoje em nosso município, apesar de

alguns alunos de cor negra, ainda acharem que um pouco de racismo permanece.

A história de vida de Dona Chica serviu de exemplo para muitos, pois é

uma história de superação, muita luta e contribuição para que o preconceito seja

extinto da sociedade.

Figura 1: Dona Chica

Fonte: Autor3, 2013

3 Foto produzida pela Autora deste Artigo

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A penúltima atividade contou com a ajuda de professores de outra

disciplina. Os alunos pesquisaram nas salas de aula do turno matutino a cor da

pele de cada aluno, determinando por quantos brancos, negros, pardos e

amarelos a turma que estuda neste período é constituída. Após a coleta de

dados, os alunos fizeram uma pesquisa na internet com dados estatísticos sobre

o total de negros na população brasileira. Este trabalho foi dividido em grupos e

contou com a participação da professora de matemática que ajudou na confecção

dos gráficos para melhor exemplificar os resultados obtidos. Os dados foram

transferidos para cartazes em um mural onde todos puderam ter acesso ao

resultado da pesquisa, visando o fim da discriminação e do preconceito.

O resultado da pesquisa realizada na escola apresentou o seguinte

resultado:

Gráfico 1: Quantidade de negros, brancos e pardos que estudam no período

matutino.

0

10

20

30

40

50

EF EM

branco

negro

pardo

Relato de alguns alunos que realizaram a pesquisa, apontam que nem todos

os alunos aceitam sua cor, conforme veremos a seguir:

Relato aluno 1:

“Fizemos a pesquisa com os alunos que estudam no período matutino e em relação a essa pesquisa deu para notar que alguns alunos não aceitam sua cor, alguns negros não falaram que eram negros e sim pardos ou até brancos. Eles não aceitam ser o que são, não sei ao certo o porquê, se é vergonha, mas todos deveriam ter orgulho do que é pois, cor não define caráter e cada um é especial do jeito que é”.

Relato aluno 2:

“Em minha opinião alguns alunos se acham brancos sendo que são negros, ou vice-versa. A maioria sente vergonha da cor ainda na atualidade, ou sentem preconceitos por eles mesmos. Isso não deveria acontecer porquê já estamos bem avançados em todo o sentido na atualidade e mesmo assim existem pessoas alienadas no séc. XXI”.

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Relato aluno 3:

“Algumas pessoas sentem vergonha devido a sua raça pois sofrem preconceitos e ofensas. Os negros principalmente pois, além de chamá-lo de negro, chamam também de pretinho. Fizemos uma pesquisa nas salas de aula do turno matutino do Colégio Estadual Maria Francisca de Souza, onde alunos que são negros e tem vergonha de falar sua raça dizem que são pardos ou morenos. No meu registro de nascimento está que sou branca mas me considero morena pois, sou morena de sol. Não devermos ter vergonha do que somos, Nossa Senhora Aparecida é negra e é a Padroeira do Brasil. Seja negro, branco, pardo ou amarelo não deixe que ninguém brinque com sua cara pois racismo é crime e dá cadeia”.

O estudo da cultura afro brasileira deve retratar toda a herança deste povo,

valorizando seus costumes, músicas, danças linguagem que identificam o

passado do negro na atualidade.

Para finalizar os trabalhos da Implementação os alunos foram novamente

divididos em grupos para pesquisarem sobre a culinária e a influência negra, e

também questões envolvendo a saúde como os tratamentos utilizados pelos

negros (chás e ervas medicinais). A culinária é considerada uma das raízes

culturais mais resistentes à passagem do tempo e os negros tiveram influência

significativa em nossa culinária (ESPÍ, 2006). Após as pesquisas os alunos

elaboraram pequenos livros de receitas práticas de comidas e chás medicinais.

Muito dos alimentos que usamos no dia-a-dia são de origem africana,

como o feijão preto, azeite-de-dendê, pimenta malagueta. Alguns pratos como

vatapá, caruru, mungunzá, acarajé, angu, pamonha.

Tudo indica que a feijoada, prato servido no encerramento da

implementação, nas palavras Espí (2006) tem influência das paneladas européias

que aos poucos foram transformadas pelos negros.

O encerramento contou com a participação de representantes do NRE de

Jacarezinho, Dona Chica, que narrou à toda comunidade escolar a importância

que foi participar deste trabalho com os alunos.

O objetivo de finalizar a Implementação com todos os alunos e comunidade

escolar do período matutino foi apresentar os resultados do projeto e um pouco

da cultura afro, levando-os a pensar sobre o que fazer diante de uma situação

onde existe discriminação e ainda se é possível viver sem discriminar ou ser

discriminado.

Assim como Nélson Mandela diz que "Ninguém nasce odiando outra

pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar,

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as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser

ensinadas a amar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Implementação desenvolvida no decorrer do ano de 2013 com os

alunos do 3º ano A, do Colégio Estadual Maria Francisca de Souza, se propôs a

viabilizar uma maior compreensão das origens africanas no aspecto cultural entre

alunos e professores. Pelo diálogo foi colocado em prática o eixo da cultura

Africana, abordando os temas centrais sobre a discriminação racial oriunda de um

processo histórico da constituição do Mundo Atlântico. As atividades

desenvolvidas intensificaram a imagem do negro do passado, como escravo de

um sistema capitalista implantado, detectando para o presente sua contribuição e

formação do povo brasileiro, o afrodescendente.

Ao iniciar as ações procurei focar nas necessidades do professores

indagando a discussão em relação às disciplinas ou interdisciplinaridade, como

eles trabalhavam com seus alunos a discriminação e o preconceito racial em sala

de aula e a Lei nº 10.639/2003. Esta era uma das principais razões da minha

participação no PDE.

A discriminação racial foi apresentada através dos filmes: Vista minha pele

e Mãos talentosas. O objetivo foi desmitificar e a presença do negro na sociedade

atual ocorre da mesma forma que para os brancos e sim proporcionar a inclusão

do negro na sociedade como um todo.

Um dos pontos culminantes da Implementação foi a presença da Dona

Chica, hoje com 94 anos de idade. Essa senhora relatou sua história de vida,

desde Minas Gerais até a chegada em Barra do Jacaré. Ela veio para o município

de Barra do Jacaré com um grupo de pessoas para trabalhar na lavoura,

encontrou aqui uma família já residente e trabalhou como doméstica, deixando de

lado o trabalho de origem africana. O objetivo maior de Dona Chica era uma vida

digna para sua sobrevivência. Durante o relato, os olhos de Dona Chica brilhavam

e corriam lágrimas, quando contou que não teve oportunidade de estudar. Pediu

aos alunos que aproveitassem essa oportunidade que a ela foi negada e que

amassem seus professores. A trajetória de Dona Chica pode ser definida em

tristezas, alegrias e decepções, mas, sempre acreditou em dias melhores e em

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conquistar seu espaço na sociedade, e relatou um fato importante, ajudou na

construção do Colégio Estadual Maria Francisca de Souza. Dona Chica mantém

até hoje algumas tradições como líder na Folia do Santo Rei, cantando e

dançando a música que aprendeu desde criança ainda nas Minas Gerais.

Os objetivos idealizados desde a primeira fase do PDE, ao iniciar em 2012,

foram conquistados. Aprendi muito, o que só tem a somar em minha vida

profissional e fica o compromisso de levar a riqueza dos novos conhecimentos

adquiridos a todos que precisarem de meus ensinamentos. Só tenho que

agradecer a todos os que colaboram para que este sonho fosse concretizado.

Obrigada a todos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira” no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasilia, 2003. ESPÍ, Maria Del Pilar. Vivendo a diversidade: cultura afro-brasileira. Belo Horizonte. Minas Gerais: Editora Fapi, 2006. OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da África nos bancos escolares. Estudos Afro-Asiáticos,Ano 25, n.3, 2003, pp. 421-461 BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio. Brasília, 1999. RATS, Alex. Participação africana na formação cultural brasileira. In: Educação, africanidades, Brasil. Brasília: Editora UNB, 2007. Revista Nova Escola. Editora Abril. Novembro, 2004. RIBEIRO, Darcy. O povo Brasileiro. Companhia das Letras. São Paulo. 1995, 2ª

edição. SIMAN, Lana Mara de Castro. Representações e memórias sociais compartilhadas: desafios para os processos de ensino e aprendizagem da

História 2005. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 11/06/2013.

SIMAN, Lana Mara de Castro. Representações e memórias sociais compartilhadas: desafios para os processos de ensino e aprendizagem da história. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 348-364, set./dez. 2005 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-32622005000300007&script=sci_arttext. Acesso em: 15/08/2013.

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SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano: São Paulo: Ática, 2008 ZANON, Afonso Marcos. História e Cultura Afro-brasileira. Pedagogia, Módulo 11. Faculdade de Pinhais. 2011