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A reportagem multimídia interativa em dispositivos móveis: o caso da série TAB Liliane de Lucena Ito 1 Leire Mara Bevilaqua 2 Resumo: O aumento considerável de acessos à internet via dispositivos móveis no Brasil motivou um questionamento específico sobre reportagens digitais: como o formato da reportagem multimídia interativa, dadas as suas características-chave (sofisticação no layout, multimidialidade e interatividade), vem sendo adequado a devices como tablets e smartphones? A fim de investigar essa questão, o presente estudo realizou uma análise comparativa e sistematizada entre as versões computador, tablet e smartphone de quatro reportagens digitais da série TAB. Investigou-se como uma iniciativa periódica vem apresentando seu conteúdo em diferentes dispositivos, considerando-se a possibilidade de, longitudinalmente, haver modificações – positivas ou negativas – nesta publicação em específico. Os resultados indicam que, apesar do esforço por parte da produção em oferecer conteúdos semelhantes em todas as versões, a publicação no desktop é sempre a mais completa. Além disso, nas edições publicadas mais recentemente, parece haver uma certa simplificação no formato, o que ocorre em todas as versões analisadas. Palavras-chave: Reportagem multimídia interativa. Dispositivos móveis. Webjornalismo. Novos formatos jornalísticos. TAB. 1 Graduada em Jornalismo e mestra em Comunicação Midiática, ambas pela Unesp; doutoranda em Comunicação vinculada ao PPGCom da Unesp (Bauru, SP). Bolsista CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cibercultura – Cibercom. E-mail: [email protected] 2 Jornalista da TV Unesp e mestra em Televisão Digital; doutoranda em Comunicação vinculada ao PPGCom da Unesp (Bauru, SP). Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cibercultura – Cibercom. E-mail: [email protected]

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Page 1: A reportagem multimídia interativa em dispositivos móveis ... · palavras; o especial da Folha, por sua vez, conta com 13 mil palavras e é dividida em 5 capítulos. A quantidade

A reportagem multimídia interativa em dispositivos móveis: o caso da série TAB

Liliane de Lucena Ito1 Leire Mara Bevilaqua2

Resumo: O aumento considerável de acessos à internet via dispositivos móveis no Brasil motivou um questionamento específico sobre reportagens digitais: como o formato da reportagem multimídia interativa, dadas as suas características-chave (sofisticação no layout, multimidialidade e interatividade), vem sendo adequado a devices como tablets e smartphones? A fim de investigar essa questão, o presente estudo realizou uma análise comparativa e sistematizada entre as versões computador, tablet e smartphone de quatro reportagens digitais da série TAB. Investigou-se como uma iniciativa periódica vem apresentando seu conteúdo em diferentes dispositivos, considerando-se a possibilidade de, longitudinalmente, haver modificações – positivas ou negativas – nesta publicação em específico. Os resultados indicam que, apesar do esforço por parte da produção em oferecer conteúdos semelhantes em todas as versões, a publicação no desktop é sempre a mais completa. Além disso, nas edições publicadas mais recentemente, parece haver uma certa simplificação no formato, o que ocorre em todas as versões analisadas.

Palavras-chave: Reportagem multimídia interativa. Dispositivos móveis. Webjornalismo. Novos formatos jornalísticos. TAB.

1 Graduada em Jornalismo e mestra em Comunicação Midiática, ambas pela Unesp;

doutoranda em Comunicação vinculada ao PPGCom da Unesp (Bauru, SP). Bolsista CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cibercultura – Cibercom. E-mail: [email protected]

2 Jornalista da TV Unesp e mestra em Televisão Digital; doutoranda em Comunicação vinculada ao PPGCom da Unesp (Bauru, SP). Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cibercultura – Cibercom. E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

No Brasil, os dados mais recentes sobre o uso da internet no país indicam que,

pela primeira vez em 2014, os acessos à web oriundos de tablets ou smartphones

(23,1%) ultrapassam o número de acessos feitos unicamente por meio de

computadores (17,4%). Os dados são provenientes da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Governo Federal. Já o jornalismo, por

sua vez, presencia um processo de valorização crescente de produtos jornalísticos

digitais. Há uma tendência de que a circulação digital de jornais supere a circulação

impressa nos próximos anos. Segundo dados do Instituto Verificador de Comunicação

(IVC), órgão sem fins lucrativos que audita oficialmente a tiragem de jornais, revistas,

websites, entre outros veículos de comunicação brasileiros, em 2015, a queda de

jornais em papel foi de 13% ante o crescimento do paywall em 27%. A relação “papel

em queda / digital em ascensão” vem se repetindo há alguns anos, o que justifica a

estimativa de superação do digital em detrimento da versão tradicional impressa.

A articulação entre esses dois cenários – o maior acesso à internet via

dispositivos móveis e o crescimento da tiragem digital dos jornais – pode estar no

cerne das iniciativas recentes dos veículos de mídia em oferecer conteúdo relevante

e adequado ao consumo móvel. Adequado tanto no sentido de explorar suas

potencialidades, como a tactibilidade e a portabilidade, como também ajustar-se a

suas possíveis limitações, como aquelas relacionadas à velocidade de acesso à

internet ou à capacidade de processamento do dispositivo em si. Tal adequação

possui elementos complexos, o que faz com que estejamos ainda em um momento

de experimentações, em que surgem indagações sobre a linguagem das produções

voltadas ao mobile, uma vez que o uso do dispositivo móvel pode estar relacionado a

contextos de acesso determinados, possivelmente mais fugazes ou de ócio (IGARZA,

2009 apud PELLANDA et al, 2015).

Uma das principais dúvidas acerca da linguagem jornalística para dispositivos

móveis relaciona-se ao tamanho/tempo ideal de conteúdo a ser oferecido. Tamanho

de texto, uma vez que acredita-se que narrativas extensas dificilmente são lidas no

celular, por exemplo; e tempo de audiovisual, já que um vídeo muito extenso pode vir

a travar caso a conexão à internet não seja a ideal.

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Tais questionamentos levam a crer que determinados gêneros jornalísticos,

como a reportagem, que geralmente possui maior extensão textual/tempo de

audiovisual seriam incompatíveis ao consumo em dispositivos móveis. Assim, o

objetivo deste artigo é analisar como a reportagem multimídia interativa vem sendo

apresentada em três principais versões: para computadores de mesa, tablets e

smartphones.

2. A série de reportagens TAB3

Em outubro de 2014, é publicada pela primeira vez no portal Uol uma

reportagem que reunia os elementos usuais da reportagem do impresso –

aprofundamento, contextualização, maior liberdade de linguagem – a recursos

disponíveis graças à convergência de meios existente na web. Denominada

“Economia Compartilhada”, o texto, de forma longa e verticalizado, traz interatividade,

hipertextualidade e multimidialidade, três das principais características do

webjornalismo, inaugurando assim um formato até então inédito no portal de notícias

que, hoje, é o sexto em acessos no Brasil4.

Inicialmente planejada para ser um projeto experimental de 16 edições, as

reportagens semanais surpreenderam positivamente em qualidade e quantidade de

acessos e, assim, tornaram-se um projeto sem data de término, que tem perdurado

até os dias atuais5.

Dois pesquisadores – uma no Brasil e um em Portugal – nomearam narrativas

semelhantes ao TAB com terminologias específicas, que possuem algumas

diferenciações entre si. Para Longhi (2014) trata-se de um novo gênero jornalístico

que surge com força depois de 2012, possibilitado pelo atual patamar tecnológico em

que fatores como o lançamento da versão 5 da linguagem de programação HTML

tornam-se decisivos para uma melhor navegação e sofisticação no design. A autora

refere-se ao formato como grande reportagem multimídia (GRM).

3 Disponível em: < tab.uol.com.br>. 4 Dados extraídos do ranking Alexa. Disponível em: < http://www.alexa.com/siteinfo/uol.com.br

>. Acesso em 11 ago. 16. 5 Até a finalização deste trabalho, 83 reportagens do TAB haviam sido publicadas.

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Já Canavilhas (2014), além de salientar a questão da navegação verticalizada

e intuitiva, integrada a conteúdos multimídia, atenta-se a uma característica particular

do layout de tais reportagens: o uso da técnica de parallax scrolling que, no

webdesign, simula o efeito 3D na tela que surge com o movimento de elementos

diversos conforme o usuário vai rolando a página para baixo, quando este avança na

leitura do texto. Para Canavilhas, tal tipo de reportagem denomina-se como

reportagem paralaxe.

O expoente das reportagens do tipo é Snow Fall6, publicada pelo The New York

Times em 2012. Segundo Canavilhas (2014), o material jornalístico “ [...] recebeu

cerca de 2,9 milhões de visitas na primeira semana, com períodos em que 22 mil

utilizadores acederam simultaneamente à reportagem” (CANAVILHAS, 2014, p. 3). A

grande surpresa no número de acessos – inclusive muitos oriundos de usuários que

nunca tinham entrado uma única vez no site do NYT – acenou para a possibilidade de

que o formato, até então experimental, despertasse o interesse de usuários capazes

de se ater a uma leitura mais longa, imersiva e interativa.

No Brasil, empresas jornalísticas de grande porte, como Folha de S. Paulo, O

Estado de S. Paulo e O Globo, passaram a investir em seus próprios “Snow Falls”,

cada um a seu tempo. No caso da Folha, a reportagem “A Batalha de Belo Monte”7,

publicada em 2013, é um marco importante, pois exigiu toda uma rotina de produção

diferenciada (em que uma equipe de 15 jornalistas trabalhou no material por dez

meses) e resultou na publicação de um material sem precedentes – em qualidade,

interação, recursos imagéticos e multimidiáticos – no site do veículo em questão,

inaugurando também uma série de reportagens especiais não-periódicas.

Em relação à periodicidade, pode-se dizer que este é o grande diferencial do

TAB. As edições são lançadas com destaque na home do portal às segundas-feiras,

dia da semana em que a audiência do site é consideravelmente maior em relação aos

6 Reportagem publicada pelo The New York Times em 2012, ganhadora do Pulitzer e tida como

marco nas reportagens digitais por conta de sua originalidade na apresentação dos dados. Disponível em: < http://www.nytimes.com/projects/2012/snow-fall/#/?part=tunnel-creek > . Acesso em 29 mar. 16.

7 Disponível em: < http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/ >. Acesso em:

11 ago. 16.

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outros dias. Nos dias seguintes, o link da mesma vai para áreas mais periféricas do

site. Nenhum veículo de mídia brasileiro publica material do tipo semanalmente.

O texto, entretanto, é mais enxuto se comparado a especiais como “Belo

Monte” e “Snow Fall”. A narrativa se encaixa na verticalização citada por Canavilhas

(2014), mas para se ter uma ideia, o texto do TAB costuma ter entre duas e três mil

palavras; o especial da Folha, por sua vez, conta com 13 mil palavras e é dividida em

5 capítulos.

A quantidade de texto é um dos elementos referentes à linguagem que acaba

interferindo na apresentação da reportagem – e está relacionada a uma produção

mais acessível em dispositivos móveis. Isso porque um especial do porte do da Folha,

que também é verticalizado, mas traz uma quantidade muito grande de palavras,

estará disposto em vários capítulos, o que requer do usuário o clique para o próximo

capítulo no momento em que se avança na leitura. No caso do acesso via dispositivos

móveis, o clique pode afugentar leitores, desencorajados a esperar repetidamente

pelo carregamento das próximas páginas. Com o TAB isso não ocorre, uma vez que

o texto é todo mostrado de maneira vertical, em apenas uma página.

Em relação ao design, as edições trazem o já citado recurso de parallax

scrolling; além disso, imagens, infografias e outros elementos visuais são

especialmente produzidos conforme a temática de cada edição, o que certamente

contribui para a sofisticação do layout.

Ainda sobre o layout, a fim de que o material seja acessado adequadamente

em diversos tamanhos de tela, as reportagens são adaptativas, simulando a

responsividade – exibição de conteúdo em diferentes dispositivos (desktop,

smartphone, tablet) sem a perda de nenhum tipo de informação (ZEMEL, 2012).

A publicação do TAB significou para o Uol a monetização de um formato

inovador, que possui credibilidade, e que entrega ao patrocinador espaços também

inéditos de publicação (ITO; VENTURA, no prelo). Cada edição é patrocinada por

apenas uma marca que, apesar de apresentar o conteúdo, não exerce quaisquer

interferências no jornalismo.

O TAB poderia ser encaixado tanto na denominação reportagem paralaxe

(CANAVILHAS, 2014) como grande reportagem multimídia (LONGHI, 2014).

Entretanto, neste artigo, trabalharemos com o termo reportagem multimídia interativa,

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uma vez que são salientadas as duas principais características encontradas em

reportagens do tipo – a multimidialidade e a interatividade – além do fato de que há

narrativas mais enxutas e com a mesma proposta das grandes reportagens

multimídia.

3. Percurso metodológico

A seleção das reportagens analisadas é de caráter não-probabilístico e a

amostra é intencional: buscou-se encontrar edições que apresentassem as duas

principais características do formato – interatividade e multimidialidade – e que assim

pudessem representar melhor o formato em questão.

Uma vez que o objetivo do trabalho é realizar uma análise comparativa que

evidencie possíveis diferenças na experiência de leitura e usabilidade da reportagem

multimídia interativa em três dispositivos diferentes (desktop, smartphone e tablet),

decidiu-se limitar a seleção a quatro edições. Como até o fechamento desta análise o

número de publicações era de 83, buscou-se escolher edições que, além de serem

representativas por apresentarem interatividade e multimidialidade, possivelmente

representassem momentos de produção específicos na história do TAB, indicando

prováveis experimentações iniciais, ajustes e versões avançadas.

Assim, foram escolhidas as edições 4, cujo título é “Todo Mundo Mente”; a 28,

denominada “Não Me Representa”; a 57, intitulada “Vida Ansiosa” e a 82, nomeada

como “Cérebro Hackeado”. O intervalo entre uma publicação escolhida e a próxima é

de 24, 29 e 25 edições, o que corresponde, em meses, respectivamente a 6; 7,25 e

6,25 meses. Na média, da primeira edição escolhida para a última, há um intervalo de

seis meses e meio – tempo em que provavelmente é possível haver mudanças na

produção no que se refere a ajustes à publicação em dispositivos móveis.

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Figuras 1 a 4. As figuras mostram o módulo inicial (imagem em movimento e título) das reportagens

analisadas neste artigo. Fonte: capturas de tela

A primeira leitura e navegação foi feita via desktop, uma vez que é a versão

que potencialmente pode apresentar mais recursos além-texto. A segunda

observação foi feita no tablet e a terceira, no celular8. Para melhor sistematização

entre as versões, foi criada uma tabulação (Tabela 1), onde estão descritos os

elementos observados em cada uma das reportagens.

Após a tabulação dos dados obtidos, foi feita a análise comparativa entre as

versões. A intenção foi sempre analisar inicialmente a versão desktop, possivelmente

mais completa, e compará-la à versão tablet e à versão smartphone. No caso de erros

de navegação ou de funcionamento em alguma das versões, houve anotação em

formulário à parte.

8 O acesso às três versões de cada reportagem foi realizado a partir das 21h do dia 3/8/2016.

Foi utilizada a rede doméstica de wi-fi, banda larga, cuja conexão é de 60 MBPS. Os equipamentos utilizados foram: computador Dell Inspiron 5448; tablet iPad modelo MD513LL/A e celular iPhone versão 6, modelo MG3H2BZ/A.

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Tabela 1. Elementos comparados nas versões desktop, tablet e smartphone Elemento comparado Dispositivos Em relação ao

primeiro, o segundo é:

Se houve edição, citar e contar itens editados:

Há prejuízo em alguma versão?

Texto

Desktop X

Tablet

( ) Menor

( ) Maior

( ) O mesmo

Desktop:

Tablet:

Smartphone:

Desktop X

Smartphone

( ) Menor

( ) Maior

( ) O mesmo

Tablet X

Smartphone

( ) Menor

( ) Maior

( ) O mesmo

Recursos multimídia (vídeos e áudios)

Desktop X

Tablet

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Desktop:

Tablet:

Smartphone:

Desktop X

Smartphone

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Tablet X

Smartphone

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Recursos interativos (infográficos animados, testes, games)

Desktop X

Tablet

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Desktop:

Tablet:

Smartphone:

Desktop X

Smartphone

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Tablet X

Smartphone

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Elementos de layout (parallax, gifs animados de abertura, ilustrações, fotos, imagens)

Desktop X

Tablet

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Desktop:

Tablet:

Smartphone:

Desktop X

Smartphone

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Tablet X

Smartphone

( ) Em menor núm.

( ) Em maior núm.

( ) Mesma qtde

Fonte: Autoria própria.

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4. Discussão dos resultados

No geral, é possível notar que a versão feita para ser visualizada em

computador é sempre mais rica – em recursos textuais e imagéticos – quando

comparada com as versões móveis. Em todas as edições analisadas, foi possível

constatar que o movimento – característica importante do formato jornalístico em

questão – aparece apenas na versão desktop. Em outras palavras, não há parallax

scrolling e gif9 animado de abertura nas publicações para mobile. Uma possível

justificativa seria a preocupação dos produtores em oferecer um conteúdo que, dentro

de um contexto de consumo móvel, não confunda o leitor com movimentações na tela

ou não seja um elemento que corrompa de alguma maneira a visualização da

reportagem.

Sobre a quantidade de texto, em todas as edições a narrativa textual é

praticamente a mesma para as três versões de publicação. Na reportagem sobre

mentira (edição 4), entretanto, foi possível notar uma falta de adaptação textual ao

dispositivo no qual a informação está publicada (em destaque vermelho, na Figura 5).

Ao se amparar na diagramação feita originalmente para a versão desktop, o usuário

pode ficar confuso sobre onde está o elemento citado. Um erro inofensivo, na verdade,

porque obviamente o leitor irá procurar pelos vídeos citados em outros espaços da

tela. Mas que demonstra a ausência de uma revisão textual mais acurada em todos

os dispositivos de acesso.

Ainda sobre o texto, pode-se considerar que quando há a edição de recursos

interativos e multimidiáticos, naturalmente há uma edição do texto que os acompanha.

Isso ocorre, entretanto, apenas nas versões mobile.

9 Gifs (sigla de Graphics Interchange Format) são arquivos de imagem que, quando animados,

apresentam movimento – como pequenos vídeos, de curtíssima duração.

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Figura 5. Tela do celular mostra erro de adaptação textual. Fonte: captura de tela.

Especificamente sobre as edições, a primeira da amostra analisada (de número

4) traz experiências de leitura bem diferentes nos três dispositivos testados. A versão

desktop é muito mais completa, com recursos interativos e multimidiáticos, além de

movimento considerável no layout.

No tablet, a versão é a mais “pobre” em recursos multimídia: faltam três grandes

módulos de vídeos. Tratam-se de vídeos interativos, alguns com mais de cinco

minutos de duração. O primeiro módulo (Figura 6) é um painel interativo em que o

usuário pode escolher uma opção entre situações pré-determinadas; conforme a

escolha, é mostrado o vídeo com a situação escolhida e posteriormente um psicólogo

comenta o que houve. O segundo (Figura 7) apresenta o rosto de uma pessoa e diz

como reconhecer expressões reais de emoção; o terceiro (Figura 8) contém seis

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Figuras 6, 7 e 8. Três módulos com vídeos que são apresentados na íntegra apenas na versão desktop. No tablet, nenhum aparece e, no celular, apenas o segundo e o terceiro módulos são mostrados. Fonte: captura de tela

vídeos em que são contadas histórias – reais ou inverídicas – em que a intenção é

fazer com que o usuário acerte quais são mentira ou verdade.

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12 Figura 9 e 10. Na versão desktop, elemento interativo (indicado pelas setas azuis) que foi editado

nas versões mobile. Fonte: captura de tela.

No smartphone, em comparação ao desktop, apenas um módulo de vídeo não

aparece (o da Figura 6).

Pode-se considerar que, nesta edição, houve um grande prejuízo na versão

para tablets, uma vez que praticamente todos os recursos multimídia foram cortados.

Assim, seu aprofundamento é menor, uma vez que nos vídeos há a apresentação de

dados que complementam e enriquecem a narrativa textual.

É compreensível a ausência de vídeos no dispositivo móvel quando os mesmos

são longos – caso de alguns dos que foram editados, que possuem mais de cinco

minutos de duração. Entretanto, a ausência de um dos elementos de interatividade

não pode ser explicada sob a mesma causa, uma vez que não haveria nenhum

impedimento em termos de programação ou de consumo de banda do usuário. Trata-

se da brincadeira “Descubra a mentira no texto” (Figuras 9 e 10), em que o usuário

deve clicar no link para encontrar o que estava propositalmente escrito errado na tela.

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Figura 11. Recurso de gamificação é editado nas versões móveis. Fonte: captura de tela.

A segunda edição analisada, a de número 28, apresenta menos diferenças nas

três versões. A principal é a ausência de um elemento interativo, o chamado “Jogo da

Coalizão”, em que o usuário é convidado a tentar formar coalizões em um governo

fictício a fim de ver aprovado um projeto de lei imaginário. O recurso, que pode ser

visto como um newsgame (SICART, 2008), não está disponível para tablet e nem

celular.

Foi percebido também um descuido por parte da produção ao trazer

informações erradas na versão para smartphone, outro indício de ausência de revisão

acurada para todas as versões. O infográfico “Mapa da Democracia” (Figura 12), que

é apresentado no tablet e no desktop de forma horizontalizada, ocupando toda a tela,

teve de ser rediagramado para melhor visualização em telas menores, como a dos

celulares. Talvez, por conta disso, há uma informação incorreta no celular, como é

possível conferir abaixo. A primeira imagem mostra a informação disponível na versão

desktop. A segunda, na versão smartphone.

O dado correto a respeito da quantidade de democracias completas no mundo

é o da primeira imagem. Além disso, no celular o infográfico perdeu sofisticação no

layout (por conta da apresentação original, horizontalizada), além de perder em

informação, uma vez que o box intitulado “Top 5”, visto na parte inferior esquerda da

primeira imagem, não é disponibilizado no celular.

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A terceira edição analisada, de número 57, apresenta versões muito

semelhantes, sem grandes prejuízos relacionados à informação, a não ser em relação

ao movimento e layout, que é muito mais rico na versão desktop. Na tabulação dos

dados, é a única edição em que o conteúdo para dispositivos móveis é maior em

recursos multimídia quando comparado à publicação para desktop. Trata-se, no

entanto, da mesmíssima informação: enquanto no desktop o módulo inicial mostra um

gif animado, no celular e no tablet surge um vídeo com o mesmo conteúdo do gif.

Figuras 12 (acima) e 13 (ao lado). A primeira figura mostra a informação, completa e correta, publicada para desktop e tablet. A segunda mostra a adaptação para o celular, que edita informações e traz um erro referente à quantidade de democracias completas no mundo. Fonte: captura de tela.

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Figura 14. Para assistir ao vídeo na versão desktop, o usuário precisa "driblar a ansiedade" e clicar e arrastar corretamente o cursor (indicado na seta em azul) para dar o "play". Fonte: captura de tela.

Em relação à interatividade, há um elemento que se destaca no desktop e que

pode ter a ver com o próprio tema da reportagem: ansiedade. Diante do vídeo, o

usuário é convidado a realizar um movimento específico com o cursor, seguindo uma

linha, para acessá-lo e assisti-lo; a apresentação não se dá a partir de um simples

botão de play. As versões móveis não apresentam tal recurso, apesar de

potencialmente poderem apresentá-lo por meio da tactibilidade.

Na versão smartphone, especificamente, observamos mais um erro de

apresentação de dados interativos, que é uma chamada da reportagem para que o

usuário escreva tuítes sobre o tema utilizando a hashtag “#ficoansioso”. Aparecem,

no celular, tuítes que utilizam outra hashtag, a “#escoladossonhos”, referente à edição

55, publicada cerca de duas semanas antes da edição sobre ansiedade.

A quarta edição analisada, de número 82, é a única que não possui o recurso

de parallax na apresentação desktop. O movimento, no caso desta versão, está

apenas no gif do módulo inicial da reportagem. Nas versões móveis, não há

movimento algum. A diagramação das três versões também é bastante semelhante –

e não há quaisquer prejuízos no que se refere à quantidade ou qualidade de

informação mostrada.

Nesta edição, que é a mais recente em data de publicação (foi ao ar em 1º de

agosto de 2016), há uma notável diminuição de recursos interativos e multimídia. Há

apenas um vídeo na reportagem inteira, de 4 minutos e oito segundos. O vídeo

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aparece em todas as versões. A interatividade, entretanto, é ainda menor: se resume

aos botões de compartilhamento da reportagem no Facebook ou no Twitter,

elementos comuns a todas as edições analisadas.

5. Considerações finais

Nas edições analisadas, constatou-se que a versão desktop é sempre a mais

completa de todas; além do fato de terem sido observados erros importantes na

apresentação do conteúdo nas edições para mobile. Foi possível compreender,

especificamente no caso das reportagens TAB, dois movimentos que podem estar

relacionados. O primeiro mostra avanços na apresentação da informação, que nas

edições mais recentes tende a ser a mesma para todas as versões, algo que não foi

visto nas duas primeiras edições observadas. Entretanto, o segundo movimento

sugere uma nítida simplificação no formato que, na última edição analisada chega a

ter apenas um elemento multimidiático e pouquíssima interatividade. Ou seja, uma

reportagem digital mais “simples” é naturalmente mais facilmente adaptável a

dispositivos distintos.

Resta saber se a simplificação pode significar um leve e momentâneo desvio

de seu formato original – interativo, multimidiático, altamente sofisticado no design e

navegação – ou uma clivagem capaz de acarretar um novo formato de reportagem,

mais ágil e voltado à leitura móvel. Tais questões, entretanto, não podem ser

respondidas aqui por conta das limitações de espaço e tempo de pesquisa, mas

certamente acenam para a realização de novas investigações sobre o tema.

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REFERÊNCIAS

CANAVILHAS, J. A reportagem paralaxe como marca de diferenciação da Web. In:

Paula Requeijo Rey y Carmen Gaona Pisonero, Contenidos innovadores en la Universidad Actual, pp. 119-129. Madrid: McGraw-Hill Education, 2014.

ITO, L.; VENTURA, M. (no prelo). A Reportagem Multimídia Interativa: Inovação,

Produção e Monetização. Brazilian Journalism Research. 2016.

LONGHI, R. O turning point da grande reportagem multimídia. Revista Famecos:

Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 897-917, set.-dez. 2014.

PELLANDA, E. et al. Jornalismo adaptado a novas telas: um estudo da linguagem

jornalística nas novas interfaces móveis. In: CANAVILHAS, J.; SATUF, I. (org.).

Jornalismo para Dispositivos Móveis: Produção, Distribuição e Consumo. Covilhã:

Labcom, 2015.

PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS (PNAD) 2014. Disponível

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