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Page 1: A relação entre a Educação do Campo e Ensino de Geografia ... · 2 – A Educação do campo e os seus territórios A Educação Popular caracteriza-se pela busca do empoderamento,

A relação entre a Educação do Campo e Ensino de Geografia e suas contribuições

para o fortalecimento do território camponês

Eduardo Henrique Modesto de Morais1

Juliana Lopes Lelis de Morais2

1 – Introdução

A Educação do Campo dá nome a um fenômeno atual, espacializado

mundialmente e, consequentemente, presente na realidade brasileira. Esse fenômeno

tem sido protagonizado pelos trabalhadores e moradores do campo, juntamente as suas

organizações, com o objetivo de fortalecer a criação de políticas públicas de educação,

que contemplem os interesses das comunidades camponesas.

Os objetivos e sujeitos pertencentes à Educação do Campo, remetem-na aos

aspectos ligados à cultura, ao conhecimento, ao trabalho e às lutas sociais específicas

presentes nesse espaço. E ainda, ao embate entre classes, entre projetos de campo e

lógicas de uma agricultura inserida nos diversos segmentos da sociedade e,

consequentemente, nas concepções de política pública, de educação e de formação

humana (CALDART, 2005). Como um conceito em construção, a Educação do Campo,

também, tem sido entendida como uma categoria de análise, contribuindo para um

diagnóstico da real situação das populações do campo, suas práticas e políticas de

educação destinadas a esse grupo.

Assim, quando refletimos sobre as concepções de Educação do Campo, é

necessário considerar o território e suas amplitudes, de modo a compreender a relação

sociedade/natureza, ou seja, a busca por uma educação voltada para o contexto rural,

que incorpora o aprendizado dos valores, da vida em comunidade, do respeito às

pessoas, às gerações, à memória e à história do lugar, observando características de uma

Educação do Campo, que vai muito além de um processo educativo escolar, pois se

consideram as relações sociais como potencializadoras do processo educativo.

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília – UnB. E-mail

de contato: [email protected]; 2 Professora do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – IFNMG, campus Arinos. E-mail pra contato:

[email protected].

Page 2: A relação entre a Educação do Campo e Ensino de Geografia ... · 2 – A Educação do campo e os seus territórios A Educação Popular caracteriza-se pela busca do empoderamento,

Ao entender a Educação do Campo como possibilidade de compreensão da

realidade, constata-se que o ensino de Geografia assume uma configuração essencial

para auxiliar nesse processo de leitura e interpretação, visto que tem como um de seus

objetivos, o resgate, o entendimento e a construção/consolidação da identidade dos

povos do campo, possibilitando as comunidades uma melhor compreensão do lugar e da

realidade em que vivem.

Esse trabalho se constitui no contexto da pesquisa de doutorado, sobre o tema

“O Ensino de Geografia e a materialização do território da Educação do Campo: Uma

análise a partir das Escolas Família Agrícola do estado de Minas Gerais”, ainda em

construção, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade

de Brasília – UnB. Faz parte, portanto, das reflexões iniciais que vem sendo

desenvolvidas conjuntamente entre os autores e nos espaços de construção coletivos por

eles vivenciados.

2 – A Educação do campo e os seus territórios

A Educação Popular caracteriza-se pela busca do empoderamento, da

organização e do protagonismo dos trabalhadores visando à construção de alternativas

populares de educação e desenvolvimento. Constitui-se como um instrumento de luta

contra opressões e exclusões, que busca a formação integral do ser humano como

sujeito de direitos, com memória histórica e capacidade de leitura crítica da realidade.

Nessa perspectiva, a Educação do Campo identifica a construção de um projeto

educativo, que reafirma a importância da ação educativa como forma de humanização e

inserção crítica dos sujeitos na sociedade (CALDART, 2004). Isso se faz a partir da

perspectiva do campo e do camponês, que entende ser a luta por uma concepção de

educação a mesma luta que busca redefinir o campo, o tipo de desenvolvimento. A

Educação do Campo, ainda segundo Caldart (2004), só pode ocorrer junto com a

transformação das circunstâncias sociais desumanizadoras e a partir da assunção dos

povos do campo como sujeitos destas transformações. Isso significa, então, que a

educação é concebida como obra dos sujeitos do campo.

No Brasil, apesar da sua origem fundamentalmente agrária, a Educação do

Campo não esteve presente nas políticas educacionais até meados do século XX.

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Quando apareceu, as propostas educativas continuaram inseridas em um processo de

marginalização, sendo desenvolvidas simplesmente com o objetivo de alfabetizar a

população rural, descontextualizada da realidade do campo, a partir de práticas

pedagógicas e propostas curriculares essencialmente urbanas (CORDEIRO, 2009), não

coerentes com os interesses e necessidades dos povos do campo. Desse modo, as

políticas públicas brasileiras no âmbito da educação serviram para a manutenção das

relações desiguais no campo, para o acirramento das relações entre campo e cidade e,

principalmente, para a perpetuação da atual estrutura fundiária.

Diante desse contexto, o surgimento da Educação do Campo busca romper com

o que chamamos de paradigma da Educação Rural. Este paradigma proporcionou e

legitimou uma visão depreciativa do campo e dos camponeses, pois privilegiou uma

visão de mundo onde o urbano sempre foi apresentado como um modelo

hierarquicamente superior, como evoluído, enquanto o campo era considerado sinônimo

de atraso. Nesse sentido, a população rural não foi poupada do processo de

inferiorização, uma vez que foi, e ainda é, sistematicamente estereotipada. Em

consequência, os conhecimentos apropriados pelos educandos camponeses não eram

compatíveis com suas necessidades, nem tampouco serviam para assegurar-lhes

autonomia e orgulho de sua própria identidade.

Caldart (2005) explicita bem a oposição entre o paradigma da educação rural e a

Educação do Campo. De acordo com ela,

A Educação do Campo se constitui a partir de uma contradição que é a

própria contradição de classe no campo: existe uma incompatibilidade de

origem entre a agricultura capitalista e a Educação do Campo, exatamente

porque a primeira sobrevive da exclusão e morte dos camponeses, que são os

sujeitos principais da segunda. Em nosso debate isso tem sido referido como

a principal oposição com a educação rural ou para o meio rural, que

historicamente tem sido o nome dado às iniciativas do Estado de pensar a

educação da população trabalhadora do campo, de modo a escamotear esta

contradição e fazê-la de objeto e instrumento executor de políticas e modelos

de agricultura pensados em outros lugares, e para atender a outros interesses

que não os seus como grupo social, classe e pessoas (CALDART, 2005,

p.20).

A Educação do Campo objetiva questões fundamentais, vinculadas ao modo de

vida e ao trabalho no meio rural, considerando que essa população possui o direito que a

sua educação seja no campo e do campo. No campo, porque o povo tem o direito desta

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ser desenvolvida no meio em que vivem e, do campo, porque ela deve ser (re)pensada

em conjunto com essa população, sempre vinculada a sua realidade (CALDART, 2004).

Assim, se configura como um projeto educativo que reafirma a importância da

ação educativa como forma de humanização e inserção crítica dos sujeitos na sociedade

(CALDART, 2004). A Educação do Campo, segundo Caldart (2004), só pode ocorrer

junto com a transformação das circunstâncias sociais desumanizadoras e a partir do

empoderamento dos povos do campo como sujeitos destas transformações. Entende-se,

então, que esta educação é uma obra dos sujeitos do campo e para os sujeitos do campo.

Uma educação que pertence a eles e que, ao mesmo tempo, foi construída por eles,

possibilitando, além de tudo, sua emancipação.

A Educação do Campo desenvolve-se na diversidade e envolve uma diversidade

de sujeitos que convivem e trabalham no campo e vivenciam constantemente processos

de territorialização, desterritorialização e reterriorialização, que são movimentos

dinâmicos no/do território, que não significam a simples mudança de lugares, mas

também, de formas de pensar e organizar o espaço, vivenciar e expressar a cultura. São

movimentos que se espacializam, por exemplo, na luta pela terra e pela qualidade de

vida, trabalho e educação no e a partir do campo. Nesse sentido, uma educação do

espaço rural não deve tratar somente dela mesma, mas estar inserida nas discussões

mais amplas sobre o mundo rural hoje (ARROYO, 1999). Deve também pensar a lógica

da vida no campo em suas múltiplas e diversas dimensões (CALDART, 2005).

Nessa perspectiva, as escolas do campo ganham destaque e importância de

serem pensadas como parte de um projeto maior de educação da classe trabalhadora, a

partir das possibilidades de atuação das instituições educativas, que estão além das

funções tradicionalmente reservadas à escola, como a da socialização e a construção e

transmissão de conhecimentos, mas também na perspectiva contra hegemônica. A

escola do campo pode ser uma das protagonistas na criação de condições que

contribuam para a promoção do desenvolvimento das comunidades camponesas, desde

que se promova, no seu interior, importantes transformações, seja na elaboração de seus

projetos educativos, como na forma de organização do trabalho pedagógico (MOLINA

e SÁ, 2012).

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Portanto, as escolas podem se configurar como um espaço de resistência, a partir

da incorporação dos ideais da Educação do campo e da educação popular; como um

espaço de fortalecimento dos ideais da educação do campo e de formação integral do

sujeito, para além da própria escolarização.

Os seus territórios, quando entendidos como a identidade de um grupo, produto

de lutas e da apropriação simbólica do espaço, permite que o seu espaço se coloque

como condição e meio para a reprodução dos ideais. Permite que, através da identidade

e das relações próprias de cada grupo, mantenham a sua reprodução social. Nessa

perspectiva, território é uma área onde seus ocupantes se apoderam de um espaço, seja

este concreto ou simbólico. Em outras palavras, uma dada porção do espaço geográfico

onde se estabelecem todas as relações sociais, econômicas, culturais, políticas de um

grupo, necessárias a sua reprodução social (SANTOS e SILVEIRA, 2004).

3 – A Educação do Campo e suas territorialidades

O território se apresenta enquanto um elemento chave na compreensão de

processos econômicos, políticos, sociais e culturais, pois coloca, para além de um

sentido restrito, a dimensão simbólica presente. Esse entendimento implica na aceitação

da indissociabilidade existente entre espaço e sociedade.

O território, nessa perspectiva, é definido, antes de tudo, com referência nas

relações sociais e no contexto histórico em que este se insere. Assim, pode ser

compreendido através de uma visão integradora, enquanto um espaço que não pode ser

entendido somente por seus aspectos naturais, ou pela demarcação de fronteiras rígidas,

nem somente por sua dimensão política, econômica ou cultural. Portanto é necessário

uma,

[...] visão de território a partir da concepção de espaço como um híbrido –

híbrido entre sociedade e natureza, entre política, economia e cultura, e entre

materialidade e idealidade, numa complexa interação espaço-tempo [...]

(HAESBAERT, 2004, p. 79).

No entanto, o território não se apresenta somente enquanto síntese

(des)equilibrada da variedade dos atores locais que o compõe: ele agrega complexas

relações de poder de diferentes naturezas, poder dos atores sociais mais diretamente

envolvidos, poder político da conjuntura nacional e internacional, de corporações

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econômicas, dentre outros. Esse poder que emerge dos interesses e conflitos no

território constitui-se uma categoria central para a compreensão da organização do

espaço. A construção desses vínculos e o esforço coletivo estabelecido entre o grupo

para ocupar, se identificar, controlar e se reproduzir no seu ambiente é denominado de

territorialidade (LELIS, 2011).

A territorialidade contém as características de um território, sua materialidade e

imaterialidade. Territorialidade seria uma forma de vínculo do homem ao meio.

Envolve nessa perspectiva, uma ordem de subjetividade coletiva, que possibilita aos

grupos sociais articulações territoriais de resistência. O espaço, portanto, enquanto meio

e condição de reprodução de relações sociais, ganha expressão na existência de

territórios e na configuração de territorialidades. Por conseguinte, a compreensão dos

comportamentos humanos deve ser feita, também, por meio da compreensão das formas

de relacionamento do homem com o espaço (LELIS, 2011).

Nesse contexto, conforme afirma Fernandes (2012), podemos dizer, então, que o

território camponês é uma unidade espacial, caracterizada pelo seu uso. Essa unidade

espacial se transforma em território camponês quando compreendemos que a relação

social, que constrói esse espaço, é o trabalho familiar, associativo, comunitário,

cooperativo, para o qual a reprodução familiar e comunitária é fundamental. Segundo

Fernandes (2012),

A prática dessa relação social assegura a existência do território camponês,

que, por sua vez, promove a reprodução dessa relação social. Essas relações

sociais e seus territórios são construídos e produzidos, mediante a resistência,

por uma infinidade de culturas camponesas em todo o mundo, num processo

de enfrentamento permanente com as relações capitalistas (FERNANDES,

2012, p. 746).

Portanto, sabe-se que o entendimento dos territórios e territorialidades

camponeses perpassa pela compreensão das diferentes relações estabelecidas entre as

pessoas e/nos lugares. Diante do desafio cotidiano da Educação do Campo, em construir

uma lógica pedagógica que se centre no sujeito coletivo e não apenas na escola, fica

evidente a importância das relações simbólicas construídas no território ao qual esse

sujeito pertence, o contexto social no qual ele vive e o movimento no qual ele apoia sua

afirmação enquanto sujeito. Contribuindo, assim, para a reprodução/ materialização

desse território.

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Nesse contexto, como contribuição para o fortalecimento dos sujeitos e da

educação do campo, o ensino de Geografia pode auxiliar, também, no fortalecimento da

identidade e das memórias coletivas dos sujeitos que no campo criam e reproduzem

suas existências. Porém, como compreender esse fortalecimento no contexto daqueles

que são/estão no campo? Um caminho pode ser através da valorização das vivências

construídas no processo de resistência e de construção da identidade campesina, na luta

pela terra, na (re)produção das suas práticas espaciais e, até mesmo, na construção de

novas referências identitárias e de (re)territorialização. O ensino de Geografia pode

auxiliar nesse processo.

4 – O Ensino de Geografia e a Educação do Campo

Após a metade do século XX, o campo passou por uma série de modificações,

entre as quais se destaca o processo de modernização agrícola. Nesse período, a

realidade dos povos do campo no Brasil atestou que apenas uma pequena parcela dessa

população foi beneficiada, permanecendo a grande maioria à margem desse processo. O

ensino, nesse contexto, seguia os ideais nacionalistas e funcionava, em grande parte,

como um mecanismo de controle do estado. Aos sujeitos do campo eram impostos os

modelos pedagógicos uniformes, que ora os marginalizava, ora vinculava-os ao mundo

urbano, desconsiderando sua diversidade sociocultural e sua prática social (ALVES e

MAGALHÃES, 2008).

Caracterizado por uma abordagem considerada tradicional, de fundamentação

positivista, centrada em atividades de memorização e descrição, o ensino de Geografia

desse período histórico estudava os conteúdos de maneira fragmentada, não permitindo

ao aluno a oportunidade de entendê-los em sua totalidade, relacionando-os entre si.

Confirma aborda Leite (2002),

À Geografia escolar cabe o papel de incutir a noção de pátria nas

mentalidades que estavam sendo formadas. Pátria essa enaltecida pelas

riquezas naturais e bens materiais, existentes no interior de um território

delimitado por fronteiras. Jamais os sociais/culturais/políticos. Assim, a

Geografia escolar se incumbe em repassar as informações referentes a

identificação, caracterização e localização das características fisiográficas da

paisagem (em detrimento dos demais aspectos), enaltecendo-os, para incutir a

mesma ideia de pátria, nação, nacionalidade, a partir de algo comum: o meio

físico (LEITE, 2002, p.251).

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O processo de modernização agrícola da década 1970, enquadrado no contexto

de um modelo desenvolvimentista, sob direção de vários governos militares, resultou

num processo de planejamento estatal, onde várias ações se complementavam no

tocante à implementação de políticas públicas, em geral. Assim, aos sujeitos do campo

restava um tipo de educação que não lhes atendia, concomitante ao um processo de inserção

social marcado pelas desigualdades de toda ordem, evidenciando as contradições do

processo de desenvolvimento brasileiro na relação homem/campo.

Diante do exposto, podemos afirmar que as propostas de educação do campo e

de um ensino de Geografia surgiram a partir das contradições sociais decorrentes do

modelo de desenvolvimento adotado pelo país, desde a mudança no padrão de

acumulação iniciada por Vargas, de um modelo agrário importador para um urbano

industrial (LEITE, 2002), o qual influenciou sobremaneira o processo de modernização

agrícola e as políticas educativas e educacionais da ocasião.

A esse respeito, porém, nos dias atuais se observa a existência de concepções

relativas ao papel da Educação do Campo bastante distintas: o projeto oficial, feito em

nome das relações hegemônicas, que acaba por compactuar com os interesses da elite

vigente e um popular, defendido pelos movimentos sociais e representações

camponesas, que atende as necessidades básicas do povo do campo (OLIVEIRA, 2011).

No âmbito da Geografia, notadamente a partir da década de 1970, quando as

questões de cunho social se impuseram à análise geográfica e culminaram por fornecer

possibilidades de investigação pautada em outras fundamentações filosóficas, que não o

positivismo, surgiram caminhos alternativos à pesquisa, sobre as relações do

homem/sociedade no/do campo. Em consequência, a contribuição dessa área se

manifesta pela compreensão dos processos sociais, relacionados à dinâmica social no

espaço e no tempo.

No que se refere à perspectiva escolar, observa-se que a Geografia

contemporânea em muito difere daquela abordagem tradicional, na medida em que

valorizam cotidiano dos alunos, busca a (re)construção didática do conteúdo e o

envolvimento dos diferentes grupos sociais presentes no contexto escolar e na

comunidade onde se situa a escola (referenciar). Tais características evidenciam o

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potencial dessa área do conhecimento no tocante ao enfrentamento das questões postas

pela Educação do Campo e sua materialização.

Pela afirmação de Vesentini (1992), relativa ao ensino de Geografia, de um

modo geral, pode-se inferir o potencial para as particularidades presentes na perspectiva

escolar desse conhecimento, no contexto da Educação do Campo:

“Consiste em uma Geografia escolar ligada à realidade do educando, onde

este sinta que, através desse estudo, passou a refletir e compreender melhor o

mundo em que vive – desde a escala planetária até a nacional e a local,

podendo então se posicionar conscientemente a essa realidade histórica com

suas contradições, conflitos e mudanças (VESENTINI, 1992, p. 89).

Buscar essa compreensão da realidade não é um objetivo exclusivo da

Geografia. Entretanto, ao fazê-lo pela dimensão espacial, imputa uma nova perspectiva

de análise, passível de contribuir, efetivamente, com a compreensão da realidade. Nesse

sentido, no âmbito escolar, esse intento pode ser alcançado por meio de suas categorias

analíticas – espaço, território, lugar, região e paisagem, notadamente em em todas suas

inter-relações e conexões.

A abordagem geográfica da realidade, ao ser efetuada com base naquelas

categorias, possibilitam olhar a realidade socioespacial, considerando as

particularidades dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, deve ser assinalada como um

processo de construção de conhecimento geográfico, ou seja, a construção de um

conhecimento a partir da compreensão de como essa realidade é construída, percebida e

vivenciada, e não por meio de conteúdos vazios, explicações simplistas e reducionistas.

Desse modo, ao contextualizar os conteúdos didáticos com as formas de trabalho, de

uso da terra, das tradições culturais, modos de vida, entre outros, estes precisam estar

sistematizados de forma a valorizá-los. Estes devem ser valorizados e reconhecidos

enquanto ações pertencentes a espaços e tempos distintos, de extrema importância para

uma aprendizagem significativa e, assim, para a formação humana (OLIVEIRA, 2011).

Apesar de possuírem contextos e tempos de reflexão e criação distintos, a

Educação do Campo, as escolas do campo e o ensino de Geografia buscam refletir

acerca do campo como um território de disputas e contribuir para o seu fortalecimento e

de seus sujeitos.

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A relação entre Educação do Campo, território e ensino da Geografia mostram-

se profícuas. Nesse sentido, quando o ensino é orientado à realidade do aluno, percebe-

se a possibilidade de recuperação e potencialização do vínculo entre a formação humana

e produção material da existência dessa população. Tal fato, por si só, tende a fortalecer

a Educação do campo, que deverá considerar toda bagagem trazida pelo aluno, através

de seus conhecimentos e vivências compartilhados como sujeitos do campo, em um

determinado território.

É necessário ressaltar, novamente, o enfoque em uma Geografia que considere

todas as situações anteriormente negadas, inferiorizadas e silenciadas pelo modo de

produção capitalista, construindo um novo pensamento, uma nova práxis. A ciência

geográfica, nem tampouco a perspectiva escolar desse conhecimento, não poderá omitir

ou negligenciar os povos do campo. Ao contrário, deverão, em conjunto com eles,

auxiliar na materialização de uma Educação do Campo comprometida com o espaço de

lutas campesino. Assim, a Geografia estará “[...] comprometida com o homem e a

sociedade; não com o homem abstrato, mas com o homem concreto, com a sociedade tal

qual ela se apresenta, dividida em classes com conflitos e contradições. E contribua para

a sua transformação” (OLIVEIRA, 1994, p.143).

5 – Algumas considerações

Sabe-se que o entendimento dos territórios e territorialidades camponesas

perpassa pela compreensão das diferentes relações estabelecidas entre as pessoas e os

lugares. O ensino de Geografia pode auxiliar nesse processo por meio do resgate e

entendimento da construção/consolidação da identidade dos povos do campo. Diante do

desafio cotidiano da Educação do Campo e do ensino de Geografia em construir uma

lógica pedagógica que se centre no sujeito coletivo e não apenas na escola, fica evidente

a importância das relações simbólicas construídas no território ao qual esse sujeito

pertence, o contexto social no qual ele vive e o movimento no qual ele apoia sua

afirmação enquanto sujeito, que se constituem imprescindíveis ao processo de

reprodução/materialização desse território.

6 – Referências bibliográficas

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