a relação educação, ciência e...

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403 ESTUDOS Gildemarks Costa Silva Palavras-chave: ciência; educação; autonomia; interdisciplinaridade; epistemologia educacional. A relação educação, ciência e interdisciplinaridade * Ilustração: Isabele Zangirdamo Fidelis R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 199, p. 403-414, set./dez. 2000. * Parte da discussão presente neste texto é fruto da nossa dis- sertação de mestrado, Cons- ciência pedagógica e projeto histórico: o problema da auto- nomia da educação no pensa- mento de Saviani.

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ESTUDOS

Gildemarks Costa Silva

Palavras-chave: ciência;educação; autonomia;interdisciplinaridade;epistemologia educacional.

A relação educação,ciência e interdisciplinaridade*

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R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 199, p. 403-414, set./dez. 2000.

* Parte da discussão presenteneste texto é fruto da nossa dis-sertação de mestrado, Cons-ciência pedagógica e projetohistórico: o problema da auto-nomia da educação no pensa-mento de Saviani.

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404 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 199, p. 403-414, set./dez. 2000.

Discute a relação entreeducação, ciência einterdisciplinaridade. Mostra aimportância de configurar-se umateoria pedagógica com poder deverdade diante de outras áreasdo conhecimento humano, para,em seguida, passar em revistaalguns autores que se fazempresentes no debateepistemológico do campopedagógico. Após problematizaras diferentes posições de algunsautores, posiciona-se por umaperspectiva interdisciplinar para aeducação, o que permitiria umaautonomia relativa dopedagógico.

Introdução

Em muitos autores, encontramos a afir-mação de que a educação é, entre as ati-vidades humanas, uma das mais comple-xas e importantes (Libâneo, 1992, 1993;Saviani, 1996; Brandão, 1992; Mazzotti,1994; Freitas, 1987; Carvalho, 1988). É, porum lado, complexa, porque está presenteem uma confluência em que se apresen-tam diversos interesses humanos. É, poroutro lado, importante, visto que ela con-tribui para a formação humana. Surge comoaquilo que participa da própria constitui-ção do homem. Por isso, não é à-toa quea questão educacional sempre esteve pre-sente, seja direta ou indiretamente, nos di-versos momentos da história da humani-dade. É comum, por exemplo, autores

considerados clássicos1 evidenciarem suasinquietações acerca do educacional. Istonos permite perceber que, em verdade, exis-te, desde há muito, no que se relaciona àeducação, um vasto corpo de reflexões.Dizendo de outra forma, há um certo tem-po, na história da humanidade, muitos vêmrefletindo e sistematizando conhecimentossobre o educacional. Contudo, é muitocomum, hoje, principalmente no meio aca-dêmico, haver dúvidas sobre quais seriamos principais aspectos teóricos que funda-mentam a educação. O que seria o seu nú-cleo teórico, ou aquilo que permite auto-nomia relativa ao educacional. Ou, comointerroga Mouriño Mosquera (1994, p. 9):"A essência pedagógica, o que seria?"

Esta busca de um núcleo pedagógiconos coloca diante da questão da cienti-ficidade da educação. Ou seja, temos queperceber qual é o status da educação en-quanto área do conhecimento humano. Ora,ao longo da história da humanidade, o es-tudo científico da educação, como área doconhecimento humano com pretensão deverdade, vem sendo abrigado pelo termopedagogia.2 Nele estaria a autonomia pos-sível do educacional. Mesmo assim, háquem negue a possibilidade de uma funda-mentação científica da educação, quer di-zer, uma Pedagogia em bases científicas.3

As conseqüências sociais da ausênciade definição teórica com um consenso mí-nimo acerca do educacional assumem niti-dez em relação à escola, principalmente noque diz respeito aos sistemas públicos deensino. É que, quando no agora, muito daformação humana ocorre dentro de umainstituição educativa, sendo que, na socie-dade moderna, a escola apresenta-se comouma das mais importantes.

Configura-se, atualmente, como afirmaMouriño Mosquera (1994, p. 10-11), em ter-mos educacionais, o conceito de Estado-Gerente. O educacional é, em grande par-te, responsabilidade do Estado, que forne-ce verbas para as instituições educativas,contrata funcionários, organiza os sistemaspúblicos de ensino. Isto possibilita ao Esta-do permear com a ideologia do grupo nopoder, em cada momento, o tipo de forma-ção que se efetiva em nossas escolas. "OEstado-Gerente determina a prática na Edu-cação e, no fundo, estabelece uma teoriada Educação". Como, via de regra, sãocontrapostas as correntes que buscam semanter no poder, pois elas geralmente têminteresses diferentes, a educação escolar

1 A esse respeito, temos, só paracitar alguns: Sócrates, Platão,Aristóteles, Kant, Rousseau.

2 O termo pedagogia está sen-do utilizado como aquilo quecorresponde à área do conhe-cimento humano que tem noeducacional o seu objeto deestudo e de pesquisa. Por ou-tro lado, o termo educação,com minúscula, correspondea uma atividade humana; algoque acontece, um fazer. Aomesmo tempo, Educação, commaiúscula, será utilizada sem-pre que nos referirmos à áreado conhecimento científico;relacionada com a educaçãoenquanto atividade humana,assume o significado do termopedagogia.

3 São exemplos desta posição:Grossi (1990) e Frigotto (1993).

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torna-se medíocre, por se modificarem, ra-pidamente, as orientações pedagógicas.Isto ocorre porque aquilo que cada grupobusca implementar, ao chegar ao poder,são aspectos que se relacionam à sua ide-ologia. Neste caso, "a Educação é mais prá-tica do que teoria (não há teoria, são fatosque compõem um corpo de doutrina)".Neste caso, os educadores são sujeitos aserem agentes ideológicos do Estado. Daíque nem sempre o grupo no poder temum projeto pedagógico definido, desejan-do, muitas vezes, que se mantenha um ní-vel de incompetência generalizada, paraque isto se adeqüe aos seus interesses demanutenção no poder. "A incompetênciadas escolas e dos professores, quandomantida, parece ser usada pelo Estado-Gerente para manipular a população atra-vés de uma educação medíocre".

A prática educacional fica flutuando aosabor das diversas influências ideológicasdevido à ausência, principalmente, de umateoria da educação que goze de consensoentre os educadores.

O atual momento de crise teórica doeducacional – a falta de autonomia relativa– é utilizado pela política partidária para oatendimento dos seus interesses de manu-tenção no poder, na medida em que permeiaa prática educacional com suas perspecti-vas ideológicas. Considerando o caráternefasto deste processo, conforme evidenci-amos anteriormente, formulamos a seguin-te indagação: Será que um aprofundamentoda questão teórica poderia contribuir paraevitar que a educação deixasse de servir deinstrumento político-partidário para as diver-sas correntes ideológicas que buscam aconquista e manutenção do poder? De umacerta forma, a resposta a esta questão pas-sa pelo nosso entendimento acerca do pro-cesso científico e suas colaborações para odesenvolvimento humano na sua totalidade,pois entendemos que a ciência tem se con-solidado como uma característica nuclearna cultura ocidental. Daí se justifica, tam-bém, este estudo sobre a relação educa-ção, ciência e interdisciplinaridade.

Mesmo que não estejamos satisfeitos,é inconteste a importância da ciência paranossa cultura. Ou, de forma mais limitada,do saber sistematizado. Como diz Brandão(1992, p. 11) "no meio acadêmico, e mes-mo na vida social, a validade do saber sis-tematizado é inconteste". Não se quer comisso negar a subsistência de outros tipos desaber, tais como o conhecimento popular,

mítico, religioso, etc. Nem advogar, ainda,que o conhecer científico seja superior ouinferior a estes outros modos de compreen-são da realidade. A ciência é uma forma, comcaracterísticas próprias, de se captar dadoobjeto. Aborda a realidade sobre determi-nada especificidade, a saber: delimita dadoobjeto do conhecimento, o qual sofrerá aná-lise metodológica que lhe seja adequada,visando a resultados de validade universal.Não há como duvidar dos méritos, para ohomem, que essa maneira de adquirir co-nhecimentos tem possibilitado, ao menosnos últimos quatro séculos; sem querer ne-gar, evidentemente, problemas que a apli-cação da ciência tem proporcionado aohomem, principalmente aqueles advindos douso político-ideológico ou meramente téc-nico dos conhecimentos científicos.

Assim, no atual momento histórico, émuito comum fazer relação entre a ciênciae a necessidade de o homem interpretar arealidade de forma verdadeira. É por issoque o desejo de cientificidade liga-se aosdiversos âmbitos da realidade. As diversasparcelas da realidade humana passam a serobjeto de processos científicos. Com efei-to, há abordagens científicas em diversossetores da atividade humana. E que isto tem,de fato, levado à evolução de conhecimen-tos, os quais têm, cada vez mais, interfe-rências significativas na nossa sociedade.E isto possibilita entender o motivo dos di-versos estudos científicos, mesmo cientesde que a aplicação destes estudos nemsempre está a serviço da continuidade daespécie humana. Em síntese, os diversoscampos da atividade humana, quando con-sideram a contribuição da ciência, têm evi-denciado nítida evolução. E isto tanto doponto de vista específico da área como deuma ótica mais ampliada, da inserção des-ta no seio de uma sociedade global (verBombassaro, 1994; Japiassu, 1994). Nestesentido, encontra-se, em Álvaro Vieira Pin-to (1969, p. 4), uma valorização da ciêncianaquilo em que ela pode nos oferecer: "parao país que precisa libertar-se política, eco-nômica e culturalmente das peias do atra-so e da servidão, a apropriação da ciência,a possibilidade de fazê-la não apenas porsi mas para si, é condição vital para a supe-ração da etapa da cultura reflexa, vegetativa,emprestada, imitativa..."

As diferentes abordagens da realidadeanteriormente apontadas dividem-se,comumente, nas denominadas ciências na-turais e ciências humanas. Ambas fornecem,

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aos seus respectivos objetos, uma deter-minada inteligibilidade. Podemos dizer queisto remete a estudos científicos que pro-curam abarcar, de acordo com seus limi-tes e especificidades, aquilo que se pode-ria denominar, em largos traços, de pro-blemática humana. Esses estudos estãoconfigurados, de acordo com os seus res-pectivos objetos, em áreas do conhecimen-to humano. Estas áreas, quando necessi-tam, relacionam-se umas com as outras. Sãoexemplos de áreas do conhecimento huma-no, e que não se colocam dúvidas acercade sua natureza e especificidade: a Mate-mática, a Física, a Química, a Biologia, aSociologia, a Psicologia, entre outras.

A constituição destas ciências se deuao longo de períodos históricos. Cada qualtem, pois, de uma certa forma, um percur-so próprio (ver Japiassu, 1994). Contudo,elas coincidem com o fato de terem umsignificado limitado ao respectivo objeto.Cada qual sabe o campo do conhecimen-to, por assim dizer, que lhe cabe. Reco-nhecemos, contudo, que as ditas ciênciashumanas e naturais enfrentam, ainda, pro-blemas de ordem epistemológica, pois,mais recentemente, evidencia-se que, sen-do a ciência um processo histórico, umaconstrução, um fenômeno social comooutro qualquer, terá caráter limitado, pro-visório, incapaz de definir parâmetrosdogmáticos, que possam ser aplicados deforma estanque. E mais: a afirmação, porexemplo, de que existam teorias universais,anistóricas, com poder de verdade paratoda a história da humanidade, não se sus-tenta. Basta fazermos uma rápida análisedeste aspecto. Perceberemos, facilmente,que já houve afirmações consideradas ver-dades absolutas, as quais, atualmente, sãomotivos de riso. Na Física, por exemplo,basta observarmos as teorias que busca-ram explicar o nosso sistema planetário.Na área filosófico-social, podemos lembrarque a lendária frase de Sartre, "o marxismoé a filosofia insuperável do nosso tempo",não se sustenta, bem como ele próprioposteriormente reconhece.

E sobre os limites da ciência no atualmomento histórico, podemos fazer umaobservação. Os problemas de ordemepistemológica colocados para as ditasciências humanas/sociais e as ditas ciên-cias naturais são abordados de forma di-ferenciada, uma vez que estas últimas sãoconsideradas ciências de "ponta". Qual-quer problema em uma das denominadas

ciências naturais, como a Física, é remeti-do para todas as outras áreas do conheci-mento humano, independentemente da im-portância que isso possa assumir para aárea que o aceita. Assim é que, por exem-plo, um questionamento epistemológicona Física é remetido para as próprias ciên-cias naturais e ciências humanas. E nãoapenas como um problema da Física. Bas-ta vermos como as ciências naturais/ciên-cias humanas/sociais, às vezes, mostram-se abaladas com certos posicionamentosda Física quântica. Por outro lado, estasciências naturais não tomam conhecimen-to, o mais das vezes, dos problemasepistemológicos relacionados mais direta-mente às consideradas ciências humanas/sociais.

Embora a educação não disponha,até o presente, de elementos teóricosconsensuais que lhe permitam certa auto-nomia, constatamos a existência de auto-res que procuraram colocar a Pedagogiaem bases científicas (Mazzotti, 1994; Pi-menta, 1996; Estrela, 1992; Orlandi, 1969;Carvalho, 1988; Libâneo, 1996; Freitas,1987; Saviani, 1984, 1990). A análise dealguns destes autores deixa claro queperspectivas delineiam-se para o debateepistemológico do campo educacional,portanto, para as relações que estamosbuscando evidenciar.

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A Pedagogia e a indefiniçãoteórica da educação

Apresentamos, neste momento, oposicionamento dos autores em análise,tendo em vista perceber que relação elesestabelecem entre o que se denomina Pe-dagogia e o estado de indefinição teóricado educacional.

Estrela (1992, p. 9) afirma que, em es-tudos científicos, é essencial o conhecimen-to da área em que se deseja intervir. Istodeveria, pois, ser considerado por todasas áreas do conhecimento humano. Para aautora, no entanto, isto não vem ocorren-do com a Pedagogia, porque a "Pedago-gia ainda não possui um autêntico estatu-to científico". Seria, portanto, uma ciênciaque ainda está em processo de formação.

A este respeito, Libâneo (1993, p.113) entende que cabe à Pedagogia oestudo sistemático da educação. Tem aPedagogia de estudar a educação na suahistoricidade e globalidade. E, neste sen-tido, parece concordar com Estrela,quando afirma que a Pedagogia "é umaciência em vias de constituição de seuestatuto científico".

Nesta referência a uma especificidadeda Pedagogia, pressupondo-lhe algum es-tatuto científico, Mazzotti (1994, p. 124)enfatiza que este debate não é novo. "Hámuito se debate o caráter ou natureza daPedagogia procurando determinar qual sejaseu lugar entre os saberes, particularmenteno espaço da produção científica".

Também para Freitas (1987, p. 31), aeducação deveria se apresentar como ob-jeto de estudo sistemático de uma dadaciência, qual seja, a Pedagogia. No entan-to, esclarece: "Ao fixarmos a educaçãocomo objeto de estudo da Pedagogiaestamos nos referindo, preferencialmente,ao processo educacional organizado e di-rigido que ocorre no âmbito de uma insti-tuição educativa".

Freitas (1987, p. 131), ao analisar acrise da "didática", coloca-a como que li-gada a algo de maior dimensão: a crise daprópria Pedagogia. Destarte, entende que,"antes de 'rever' a 'didática', é necessáriorevermos nossa própria compreensão daciência pedagógica".

Se formos a Saviani (1990, p. 4), vere-mos que este compartilha da visão de quea Pedagogia deve se encarregar do estu-do sistemático do fenômeno educativo.

"Tradicionalmente, a abordagem metódicae sistemática da educação tem sido referi-da à Pedagogia". Contudo, o autor escla-rece que uma vez em referência à educa-ção, é possível que a Pedagogia estejamarcada pelas vicissitudes que estão pre-sentes no seu objeto.

As flutuações da consciênciapedagógica

Uma dessas primeiras vicissitudes pre-sentes no objeto educacional parece ser aadesão pré-crítica a teorias, sem ter emconta se elas são necessárias para o pro-cesso educativo. Isto fica claro na análiseque Orlandi (1969) procede daquilo quedenomina de consciência pedagógica.

Assim, vemos o que Orlandi denomi-na de consciência pedagógica, que seatém às atividades pedagógicas. Por isso,acreditamos que uma análise desta cons-ciência pedagógica expressa, por um cer-to aspecto, a educação, ou, pelo menos,em que situação esta se encontra em re-lação ao aspecto epistemológico, vistoque a consciência pedagógica tem noeducacional o seu objeto de estudo epesquisa. Acontece que, para Orlandi, aconsciência pedagógica não sedimentousuas bases em solo profundo. Daí queestudar esta consciência pedagógica évisualizar terreno pouco seguro.

Há algumas décadas, em um estudoclássico, Orlandi (1969, p. 8) constata, apartir de um levantamento sobre pesquisaseducacionais, realizadas no período 1923-1956, que a "consciência pedagógica flu-tua conforme a força momentânea deste oudaquele núcleo influenciador".

Em um espaço de 33 anos, as pesqui-sas em educação foram classificadas por eleem eixos aglutinadores. A este respeito, osaspectos psicológicos aparecem como cen-trais em 48% do universo de pesquisas, oque evidencia o domínio psicológico influ-enciando decisivamente os problemas edu-cacionais. É o que o autor denomina, o maisdas vezes, de psicologismo pedagógico.

Este mesmo autor reconhece que acontribuição da Psicologia pode até serútil. Na sua análise, não despreza as pos-síveis colaborações dos psicólogos paraa compreensão da problemática educaci-onal. O que, de fato, o perturba é "o comoa consciência pedagógica assume teórica

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e praticamente um tal socorro prestadopela psicologia" (Orlandi, 1969, p. 9).

A situação descrita indica que a cons-ciência pedagógica descentra-se do seuobjeto. Flutua de um lado para outro. Semjamais conseguir referência consistente àcomplexidade do real pedagógico.

Atordoada, querendo consistência eresposta às questões impostas pela edu-cação, a referida consciência intenta ou-tros "vôos".

A consciência pedagógica, saindoda Psicologia, chega à Sociologia. Ocor-re, agora, o que se pode denominar desociologismo pedagógico. A Sociologia,então, se configura em outro eixodeterminante. Neste caso, a Psicologiaperde sua posição hegemônica. Quemassume o trono é a Sociologia. A proble-mática educacional passa a ser vista ex-clusivamente a partir do prisma socioló-gico. É, destarte, mais uma flutuação daconsciência pedagógica. Só que, maisuma vez, a área educacional não vai ob-ter respostas ao que deseja. O sentimen-to de que algo está faltando persistirá.

Em verdade, é possível dizer que háum vácuo. Assim, a consciência pedagó-gica intentará outras alternativas. Eis quese pode falar em economicismo pedagó-gico, politicismo pedagógico, etc.

Aquilo que realmente transparece dizrespeito à descentração de objeto. Em to-dos estes "ismos", a educação sempre sur-ge como mero ponto de passagem. "Demodo geral, Educação é apresentadacomo um conjunto de peças recolhidas noscanteiros das ciências sociais, sobressain-do sociologia e psicologia, o que lhe em-presta certo vezo subsidiário" (Demo, 1990,p. 13). Em outras palavras, parte-se de umaárea determinada, tenta-se captar a edu-cação pelo prisma desta área, e volta-seao ponto de origem.

E, de fato, na trajetória da educação,podemos evidenciar que este processoreduz a realidade educacional, uma vezque, entre os vários aspectos que fazemreferência à educação, apenas um deles éprivilegiado. No entanto, não há possibili-dade de compreender uma realidademultifacetada a partir de uma dimensão.Em princípio, a própria realidade não esta-ria susceptível de apreensão.

Em conclusão, percebemos que os"ismos" são prejudiciais para a educação,naquilo que lhe pode dar suporte teórico.

Ou seja, esta hegemonia de uma área doconhecimento humano em relação à outranão tem sustentabilidade, visto que, sob opredomínio de determinada área, a educa-ção fica isolada de outras dimensões quelhe são constitutivas (ver Saviani, 1990;Freitas, 1987; Pimenta, 1996; Estrela, 1992).

A abordagem das denominadasciências da educação

Poderíamos, entretanto, indagar: emvez de uma só área tentar explicar o tododo educacional, algumas áreas não dariamconta, ao mesmo tempo, do educacional?Pois, como sabemos, a educação é um fe-nômeno multifacetado e complexo.

O fato de a educação estar em relaçãocom diversos âmbitos da realidade huma-na possibilita que outras áreas abordemtambém o fenômeno educativo. Isto temfacilitado o argumento de que a Pedago-gia, enquanto suposta Ciência da Educa-ção, não daria conta do educacional. Nãohaveria possibilidade de uma Pedagogiaautônoma, e, destarte, esta deveria sersubstituída pelo que comumente se deno-mina de Ciências da Educação.

O argumento central desseposicionamento é que algumas áreas, aose voltarem para a educação, adquiriramautonomia em relação ao campo inicial dosaber, surgindo, então, uma nova área deconhecimento.4 Ou seja, elas se desligamdas áreas que lhes deram origem.

Vejamos, por exemplo, o caso da Psi-cologia da Educação. Colocaríamos, emprincípio, a sua base epistemológica den-tro da Psicologia. Contudo, progressivamen-te, aquela iria se desligando desta, até que,finalmente, se constituiria uma nova ciên-cia. Seria, portanto, uma área autônoma dosaber.

Se formos ver esta questão em Libâneo(1992, p. 68), constataremos que este afir-ma que pode a educação ter seu estudofeito sob diversos enfoques, seja o antro-pológico, o sociológico, o econômico, opsicológico, o biológico, o histórico, opedagógico, porque é um fenômenomultifacetado e por demais complexo. Con-tudo, o autor esclarece que "um psicólogoda educação, quando investiga ou atua nocampo educacional, aplica aí conceitos emétodos da Psicologia, e os resultados queobtém são de ordem Psicológica".

4 Na verdade, esta idéia de ciên-cias da educação para explicar/compreender o educacional ésemelhante ao conceito de"multidisciplinar", ou seja, o fatode diversas áreas confluírempara um mesmo objeto na ten-tativa de abarcá-lo. Sobre isto,colocamos o conceito demultidisciplinar de AdalbertoDias de Carvalho (1998, p. 93),com o qual concordamos: "Dizque há multidisciplinaridadequando, para realizar uma pes-quisa determinada, se faz apeloao contributo de diferentes dis-ciplinas, tratando-se, contudo,de uma colaboração fortemen-te localizada e limitada quantoao seu alcance: os interessespróprios de cada uma das disci-plinas implicadas não sofremqualquer alteração, conservan-do-se uma completa autonomiados seus métodos bem comodos seus objetos particulares".Entendemos que esta visão darelação da educação com asdemais áreas do conhecimen-to humano não facilita amaturação epistemológica daPedagogia; além do mais, comomostraremos a seguir, a formu-lação ciências da educação nãose sustenta.

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Em torno desta relação das demais ci-ências humanas com a educação, Carva-lho (1988, p. 2) lembra que, dentro destaproblemática, caso se coloque a existên-cia, por exemplo, de uma Psicologia daEducação, entendendo que esta tenha sedesligado de uma ciência de maior dimen-são – neste caso, da Psicologia –, come-çamos a entrar numa argumentação emque os elementos teóricos não são muitoconsistentes, visto que, num primeiro olhar,a Psicologia da Educação parece ser mes-mo uma aplicação de uma ciência maisampla. E mais: "ao designá-la como ciên-cia da educação, imprimimos-lhe, sem dú-vida, uma idéia de autonomia e deespecificidade que dificilmente se compa-dece com a subalternidade em relação aum tronco fundamental que transparece daóptica anterior".

Encontramos, então, em Carvalho, al-guns elementos para a crítica das Ciênciasda Educação. Concordando com aquiloque ele afirma, entendemos que existemciências como a Sociologia, a Psicologia,a Lingüística, entre outras, que tomam par-te da educação para estudo. No entanto,tais ciências não consideram a educaçãocomo centro para as suas teorizações. Suasinvestigações são limitadas por explicaremapenas aspectos deste fenômeno, não con-seguindo explicá-lo na sua totalidade.Como nos lembra Libâneo (1993, p. 113),"Cada uma dessas ciências aborda o fenô-meno educativo sob a perspectiva de seuspróprios conceitos e métodos de investi-gação". Assim, cada uma pode até expli-car parte do objeto educacional, mas to-das juntas não conseguem abrangê-lo nasua totalidade.

Voltando para Estrela (1992), veremosque ele parece concordar com esta argu-mentação de Carvalho. Uma vez que, paraele, o enfoque de outras ciências no âmbitoeducacional é de interesse limitado para osque lidam nessa área a partir de um interes-se mais pedagógico. Estrela adentra a estaquestão asseverando que, em busca de umadada cientificidade, o "interventor pedagó-gico" procura apoio em algumas áreas doconhecimento humano. A seu ver, a Psico-logia, a Psicanálise, a Sociologia, a Econo-mia são as ciências em que, em regra, aeducação recorre para obter elementos te-óricos mais consistentes. O mesmo autorrealça que os resultados a que chegam es-tas ciências são seguros. E as questões quecolocam a si próprias são importantes, do

ponto de vista específico da área que asoriginou.

Para Estrela (1992), entretanto, a gran-de controvérsia está no fato de que os con-ceitos e os resultados a que atingem, emsuas investigações, estas ciências têm uminteresse limitado para o âmbito educativo.Dito de outra forma, a utilidade de resulta-dos de outros enfoques que não o peda-gógico é de pouca uti l idade para o"interventor pedagógico". Este poderá seutilizar destes resultados, mas de forma pre-cária, ou seja, de maneira muito limitada.

É importante, neste debate, apontar asconclusões a que alcança Pimenta (1996),após passar em revista a contribuição dediferentes autores, sobre a possibilidade deum estatuto teórico para a educação. O quenotamos é que a autora parece concluir,concordando, outrossim, com os autorespor nós citados, que a abordagem de ou-tras ciências sobre a educação – estas àsvezes denominadas de Ciências da Educa-ção – é por demais limitada, se tivermospensando a partir de interesses pedagógi-cos. Assim, Pimenta (1996, p. 55), ao exporque os autores por ela analisados semprefazem referência a um estatuto próprio parauma Ciência da Educação – que geralmen-te é denominada de Pedagogia – explica,na citação seguinte, inclusive extrapolandoem parte aquilo que vimos colocando atéo momento, que a "construção desse esta-tuto parte da análise crítica do estágio atu-al de indefinição/imprecisão/insuficiênciadas ciências da educação em face do fenô-meno educativo".

Em conclusão, os autores analisadosnos permitem afirmar que Psicologia, Soci-ologia, Economia, Biologia, Psicanálise,entre outras, são áreas constituídas que têmmantido conturbada relação, no tocante aoaspecto epistemológico, com a Educação.E, na verdade, os problemas que colocame, conseqüentemente, as respostas obtidastêm validade dentro dos atuais limites doconhecimento. No entanto, muitos dessesestudos perdem sua validade quando têma pretensão de explicar elementos da edu-cação, porque eles não saíram, em princí-pio, da atividade pedagógica. É por demaisconhecido este exemplo: a psicanálise, aovoltar-se para determinado aspecto educa-cional, parte de uma problemática própria,utilizando-se de métodos psicanalíticos eobtendo, portanto, conceitos psicanalíticos.Então, acontece que esta área vai preten-der aplicar os seus conceitos em outra área.

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E isto, é claro, não poderá oferecer res-postas a problemas que exijam conceitospróprios da área que os originou. Enfim,parece que a autonomia possível da edu-cação não se encontra na abordagem dasCiências da Educação.

A Pedagogia como ciênciaprática

Os elementos expostos no tópico an-terior permitiram visualizar uma dada opção:nega-se a educação enquanto área especí-fica do conhecimento humano, em favor dasdenominadas ciências da educação. Seentendermos a Pedagogia, juntos comLibâneo (1993), como aquilo que buscaperceber a educação de forma global, o quemuito lhe sobrará, na perspectiva delineadaacima das Ciências da Educação, será trans-formar-se em mera técnica. Terá, destarte,de tornar-se aplicadora de conceitos, quan-do for o caso, elaborados em áreas do co-nhecimento humano que não o educacio-nal. Este parece ser o posicionamento deFreitas (1987), ao colocar a Pedagogia comouma ciência prática.

Esse autor julga que, ao colocar aPedagogia como uma ciência prática, estatem que, efetivamente, intentar subsídiosem outras áreas do conhecimento huma-no, tais como a Sociologia, a Psicologia,a Antropologia, entre outras.

Com o fito de tornar mais inequívocaessa ligação da ciência pedagógica com asciências diversas, Freitas (1987) aporta-se aoscritérios a partir dos quais poderemos definira especificidade de uma ciência.

Na busca desses critérios, o autor pa-rece concordar com Ribes (1982, p. 131),para quem "a identidade de uma disciplinaconfigura-se, em primeiro lugar, a partir desua especificidade epistemológica comomodo de conhecimento científico e, ape-nas secundariamente, em termos da deman-da como trabalho com um valor de trocaque uma sociedade concreta lhe impõe".

Com isso, reparamos que áreas comoa Psicologia, a Sociologia, a Biologia, aAntropologia, a Física, a Química, têm cri-térios científicos garantidos a partir das res-pectivas especificidades epistemológicas.Este raciocínio leva Freitas (1987, p. 132) anegar, por exemplo, também concordan-do com outros autores por nós citados, aespecificidade de formulação como a Psi-cologia da Educação, uma vez que esta

se encontra ligada a uma ciência comespecificidade epistemológica, neste caso,a Psicologia. "A Psicologia Educacional nãotem existência própria como ciência, massomente se referenciada à área de conheci-mento denominada Psicologia e, como tal,caracteriza-se, no melhor dos casos, comouma subárea deste conhecimento".

A Pedagogia, para Freitas (1987, p.132), não desfruta dessa especificidadeepistemológica, tendo os seus critérios decientificidade assegurados pela sua "respon-sabilidade social", a cargo de uma dadainstituição educativa. A Pedagogia, nestaótica, é uma ciência aplicada, ou seja, umadisciplina prática, o que determina a exis-tência de dois tipos de ciências: ciênciasteóricas e ciências práticas. Entretanto, acre-ditamos, baseando-nos nos argumentos queapresentamos a seguir, que também não éneste posicionamento que se encontra aautonomia do educacional.

Estrela (1992, p. 12) assevera, tambémem torno disto, que, na busca de um esta-tuto científico para a Pedagogia, aparecemnoções, por vezes, que, num primeiro olhar,se mostram diferentes. Este é o caso emque aparecem argumentos em favor da Pe-dagogia como ciência aplicada, fazendo-se, destarte, uma distinção entre ciênciaspuras e ciências aplicadas. Embora paraEstrela a questão seja sempre fruto de algo,ou seja, a falta de um estatuto científico paraa Pedagogia, esta divisão entre ciênciaspuras e ciências aplicadas, além de ser umartifício ideológico, representa uma arbitra-riedade, e que tal distinção não encontrafundamentos, se vista a partir de correntesepistemológicas mais recentes. "O materia-lismo dialético já havia posto em evidênciaa abstração que representa o conceito deciência aplicada; toda ciência é sempreuma ciência de um concreto e, através dele,ela identifica-se enquanto teoria e prática".

A autora relata ainda que a cada ciên-cia só corresponde um objeto, que é oobjeto específico do seu campo. E, paraconcluir, negando a possibilidade de umadistinção entre ciências puras e ciênciasaplicadas, completa: "Uma ciência aplica-da será, portanto, uma pseudociência, umailusão de óptica: trata-se de um campo di-ferente apenas na aparência daquele emque a ciência exerce normalmente a suaatividade de inteligibilização do real" (Es-trela, 1992, p. 12).

Na verdade, evidencia-se neste mo-mento uma questão muito presente, de

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grande relevância no âmbito educacional– estamos falando da relação que se deveestabelecer entre a teoria e a prática. ParaSaviani (1990), a idéia, por vezes corrente,de que teoria e prática opõem-se está cal-cada em conceitos aplicados inadequada-mente aos respectivos termos. Diz ele que,o mais das vezes, muitos vêem a teoriacomo puro "verbalismo", ou seja, "o gostoda palavra oca", e, por outro lado, algunsaplicam à prática o conceito que se ade-qua mais a "ativismo". Só que o "verbalismo"é que, efetivamente exclui a prática, e nãoa teoria. E é, semelhantemente, o "ativismo"que exclui a teoria, e não a prática.

Podemos concluir que a autonomiapossível do educacional não passa, con-forme deixamos claro anteriormente, pelaseparação entre teoria e prática, ciênciateórica e ciência prática, porque, na verda-de, teoria e prática são dois componentesde um mesmo processo, qual seja, a ativi-dade humana.

Conclusão

O anteriormente escrito aponta paraa necessidade de uma autonomia relativado educacional, o que, de fato, ainda nãose evidenciou de forma satisfatória; há,apenas, tentativas frustradas de colocar oeducacional em contato com orientaçõescientíficas. Mas estas iniciativas resultaram

fracassadas, uma vez que algumas delassão excludentes, como os "ismos", e ou-tras restringem o educacional a uma meraprática etc., conforme ficou evidente nasanálises dos autores, realizadas anterior-mente. Entretanto, de uma forma geral, osautores, direta ou indiretamente, apontampara a possibilidade de uma Pedagogiaque tome o educacional como seu objetode estudo e pesquisa, portanto pela afir-mação de uma Ciência da Educação. Sen-do assim, queremos ressaltar, de forma bre-ve, alguns elementos teóricos que dificul-tam ou possibilitam a existência de umaCiência da Educação.

Parece não haver dúvidas de que his-toricamente, mesmo em diferentes situa-ções, o homem sempre sentiu necessidadede repassar às novas gerações os conheci-mentos adquiridos. "Produzir e transmitir àsnovas gerações a totalidade das mediaçõese vivências significativas que constituem omundo vivido foi, sem dúvida, a ação maisimportante para o estabelecimento daquiloque chamamos Educação" (Bombassaro,1994, p. 117).

Essa educação se faz com diversos ele-mentos não necessariamente apreendidos poruma lógica formal. Em termos educativos, nãodá para querer prender a realidade na suaíntegra dentro de um escopo teórico, por-que, na educação, estão presentes aspectosque extrapolam a possibilidade de explica-ções racionais lineares. Aqui o caráter enig-mático da vida, como diria Nietzsche, estáem pauta. E isto se apresenta nesses mol-des, porque há referência, necessariamente,ao homem. "Porque, dotado de fantasia e deimaginação, o homem é um ser simbólico quepode produzir aspirações e anseios inespe-rados" (Freitas, 1995, p. 76).

Por outro lado, a educação é um fenô-meno concreto, inserido em determinadotempo e sociedade. É por isto que, paraalguns, o papel do educacional se resumea formar o cidadão, um homem com co-nhecimentos suficientes para viver em umdado mundo. Outros acreditam que edu-car é formar um homem tecnológico, habi-litado para exercer determinada atividade.E assim por diante.

De fato, há presença educativa na fa-mília, no lazer, no trabalho, na Igreja, etc.,porque, considerando que o homem – ob-jeto da educação – surge como possibili-dade, e que os limites do seu agir não es-tão postos, a variedade de situações quesejam educacionais são vastas. Mas nãodá para reduzir o processo de formação

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humana, na sua globalidade, aos interes-ses de um entre os diversos momentoseducativos possíveis.

Assim, qualquer tentativa de teorizaçãodo acontecer educativo deve levar em con-ta as dimensões do homem, que se envol-ve no referido processo, tais como: Racio-nal – a educação envolve processos men-tais, estruturas psicológicas cognitivas, de-terminadas habilidades psicológicas; querdizer, na educação há conteúdos, conhe-cimentos envolvidos; Emocional – a edu-cação deve ter em vista a afetividade doser humano, seus sonhos, anseios, medos,desejos, imaginação, etc.; e Sensibilidade– as sensações externas, aquilo que ossentidos podem captar são objetos edu-cacionais.5

Com as notas acima, pretendemosevidenciar que nem tudo que compõe aeducação é passível de apreensão lógico-racional, o que indica, do ponto de vistaepistemológico, que, mesmo que possa-mos flexibilizar ao máximo a noção deracionalidade, muito ficaria na penumbra.Exemplos disso são os aspectos relacio-nados com a afetividade, de grande im-portância para o fenômeno educativo, e énotório que muitas epistemologias nãoconseguem apreender satisfatoriamenteeste aspecto humano.

O que se deve levar em conta, tendoem vista a autonomia relativa do educaci-onal, é que, considerando o atual momen-to histórico e os conceitos disponíveis, aPedagogia evolua rumo à maturidadeepistemológica.

Isto vai ao encontro da necessidadede o fenômeno educativo ser visto numaótica global. É uma perspectiva própria daPedagogia estudar e pesquisar o seu ob-jeto, qual seja, a educação, pois acredita-mos, para este trabalho, que a educaçãopode ser vista numa perspectiva própria,que seria a função da Pedagogia.

Não queremos com isto um isolamen-to do campo educacional. Discordamos davisão corporativista de alguns setores quebuscam, a todo instante, proteger e expan-dir as fronteiras da área que estuda e pes-quisa contra a invasão de outros campos.Acreditamos que tal fato proporciona tam-bém a inconsistência teórica por nós evi-denciada, porque impõe uma tal fragmen-tação ao saber que impossibilita a com-preensão de determinadas formulaçõesteóricas, bem como de sua relação com oconcreto. Em vez do isolamento, entende-mos que os que lidam com o educacionalnecessitam de um trabalho interdisciplinar.

Assim, propomos que, no educacional, es-teja presente uma atitude interdisciplinar. Epor atitude interdisciplinar, entendemos

... uma atitude diante de alternativas paraconhecer mais e melhor; atitude de es-pera ante os anos consumados, atitudede reciprocidade que impele à troca, queimpele ao diálogo – ao diálogo com pa-res idênticos, com pares anônimos ouconsigo mesmo –, atitude de humildadediante da limitação do próprio saber, ati-tude de perplexidade ante a possibilida-de de desvendar novos saberes, atitudede desafio – desafio perante o novo –,atitude de envolvimento e comprometi-mento com os projetos e com as pessoasneles envolvidas, atitude, pois, de com-promisso de construir sempre e da me-lhor forma possível (Fazenda, 1995, p. 82).

Para tal, é fundamental aos que fazemdeterminada área o conhecimento do cam-po em que atuam. Só há trabalhointerdisciplinar quando as partes que ocompõem têm clareza dos objetivos co-muns, bem como em que medida e de queforma podem contribuir para a consecu-ção desses objetivos. Assim, assumimoso posicionamento que enfatiza que os

... resultados obtidos pelas ciências hu-manas em geral, e que interessam à edu-cação, correm o risco de não servirem ca-balmente se não houver uma ciência queos selecione, os reagrupe e os sintetize,colocando a essas outras ciências ques-tões próprias (para além das que tentaresolver no seu próprio seio) e fornecen-do-lhes elementos que transcendam osinteresses do seu âmbito naturalmenterestrito. Só assim é que estaríamos auto-rizados a falar de uma verdadeira cola-boração interdisciplinar (Carvalho, 1988,p. 92).

Daí o fato de crermos que a autonomiada educação é fundamental para o traba-lho interdisciplinar, que tem se demonstra-do válido para a compreensão/resolução dedeterminados problemas sociais. Daí, por-tanto, a existência de uma relação neces-sária entre ciência, educação e interdis-ciplinaridade. Pois o trabalho interdisciplinarsó será possível, efetivamente, a partir domomento em que cada área do conheci-mento mantiver sua identidade. É a partirda clareza do seu objeto que dada área doconhecimento humano pode requerer acontribuição de outra área para a soluçãode problemas que se evidenciem.

5 Estas são as dimensõesconsensuais no meio acadê-mico. Existem outras.

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Recebido em 12 de janeiro de 2000.

Gildemarks Costa Silva, mestre em Educação pela Universidade Federal dePernambuco (UFPE), é professor de Filosofia da Educação e orientador pedagógico noColégio de Aplicação dessa universidade.

Abstract

This text talks about the relation between Education, Science and Interdisciplinarity. Italso shows the importance of configuring a Pedagogic Theory with real power in oppositionto the other human knowledge Areas, so that it is possible to check some authors in theepistemological debate field. After comparing the different positions of some authors weassume an interdisciplinary perspective for the Education that would allow a relative autonomyin the Pedagogic process.

Keywords: science; education; autonomy; interdisciplinarity; educational epistemology.

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