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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL VIVIANE DO NASCIMENTO A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN: DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS? NATAL/RN 2019

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Page 1: A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA ......Trabalho de conclusão de curso (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

VIVIANE DO NASCIMENTO

A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE

PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:

DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?

NATAL/RN

2019

Page 2: A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA ......Trabalho de conclusão de curso (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,

VIVIANE DO NASCIMENTO

A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE

PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:

DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como requisito final de avaliação do curso de

Serviço Social da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte para obtenção do título de

bacharel em Serviço Social.

Professora orientadora: Doutora Maria Celia

Correia Nicolau.

NATAL/RN

2019

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Fabio Osmar de Oliveira Maciel – CRB-7 6284

N244r Nascimento, Viviane do

A reinserção social dos egressos da medida socioeducativa de privação de liberdade no CASE Pitimbu em Parnamirim/RN: direitos garantidos ou negados? / Viviane do Nascimento. – Natal, RN, 2019.

76 f.

Orientadora: Maria Celia Correia Nicolau. Trabalho de conclusão de curso (graduação) - Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Bacharel em Serviço Social, 2019.

1. Sistema socioeducativo - Brasil - Rio Grande do Norte. 2.

Reinserção social. 3. Adolescente egresso. I. Nicolau, Maria Celia Correia, orient. II. Título.

CDD – 362.70981

Page 4: A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA ......Trabalho de conclusão de curso (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,

VIVIANE DO NASCIMENTO

A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE

PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:

DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?

Monografia submetida ao Curso de Serviço Social

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte -

UFRN, como requisito final à obtenção do título

de Bacharel em Serviço Social.

Orientador(a): Profª. Drª. Maria Celia Correia

Nicolau

Aprovado em 21 de junho de 2019

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Celia Correia Nicolau – UFRN (orientadora)

______________________________________________________

Prof. Fernando Gomes Teixeira – UFRN (examinador interno)

______________________________________________________

Prof.ª M.ª Anna Luiza Lopes Liberato A. Freire – UNINASSAU/Natal (examinadora externa)

Page 5: A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA ......Trabalho de conclusão de curso (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,

A vovó, que partiu no início deste ciclo, mas está comigo de todas as formas possíveis. A

senhora, que é o amor de todas as minhas vidas, dedico sempre as minhas melhores palavras.

.

Page 6: A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA ......Trabalho de conclusão de curso (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,

AGRADECIMENTO

Este trabalho envolve um mix de raivas, motivações, descabelamentos, choros, risadas

e muito alívio. É fruto de andanças e de observações não-tão-perspicazes. É um compilado de

um processo coletivo; com os adolescentes, com minhas orientadoras, com tantos autores, eu

comigo mesma e com pitacos de amigos. Há muito o que agradecer e a quem agradecer - há

muito quem xingar também, mas esse espaço não tem licença poética - então busquei sintetizar

um pouco dessa trajetória de quatros anos como graduanda nesse cantinho especial.

Em primeiro lugar, agradeço a todos os floquinhos de luz que sempre estiveram ao meu

lado, me proporcionando clareza, paz espiritual, me auxiliando nos dias de choro e dias de sono,

me permitindo chegar ao término dessa (segunda de muitas) caminhadas acadêmicas.

Agradeço a minha mãe e aos meus irmãos pelas tentativas - completamente falhas - de

fazer silêncio quando eu precisava escrever, por estarem ao meu lado nessa jornada cansativa,

por esperarem para assistir alguns episódios de Naruto quando eu estivesse presente e deixarem

o meu pão favorito para o café da manhã.

Sou grata a todos os meus amigos por me tirarem de casa em momentos que eu estava

quase jogando tudo para o alto. Pelos momentos bobos, pelos sorrisos fáceis, pela força e por

fazerem perguntas impertinentes (e o tcc como tá?) que só quem tem proximidade pode.

Aos adolescentes do CASE Pitimbu, por compartilharem um pouco das suas vivências,

por bagunçarem minha zona de conforto me proporcionando tantas sensações. Agradeço por

me trazerem de volta ao eixo, por me fazerem gostar da vida e de toda a adrenalina por ela

permeada. O meu amor por essa área da infância e juventude vem desse processo com vocês.

A todos os professores do curso de Serviço Social pelas partilhas, pelo desenvolvimento

de tantos trabalhos em conjunto, pelo envolvimento teórico-prático e pessoal. Agradeço em

especial aos desencontros teóricos e as críticas daí originadas.

Ao Victor Chaves, por me mostrar as melhores músicas enquanto escrevo, por me

motivar, por me ligar de madrugada para dizer o quanto eu sou hábil e maravilhosa quando eu

nem sabia mais o que eu era. Por estar tão pertinho da pele, a mais de sete mil quilômetros.

A amora por deixar esse mundo mais bonito e feliz com toda sua fofura que

espantosamente combina com todos os seus planos maquiavélicos. Sem dúvidas o nosso elo foi

uma das minhas maiores conquistas na academia. Nunca vou me esquecer dos seus

ensinamentos, da sua visão de mundo e das nossas confabulações secretas. Je t'aime.

A minha orientadora de OTCC Anna Luiza e minha orientadora de TCC Maria Célia

Nicolau, por toda a paciência nas ausências, nos prazos atrasados e todo o auxílio neste trabalho.

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Ao meu chefe mais charmoso e desenrolado, Aldomar Pedrini, que me deu tantas

oportunidades - em todas as áreas possíveis e impossíveis - que me estendeu o mundo inteirinho

quando eu mais precisei e que eu não tenho palavras para agradecer sua contribuição em todo

o meu processo durante a graduação.

Ao meu chefe mais tímido e do coração mais fofinho da pós-graduação, Heitor Andrade,

que contribuiu imensamente no meu processo formativo, que relevou tantas faltas, atrasos e

sempre teve um olhar sensível ao outro que me trouxe muitos aprendizados.

A todos os docentes, discentes e funcionários da Pós-Graduação em Arquitetura e

Urbanismo e da Pós-Graduação em Arquitetura, Projeto e Meio Ambiente que de forma direta

ou indireta influenciaram no meu desenvolvimento pessoal e/ou profissional ao longo de todos

esses anos. Em especial a minha querida professora e amiga, Dulce Bentes Sobrinha.

A toda a comunidade que financia este trabalho através do pagamento de impostos com

muito esforço e suor fruto de seu trabalho assalariado - muitas vezes precarizado - como apoio

a educação. Obrigada pela oportunidade de fazer ciência e contribuir um pouquinho na

academia. A todos vocês: este trabalho é NOSSO.

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Vida em transição1

Viver na Fundação não é bom

Bom é ser livre em toda situação

Mas tenho minha opinião

Sobre esse período de transição

Que muitos dizem ser prisão

Nesse lugar, maldade…

Que ao mesmo tempo é saudade

Por estar privado de liberdade

Mas tem um lado positivo

Nessa realidade

Estou me reabilitando para a sociedade

Acordo e vejo grades

Meu peito dói de verdade

Só quem passou

Por isso sabe

De todas as realidades

E crueldades…

A maior necessidade

É a Liberdade!

Aqui lições de vida transmitem

Muitas coisas boas

Reconhecimento como pessoa

Que errar é humano

Mas aprender é a melhor coisa

Atrás desses momentos tem algo impressionante

Hoje me tornei um estudante

Descobri que sou inteligente

Produzi este poema e me sinto importante.

1 Poesia do adolescente Luan Santana, de 17 anos, da Fundação Casa (São Paulo), finalista da Olimpíada de Língua

Portuguesa em 2014.

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RESUMO

O presente trabalho busca desvendar os impactos que a medida socioeducativa tem na garantia

dos direitos à reinserção social na vida do adolescente egresso do Centro de Atendimento

Socioeducativo Pitimbú em Parnamirim/RN após cumprimento de medida socioeducativa de

privação de liberdade. Para tanto, objetivou-se investigar e analisar a realidade vivenciada pelos

egressos da instituição supracitada, visando desvendar a garantia (ou não) dos seus direitos

fundamentais. A investigação aconteceu mediante pesquisa qualitativa e quantitativa e foi

norteada pelo referencial crítico dialético, sendo realizado levantamento bibliográfico sobre a

temática através das chamadas fontes de papel (pesquisa bibliográfica e documental). Os dados

foram tratados com base na análise de conteúdo e analisados à luz do referencial teórico

adotado. Como resultados, são identificadas as possibilidades para desenvolvimento de um

projeto de reinserção social efetivo que contemple as necessidades dos egressos e, sobretudo,

auxilie no processo de não reincidência à prática de novos atos infracionais, todavia, tendo em

vista o sistema socioeducativo como se articula (ou não se articula) hoje, é fato que os centros

de atendimento não conseguem garantir o acesso desses adolescentes egressos a seus direitos

fundamentais, assim como as ações continuadas que são realizadas – quando o adolescente

egressa da instituição de socioatendimento em meio fechado para cumprimento de medida em

meio aberto através da progressão de medida – ainda não conseguem ser efetivas no processo

de reinserção social.

Palavras-chave: Medida socioeducativa. Reinserção social. Adolescente egresso.

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ABSTRACT

The present work seeks to uncover the impacts that the socio-educational measure has on the

rights to social reintegration in the life of the adolescent egressed from the Pitimbú Socio-

educational Center in Parnamirim/RN after fulfilling a socio-educational measure of

deprivation of liberty. In order to do so, the objective was to investigate and analyze the reality

experienced by the graduates of the abovementioned institution of deprivation of liberty, in

order to unveil the guarantee (or not) of their fundamental rights. The research was conducted

through qualitative and quantitative research and was guided by the critical dialectical

reference, and a bibliographical survey on the subject was made through the so-called paper

sources (bibliographic and documentary research). The data were treated based on content

analysis and analyzed in the light of the adopted theoretical framework. As a result, the

possibilities for developing an effective social inclusion project that addresses the needs of the

graduates and, above all, assist in the process of non-recurrence to the practice of new infraction

acts, however, in view of the socio-educational system as articulated (or is not articulated)

today, it is a fact that the service centers can not guarantee the access of these outgoing

adolescents to their fundamental rights, as well as the continuous actions that are carried out -

when the adolescent leaves the institution of socio-service deprivation of liberty for measure

compliance in an open environment through the measurement progression - still can not be

effective in the process of social reintegration.

Keywords: Socio-educational measure. Social reinsertion. Adolescent egress.

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SUMÁRIO

1 Introdução 10

2 A problemática do adolescente, autor do ato infracional, e do egresso do

sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas de

enfrentamento à prática do ato infracional

14

2.1 As políticas de enfrentamento a prática do ato infracional 15

2.1.1 A política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil — seu

percurso histórico e as legislações sobre a infância e Juventude face ao

ato infracional e a reinserção social do adolescente

16

2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA, avanços no Sistema de

Garantia de Direitos para Crianças e Adolescentes autores do Ato Infracional

e o processo de reinserção social

32

2.2.1 A problemática do adolescente egresso do sistema socioeducativo: a

particularidade da medida socioeducativa de privação de liberdade e a

reinserção social

38

2.2.1.1 Caracterização do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu 40

3 Os impactos da medida socioeducativa na garantia dos direitos e na vida

do adolescente egresso, autor do ato infracional, e sua reinserção social

44

3.1 A Privação de liberdade e o SINASE como marco legal na consolidação das

medidas socioeducativas na perspectiva dos direitos

45

3.2 Direitos negados ou garantidos ao adolescente egresso (autor do ato

infracional) e da medida socioeducativa no processo da reinserção social

58

4 Considerações finais 66

Referências 68

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1 Introdução

Nas diretrizes do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (2014), se prevê a

garantia do direito à educação para os adolescentes em cumprimento de medidas

socioeducativas e egressos, considerando sua condição singular como estudantes e

reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do sistema socioeducativo. Através

da lei 12.594/12, em seu art. 11, parágrafo V, são estabelecidos requisitos obrigatórios para a

inscrição de programa de atendimento e nele determina que sejam previstas ações de

acompanhamento do adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa. Já em seu art.

25, aponta que a avaliação dos resultados da execução de medida socioeducativa terá por

objetivo, no mínimo, verificar a situação do adolescente após cumprimento da medida

socioeducativa tomando por base suas perspectivas educacionais, sociais, profissionais,

familiares e verificar a procedência de reincidência de prática de ato infracional (BRASIL,

2013).

Todavia, segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público (2013), em cerca

de 81,5% das unidades de medida socioeducativa no país não há atendimento aos egressos e a

suas famílias pela equipe técnica da unidade. De acordo com as justificativas apresentadas, a

maioria dos casos ocorre devido ao déficit de técnicos das equipes multidisciplinares dentro das

unidades. No exame por regiões, em todas elas os índices são preocupantes. No caso do

Nordeste, 89,6% das unidades de internação não oferecem acompanhamento ao egresso. Desse

panorama, observou-se dentre as unidades de internação que oferecem atendimento

multidisciplinar aos egressos quantas delas atuavam no fomento à inserção do mesmo na rede

regular de ensino: no Nordeste e Norte, os percentuais não chegam a um terço. Das poucas

unidades de internação que fornecem assistência ao egresso, apenas uma pequena parcela inclui

em seus objetivos sua inserção em cursos profissionalizantes. Nas unidades do Nordeste temos

o menor índice do Brasil que é de apenas 14% (BRASIL, 2013).

À vista disso, no processo investigativo desse trabalho, como objetivo geral, buscou-se

analisar a realidade vivenciada pelos egressos de medida socioeducativa de privação de

liberdade do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu visando desvendar a garantia (ou

não) dos seus direitos a reinserção social e produtiva. Mais especificamente, procurou-se

resgatar e atualizar dados sobre a referida reinserção dos egressos do sistema socioeducativo do

Estado do Rio Grande do Norte e desvendar os impactos que a medida socioeducativa tem na

garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso. Com reinserção social e produtiva

compreende-se o processo que integra o indivíduo novamente ao convívio social após o período

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de privação de liberdade na instituição que cumpriu a medida socioeducativa pela infração

cometida. Esse processo de integração compreende o atendimento e acesso à educação, saúde,

cultura, esporte, lazer, moradia, profissionalização e atuação profissional, tendo em vista serem

esses os eixos básicos que amparam a criança e ao adolescente na política de proteção.

A escolha do tema encontra-se vinculada a experiência de estágio no Centro de

Atendimento Socioeducativo Pitimbú (CASE Pitimbú) que propiciou um olhar mais analítico

para a temática da criança e do adolescente, especialmente no que diz respeito a medida

socioeducativa de privação de liberdade. Através das observações da autora, enquanto

estagiária, foi possível contemplar facetas importantes da cotidianidade presente nesses centros

educacionais que, por mais que aparentemente distintos, possuem um elo muito forte no que

tange sua própria origem, princípios e função social.

Quanto ao método de abordagem, esse trabalho tem um caráter qualitativo e

quantitativo, à medida que compreende a complementaridade desses dois aspectos, trabalhando

qualitativamente com os significados, motivações, valores e ao mesmo tempo,

quantitativamente com dados matemáticos e estatísticos mantendo uma dialética entre essas

duas concepções para elucidar o real. Quanto aos métodos de procedimentos que estão inter-

relacionados as técnicas empregadas na pesquisa foram utilizados o método histórico, pois

como afirma Prodanov e Freitas (2013, p. 37) é necessário “[...] estudar suas raízes visando à

compreensão de sua natureza e função” e o método monográfico, no intuito de observar e

analisar todos os fatores que influenciam na temática.

Como principais categorias teóricas de análise, tendo em vista a pesquisa com o tema

no campo sociojurídico, temos as temáticas do direito, da criança e do adolescente, da violência

institucional, do ato infracional, do sistema socioeducativo, da vulnerabilidade social, da

privação de liberdade, entre tantos outros trabalhados por autores como Marco Aurélio Costa

que trata da vulnerabilidade social no Brasil; Faleiros, que contextualiza a história das políticas

sociais no Brasil; Irene Rizzini que trata da institucionalização de crianças no Brasil; Amanda

Santos Silva que faz um estudo sobre o sistema socioeducativo publicado em 2014 e Débora

Arruda Queiroz Lima que trata da evolução da legislação que protege a criança do trabalho

infantil.

Em relação a sua natureza, o trabalho se caracteriza como pesquisa aplicada que,

segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 51) “objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática

dirigidos à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses locais”. Do ponto

de vista dos objetivos, se configura como pesquisa exploratória, na qual em seu planejamento

realizou-se um levantamento bibliográfico acerca da temática além de entrevistas com

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adolescentes que tiveram experiências práticas com o cumprimento da medida socioeducativa

e analisou-se os aspectos da temática inter-relacionando os conceitos apreendidos com as

vivências observadas. Configura-se também como uma pesquisa explicativa, em virtude da

utilização da análise dos registros realizados e também classificação e interpretação dos

fenômenos. A escolha dos adolescentes deu-se, em razão da dificuldade do acesso enquanto

egressos, aos adolescentes do CASE Pitimbú que encontravam-se cumprindo sanção há um ano

ou mais na instituição durante o período de estágio (2017.2-2018.1).

No que se refere aos procedimentos técnicos, o trabalho se delineou através das

chamadas fontes de papel (pesquisa bibliográfica e documental) e pesquisa de campo com os

egressos no objetivo de conseguir informações sobre a realidade vivenciada assim como coletar

dados e analisa-los.

Por fim, partindo do pressuposto que os determinantes históricos são essenciais na

análise da garantia (ou não) dos direitos a reinserção social e produtiva do egresso, que existem

falhas na aplicação das medidas socioeducativas e dessas falhas depreendem implicações que

acompanharão o adolescente após o cumprimento da medida, destaco os seguintes

questionamentos que surgiram durante o período de estágio e foram basilares na construção

desse trabalho: Será que lá fora, por trás dos muros dos Centros Educacionais o adolescente

egresso terá realmente escolhas ou seu destino já está definido por uma série de atos anteriores

que resultaram em dívidas, ameaças que o impede de direcionar sua vida a que se propôs seguir

em suas reflexões enquanto se encontrava cumprindo a medida de internação? Quais são os

meios que esse adolescente tem para se manter após sua saída da instituição? Será que é possível

conciliar seus estudos e um trabalho após saída da instituição? Os cursos que foram ofertados

enquanto estava cumprindo a medida socioeducativa ajudaram na sua busca por emprego ao

sair da instituição? Qual a realidade vivenciada por esse adolescente que o impede de dar

continuidade a sua vida longe das práticas de atos infracionais? Qual o índice de reincidência?

Será que as opções buscadas após saída da unidade são reais escolhas ou a única opção que o

adolescente possui? Qual a percepção sobre o ato infracional do adolescente liberado da medida

socioeducativa de internação? Quais as limitações e desafios enfrentados por ele frente ao

processo de institucionalização e desinstitucionalização? Há algum monitoramento periódico

realizado para saber a situação atual do adolescente após sua saída da instituição? Quais os

encaminhamentos são dados? Há algum programa ou rede de apoio para os egressos do sistema

socioeducativo no Estado do Rio Grande do Norte? Por meio deste trabalho buscou-se

responder esses questionamentos.

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A presente monografia encontra-se dividida em dois capítulos. No primeiro serão

realizadas considerações acerca da problemática do adolescente, autor do ato infracional, e a

reinserção social dos egressos do sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas

públicas de enfrentamento. Para tanto, serão analisadas como as políticas de enfrentamento a

prática do ato infracional foram sendo implementadas ao longo dos anos, como seu percurso

histórico influenciou as legislações que encontram-se vigentes na atualidade, destacando-se o

Estatuto da Criança e do Adolescente, no atendimento a criança e ao adolescente no Brasil face

ao ato infracional. Além disso, serão tecidas apreciações sobre o processo de reinserção social

do adolescente egresso da medida socioeducativa de privação de liberdade; os limites e as

dificuldades diagnosticadas no trabalho realizado por equipes multidisciplinares com os

adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto.

No segundo capítulo serão analisados os impactos da medida socioeducativa na garantia

dos direitos e na vida do adolescente egresso, autor do ato infracional, e sua reinserção social.

Para tanto, serão analisados o processo de privação de liberdade após a instituição do Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo como marco legal na consolidação das medidas

socioeducativas na perspectiva dos direitos.

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16

2 A problemática do adolescente, autor do ato infracional, e a reinserção social dos egressos do sistema

socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas públicas de enfrentamento

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2.1 As políticas de enfrentamento a prática do ato infracional

As primeiras legislações nacionais relevantes para o estudo do Direito das crianças e

adolescentes são datadas a partir do século XVI no ordenamento brasileiro. Nelas era instituída

uma diferenciação punitiva para o mesmo delito cometido por crianças, adolescentes e adultos

— sendo punidos com pena total aqueles que tivessem mais de vinte e menos de vinte e cinco

anos2 e cabendo ao juiz analisar os casos de adolescentes com idade entre dezessete e vinte anos

— para que fossem identificadas, dentre outras coisas, as circunstâncias dos fatos e averiguada

a situação desses adolescentes antes de ser atribuída a pena total ou atenuada, conforme a

interpretação do juiz. Foi no final do século XIX e início do século XX, através das iniciativas

educacionais com vistas ao controle social e assistencial em virtude do crescimento e

reordenamento das cidades que a problemática da infância e juventude passou a ser pauta do

Estado, sendo, dessa forma, criados os primeiros mecanismos para segregação e

institucionalização para essa classe (SÁ, 2009).

Esses foram os pressupostos basilares da criação das políticas sociais - destinadas a

população jovem. As primeiras políticas — entre elas a Lei nº 4.242/21, a Declaração de

Gênova de Direitos da Criança, adotada em 1924 pela Liga das Nações e o Decreto nº 22.213/32

— tinham um caráter segregador, estigmatizador, discriminatório e assistencialista, pautado em

práticas que buscavam diferenciar o “menor” da “criança”, culpabilizando a família dos

indivíduos por suas ações, enquadrando-as como “famílias desestruturadas” e atribuindo ao

indivíduo toda a responsabilidade pela conjuntura vivenciada.

A partir de 1932, com o desenvolvimento das legislações aplicáveis à criança e ao

adolescente, começam a surgir mudanças expressivas no tratamento dado à problemática que

gira em torno dessa categoria, sobretudo, com a mudança do enfoque das particularidades do

indivíduo para o meio social que ele se encontra inserido. Com isso, foram criadas condições

mais favoráveis para uma abordagem mais humanizada no que diz respeito ao processo de

destituição do poder familiar — apenas em última instância — e de institucionalização em

virtude do cometimento de atos infracionais.

As legislações vigentes em torno da criança e do adolescente — Decreto nº: 99.710/1990

e Lei nº: 8.069/1990 —, são bem claras e explícitas no que concerne a garantia de direitos e

proteção, atribuindo ao Estado o papel de fiscalizador, assegurador dessas conquistas, aos

familiares e outros setores organizados da sociedade a coparticipação para o desenvolvimento

integral da criança e do adolescente, sobretudo, as que estão em situação de vulnerabilidade

2 Idade de maioridade plena na época.

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social. Todavia, na realidade ainda vemos as velhas práticas policialescas e de manutenção

dessa realidade social tão crua presente no cotidiano através do descumprimento das legislações

— na efetivação do direito à moradia, saúde, segurança, educação, entre outras prerrogativas

— e da mais perversa repressão, exclusão e institucionalização do povo negro e pobre. A esse

pensamento Rizzini, Baker e Cassaniga (1999, p. 1) vem acrescentar que “na realidade, esses

grupos não mudaram: continuam sendo os mais vulneráveis aos efeitos da pobreza e da exclusão

social e os que representam algum tipo de ameaça à sociedade — o que é incompatível com as

propostas de garantia de direitos em curso”. À vista disso, será apresentado a seguir o percurso

histórico que delineia a política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil,

particularizando o contexto de privação de liberdade e a existência de legislações que

contemplem o egresso do sistema socioeducativo.

2.1.1 A política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil — seu percurso

histórico e as legislações sobre a infância e juventude face ao ato infracional desse

segmento

Tradicionalmente, o Brasil tem um longo histórico de uma cultura de internação da

infância e juventude em instituições permeada de abusos e violência. Desde os primórdios,

comumente crianças e adolescentes — tanto as socialmente mais abastadas quanto as mais

pauperizadas — eram criadas e educadas longe de suas famílias. Dependendo da classe social,

essas crianças e adolescentes cresciam em colégios internos (classes mais abastadas), asilos,

educandários, reformatórios (classes pauperizadas) que foram surgindo ao longo das décadas,

sendo as primeiras delas datadas do século XVI por iniciativas religiosas e filantrópicas como

a conhecida Casa da Roda3, que surge na Bahia, na Santa Casa de Misericórdia.

Nessa perspectiva, a preocupação em torno das crianças e adolescentes só foi ganhar

visibilidade e vir a ser pauta do Estado no final do século XIX e início do século XX, através

das iniciativas educacionais com vistas ao controle social e assistencial, em virtude do

crescimento e reordenamento das cidades. Assim sendo, essa intervenção tinha uma

intencionalidade clara, sobretudo, denotada através da higienização social justificada por

questões étnicas e ideológicas na época. Conforme apontado por Rodrigues e Lima:

3 De acordo com Marcílio (1997), a Casa da Roda ou Roda dos expostos foi uma instituição criada em 1734 no

objetivo de assistenciar as crianças que eram abandonadas nas ruas. Na maior parte dos casos, eram crianças fruto

de relações extraconjugais de portugueses ricos com suas escravas. A razão alegada para não assumir a paternidade

das crianças era justificada pela alegação de que a família burguesa não poderia ser maculada.

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Nas primeiras décadas do século XX, com o desenvolvimento dos centros

urbanos, começou a crescer também a preocupação com as crianças e os adolescentes “delinqüentes”, que vadiavam pelas ruas, criando desordem e

ameaçando a população. Entendia-se que essas possuíam constituição física e

moral debilitada, em função da pobreza e da miscigenação (RODRIGUES;

LIMA, 2002, p. 2).

Iniciaram assim, a partir de 1936, estudos relacionando a origem da problemática em

torno do “menor abandonado”4 a um contexto de desordem familiar, renda e influxo étnico,

este último reflexo de imigrações desregradas no país5. Nesse sentido, esses estudos

assinalavam a necessidade de uma interposição realizada pelo poder judiciário no intuito de

perscrutar e prevenir o envolvimento de crianças e adolescentes negras, pobres e indesejáveis

com ações criminais, envolvimento com prostituição, desenvolvimento de algum grau de

loucura ou anormalidades dos mais diversos gêneros. Como solução, categorizavam os tipos de

instituições para alocar as crianças e adolescentes de acordo com seu histórico e condições

físicas, psíquicas e sexuais diagnosticadas, conforme elucida Adorno (1991):

Com vistas ao tratamento adequado, sugeria uma classificação dos “menores”

nos seguintes termos: (a) para os idiotas e imbecis profundos, os asilos

privados; (b) para os indisciplinados, delinquentes, tarados, pervertidos e

perversos, os reformatórios; (c) para os surdos, míopes e cegos, escolas especiais; (d) para os débeis, colônias agrícolas com orientação profissional;

(e) para os tuberculosos, pré-tuberculosos, sifilíticos, cardíacos, sanatórios ou

hospitais adequados; (f) para os extraviados sexuais, colônias de trabalho; (g) retardados e anormais de boa índole, aproveitamento em emprego adequado

(ADORNO, 1991, pág. 182).

Estudos como esse foram bastante publicizados na época no objetivo de justificar a

necessidade de mediação junto a esse grupo social, pressionar o Estado para intervir com

práticas correcionais, defender a regulamentação do modelo de internação de “menores

abandonados e delinquentes”, e, sobretudo, para disseminação e aceitação. Nesses termos, a

mídia fez seu papel em defesa do modelo de internação, difundindo entre as classes populares

como uma alternativa benéfica de acesso a moradia, educação e cuidados para com as crianças

e adolescentes mais carentes.

4 “Menores abandonados” foi uma subcategoria criada pelos órgãos assistenciais do período para designar crianças

e adolescentes que não tinham figuras paternas nem maternas presentes assim como as crianças e adolescentes que

as famílias não tinham condições de prover. 5 O período que antecede o governo de Getúlio Vargas (até 1929) ficou conhecido pelo fluxo intenso de imigrações

no Brasil. Já nos anos de 1930 a 1945, tem-se a criação de diversas restrições que dificultam à entrada de imigrantes

no país. Os imigrantes foram muitas vezes considerados como indesejáveis, com exceção dos chamados “brancos

europeus”. Os que já se encontravam aqui fixados foram muitas vezes acusados de constituírem uma ameaça à

formação da nacionalidade, em termos raciais e/ou culturais. Em 1934, na Constituição Federal, foi instituída a

emenda conhecida como “lei de cotas” (GERALDO, 2009).

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Nesses termos, crianças e adolescentes que moravam nas ruas ou que as famílias não

tinham condições de prover foram institucionalizadas em centros de internação de acordo com

faixa etária, sexo, perfil e comportamento, tudo isso em comum acordo entre Estado e família,

dadas as condições de pobreza de grande parte da população. De acordo com Rizzini (2004, p.

22) “o recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o principal instrumento de

assistência à infância no país” o que evidencia a negligência do Estado em buscar alternativas

que possibilitassem a não separação das crianças de suas famílias e comunidade, muito comum

nessa época e não tão diferente até hoje, conforme será apontado mais à frente, na análise das

políticas contemporâneas de garantia e acesso a Direitos da Criança e do Adolescente.

Tal qual normatizavam as instituições, haviam certas distinções entre a criação de

meninos e meninas, reflexo de valores culturais, morais e do tradicionalismo da época. Assim

sendo, as meninas eram mantidas sob um “regime de enclausuramento”, de forma que tinham

pouco ou quase nulo contato com o mundo externo a instituição. Eram separadas para trabalhos

domésticos ou viviam como as freiras assumindo compromissos de castidade, submissão,

práticas religiosas e obediência (RIZZINI, 2004).

Até antes da promulgação da primeira legislação destinada a infância e juventude, não

havia distinção entre crianças, adolescentes e adultos no ordenamento jurídico penal, por isso,

todas eram julgadas e confinadas nos mesmos alojamentos quando do cometimento de delitos.

A idade era somente um atenuante da penalidade, concernindo a crianças e adolescentes um

período de tempo mais curto nessas instituições (SILVA, 2014).

A partir de 1903 foi criada a primeira Escola Correcional para capacitar os “menores

abandonados e delinquentes” e encaminhá-los a campos de trabalho. Nesse período era

utilizado um critério de discernimento na aplicação de penalidades, sendo considerado

inimputável o autor de atos infracionais de até nove anos de idade (BRITO; SILVA, 2016).

A partir da década de 1920, com o crescente movimento de grupos de crianças e

adolescentes nas ruas realizando atividades informais como serviços de engraxate, vendendo

jornais, auxiliando em serviços gerais, muitas delas sem acesso à educação, bens e serviços e

não somente por isso, mas também em virtude desses infortúnios, algumas delas iniciaram a

prática de furtos, cada vez mais noticiados nos jornais, como ilustrado pelo jornal Correio

Paulistano:

Abandonados pelas respectivas famílias, entregaram-se francamente à

malandragem e à gatunice, conhecendo todos os termos da gíria dos ladrões e as habilidades deles. Nas feiras, por entre a confusão dos vendedores e

compradores, batem as carteiras das senhoras; nas festas e noutras

aglomerações enfiam sorrateiramente a mão pelas algibeiras alheias e

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escamoteiam o dinheiro. E vão além, num progredir constante: saltam janelas,

subtraem objetos de valor; ocultamse (sic) nas casas comerciais e à noite ou furtam por sua própria conta ou abrem as portas para os profissionais do roubo,

aos quais prestam assinalados serviços (Correio Paulistano, 1922, p. 3 apud

ALVAREZ; LOURENÇO; SALLA, 2016, p. 6).

Por conseguinte, nesse mesmo período foram surgindo os primeiros mecanismos de

gestão que inter-relacionavam as categorias da pobreza, do abandono e da delinquência como

equivalentes de um só “problema”. Nesse sentido, foi realizado o 1º Congresso de Proteção à

infância em 1920 e, através do Decreto nº 16.272, de 20 de dezembro de 1923, foi aprovado e

regulamentado a assistência e proteção aos “menores abandonados e delinquentes” e instituído

o primeiro Juizado de Menores do Distrito Federal. O primeiro Juizado de Menores foi um

projeto elaborado pelo professor e jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, primeiro

juiz de menores do Brasil e da América latina. Ele tinha como objetivo assistenciar e criar

políticas de proteção aos “menores abandonados e delinquentes”. No Art. 91. do referido

Decreto, é instituído a criação do Conselho de Assistência e Proteção aos Menores, que tinha

como uma de suas atribuições “vigiar, proteger [...] os menores egressos de qualquer escola de

preservação ou reforma, os que estejam em liberdade vigiada, e os que forem designados pelo

respectivo juiz” (BRASIL, 1923).

Foi através da judicialização da infância que a terminologia “menor” passou a ser

utilizada indiscriminadamente de maneira pejorativa para denominar crianças e adolescentes

pobres, abandonadas e/ou infratoras (BRITO; SILVA, 2016). Essa forma de tratamento foi

disseminada, sobretudo, pela polícia nas ruas, para distingui-las das crianças pauperizadas e

encaminhá-las as instituições “destinadas ao abrigamento e à correção, no caso do Rio de

Janeiro”, conforme critérios estabelecidos de “hereditariedade, da degeneração, do atavismo,

dos sinais antropométricos (ALVAREZ; LOURENÇO; SALLA, 2016, p. 7). As captações das

crianças e dos adolescentes para as instituições de internação também eram realizadas através

de intervenções de agentes do juizado de menores nas cadeias comuns em que eram solicitadas

as transferências de “menores” que lá se encontravam.

No ano de 1924, através da Lei nº 2.059, de 31 de dezembro, foi criado no Estado de

São Paulo, com o objetivo de instituir uma política de amparo e proteção para os “menores

abandonados e/ou delinquentes”, o cargo de juiz privativo de menores (SÃO PAULO, 1924),

com o objetivo de instituir uma política de amparo e proteção para os “menores abandonados

e/ou delinquentes”. Conforme apontam os autores Alvarez, Lourenço e Salla (2016), esse foi

um avanço significativo na área das políticas nesse período, sobretudo, porque

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Retirava da autoridade policial o arbítrio com o qual vinha tratando a questão,

na detenção dos menores, na sua manutenção em locais inadequados (ainda que interditados pelo Código Penal) e ainda no seu encaminhamento. Com a

criação do juízo de menores, colocava-se a figura do juiz no centro da gestão

dos menores, fossem eles abandonados, pervertidos ou delinquentes. Era

obrigação da autoridade policial encaminhar ao juiz os menores apreendidos, e era responsabilidade desse o seu destino (ALVAREZ; LOURENÇO;

SALLA, 2016, p. 7).

Alguns anos mais tarde, através do Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927,

foram consolidadas as leis de assistência e proteção aos menores através do Código de Menores,

popularmente conhecido como Código Mello Mattos. O Código de Menores extinguiu a Roda

dos Expostos, estabeleceu a idade mínima para o trabalho a partir dos 12 anos e a

inimputabilidade até os 14 anos, contudo, era designado apenas as crianças e adolescentes

“abandonadas ou delinquentes” com idade inferior a 18 anos (RIZZINI, 2004). Um fato

sardônico apontado por Alves (2001, p. 10) é o de que “os menores tornavam-se sujeitos de

direito apenas no momento em que se encontrassem em estado de patologia social6”, tendo em

vista que a lei era somente aplicada a essa parcela estrita da infância e juventude. Vale destacar,

também, que a mesma redação do Decreto nº 16.272 — no que diz respeito ao tratamento dos

egressos — foi mantida através dos artigos 222 e 230 desse novo Decreto.

Até a década de 1930, o único aparato jurídico que delimitava a jornada de trabalho de

crianças e adolescentes era o Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de 1891, instituído por Manoel

Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório. Esse Decreto, contudo, só tinha validade

para os trabalhos provenientes de fábricas na capital federal do país (RIO DE JANEIRO, 1891).

Foi somente no ano de 1932 instituída pelo então presidente Getúlio Vargas, através do Decreto

nº 22.042, a duração da jornada de trabalho em 8 horas diárias para crianças e adolescentes —

sob condição de acréscimo na remuneração em virtude de prorrogação de até 1 hora. Além

disso, ficou estabelecido a idade mínima de 14 anos para trabalhos nas fábricas com a

apresentação de documentos — certidão de identidade, declaração de autorização dos pais ou

responsáveis, comprovantes de aptidão de leitura, escrita e noções de matemática bem como

comprovante de atestado médico (LIMA, 2008).

Foi nesse mesmo período que surgiu uma nova concepção de causalidade dos problemas

enfrentados pelos “menores abandonados e delinquentes” centrada na pobreza. Essa concepção

foi defendida por juristas como Roberto Lyra, apontando como o cerne da questão a

6 Segundo a concepção de Émile Durkheim, a sociedade é delineada de forma orgânica, isto é, busca,

sistematicamente, o equilíbrio. Nesse sentido, todo e qualquer comportamento adjacente ao equilíbrio é percebido

como sendo um ato patológico (MELO, 2015).

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indispensabilidade do tratamento humanitário através da justiça social, pois as crianças e

adolescentes eram, sobretudo, “(...) victimas dos tentáculos da miséria, da qual decorrem o

abandono, as doenças, os vícios, os crimes e tudo o mais (...)” (RIZZINI, 1995, p. 136). Com

isso, o problema da infância e juventude saiu da ótica jurídica para o enfoque no meio social.

Pensando no processo de judicialização que vinha sendo tratado a infância, as decisões eram

realizadas exclusivamente pelo Poder Judiciário e não pelas instâncias tradicionais (Congresso

Nacional e Poder Executivo). Com a transferência de poderes — antes concentrada em juízes e

tribunais — ocorreram alterações significativas na linguagem utilizada, na argumentação e na

maior participação popular (BARROSO, 2008).

Foi fundado, no ano de 1935, o Departamento de Assistência Social do Estado de São

Paulo, através da Lei nº 2.497. Na segunda parte da referida Lei, no capítulo I que trata do

Serviço de Assistência e Proteção, em seu art. 9, são elencadas as atribuições que viriam a ser

desempenhadas pelo Departamento, como a organização do serviço de assistência social,

médico e pedagógico; a fiscalização do funcionamento das instituições de amparo a reeducação

da infância no Estado, bem como as instituições oficiais e particulares que se encontrassem

crianças e ou adolescentes para que fossem, caso averiguadas irregularidades, tomadas as

devidas providências (SÃO PAULO, 1935). Dessa forma, o Estado buscava, através desses

novos aparatos de controle social, estar sempre se mantendo atualizado sobre a pauta da infância

e juventude, inclusive os que se encontravam em regime de liberdade vigiada e de colocação.

Por conseguinte, ainda no ano de 1935, foi instaurado um Instituto de Pesquisas Juvenis

(IPJ) ao lado do Abrigo Provisório de Menores do Estado de São Paulo que fazia alusão a um

“lar provisório” das crianças e adolescentes que se encontravam aguardando a sentença do juiz.

O papel do Instituto, previsto no artigo 74 da referida Lei, era de servir como uma espécie de

posto de observação e, dessa forma, nas palavras de Borges e Salla (2018, p. 328), “servir como

um fornecedor [de] informações e diagnósticos essenciais para os juízes e mesmo para os

administradores dos institutos”.

Sobre os egressos “menores”, a Lei nº 2.497, em seu art. 129 cita somente que são de

responsabilidade do Serviço Social de Assistência e Proteção aos Menores e que possuem o

direito de realizar consultoria jurídica de seu processo através do Consultório Jurídico de

Serviço Social, todavia, em momento algum entra em detalhes sobre o tipo de atendimento ou

serviços ofertados durante seu acompanhamento. São especificamente detalhadas somente as

seções referentes aos egressos de estabelecimentos correcionais e penais — que eram

destinados a maiores de dezoito anos — e dos egressos dos estabelecimentos hospitalares, esse

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último de responsabilidade do Patronato dos Hospitais de São Paulo que foi criado para esse

fim (SÃO PAULO, 1935).

Através do Decreto nº 9.744, de 19 de novembro de 1938, foi reorganizado o Serviço

Social de Menores (SSM) associado ao Departamento de Serviço Social. Conforme artigo 2 da

referida Lei, cabia ao Serviço Social de menores o dever de “amparar os menores de vinte e um

anos, egressos de estabelecimentos do Serviço, ou por este fiscalizados, auxiliando-os em seu

reajustamento” (SÃO PAULO, 1938). De acordo com o artigo 11, da mesma Lei, era de

competência da subdiretoria de Vigilância a oferta de serviços e cuidados aos egressos e

externos para sua reintegração social. Já no artigo 15, é atribuído ao subdiretor a organização

do Serviço de Egressos e Externos, classificando-os em três grupos: menores egressos; menores

à soldada; menores externos em geral. No mais, seria criada em cada município uma comissão

de cooperação, que estaria “integrada por elementos de eficiência social e reconhecida

idoneidade” no sentido de “promover o amparo aos menores egressos dos estabelecimentos,

mantidos ou fiscalizados pelo Serviço” (SÃO PAULO, 1938).

É partindo desse enfoque social que em 1938 o Conselho Nacional de Serviço Social é

fundado com fins de “suprimir os sofrimentos causados pela pobreza e miséria” (RIZZINI,

1995, p. 137) e mais à frente, em 1940, é fixado as bases da organização da proteção à

maternidade, à infância e à adolescência através do Decreto-Lei nº 2.024 de 17 de fevereiro

(BRASIL, 1940). Subsequente, em 1942, foi instaurado em âmbito nacional o Serviço de

Assistência ao Menor (SAM), como um aparato específico para assistir os “menores desvalidos

e delinquentes” numa ótica social através da formulação e implementação da Política Nacional

do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Não obstante, contraditoriamente, o SAM se estruturou na

mesma ótica de manter marginalizados socialmente aqueles que tiveram uma infância

“desvalida e delinquente”, sobretudo em razão da orientação correcional-repressiva que ele se

estabeleceu, e, por esse motivo, manteve uma política institucionalizadora e repressora como

forma de reverter o quadro da marginalidade e miserabilidade social (COSTA, 2012).

Através do SAM surgiu uma diferenciação na alocação do “menor delinquente” e do

“menor carente e abandonado”, sendo o primeiro encaminhado a um reformatório ou casa de

correção para seu “reajuste” e o último encaminhado ao Patronato Agrícola7, local em que

receberia incentivos à educação profissional. Todavia, como afirma Nagle (2001 apud Nery,

7 Patronato é uma palavra originária do latim, patronatu. Apresenta quatro significados distintos na língua

portuguesa, sendo dois deles muito pertinentes para esse estudo e por isso aqui citados, são eles: instituição de

assistência, na qual se abrigam e educam menores; e, pensionato e estabelecimento público ou particular, que se

destina a proporcionar aos liberados condicionais os meios necessários à sua readaptação à vida social (Ferreira,

2002, apud, Nery, 2009, p. 10).

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2009), esses centros explicitamente mais se baseavam em um plano assistencial de regeneração

pelo trabalho do que de um meio de oferta de educação técnico-profissional. Esse tipo de

diferenciação concebida era amparado pelo discurso de que não havia internato suficiente para

abrigar todas as crianças e adolescentes em conjunto, sendo este o único meio disponível. Em

outras palavras, assim como no período do Código de Mello Mattos, esse novo sistema se

parecia somente com mais do mesmo, sendo uma forma legitimada de manter a ordem social e

de acordo com suas próprias regras, restritas e autoritárias, decidir o destino da infância e

juventude carente. Consoante a essa reflexão, Faleiros (2009), expressa o seguinte:

A implantação do SAM tem mais a ver com a questão da ordem social que da assistência propriamente dita. [...] Vinculada ao Ministério da justiça e do

juizado de menores, tem como competência orientar e fiscalizar educandários

particulares, investigar os menores para fins de internação e ajustamento

social, proceder ao exame médico-psicopedagógico, abrigar e distribuir os menores pelos estabelecimentos, promover a colocação dos menores,

incentivar a iniciativa particular de assistência a menores e estudar as causas

do abandono (FALEIROS, 2009, p. 55).

Dessa forma, ao mesmo tempo que o Estado assumiu a responsabilidade para com as

crianças e adolescentes abandonadas ou que haviam cometido algum delito, terceirizou e

privatizou essa competência no intuito de atuar apenas na esfera da regularização e fiscalização

através do SAM. Assim sendo, firmou parcerias com empresas privadas ficando responsável

somente com o repasse de recursos financeiros pelos serviços prestados, o que caracterizou, nas

palavras de Costa (2012, p.7) “que o governo não havia assumido diretamente e exclusivamente

o atendimento ao menor”.

Mesmo se colocando como o responsável unicamente da fiscalização, o SAM não se

encarregou de tomar nenhuma providência sobre as séries de denúncias noticiadas pela

imprensa dos maus tratos, abusos dos mais diversos8, torturas e corrupção administrativa dentro

das instituições de reclusão designadas de assistenciar e prover o acesso a educação, bens e

serviços a crianças e adolescentes (COSTA, 2012). Em consequência, isso foi inevitável que o

SAM malograsse, ficando conhecido pela população sob alcunha de “sucursal do inferno” e

“universidade do crime”9.

Além do SAM, em 1942, havia sido criado o Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial — SENAI, através do Decreto nº 4.048, de 22 de janeiro, pelo presidente Getúlio

8 O Serviço de Assistência ao Menor (SAM) desenvolveu uma péssima reputação — tanto pela imprensa quanto

pela população — sendo chamada de “universidade do crime” e “sucursal do inferno”, pois segundo eles,

funcionavam como verdadeiras prisões em que se imperavam torturas, drogas, violência, abuso sexual e corrupção

administrativa (GOMES DA COSTA, 1991 apud OLIVEIRA, 2007, p. 138). 9 Terminologias utilizadas por VIEIRA e VERONESE (2010).

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Vargas. É importante resgatar esse período, que ficou conhecido como Estado Novo10, pelo seu

destaque na história da economia brasileira, especialmente no que concerne ao processo de

industrialização do país em virtude dos problemas econômicos enfrentados com a II Guerra

Mundial que demandavam a atenção do Estado. O SENAI surge através do estabelecimento de

parceria entre o setor público e o setor privado, sendo financiado e mantido com recursos

empresariais e administrado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Sua criação tem

propósitos bem definidos, centrados na capacitação e formação de crianças e adolescentes

carentes que posteriormente viriam a se tornar trabalhadores das grandes indústrias do país.

Essa foi uma das brilhantes ideias do governo de Getúlio Vargas; baseada na ótica da

“regeneração pelo trabalho”, o Estado conseguia sem custo formar seu exército de mão-de-obra

especializada que, posteriormente, serviria as grandes indústrias que “patrocinaram” esse

acordo. Com isso, todos ficavam felizes: os empresários com seus grandes lucros, a indústria

nacional com seu desenvolvimento e incentivo e o Estado que “regenerava” e mantinha os

“menores” na linha. Nota-se, portanto, as sutilezas presentes nos discursos “progressistas” da

época, através das implementações de legislações protecionistas à infância e juventude que nada

mais eram que apenas fachada para legitimar a mão-de-obra barata como reforço ao “progresso

nacional”.

Indiretamente o Código Penal de 1940 veio a ser um marco na história da legislação da

infância e juventude em virtude de apresentar, em seu artigo 23, penalmente irresponsáveis os

menores de dezoito anos, discriminando assim crianças, adolescentes e adultos através de

critério biológico de discernimento, como bem denota Bizatto e Bizatto (2014):

Segundo as normas do Código Penal Brasileiro de 1940, os menores de 18

anos que infringissem a lei penal não poderiam ser submetidos ao processo

criminal comum, isto porque baseava-se na presunção absoluta de falta de discernimento. O legislador entendeu que para punir é necessário ter

esclarecimentos acerca da infração e como a personalidade do menor ainda

não estava concluída, não era possível puni-lo. Aliás, é da essência da lógica e da razão que para ser punido é preciso ter entendimento (BIZATTO;

BIZATTO, 2014, p. 27).

Conforme o exposto, em termos de avanço legislativo esse foi um marco da época,

sobretudo por trazer garantias mais sólidas do direito protecional da criança e do adolescente.

Em 1944 foi instituído o Decreto nº 16.575, de 11 de setembro, que preteria uma reorganização

do ordenamento jurídico, instituindo ao SAM novas atribuições e o subordinando ao Poder

10 Estado Novo ou Terceira República Brasileira como também ficou conhecido, foi o regime político brasileiro

instaurado por Getúlio Vargas de 10 de novembro de 1937 a 31 de janeiro de 1946. Esse período foi caracterizado

pela centralização do poder, pelo nacionalismo, “anticomunismo” e pelo autoritarismo (CODATO, 2013).

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Executivo articulado ao Juizado de Menores. Dessa forma, a concepção de menor passou a ser

destaque entre um embate entre o poder executivo e legislativo, num conflito extenso entre ser

o menor objeto de direito ou sujeito de direito, respectivamente. Como objeto de direito, lhe

seriam aferidas concessões do ordenamento jurídico em virtude do interesse público, sendo

assim, as prerrogativas instituídas para a população em geral teriam validade também para a

infância e juventude, tal qual se fosse sujeito de direito, seriam criadas leis que não apenas lhe

contemplassem, mas que fossem específicas e conseguissem protege-lo (MARTINS, 2009).

No ano de 1946 houve a criação pela Organização das Nações Unidas11 do Fundo

Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas12 (UNICEF) a fim de orientar

ações assistenciais no plano jurídico e de responder às demandas das crianças em virtude da II

Guerra Mundial. (UNICEF, 2017). Nesse mesmo ano foi instituído o Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial — SENAC nos mesmos moldes e para os mesmos fins lucrativos que

o SENAI.

Em decorrência da necessidade da criação de uma legislação que reconhecesse e

efetivasse os direitos e proteção da criança e do adolescente (COSTA, 2012), em 1948, foi

realizado o IX Congresso Pan-americano da Criança13 em Caracas, capital da Venezuela.

Posteriormente à criação do UNICEF e da realização do IX Congresso foi promulgado a Lei nº

3.133, de 8 de maio de 1957, modificando o instituto da adoção prescrita no Código Civil

(BRASIL, 1957). Apesar de não parecer um marco significativo, a promulgação dessa Lei foi

basilar para os avanços que sucederam na esfera do direito da criança e adolescente. Através

dela foi legitimada a adoção e criados programas para subsídios familiares e isso implicou aos

poucos no reconhecimento do papel da família por parte do Estado no processo de

ressignificação14 dos conflitos com a Lei enfrentados por crianças e adolescentes que deixou de

ser étnico, econômico, psicológico e moral e passou a ser tratado na esfera social.

11 A Organização das Nações Unidas foi criada através do tratado estabelecido na Carta das Nações Unidas,

assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre

Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de outubro daquele mesmo ano (ONUBR, 2019). 12 Em inglês: United Nations International Children's Emergency Fund - UNICEF. 13 A gênese dos Congressos Internacionais da Criança e do Adolescente são datados do século XX, na Europa, no

objetivo de tratar sobre temas relativos à infância, prática que mais à frente se estendeu também à América. O

Primeiro Congresso Pan-Americano da Criança foi realizado em 1916, em Buenos Aires através de sete sessões:

direito, higiene, psicologia, educação, assistência à mãe e à criança, sociologia e legislação industrial (SOUZA;

CORDEIRO, 2015). 14 Não confundir ressignificação com ressocialização. O processo de ressignificação diz respeito ao

desenvolvimento de uma nova perspectiva de vida e a superação de antigas práticas desempenhadas a partir de um

processo sistemático de valorização e autonomia do ser humano para que seja atribuído um novo significado a

vida, ao meio social e as relações do indivíduo. Já ressocialização diz respeito ao processo de reintegração à

sociedade com os aportes realizados através das medidas socioeducativas (SEBBEN; PIMENTEL, 2018).

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Em 1959, a ONU, através do UNICEF, elaborou a Declaração Universal dos Direitos

das Crianças, aprovada por unanimidade no dia 20 de novembro do mesmo ano pela Assembleia

Geral da Organização das Nações Unidas. Esse documento tem grande importância devido a

ser “o primeiro código internacional que reconhece os direitos das crianças em matéria de

cuidados de saúde, nutrição, educação e proteção” (UNICEF, 2017). Entre os dez princípios

elencados na Declaração, para efeito de elucidação e análise, dou destaque aos mais pertinentes

no que concerne a criança tida como “menor abandonado e/ou delinquente”:

Princípio 1º: A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração.

Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes

direitos, sem distinção ou discriminação [...] ou qualquer outra condição, quer

sua ou de sua família. Princípio 2º: A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas

oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis

visando este objetivo levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses

da criança.

Princípio 7º: A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Os melhores interesses da criança

serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta

responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais [...]. Princípio 9º: A criança gozará proteção contra quaisquer formas de

negligência, crueldade e exploração. [...] Não será permitido à criança

empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou

emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu

desenvolvimento físico, mental ou moral (BRASIL, 1959).

Esse notoriamente foi o documento mais completo e avançado se tratando do direito da

criança e do adolescente promulgado até a época. E foi dessa forma que se iniciou a década de

1960 no Brasil; com discussões sobre a reforma de base, direcionamento de uma política de

bem-estar social após todos os esforços empregados para que o Brasil viesse a assinar a Carta

das Nações Unidas, todavia, contraditoriamente, nessa mesma década, a partir de 1964, se

instaurou a ditadura militar no país15. Dado o cenário, o compromisso firmado pelo Brasil e,

vale ressaltar, a repercussão negativa que as instituições governamentais tiveram no que se

refere ao tratamento humanitário da criança e adolescente desassistida ou que havia cometido

algum ato infracional, no final do ano de 1964 foi extinguido o SAM. Contudo, para que

pudesse continuar seu sistema de controle, o Estado instaurou um novo aparato para oferta dos

15 Em linhas gerais, a ditadura militar no Brasil iniciou em março de 1964 e perdurou por um período de vinte e

um anos. Durante seu regime, houveram 6 mandatos militares e foram instituídos dezesseis atos institucionais –

mecanismos legais que se sobrepunham à constituição. As principais características desse golpe contra a

democracia foram a restrição à liberdade, repressão aos opositores do regime e forte censura (CARVALHO, 2018).

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serviços de assistência a “menores” chamado Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

(FUNABEM). Conforme pontuado por Daminelli (2017, p. 2) “paulatinamente, as instituições

e a população infantojuvenil (sic) assistida pelo órgão [SAM] foram incorporadas à

FUNABEM, herdeira inevitável de um arcabouço material e simbólico do qual imperava

distanciar-se”. Nesses termos, um dos maiores objetivos do Estado através da FUNABEM era

o de desfazer a imagem negativa que a população criou dos internatos, especialmente do

infortunado SAM.

A Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor (FUNABEM) foi criada em 1º de

dezembro de 1964 através da Lei nº 4.513, no objetivo de integralizar as atribuições do Serviço

de Assistência a Menores (SAM) assim como “formular e implantar a política nacional do bem-

estar do menor, mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação,

coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política” (BRASIL, 1964).

Contudo, apesar de bem definidas as atribuições da FUNABEM, consoante a “clara prevalência

da ideologia política sobre a filosofia-jurídica” apontada por Alves (2001, p. 12) que era

preponderante no nosso país, sobretudo pelo cenário que estava sendo vivenciado com o

combate a “ameaça comunista”, foram priorizadas ações que viessem a inibir a veiculação de

mídias que tratassem de temáticas de crimes, terror ou violências e foram adotadas medidas de

repressão através de castigos físicos como medidas de correção (ALVES, 2001).

Entre os princípios instituídos pela FUNABEM e disseminado pelas suas congêneres

estaduais chamadas de FEBEMS, Alves (2001, p. 12) traz que a prioridade era “[...] para

programas de assistência à família e colocação em lares substitutos; criação de instituições que

possuam características de vida familiar; e respeito às peculiaridades das comunidades das

diversas regiões do país”. Contudo, ainda numa ótica organicista no tratamento da temática do

“menor”, durante um longo período foi de preocupação da FUNABEM elaborar estudos e

sistematizar características comuns a crianças e adolescentes no que concerne aos seus aspectos

sociais, pedagógicos, psicológicos, jurídicos e referentes à saúde (TATAGIBA, 2008)

conforme brevemente apresentado a seguir:

Sob o ponto de vista social [eram características dos menores]: desagregação familiar, incapacidade física e mental dos pais, rejeição, conduta divergente.

Quanto ao enfoque pedagógico, as características do processo refletem

carência de ordem: escolar, de socialização, mental, sensorial (deficiências), emocional. No aspecto saúde, o processo de marginalização evidencia-se sob

a forma de: doenças mentais, doenças infecciosas, doenças verminóticas e

carenciais [...] (FUNABEM, 1976, p. 17-18 apud TATAGIBA, 2008, p.14).

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De acordo com esses estudos foram delineados pela FUNABEM quatros tipos de

“menores” e desses se destacaram três deles16 sendo: o menor pré-marginalizado de 0 a 9 anos,

o menor de "acesso" com idade entre 10 e 13 anos e o menor do tipo "final" com idade entre 17

e 18 anos. Através dessa classificação que a FUNABEM se destacou no que diz respeito as

primeiras proposições de práticas preventivas e educativas em detrimento de práticas corretivas

e repressivas.

Através da Lei nº 5258, de 10 de abril de 1967, foi criado o dispositivo que versa sobre

as medidas aplicáveis a crianças e adolescente de até dezoito anos incompletos que cometessem

algum ato infracional. Assim sendo, de acordo com os artigos 1 e 2, caso a criança ou o

adolescente transgrida, ela ficará sob tutela do Estado que averiguará o precedente e de acordo

com a personalidade e a natureza do ato, aplicará medidas de proteção, assistência e vigilância.

Nesses termos, caso o adolescente tenha idade inferior a dezoito anos e superior a quatorze

anos, e praticado algum tipo de delito que não culminou na sua internação em alguma instituição

de responsabilidade do Estado, assim como por motivo de interpretação do juiz em “indícios”

dado pela criança ou adolescente da sua conduta, ele poderá cumprir sanção em estabelecimento

próprio para sua condição em consonância com esta Lei (BRASIL, 1967).

A década de 1970 no país é marcada por intensos debates no campo do direito da criança

e do adolescente, sobretudo nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, palco das principais

decisões jurídicas da temática. Enquanto no Rio de Janeiro era defendido que a interpretação

do juiz prevalecesse para a aplicabilidade da lei, em São Paulo juristas defendiam que a raiz do

problema estava na estrutura perversa que moldou a sociedade e, portanto, as crianças e

adolescentes nada mais eram que vítimas desse sistema devendo dessa forma ser dado as

condições basilares para que esse sistema se modificasse (RIZZINI, 1995).

É dessa forma que o Estado de São Paulo munido das ideias de seus juristas decide

transformá-las em práticas e funda, em 1973, através da Lei nº 185, de 12 de dezembro,

autorizado pelo Poder Executivo a Fundação Paulista de Promoção Social ao Menor (PRO-

MENOR). Uma particularidade dessa lei foi a instituição da participação popular no Conselho

Estadual de Promoção Social do Menor, ainda de maneira atravessada, já que seus membros

eram indicações do Governador, contando, também com entidades de iniciativa privada.

Em 1975 é criada a Comissão Parlamentar de Inquérito formada por deputados da

Câmara Federal designados para tal fim. No intuito de apurar a realidade dos “menores”, foram

elaborados e enviados para os 3.953 munícipios brasileiros questionários sobre a situação da.

16 Este modelo implantado pela ditadura ainda não foi totalmente superado; dado a configuração da segurança

pública e políticas criadas dentro das instituições e fora delas.

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Como resultado, esse estudo criou um relatório que apresentou uma situação calamitosa no que

diz respeito a assistência de crianças, adolescentes e suas famílias. Em virtude do número de

questionários e análises de dados necessárias a Comissão levou um ano para concluir o relatório

e apresentar seu conteúdo. A proposição foi levada a plenária do dia 23 de junho de 1976,

sujeita à apreciação e aprovada (PRC 81/1976 CPIMEN — Projeto de Resolução) que

posteriormente foi transformado na Resolução da Câmara dos Deputados 21/1976. Nas palavras

de Boeira (2015, p. 174):

O relatório da CPI do Menor tem no seu bojo caráter salvacionista,

identificando crianças e adolescentes como vítimas de disfunção social, que,

por não disporem de renda suficiente, têm insatisfatória participação no

consumo de bens materiais e culturais e não usufruem os serviços de saúde, habitação, alimentação, educação, profissionalização e recreação, tornando-os

párias numa sociedade cada mais vez mais excludente.

Nesse sentido, o relatório busca apresentar um diagnóstico da conjuntura vivenciada

pelas crianças e adolescentes dentro de um panorama mais amplo da modernização acelerada e

urbanização dos grandes centros nas quais esses indivíduos foram excluídos dos processos de

produção, consumo e cidadania. Por conseguinte, é identificado que a abordagem utilizada para

reconhecer a criança e ao adolescente assim como os termos depreciativos para caracterizar o

“menor” como abandonado, carente, desassistido, delinquente, perverso, infrator culmina

também na marginalização e exclusão social do mesmo, e como bem denota Boeira (2015, p.

193-194) “para entender o lugar social que a criança (menor) ocupa na historiografia, não se

analisa fragmentos de forma isolada” porque perde-se de vista os sujeitos coletivos dessa

história, a identidade desses indivíduos, todo o contexto que os cerca, todos os enlaces e

entrelaces que denotam e nos contam essa história de maneira mais completa.

Destarte, Alvim e Valladares, 1988, vem ressignificar a importância dessa comissão e

desse documento para a época:

[...] a CPI pode ser entendida como um marco, em duplo sentido. É o

reconhecimento que a chamada “questão do menor” tornara-se prioritária e que o Código de Menores de 1927 já estaria defasado18 por não instituir

mecanismos “eficazes” no tratamento do chamado “menor infrator”. Por outro

lado, o documento resultante da CPI tornou-se “o diagnóstico” da situação do

menor pobre no país e os dados que produziu se revestiram de tal legitimidade que se tornaram citação obrigatória em todos os documentos oficiais e

referência importante em todas as pesquisas sobre o tema. A CPI do Menor

revelava a existência, em 1976, de 13.542.508 menores em situação de carência (aqueles cujos pais ou responsáveis não possuem condições para

atender às suas necessidades básicas) e 1.909.570 abandonados (não têm pais

ou responsáveis para o atendimento de suas necessidades básicas). Informava

também que, em 1975, 11.812 delitos haviam sido praticados por menores,

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com maior incidência no Sudeste (44,17%) e no Nordeste (37,98%). E ainda,

segundo estimativas baseadas em indicadores sócio-econômicos (sic), seria de 25 milhões o número de menores carentes e abandonados (ALVIM;

VALLADARES, 1988, p. 11).

No final da década de 1970, o UNICEF ampliou e reconfigurou sua atuação no Brasil

deixando de ser um mero órgão assistencialista para moldar suas práticas em apoios efetivos e

direcionados as comunidades carentes. Ainda nesse período, urgem diversos movimentos

voltados para o apoio da infância e juventude, sobretudo em São Paulo. Dessa forma, é realizada

uma série de denúncias de maus-tratos, violência e negligência aos “menores”, o que vem a dar

suporte às cobranças realizadas ao Estado de uma legislação efetivamente protecionista em

objeção as práticas punitivas e correcionais realizadas (BOEIRA, 2015). Dessa forma, através

da Lei nº. 6.697, aprovada em 10 de outubro de 1979 é instituído o novo Código de Menores

de 1979.

De autoria do Senador Nelson Carneiro, o projeto foi inspirado na Declaração Universal

dos Direitos da Criança, do ano de 1959, da Organização das Nações Unidas. Originalmente,

havia sido proposto pelo Senador em seu projeto a garantia do direito à saúde, educação,

profissão, recreação e segurança social irrestrita a toda criança e adolescente. Além disso,

conferia ao Estado e a família, conjuntamente, o papel de assistenciar e proteger a criança e ao

adolescente, ficando garantido que, somente em última instância, os pais ou responsáveis

seriam destituídos do poder familiar. Contudo, o texto não foi aprovado na íntegra, pois segundo

interpretação da Câmara dos Deputados, temas com saúde, educação e recreação conflitariam

nas competências já de responsabilidade dos ministérios, portanto, foram suprimidas

(FLORIANO; AUSIER; VALLE, 2018).

Assim sendo, o Código de 1979 se estruturou na oferta de assistência, proteção e

vigilância a crianças e adolescentes com idade igual ou inferior a 18 anos que se encontrassem

em situação irregular17; as adultas entre 18 e 21 anos, conforme casos expressos em lei; e ainda

a toda e qualquer menor de 18 anos, independente de sua condição, se constatado a necessidade

de aplicabilidade de determinações de caráter preventivo (BRASIL, 1979). Com isso, o Código

se tornou um dispositivo basilar que serviu de norteador de documentos jurídicos posteriores

abandonando “a Doutrina na Situação Irregular e [colocando] em seu lugar a doutrina da

17 Era considerada criança ou adolescente em situação irregular aquele que se encontrasse “privado de condições

essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória; vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos

pelos pais ou responsável; em perigo moral; privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos

pais ou responsável; com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; autor de

infração penal” (BRASIL, 1979).

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proteção integral, onde a criança e o adolescente passarão a ser sujeitos de direitos” (GANDINI

JÚNIOR, 2007, p.3). Todavia, saliento o caráter contraditório do ordenamento jurídico

brasileiro, sobretudo, se tratando da legislação como é regulamentada e sua aplicabilidade. Nas

palavras de Alves (2001, p. 13):

[...] se por um lado o novo Código mantinha a idade penal em 18 anos, por

outro dispunha de mecanismos em que o menor acusado de delitos, mesmo

que sem provas, era passível de detenção, a não ser que sua família designasse um advogado para defendê-lo. Sem sombra de dúvida, tal dispositivo negava

á família pobre a possibilidade de defesa de seu membro acusado, mostrando

com isso a renitência do ranço da filosofia repressão-assistência que orientava a legislação do menor.

Nesses termos, apesar do avanço no aparato jurídico, ele ainda mantinha vestígios bem

preponderantes de uma política repressiva, assistencialista e manutencialista. Ao invés de

assegurar direitos da criança e do adolescente seu propósito principal era o de tentar apaziguar

os ânimos da população que estava demandando fervorosamente a implementação de novas

políticas protecionistas.

Durante a década de 1980 foi vivenciado no Brasil a segunda fase do longo processo de

redemocratização do país18. Houve diversas mobilizações populares em praticamente todos os

Estados do país com criação de comissões populares para organização da classe trabalhadora

no intuito de reestabelecer o direito ao voto direto e o tratamento humanitário se tratando dos

direitos civis. Apesar das mobilizações não terem conseguido alterar definitivamente a

conjuntura vivenciada, toda a mobilização realizada em prol da democracia não foi em vão,

pois com isso a ditadura militar foi enfraquecida. E não apenas isso, mas as eleições indiretas

realizadas pelo colégio eleitoral consagraram a vitória do candidato da oposição, o civil

Tancredo Neves como o presidente do Brasil, perdendo o então deputado Paulo Maluf que era

o candidato apoiado pelos militares. No entanto, o então presidente eleito Tancredo acabou não

assumindo o cargo, pois adoeceu repentinamente e faleceu sem tomar posse.

Contraditoriamente, foi através de seu vice, José Sarney, que as eleições voltaram a ser diretas,

apesar do seu forte vínculo com os militares, sendo seu governo marcado como o período de

transição democrática que teve seu marco através da Constituição de 1988, conhecida como

Constituição Cidadã, ultimando com o retorno da democracia.

18 O processo de redemocratização do Brasil é marcado, sobretudo, através da última eleição indireta e o fim do

regime militar (1985), todavia, a transição para a democracia se finda em 1988, no governo de José Sarney, com

a promulgação da nova Constituição brasileira (SOUZA, 2009).

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A Constituição Federal, a sétima da história do Brasil, foi promulgada em 05 de outubro

de 1988, elaborada pelo Congresso Constituinte por deputados e senadores eleitos

democraticamente no ano de 1986. Com este documento foram instituídas normas irrevogáveis

— cláusulas pétreas — como o direito ao “voto direto, secreto, universal e periódico; a

separação dos Poderes; e os direitos e as garantias individuais” (BRASIL, 1988). Além disso,

houve alterações significativas nas áreas da saúde e proteção da infância e juventude

respectivamente através da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e modificação das

legislações acerca do direito da criança e do adolescente além da criação do novo Código Civil,

contudo, foi somente com a promulgação da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que foi

instituída uma política pública para promoção e garantia do direito da criança e dos

adolescentes.

2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA: Avanços no sistema de garantia de direitos

para crianças e adolescentes autores do ato infracional e o processo de reinserção social

Conforme apresentado anteriormente, tradicionalmente o atendimento a infância e

juventude era destinado somente a parcela das crianças e adolescentes que haviam tido seus

direitos violados — através da perda ou abandono familiar, famílias que por serem menos

favorecidas econômica e socialmente não tinham como prover seus filhos e por isso destinavam

ao Estado sua tutela para que fossem institucionalizados numa ilusória expectativa que assim

eles tivessem um futuro melhor. Nestes termos, somente aqueles chamados de “menores” é que

tinham algum reconhecimento por parte da legislação e, sobretudo, tão somente no objetivo de

serem enquadrados, privados de liberdade — o que era mascarado por uma ilusória proteção

do Estado, sendo na verdade, uma forma de somente isolar o “problema” colocando-o a margem

da sociedade.

Nicolau (1984, p. 8) traz que “esta acepção da menoridade, sociologicamente construída

no contexto da sociedade, está fundamentada numa visão de família burguesa”, incidindo nessa

distinção feita entre crianças, adolescentes e menores o que configura “um verdadeiro apartheid

social no universo da população infanto-juvenil” (NICOLAU, 1984, p. 9). E muito além de

serem terminologias utilizadas durante um período longínquo, vemos que ainda hoje elas fazem

parte do vocabulário com uma função moral e segregadora de distinguir “cidadãos de bens” de

“indivíduos perturbadores da ordem pública”.

Sendo a legislação unicamente para os casos em que crianças e adolescentes cometiam

atos infracionais, em verdade não existia até então uma legislação que promulgassem seus

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direitos e deveres. Nesses termos, o Estatuto da Criança e do Adolescente surge para superar

distinções, discriminações, preconceito e toda forma de violência cometida para com as crianças

e adolescentes. Ele rege sobre as oportunidades e facilidades para assegurar o desenvolvimento

físico, mental, moral, espiritual e social desses indivíduos lhes proporcionando plenas

condições. Em suas diretrizes19, o ECA indica possibilidades da criação de condições favoráveis

visando a garantia e o respeito aos direitos da criança e do adolescente, assumindo uma ótica

educativa, constituindo este uma nova fase da política voltada para a criança e do adolescente

(fase educativa)20.

Assim sendo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi instituído seguindo os

princípios da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança aprovado pela ONU

e da Declaração universal dos Direitos da Criança de 1989, dispondo sobre a proteção integral

à criança e ao adolescente através da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Para efeitos dessa

Lei, é considerada criança, o indivíduo de até doze anos incompletos e, adolescente, aquele que

possui entre doze e dezoito anos de idade (BRASIL, 1990).

Desde que foi criado, o Estatuto da Criança e do Adolescente vem se consolidando como

o principal instrumento de promoção e garantia de direitos de crianças e adolescentes. É um

dos dispositivos mais avançados e completos se tratando da instituição de direitos, deveres e

competências. Sendo ele seguido integralmente, teríamos um sistema de proteção prioritário no

tratamento dos problemas referentes a infância e juventude e a garantia das premissas

fundamentais para o atendimento dessa população, contudo, por mais que indiquem questões

19 Em linhas gerais, segundo o Art. 88. do Estatuto da Criança e do Adolescente, são diretrizes da política de

atendimento: I - a municipalização do atendimento; II - a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis; III - a

criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa; IV - a

manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da

criança e do adolescente; V - a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria,

Segurança Pública e Assistência Social [...] para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem

se atribua autoria de ato infracional; VI - a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público,

Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para

efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar

ou institucional; VII - a mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos

da sociedade (BRASIL, 1990). 20 Anterior a esta fase educativa identificam-se duas outras fases na assistência à criança e ao adolescente: a) a

primeira, denominada correcional-repressiva, que vai de 1927 ao final da década de 50 já analisada ao logo deste trabalho; b) a segunda - assistencialista - vai de 1964 ao final da década de 80 (do século XX). A fase correcional-

repressiva caracterizava-se por uma política de intervenção direta do Estado, através de ações incisivas de

repressão e punição em face da problemática social emergente da criança e do adolescente. Tais ações eram

reguladas pela Lei 17.943-A, a qual consolidava a ação sobre esta problemática, pela intermediação do juiz da

infância e da juventude em sua ação tutelar. Este código regulava, basicamente, o menor vadio e o menor

trabalhador, considerados, numa escala de periculosidade que ia do abandono à delinquência. Neste processo, a

criação de novos códigos e leis, departamentos e serviços em nada alteraram uma postura discriminatória,

consistindo em adaptações da lógica do “pão e palmatória”, assistência x punição, previstos para o “menor”

infrator (NICOLAU, 1984).

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sobre educação, saúde, assistência social, justiça, trabalho, cultura, esporte, restituição de

direitos e promoção da inserção social das crianças e jovens egressos do sistema socioeducativo,

em virtude do sucateamento das políticas públicas, não há uma efetivação dos direitos mais

básicos dos cidadãos.

Na parte especial da Lei nº 8069/90, temos o tratamento da política de atendimento dos

direitos da criança e do adolescente mediante a articulação de ações governamentais e não

governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Através da oferta

de serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social são garantidos a proteção

social no intuito de prevenir e/ou reduzir os casos de violações de direitos, agravamentos ou

reincidências. Para oferta desses serviços especiais foram criadas equipes de atendimento

médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e

opressão. Também foram criados os serviços de identificação e localização de pais,

responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidas; serviços de proteção jurídico-social a ser

realizado por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente; políticas e programas

destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e garantir o

efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes (BRASIL, 1990).

Quando por omissão da sociedade — do Estado, dos pais ou responsável — ou em face

de abusos ou conduta for ameaçado ou transgredido algum direito da criança e do adolescente,

são lhes assegurados medidas de proteção, conforme o art. 98 do ECA. Essas medidas poderão

ser aplicadas cumulativamente ou isoladas e também poderão ser substituídas em razão da

conveniência em qualquer momento (BRASIL, 1990).

Para aplicabilidade das medidas são consideradas essencialmente as necessidades

pedagógicas, tendo em vista o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, e alguns

princípios como: a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos; a proteção

integral e prioritária; a responsabilidade primária e solidária do poder público; o interesse

superior da criança e do adolescente; o respeito pela intimidade; a intervenção precoce pelas

autoridades competentes; a intervenção mínima; a proporcionalidade da penalidade; a

responsabilidade parental; a prevalência das medidas que os mantenham ou reintegrem na

família; a obrigatoriedade da informação dos seus direitos, dos motivos que determinaram a

intervenção e da forma como esta se processa; a oitiva obrigatória e participação nos atos e na

definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente

considerada pela autoridade judiciária competente (BRASIL, 1990).

Verificada omissão, abuso ou conduta inadequada pelo Estado, pais ou responsável,

poderão ser realizadas as seguintes medidas de proteção: encaminhamento aos pais ou

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responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento

temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino

fundamental; inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e

promoção da família, da criança e do adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico

ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou

comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; acolhimento

institucional; inclusão em programa de acolhimento familiar; e/ou colocação em família

substituta. Em virtude do seu caráter transitório, tanto o acolhimento institucional como o

acolhimento familiar são medidas provisórias excepcionais que visam a reintegração familiar.

Não sendo possível a reintegração e convívio familiar, a criança ou o adolescente são acolhidos

em instituições para posteriormente irem para uma família substituta. Nesse sentido, o

afastamento do convívio familiar dá-se em razão de medidas emergenciais para proteção das

vítimas acometidas de violência ou abuso sexual, sendo garantido aos pais ou responsável o

direito de ampla defesa que será analisado por autoridade judiciária competente. Não em razão

do cometimento de ato infracional, a criança ou o adolescente será excluído do convívio

familiar, sendo assegurado seu direito em consonância com o tipo de sanção aplicada (BRASIL,

1990).

O ECA, em seu art. 103, caracteriza o ato infracional como uma conduta descrita como

crime ou contravenção penal. Em virtude do cometimento de ato infracional serão aplicadas as

medidas de proteção especial à criança. Ao adolescente, verificada a prática de ato infracional,

poderão ser aplicadas as medidas de proteção especial ou as seguintes medidas: de advertência;

obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; regime

de semiliberdade; ou internação em estabelecimento educacional. É dever da autoridade

competente julgar cada caso a que lhe foi atribuído e sancionar a medida que o adolescente

deverá cumprir (BRASIL, 1990).

É concedido ao adolescente o direito pleno e formal de ciência do ato infracional que

está sendo julgado; a isonomia processual para que possa obter todas as provas necessárias para

sua defesa; a defesa técnica a ser realizada por um advogado; a assistência judiciária gratuita e

integral, caso não tenha condições de pagar um advogado; direito a se defender pessoalmente

perante a autoridade competente; a solicitação da presença dos pais ou responsável logo após a

apreensão. Além disso, a medida a qual o adolescente foi sentenciado deverá levar em conta

sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. Nesses termos, o

adolescente portador de necessidades especiais (doença ou deficiência mental) receberá

tratamento individual especializado em conformidade com suas condições (BRASIL, 1990).

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Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, de

quase 55 milhões de crianças e adolescentes que moram no Brasil, a maior parte (cerca de 68%)

está situada nas regiões Nordeste e Norte do país. Além disso, em quase todos os Estados, ao

menos seis em cada dez crianças ou adolescentes são negros. São exceção à regra os Estados

de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em que o contingente populacional

é menor. Destaca-se também que cerca de 6,5% (mais de 2,8 milhões) da população de crianças

e adolescentes não se encontra estudando e aproximadamente uma a cada cinco (18,9%), na

faixa etária entre nove e dezessete anos frequenta a escola com certo grau de defasagem entre

a idade cronológica e a idade escolar esperada. Nesse sentido, a pesquisa também aponta que

cerca de 19% da população de crianças e adolescentes no país sofre algum tipo de privação em

educação, e em 6,5% dos casos esta privação é extrema. Em números absolutos, esses 19%

equivalem a 8,8 milhões de crianças e adolescentes (PNAD, 2015).

No que concerne as privações no acesso à informação, os resultados são ainda mais

inquietantes. São aproximadamente dez milhões de crianças e adolescentes no Brasil sem

acesso à internet em seus domicílios, sendo destes mais de 70% negros e menos de 28%

brancos. Através desse dado temos como a dicotomia racial existente no país também tem

condição social clara estabelecida. A este dado adiciona-se a constatação de que pelo menos

500 mil crianças e adolescentes encontram-se sem qualquer meio de comunicação no local de

residência (PNAD, 2015).

Pensando no processo de desenvolvimento, a exclusão no acesso desses meios gera a

crianças e adolescentes desvantagens que vão se acentuando cada vez mais no contexto

socioeconômico, o que dificulta no acesso a educação de qualidade, no ingresso ao mercado

de trabalho e tudo isso culmina na perpetuação da pobreza e desigualdade social. Além disso,

o problema do acesso repercute também no processo de inserção precoce de crianças e

adolescentes no mercado de trabalho. Essa conjuntura muitas vezes comum em virtude da

necessidade de complementação de renda na família para sobrevivência surge como uma forma

de sociabilidade perversa e como apontado por Guimarães e Romanelli (2002, p. 118) essa

condição “não resulta apenas da situação de pobreza, mas a busca por emprego está associada

ao desejo de conquista de autonomia e de liberdade e também de consumo de bens que os pais

não podem proporcionar”. Sobre esse cenário, Prado (2014, p. 46) vem apontar que:

É diante de um panorama de desemprego estrutural, precarização e

flexibilização das relações de trabalho e desregulamentação de direitos e cortes de gastos públicos na área social que cresce boa parte das crianças e

adolescentes brasileiros [...].

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39

Esses sujeitos crescem sendo excluídos dos mais diversos tipos de socialização — seja

nas relações familiares, nas escolas, nos grupos sociais — num contexto social, econômico,

político nacional, ficando à mercê da casualidade ou tendo que “recorrer a programas

assistencialistas, que tentam burlar a imagem de miserabilidade e omissão do poder público

quanto aos direitos fundamentais do cidadão” (MONTE et al, 2011, p. 125). Nesse contexto,

esses grupos sociais vivenciam múltiplas violações — físicas, sexuais e psicológicas — e

simultaneamente a isto, ainda sofrem represálias em virtude do sensacionalismo midiático que

a todo momento tipifica o jovem negro, pobre, da comunidade como um inimigo da população.

Não obstante a perspectiva sensacionalista propagada a respeito dos atos infracionais

acometidos por adolescentes, dados da UNICEF (2002 apud Monte et al., 2011) apontam que

a incidência desses atos gira em torno dos 8% do total de transgressões perpetradas no Brasil.

Em contrapartida, ainda segundo a UNICEF (2002 apud Monte et al., 2011), a violência

cometida para com os adolescentes aumentou exponencialmente. Segundo dados do mapa da

violência, no ano de 2016 foram registrados cerca de 33.590 jovens assassinados, sendo 94,6%

deles do sexo masculino. Esse percentual representa um aumento de 7,4% em relação ao ano

anterior. Houve um aumento de adolescentes assassinados em vinte unidades federativas, entre

elas destacam-se o Acre (+84,8%) e Amapá (+41,2%). Somente em sete unidades federativas

foram constatados redução do número de mortes de jovens, destacando-se os Estados da

Paraíba, Espírito Santo, Ceará e São Paulo, com diminuição entre 13,5% e 15,6% (IPEA; FBSP,

2018).

Segundo dados da PNAD (2015), são cerca de 2,5 milhões de crianças no Brasil que

realizam algum tipo de atividade econômica, seja para prover o próprio sustento, da família e

proporcionar mínimas condições de acesso a bens de consumo. E nesse contexto, mais uma vez

crianças e adolescente negros são os que se apresentam em situação de maior desigualdade e

vulnerabilidade social, conforme apontado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF) na fala a seguir:

Embora a idade das crianças não apresente diferença em relação à privação de

abastecimento de água e serviço de saneamento, há diferenças marcantes em

relação à cor: por exemplo, crianças negras são 70% daquelas que estão privadas de serviços de saneamento. Desigualdades similares são observadas

também ao analisar o item domicílio adequado: crianças e adolescentes negros

são a maioria da população infantil que vive em condições habitacionais inadequadas (69%) (UNICEF, 2018, p. 9).

Apesar disso, de acordo com os últimos dados divulgados pela UNICEF é possível

pensar em um cenário progressivamente melhor à medida que vem sendo reduzida a pobreza

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infantil no Brasil. Segundo dados da PNAD (2015) houve uma diminuição exponencial do

quantitativo de crianças e adolescentes afetados por seis tipos de privações (o máximo possível)

de cerca de 70% entre o período de 2011 a 2015; e a proporção daqueles que sofriam cinco

privações simultâneas teve uma redução de 50% em 2015 em relação a 2011. Destarte, ainda é

considerável o número de crianças e adolescentes que sofrem os mais diversos tipos de

privações, sendo em 2015 pontuados cerca de 14 mil casos.

É importante frisar que a diminuição do quantitativo de crianças e adolescentes afetados

por n tipos de privações não significa dizer que os mesmos passaram a ter acesso a tudo que

antes encontravam-se sistematicamente privados de acesso, e, portanto, não permanecem mais

em situação de privação múltipla, mas sim que, apesar dele ainda se encontrar em situação de

privação múltipla, agora encontra-se sendo assistido em algumas áreas, o que

consequentemente atenua a intensidade de privações sofridas (UNICEF, 2018).

Um dado importante publicado pelo Conselho Federal de Psicologia diz respeito ao

perfil dos grupos em situação de vulnerabilidade social, que se assemelha e se confunde

bastante com o dos grupos marginalizados e excluídos do acesso a políticas públicas e

condições dignas de vida, conforme apontado por Ayeres et al (2003). Desse grupo destacam-

se especialmente os adolescentes em conflito com a lei, não por acaso, visto que são um dos

grupos sociais mais vulneráveis devido a fatores históricos, culturais e estruturais.

2.2.1 A problemática do adolescente egresso do sistema socioeducativo: a particularidade

da medida socioeducativa de privação de liberdade e a reinserção social

De acordo com o Levantamento Anual do Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo (SINASE), em 2016, 26.450 adolescentes encontravam-se cumprindo medida

socioeducativa no Brasil. Destes, 18.567 em regime de internação (70,19%), 2.178 em regime

de semiliberdade (8,23%), 5.184 em regime de internação provisória (19,59%), 334

adolescentes em atendimento inicial (1,26%) e 187 em internação-sanção (0,70%). O sistema

socioeducativo do Rio Grande do Norte se caracteriza como um órgão com menos de 200

adolescentes, de acordo com a distribuição por Unidade Federativa Brasileira, sendo 5.017

cumprindo medida na região Nordeste e, destes, 142 no Estado do Rio Grande do Norte

(BRASIL, 2018).

De 2011 a 2016, o número de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa

de privação de liberdade cresceu de 13.362 para 18.567, significando uma variação de 38,95%

em torno de cinco anos. Já do período de 2015 a 2016, foi constatado que o Estado do Rio

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Grande do Norte teve a quarta maior variação entre as quinze Unidades Federativas com o

aumento de 36,2% no total de adolescentes e jovens atendidos (BRASIL, 2018).

No Brasil, a distribuição das unidades de atendimento socioeducativo considera

primordialmente a concentração demográfica dentro do território nacional, isto é, o maior

número de unidades está presente nas Unidades Federativas mais populosas do país. Segundo

a Assessoria de Comunicação da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio

Grande do Norte - FUNDASE/ASSECOM (2018), no Estado do Rio Grande do Norte,

atualmente, são administrados pela FUNDASE dez (10) unidades de atendimento nas cidades

de Natal, Parnamirim, Caicó e Mossoró, sendo: quatro (4) Centros de Atendimento

Socioeducativo (CASEs) na modalidade de medida de internação, três(03) deles destinados aos

adolescentes do sexo masculino e um aos adolescentes do sexo feminino; três (3) Centros de

Atendimento Socioeducativo Provisórios (CASEPs), na modalidade de internação

Atendimento Socioeducativo de Semiliberdade, somente destinados aos adolescentes do sexo

masculino; três (3) Centros de Atendimento Socioeducativo de Semiliberdade (CASEMIs),

(2)dois deles destinados aos adolescentes do sexo masculino e um deles destinados aos

adolescentes do sexo feminino.

Consoante a legislação específica, que trata das normas e diretrizes referentes aos

Centros Educacionais, Lei 12.594/12, o termo medida socioeducativa diz respeito ao conjunto

de todas as medidas privativas de liberdade — tanto internação como semiliberdade e medida

provisória — bem como as não privativas de liberdade — medidas de liberdade assistida e

prestação de serviços à comunidade (BRASIL, 2012).

Os Centros de Atendimentos Socioeducativos são geridos pela Fundação de

Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio Grande do Norte (Fundase/RN) que é um órgão

de administração indireta do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, vinculado à Secretaria

de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (SETHAS), responsável pela

execução das medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes que cometeram ato

infracional de todo o Estado (FUNDASE/RN, 2018).

Além de ser o órgão competente que administra os Centros Educacionais do Estado e

que organiza o funcionamento dessas instituições e do ordenamento jurídico, a FUNDASE

também coordena e articula parcerias com os demais órgãos públicos que venham a contribuir

para defesa e desenvolvimento da cidadania e para melhoramento das políticas públicas

voltadas à juventude (FUNDASE/RN, 2018). Entre suas funções, lhe compete: orientar e

prestar apoio sociofamiliar; apoio socioeducativo em meio aberto; colocação familiar; abrigo;

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acolhimento institucional; prestação de serviços à comunidade; semiliberdade; liberdade

assistida e internação (BRASIL, 1990).

Como afirma Mazzeo (2015, p. 67), “[...] ao estudarmos uma realidade social, o

fundamental é situa-la no âmbito da relação universal-particular [...]”. Nesse sentido, o estágio

realizado no Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu (CASE Pitimbu) foi uma

oportunidade de apropriação da realidade concreta. Um momento de observar, refletir e intervir

no exercício profissional enquanto propositora no projeto de intervenção, tendo como aparatos,

os instrumentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico operativos além da

instrumentalidade como propriedade de concretizar objetivos. Foi a partir do movimento da

realidade institucional, suas contradições e seus aspectos significativos que foram realizados

observações e registros no intuito de problematizar o modo de reinserção social instituído

através desses aparelhos institucionais, mais especificamente, através do Centro de

Atendimento Socioeducativo Pitimbu.

2.2.1.1 Caracterização do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu

Em princípio, denominado Instituto Estevão Machado, essa unidade foi fundada em 04

de julho de 1954 e pertencia a Arquidiocese de Natal tendo como público cerca de vinte (20)

adolescentes. O principal objetivo do instituto era o de prestar assistência aos, chamados na

época, “delinquentes”, que haviam na cidade. Nele, os adolescentes praticavam atividades

ocupacionais e realizavam tarefas — quando haviam — mas sem receber nenhuma

remuneração por elas (RIO GRANDE DO NORTE, 2014).

Por um longo período, o Instituto Estevão Machado permaneceu pelo apoio de práticas

caritativas de cunho moralista e, somente na década de 1970, passou a receber apoio financeiro

da Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e do Governo do Estado do

Rio Grande do Norte. Com esse apoio financeiro, o Instituto Estevão Machado passou a ser

administrado pelo Estado e atender sob encaminhamento do juizado de menores. Todavia, ao

longo dos períodos, a unidade passou a ter problemas no que diz respeito ao atendimento aos

internos, o que ocasionou várias denúncias e propagação pela mídia dos acontecimentos,

culminando na reformulação do instituto que passou a ser chamado de Centro de Reeducação

do Menor - CRM (LIBERATO, 2010).

O CRM foi criado em 1979 com o objetivo de materializar, por meio dos princípios do

1º Código de Menores de 1927, as práticas de repressão, punição e assistência associado a

concepção da política de segurança nacional que estava sendo instaurada na época. Ele era

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conhecido também como Colônia Agrícola. Sua administração era toda realizada pela polícia

militar, o que por si só explicava as práticas adotadas e os princípios educacionais para com os

adolescentes (LIBERATO, 2010).

Somente com a promulgação da Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990, com a instituição

do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi que o CRM passou a ser denominado

Centro Educacional Pitimbú (CEDUC Pitimbú) sob nova administração. Com esse novo

Estatuto houve a necessidade de reformulações na infraestrutura física dos Centros

Educacionais, para que ela se readequasse aos novos moldes do que a Lei preconizava uma vez

que ainda existiam resquícios do Código de Menores nas próprias instalações (LIBERATO,

2010).

A partir de 20 de novembro de 2018, com a publicação no Diário Oficial do Estado

(DOE), através da Portaria nº 255/2018 — GP, as unidades de atendimento socioeducativo

passaram a ter uma nova nomenclatura. Nesses termos, o então Centro Educacional Pitimbú

passou a ser chamado de Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu - CASE Pitimbu (RIO

GRANDE DO NORTE, 2018).

O CASE Pitimbu hoje se constitui como uma instituição de natureza pública estadual,

financiado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte sendo os repasses feitos através da

FUNDASE — tanto de recursos humanos como de recursos financeiros e materiais — de

cumprimento de medida socioeducativa de internação com privação total de liberdade para

adolescentes do sexo masculino da faixa etária entre 12 e 18 anos, com casos excepcionais de

adolescentes de até 21 anos que cometeram o ato infracional antes de atingir os 18 anos e estão

cumprindo medida com manutenção estendida até três anos que é o tempo máximo permitido

para medida de internação (BRASIL, 1990).

Até meados de abril, o CASE Pitimbu contava com trinta e oito (38) adolescentes em

cumprimento de medida socioeducativa, sendo trinta e um (31) lotados no CASE I e oito (07)

no CASE II. Quando se envolveram com a prática de atos infracionais, praticamente todos eles

estavam fora da escola. A partir de avaliação pedagógica foi-se constatado que vários deles

apresentam dificuldades severas na escrita, leitura e operações matemáticas básicas e, por

desestímulo à continuidade dos estudos ou por possuírem inimizades dentro das escolas,

acabaram se evadindo das mesmas. A faixa etária dos adolescentes até abril de 2018 variava

entre 14 e 19 anos, conforme o gráfico 1 a seguir:

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Gráfico 1 — Faixa etária dos adolescentes do CASE Pitimbu até abril de 2018

Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018

A grande maioria dos socioeducandos se origina de famílias de baixa renda, tendo sido

ao longo da vida marcados por graves situações de vulnerabilidade social e violação de direitos.

Todavia, essa é uma realidade apresentada nas condições de vida da população infanto-juvenil

de um modo geral, sobretudo, na população negra que apresenta um grande quadro

desfavorável, pois “do total de pessoas que vivem em domicílios com renda per capita inferior

a meio salário mínimo somente 20,5% (vinte e meio por cento) representam os brancos, contra

44,1% (quarenta e quatro vírgula um por cento) dos negros (BRASIL, 2006, p. 11 apud IPEA,

2005).

Em relação à saúde, atualmente três (03) adolescentes fazem uso de medicação

controlada voltada ao tratamento de doenças psiquiátricas e, de modo geral, sempre que

necessário os socioeducandos estão tomando alguma medicação prescrita pelo médico que de

quinze (15) em quinze (15) dias realiza atendimentos na unidade. Além disso, quando

necessário, os adolescentes são encaminhados a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) devido

a alguma queixa apresentada, especialmente os adolescentes que apresentam pressão alta.

Outro dado em relação aos socioeducandos, diz respeito ao envolvimento com uso, não

raras vezes abusivo, de substâncias entorpecentes. Alguns deles desde os oito ou nove anos, por

diferentes contextos sociais, conforme apontado por Schenker e Minayo em seu texto sobre

“fatores de risco e proteção para uso de drogas na adolescência”. Nesse sentido, são apontados

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seis fatores de riscos considerando o aspecto do desejo e o aspecto do dano do uso de drogas,

sendo eles:

(1) os efeitos cumulativos das substâncias tóxicas e sua relação com a vulnerabilidade do indivíduo; (2) a atitude positiva da família com relação ao

uso de drogas, reforçando a iniciação dos jovens; (3) o envolvimento grupal

[que] tem sido visto como um dos maiores prenúncios do uso de substância; (4) o papel da escola seja como agente transformador, seja como lócus

propiciador do ambiente que exacerba as condições para o suo de drogas; (5)

a disponibilidade e a presença de drogas na comunidade de convivência [que] tem sido vista como facilitadora do uso de drogas por adolescentes, uma vez

que o excesso de oferta naturaliza o acesso; [e por último], (6) a absolutização

do papel da mídia como fator de risco (SCHENKER; MINAYO, 2004, p. 709-

710).

Através da análise desses fatores de risco podem ser pensadas estratégias de prevenção

e promoção da resiliência e redução de danos, tendo em vista que o uso de drogas lícitas e

ilícitas é culturalmente milenar (SCHENKER; MINAYO, 2004). Todavia, nos centros de

atendimento socioeducativo são realizadas verdadeiras campanhas de “combate às drogas”,

com a penalização de quem faz uso de qualquer tipo de substância dentro da instituição. Não

são realizadas nenhum tipo de orientação para os adolescentes que declaram nas entrevistas

com a equipe técnica-multidisciplinar fazerem uso de algum tipo de substância

indiscriminadamente desde muito novo, dessa forma, considerando que práticas de promoção

à saúde devem incorporar também particularidades dos indivíduos, essa é uma forma de

negligenciar a saúde dos adolescentes.

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3. Os impactos da medida socioeducativa na garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso,

autor do ato infracional, e sua reinserção social

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3.1 A privação de liberdade e o Sinase como marco legal na consolidação das medidas

socioeducativas na perspectiva dos direitos

A Lei 12.594/12 institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e

orienta a execução das medidas remetidas aos adolescentes que pratiquem ato infracional.

Sendo o Sinase um subsistema do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), se articula com os

demais subsistemas – Saúde, Educação, Assistência Social, Justiça e Segurança Pública – e

conta com princípios, regras e critérios próprios que norteiam a execução da medida

socioeducativa (BRASIL, 2012).

O entendimento adotado ao significado de medida socioeducativa é comum entre o ECA

e o Sinase, tendo por objetivo a responsabilização do adolescente quanto ao ato infracional

praticado, sua reintegração social com a garantia dos seus direitos individuais e a efetivação de

sua sentença, seja em meio aberto ou com privação máxima de liberdade, de acordo com a

gravidade da infração e demais parâmetros previstos em lei. Nesse sentido, as medidas têm um

caráter dual: socioeducativo e pedagógico.

A temática da responsabilização parte do entendimento que o adolescente deve

protagonizar e assumir seu próprio conflito, para que venha a sanar o contexto de violência que

protagonizou como autor. Para tanto, são priorizadas as práticas restaurativas e instituído – no

planejamento da sanção outorgada – ações que primem pela proteção e regulamentação dos

direitos e deveres do adolescente (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

O Sinase, enquanto sistema nacional, é coordenado pela União, integrado aos sistemas

estaduais e municipais que implementam seus respectivos programas para execução das

medidas socioeducativas. É competência do município a execução das medidas em meio aberto

e do Estado a execução das medidas em meio fechado. Quanto a organização e funcionamento

dos sistemas, a lei confere plena autonomia aos sistemas estaduais, municipais e distrital de

modo que eles possam designar o órgão da administração direta responsável pela coordenação

da execução e gestão desde que subscritos no Plano de Atendimento Socioeducativo. Todavia,

o que se verifica na prática é que essa autonomia dos órgãos é limitada, tendo em vista os

problemas financeiros vivenciados. Desde 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome (MDS) passou a financiar a execução das medidas socioeducativas em meio

aberto através dos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS).

Nesse sentido, o Governo Federal estabeleceu como critério para o cofinanciamento que o

próprio CREAS executasse as medidas socioeducativas. A aceitação desse acordo significou

mais que o aceite do cofinanciamento, mas sobretudo, a anuência às regras estabelecidas pelo

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MDS para gerência dos sistemas socioeducativos como uma forma de submissão (BELO

HORIZONTE/MG, 2014). À vista disso, os municípios ficam reféns dos cofinanciadores em

virtude de não ter verba suficiente para financiar esse sistema sem precisar recorrer a parcerias

como a já supracitada ou mesmo a organizações não-governamentais a fim de firmar convênios

que não limite tanto sua autonomia.

O Sinase se estabeleceu não somente, mas especialmente para criação e divisão das

competências da gestão das medidas socioeducativas com inspiração na própria Constituição

Federal. Essa divisão estabelecida levou em conta a necessidade de suporte e apoio necessário

dos entes federativos com mais recursos – financeiro, logístico e técnico – aos entes menos

avantajados, todavia, mais próximos do público alvo. Conforme explicitado pelo Centro de

Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (2014, p. 10) “a repartição clara de competências, entre

os entes federados com relação à execução de medidas socioeducativas, revela um indiscutível

avanço em relação à pretérita indefinição na legislação anterior”. Assim sendo, o ECA por mais

que trouxesse algumas particularidades da execução das medidas socioeducativas, não

explicitava a competência e essa omissão por muitos anos serviu de justificativa para que não

fossem ofertados esses serviços (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

Quando da implantação e execução das medidas socioeducativas após a instituição do

Estatuto da Criança e do Adolescente – que veio trazendo em si uma nova concepção de direitos

e deveres inerentes à criança e ao adolescente – não houve um rompimento total com as antigas

práticas de repressão e institucionalização. Conforme o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento

Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais vem apontar:

O simples aproveitamento das estruturas fundacionais antigas (FEBEM e

congêneres), ou a reprodução dos paradigmas do sistema penal (carcerário ou aberto) para a execução das medidas socioeducativas, sem a necessária

modificação dos paradigmas atinentes aos seus próprios fins, referências

técnicas e estruturação de um sistema próprio para o atendimento dos adolescentes, evidentemente, revelou-se um equívoco. Essa mera reprodução

redundou na renovação (ou mera continuidade) de práticas tutelaristas, de um

lado, ou penalistas, de outro. Repetiu-se o modelo antigo, em franco confronto

com a perspectiva constitucional da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento já estabelecida pelo novo paradigma constitucional (art. 227,

§3º, V, da Constituição Federal) (BELO HORIZONTE, 2014, p. 11).

O processo de ruptura com as velhas práticas vem sendo perpassado lenta e

gradualmente na medida em que se identifica e se conjectura necessidades internas ou externas

de mudança. Essas necessidades – quando acompanhadas das intencionalidades do Estado –

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impulsionam o desenvolvimento de novas metodologias e ações para dar continuidade as

conquistas sociais surgidas a partir da década de 1980.

É nesse sentido que a participação tripartite se faz tão importante. Através do

envolvimento do Estado, família e comunidade, como coparticipantes ativos de um projeto

social na ótica de garantia de direitos, proteção e criação de vínculos, intenciona-se o efetivo

funcionamento da inclusão social desses indivíduos dentro de uma ótica cultural, econômica,

social e política, pois são esses três grupos os principais agentes que podem vir a contribuir para

a mudança dessa lógica de inclusão perversa.

No que diz respeito aos programas de privação de liberdade – tanto para cumprimento

de medida socioeducativa de semiliberdade como medida socioeducativa de internação – há a

existência de requisitos específicos para inscrição e funcionamento, sendo eles: a devida

comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em

conformidade com as normas de referência; a previsão do processo e dos requisitos para a

escolha do dirigente; a apresentação das atividades de natureza coletiva; a definição das

estratégias para a gestão de conflitos, vedada a previsão de isolamento cautelar, exceto nos

casos previstos no §2º do art. 49 desta Lei; a previsão de regime disciplinar nos termos do art.

72 desta Lei (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

O ECA diferencia a medida socioeducativa de semiliberdade da medida socioeducativa

de internação, em virtude da primeira admitir a realização de atividades externas independente

de autorização judicial. Tem-se como princípio a incompletude institucional e a necessidade do

apoio da comunidade na oferta de serviços para os adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa de semiliberdade (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

A medida de internação possui como princípios a brevidade, a excepcionalidade e

respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, a brevidade

representa seu tempo máximo de permanência em estabelecimento de privação de liberdade por

três(03) anos completos, respeitadas as avaliações realizadas estritamente até a completude do

semestre; a excepcionalidade, tendo em vista que ela é a última das medidas a ser aplicada ao

adolescente na medida que a privação de liberdade, mantendo o adolescente mais afastado da

família – por mais que ele tenha visita uma vez por semana – e da comunidade a que ele

pertence; respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento diz respeito as

peculiaridades e variações existentes entre todas as pessoas, devendo ser respeitadas as suas

crenças e tradições, lhe assegurado o direito de sair da instituição respeitando a sua liberdade

de acesso a bens e serviços (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

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É direito do adolescente em privação de liberdade ter acesso as atividades externas à

instituição, desde que expressamente autorizado por equipe técnica responsável. Os casos

contrários a efetivação desse direito precisam estar expressamente amparados por determinação

judicial desfavorecendo a saída do adolescente da instituição (BELO HORIZONTE/MG,

2014).

A lei 12.594/12 é contrária ao isolamento cautelar, com exceção do caso previsto no art.

48, §2º, que admite o isolamento do adolescente quando for indispensável para garantia da

segurança de outros adolescentes lotados na mesma unidade de internação ou necessária

segurança do próprio adolescente (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

Em relação a existência de estabelecimentos educacionais dentro das unidades, o Sinase

sinaliza a necessidade da oferta desse serviço somente em unidades de internação, isso porque

prima que as atividades educacionais e profissionalizantes dos adolescentes em cumprimento

de medida socioeducativa de semiliberdade sejam realizadas fora da unidade de atendimento.

As instalações dos estabelecimentos educacionais devem estar em consonância com as normas

de referência – Resolução CONANDA nº 119/06, Lei de Diretrizes e Bases e demais normas –

para que a estrutura física seja compatível e atenda as necessidades de uma unidade de

atendimento socioeducativo. Há alguns critérios de normatização para criação,

estabelecimento, formação da equipe mínima e os objetivos a serem alcançados pelo Centro de

Atendimento Socioeducativo (BRASIL, 2012). Especificamente para entidades e/ou programas

que executam a medida socioeducativa de internação, o SINASE preconiza que para o

atendimento de até quarenta (40) adolescentes a equipe mínima deve ser organizada conforme

quadro 1 a seguir:

Quadro 1 – Equipe mínima para atendimento de até 40 adolescentes em cumprimento de

Medida Socioeducativa de Internação (MSE)

EQUIPE MÍNIMA PARA ATENDIMENTO DE ATÉ 40 ADOLESCENTES EM

CUMPRIMENTO DE MSE DE INTERNAÇÃO

Nº DE PROFISSIONAIS CARGO/FUNÇÃO

01 Diretor

01 Coordenador técnico

02 Assistentes Sociais

02 Psicólogos

01 Pedagogo

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51

01 Advogado (defesa técnica)

Demais profissionais necessários para o desenvolvimento de

saúde, escolarização, esporte, cultura, lazer, profissionalização e

administração de acordo com a necessidade da unidade

Educadores21

Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018

Em 2018 o CASE Pitimbu contava com um (01) diretor, um (01) vice-diretor, um (01)

coordenador técnico, uma (01) assistente social, três (03) psicólogos, duas (02) pedagogas,

cinco professores, uma (01) técnica de enfermagem, três (03) equipes de educadores e demais

profissionais que compunham a equipe no auxílio de atividades extras (motoristas, cozinheiros,

técnicos administrativos). Essa equipe era responsável para auxiliar nas atividades dos dois (02)

Centros de Atendimento Socioeducativo – CASE Pitimbu I e II – não atendendo aos critérios

de equipe mínima preconizado pelo Sinase o que ocasionava diversos transtornos para o

funcionamento da unidade.

Quanto a estrutura física do CASE Pitimbu, essa não atendia alguns dos critérios

estabelecidos no Sinase. De acordo com os parâmetros arquitetônicos para unidades de

atendimento socioeducativo de internação, em seu art. 16, é necessário:

[...] edificar as unidades de atendimento socioeducativo separadamente

daqueles destinados para adultos do sistema prisional, ficando vedada qualquer possibilidade de construção em espaços contíguos ou de qualquer

forma integrada a estes equipamentos (BRASIL, 2013, seção III, Art. 16).

Ao lado do CASE Pitimbú encontra-se a Penitenciária Estadual de Parnamirim – PEP,

o que se configura uma violação dos parâmetros e motivo de muita discussão, raiva e revolta

entre os adolescentes, pois segundo eles, alguns educadores gostam de ironizar que o destino

deles encontra-se “bem no muro ao lado”. O projeto arquitetônico dos Centros Educacionais

deve “prever um núcleo comum de administração para os casos de construção de mais de uma

Unidade de atendimento no mesmo terreno de forma que os setores previstos possibilitem um

fluxo ordenado de pessoas e veículos” (BRASIL, 2012, p. 69). Uma vez que o CASE Pitimbu

possui duas unidades, isso foi implementado, no entanto, o acesso interno entre as duas

unidades ainda é dificultoso, sendo necessário que seja realizada uma adequação da estrutura

21 A relação numérica de educadores deverá considerar a dinâmica institucional e os diferentes eventos

internos, entre eles férias, licenças e afastamento, encaminhamentos de adolescentes para atendimentos técnicos

dentro e fora dos programas socioeducativos, visitas de familiares, audiências, encaminhamentos para atendimento

de saúde dentro e fora dos programas, atividades externas dos adolescentes.

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que possibilite a circulação mais rápida e adequada para quem precisa estar em constante

movimento entre as duas unidades, em especial os educadores. Esse problema da dificuldade

do acesso prejudica, inclusive, a segurança interna e externa do local, fato este que já

possibilitou diversas fugas dos adolescentes.

No ano de 2012 foi decretado pela juíza titular da Vara de Infância, Juventude e do Idoso

de Parnamirim, a interdição total do CASE Pitimbu. Um dos principais motivos da interdição

foi a necessidade de reforma estruturante de ordem física, sanitária, hidráulica e elétrica das

instalações de todos os espaços da unidade, iniciando-se pelo núcleo de contenção VI, diante

da situação de absoluta e inadmissível insalubridade e deterioração em que se encontrava. Para

desinterdição, era necessário que fosse sanado todas as irregularidades apontadas nos relatórios

de inspeção do Ministério Público, da SUVISA e da Corregedoria Geral da Justiça do Estado.

A sentença proferida determinou ainda que no prazo de 60 dias fossem procedidas as medidas

necessárias para sanar as irregularidades relacionadas à péssima qualidade da alimentação

servida aos internos da unidade; bem como a construção de quadra poliesportiva na unidade no

prazo de seis meses (RIO GRANDE DO NORTE, 2012). Por conseguinte, somente em 2015 o

o CASE Pitimbu foi liberado para funcionamento. Todavia, fazendo um panorama da estrutura

que hoje encontra-se na unidade, temos ainda diversos problemas que mesmo após a

reformulação não mudaram, destaque para a alimentação, não produzida na unidade, mas sim

terceirizada que quando chega estragada na instituição, é apenas jogada fora e os adolescentes

são obrigados a ficarem em jejum durante a respectiva refeição.

A segurança da instituição também é outro ponto a ser frisado, tendo em vista que a

unidade funciona com menos educadores do que o preconizado pelo Sinase, não tem câmeras

funcionando do lado de fora da unidade, a instituição é cercada por um matagal, que dificulta a

visão do entorno pelos seguranças, e facilita a fuga dos adolescentes da unidade e deixa a

unidade desprotegida. Isso prejudica a segurança do patrimônio, dos funcionários e dos

adolescentes o que vai contra todos os parâmetros normativos.

São esses elementos que caracterizam a inclusão perversa ou inclusão precária dos

adolescentes no acesso a produção, consumo e cidadania. Como apontado por José de Souza

Martins no livro “a sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes

sociais”, é através da condição fragilizada - no acesso ao trabalho precarizado, moradia em

situação irregular, assim como diversas outras situações extremas de vulnerabilidade - que se

apresenta a degradação moral, muitas vezes enfrentada por essa classe social pauperizada para

ter condições mínimas de acesso a bens e serviços. Todavia, a reflexão que o autor traz em seu

texto vai além do aspecto condicionante desse sujeito, diz respeito a forma como enquanto

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sujeito social equivocadamente ele é compreendido; seu papel, sua sociabilidade, suas

contribuições. A forma como muitos autores do campo das ciências sociais abarca em suas

análises, trazendo o lócus da questão para o binômio inclusão versus exclusão social, não

possibilita um exame mais rigoroso da realidade, tendo em vista que estes sujeitos participam

da movimentação da economia do país, sendo inclusive os maiores consumidores segundo

dados do Serviço de Proteção ao Crédito entre os anos 2015 e 2018. A análise que deve ser feita

é de que forma é realizado esse acesso e em que condições. Quando se fala que numa

determinada comunidade verifica-se que praticamente todos os moradores possuem celulares

smartphones e acesso a internet, mas nenhum deles tem acesso a tratamento de esgoto,

saneamento básico e água filtrada, o que está se colocando em questão é a precarização e a

forma perversa do acesso a bens e serviços.

Enquanto em cumprimento de sentença por cometimento de ato infracional o

adolescente encontra-se em uma instituição de privação de liberdade que tem como dever

primar por seus direitos básicos – alimentação, saúde, educação, moradia, lazer, entre outros –

mas na prática os direitos básicos são negligenciados e os adolescentes expostos a uma nova

sentença; a da sociedade que odeia os direitos humanos.

Os adolescentes têm direito a seis (06) refeições diárias, sendo elas o desjejum, o lanche

da manhã, o almoço, o lanche da tarde, a ceia e o lanche da noite. Como dito anteriormente,

todas essas refeições são produzidas fora da instituição, por uma equipe terceirizada que é paga

para realização desta tarefa e entrega na unidade. É muito comum que pelo menos um item ou

uma refeição completa venha estragada e os adolescentes tenham que ficar esperando a próxima

refeição para saciar a fome. No CASE Pitimbu a refeição é a mesma para os adolescentes e toda

a equipe que se encontra de plantão ou em horário de trabalho. Isso foi uma forma de

aproximação e, sobretudo, de demonstrar e assegurar que a comida ofertada aos adolescentes é

de qualidade, de modo que desde a pessoa da hierarquia mais baixa até a mais alta tem acesso

a mesma refeição. Porém, é certo que sempre que podem os integrantes das equipes trazem algo

a mais na bolsa para complementar as refeições, sobretudo, depois de se familiarizarem com a

comida para saber qual não lhe cai bem e qual com certeza nunca mais vai ingerir. Já aos

adolescentes só restam duas opções: comer ou aguardar a próxima refeição que talvez tenha um

gosto melhor. Pelo número reduzido de educadores, troca de plantões e organização da rotina

da unidade, algumas refeições são realizadas dentro dos alojamentos, na área de convivência.

O problema dessa prática está no lixo acumulado nos alojamentos que finda na proliferação de

insetos dentro dos alojamentos, pois nem sempre é realizado limpeza pelos adolescentes nos

alojamentos.

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No tocante à saúde, a unidade não dispõe dos mínimos recursos. Não existe uma sala da

enfermaria nem kit de primeiros socorros, então se a única técnica de enfermagem de plantão

precisar utilizar algum material para segurança e primeiros atendimentos na própria instituição,

terá de comprar com recursos próprios. Quando algum adolescente se queixa de estar passando

mal, são horas e mais horas dando o benefício da dúvida, aguardando a autorização da direção

da unidade e a disponibilidade de motorista para que esse adolescente seja levado a uma

Unidade de Pronto-Atendimento, ainda tendo que ouvir coisas como “só quer ir passear”, “se

ficasse deitado passaria logo”, “é só uma desculpa para tentar fuga”. Então ficar doente na

instituição e ser levado prontamente para atendimento é um privilégio raramente concedido.

Um clínico geral vai na unidade a cada quinze dias para atender os casos mais graves.

A triagem é feita pela equipe técnica, com observações dos educadores, para designar quem

está encenando e quem realmente precisa de atendimento. Um adolescente que arranja muita

confusão dificilmente vai estar entre essa lista sem ser um caso de vida ou morte. A técnica de

enfermagem separa as medicações dos adolescentes que tem acompanhamento continuamente

– normalmente medicamentos psicotrópicos – para que os educadores, nos horários certos,

deem os medicamentos aos respectivos adolescentes. Não é muito difícil relatos de queixas dos

adolescentes que não tomaram a medicação no dia anterior e após chamado o educador para

saber o motivo, ser relatado que a medicação foi dada conforme previsto.

A educação também é pauta de muitas queixas na instituição. A rotatividade de

professores é muito grande, devido a desistências por estresse, medo, entre outros motivos, o

que dificulta o aprendizado contínuo dos adolescentes na unidade. Quando os adolescentes

chegam na instituição, é realizada uma entrevista sociopsicopedagógica para identificar, entre

outras coisas, a série que o adolescente encontrava cursando ou havia parado de estudar com o

objetivo de retomar os estudos dentro da unidade. Muitos adolescentes não têm mais histórico

escolar ou não sabem dizer com precisão em quais níveis pararam os estudos, o que dificulta

na hora de definir suas turmas. Nesses casos são realizados alguns testes para nivelar na série

que mais se aproxima ao nível de conhecimento apresentado, conversado também com a família

do adolescente e tendo disponibilidade de turma e professor da série em questão, o adolescente

passa a frequentar as aulas. Todavia, a realidade da instituição, com déficit de professores, faz

com que a maior parte não seja contemplada nas atividades escolares e os que têm, nem sempre

são retirados dos alojamentos para assistir as aulas, em virtude do déficit de educadores para

que sejam retirados com segurança os adolescentes dos alojamentos e dado continuidade a

rotina normal dos outros internos. Então são priorizadas as atividades que mais adolescentes

poderão participar, ou na pior alternativa, nenhum adolescente sai do alojamento.

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As moradias dos adolescentes, enquanto estão cumprindo medida socioeducativa são

seus alojamentos. Cada alojamento é composto por três camas fixas de concreto. Além dos

quartos, há uma área de convivência para que eles possam fazer as refeições, local que também

fica a televisão disponibilizada para os alojamentos. Cada alojamento comporta também um

banheiro, com sanitário e chuveiro e uma área de serviço. As estruturas não são as melhores e

com a falta de cuidado e zelo dos adolescentes, porque não reconhecem naquele lugar a sua

moradia temporária, enquanto estão cumprindo uma sentença por ter infringido leis, acaba que

o local se configura numa verdadeira prisão com condições insalubres e precárias, conforme

imagens a seguir:

Alojamento dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa do CASE Pitimbu

Fonte: Nascimento; Viviane, 2018.

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Imagem – Banheiro dos alojamentos

Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018

Imagem – Área de serviço dos alojamentos

Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018

Alguns dos alojamentos não possuem energia elétrica, pois os adolescentes arrancam as

fiações para produzir faíscas e colocar fogo nos colchões em dias de motim.

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No primeiro dia de estágio da autora, bastaram poucos minutos para que conseguisse

visualizar alguns aspectos mais aparentes da questão social disfarçados sob formas de

insalubridade, condições precárias de higiene e limpeza, lotação e que repercutiam em

adolescentes famintos: por liberdade, individualidade, atenção, respeito e acesso a direitos. Essa

primeira faceta surge como límpida e crua, mas ao mesmo tempo ela é tão menosprezada e

encoberta que pode parecer inofensiva. No entanto, ela se desvela sob forma de insatisfações,

inconformações e frustrações e têm repercussões que num primeiro momento pode vir a ser um

choque, tendo em vista a forma com que esses adolescentes dão vozes aos seus

descontentamentos: através de motins com queima de colchões, batidas de grades, tentativas de

fuga, gritos de ódio.

A autora nos seus primeiros escritos do diário de campo apontava essas questões como

problemas de resolutividades tão simples e via a situação como um todo enquanto falta de

vontade de gestores e demais membros que compõem a instituição. Todavia, ao estudar melhor

o assunto, ir mais a fundo no problema, a partir de leitura de teses, dissertações e artigos antigos

sobre a instituição, alguns escritos há dez anos atrás, percebia as mesmas problemáticas

apontadas. Isso fez com que começasse a se indagar: no quê que isso implica? Todos esses

apontamentos que ela e mais algumas pessoas veem como problemas são realmente problemas?

E se são problemas, são problemas para quem? Quem se encontra omisso? Quem não está

fazendo o seu trabalho? A quem se deve cobrar essas respostas? Disso, se parte para a segunda

faceta.

Para explicar a segunda faceta a autora novamente recorre a algumas anotações do diário

de campo. Nele se encontram relatos sobre transições comportamentais que dizem respeito aos

estágios temporais de adaptação – desde a entrada na instituição do adolescente até o momento

atual que ele se encontra – que em mais de 80% dos casos se reflete em mudanças consideradas

positivas sobre os valores apreendidos da medida socioeducativa, a incorporação de novas

perspectivas de vida, a crescente sociabilidade do adolescente a partir dos laços construídos

dentro da instituição, o não envolvimento com entorpecentes e a melhora da qualidade de vida

através das atividades de lazer, de uma boa alimentação e o comprometimento com a educação

ofertada.

Essas e outras mudanças observadas nos adolescentes refletem em relatórios com

pareceres favoráveis que implicam a saída do adolescente da instituição – pela percepção de

que o mesmo apreendeu as práticas necessárias, internalizou o que propõe a medida

socioeducativa contribuindo com melhorias na sua formação e, portanto, encontra-se apto para

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a reinserção na comunidade – fazendo com ele consiga progressão para medida socioeducativa

em meio aberto ou sua medida socioeducativa seja extinta.

Não é possível distinguir a real natureza dessas mudanças comportamentais dos

adolescentes: se somente uma forma resignada de parar de lutar contra esses sistema e cumprir

da maneira mais tolerável possível a medida socioeducativa para sair da instituição o quanto

antes; se a medida socioeducativa na vida desse adolescente realmente teve um impacto

positivo, ele pode refletir sobre o ato infracional cometido e pretende abandonar a prática de

delitos; ou diversas outras possibilidades. O que se pode pensar a respeito é o que acontecerá

após a saída desse adolescente da instituição, independentemente de suas escolhas.

Após a entrada do adolescente na instituição de privação de liberdade é disponibilizado

para sua permanência um kit com toalha, colchão, itens de higiene básico e a partir das visitas,

os próprios parentes dos adolescentes ficam responsáveis por trazer alguns itens como escova

de dente, creme dental, sabonete, barbeador, camisa branca e calção azul (roupa padrão),

chinelo preto ou azul, folhas de ofício para que eles possam utilizar para escrever e fazer

algumas atividades artísticas e uma roupa para que eles possam ir as audiências (calça e camisa).

É especialmente delicado o contato dos adolescentes com seus familiares, em todos os sentidos.

Como relatado por muitos deles durante o processo de estágio, aquele momento é dedicado a

esquecer o inferno que vivem lá dentro e se transportarem para um lugar em que eles são

conhecidos e reconhecidos para muito além da sentença que estão cumprindo.

Em relação ao lazer, os adolescentes têm atividades de educação física e jogam futebol

no campo de areia ou na quadra poliesportiva, mas com a aposentadoria do professor de

educação física essa atividade ficou delegada a ajuste dos educadores e nem sempre ocorrem

nos dias e horários anteriormente previstos. Os adolescentes também têm aulas de informática,

que na prática são utilizadas para que eles joguem nos computadores. No tempo livre, eles ficam

nos próprios alojamentos confeccionando origamis e demais lembrancinhas de papel para as

famílias nos dias de visita.

Por se tratar de uma unidade de internação, o CASE Pitimbu funciona numa rotina

estruturada em um cronograma semanal preparado pela equipe de pedagogas. Todavia, apesar

de serem preparados semanalmente, os cronogramas diariamente são revisados para análise de

possíveis necessidades de alteração e/ou adequação de acordo com a dinâmica da unidade. Os

serviços prioritários giram em torno do atendimento psicológico, pedagógico e social pela

equipe técnica; atendimento clínico e psicológico quando necessário; educação; atividades

recreativas e cursos profissionalizantes.

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Devido a parcerias que a FUNDASE tem com outros órgãos do governo e empresas,

periodicamente são ofertados na instituição cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e Serviço Social

da Indústria (SESI), com o objetivo de capacitar os adolescentes e propiciar uma oportunidade

de vivenciar novas experiências. No ano de 2017, foram ofertados os cursos de alvenaria,

organizado em parceria com o SENAI; panificação; Cine SESC (Serviço Social do Comércio);

oficinas de informática; customização de camisas; elaboração de enfeites natalinos com

materiais recicláveis; ação de incentivo à leitura; oficinas de arte e apresentações artísticas; e

ações de educação em saúde, com oficinas de prevenção as doenças sexualmente transmissíveis.

Em 2018, estavam previstos os cursos de auxiliar de garçom; agente de limpeza e

conservação, realizados pelo SENAC, com duração de 160 horas cada. E, ainda, os cursos de

pintor de obras, de pedreiro e alvenaria executados pelo SENAI, também com carga horária de

160 horas cada. A autora, enquanto estagiária na instituição, acompanhou a execução no CASE

Pitimbu do curso de agricultor orgânico em que foi construída uma horta orgânica de 300m².

Esse curso teve carga horária de 80h e foi executado em duas turmas, com dez(10) alunos cada,

no período vespertino. Em seu conteúdo estavam previstas as seguintes temáticas: técnicas da

produção orgânica, manejo do solo, produção de sementes e mudas, transplante, colheita,

comercialização e logística de produtos orgânicos. Essa ação foi realizada através do Projeto

Plantando a Paz, fruto de uma parceria entre a FUNDASE e a Escola Agrícola de Jundiaí (EAJ),

por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (PRONATEC). Na imagem, a

seguir, vemos a construção da horta orgânica durante as primeiras fases de execução do projeto:

Imagem 5 – Construção da horta orgânica pelos adolescentes do CEDUC Pitimbú

Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018

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Todos esses cursos realizados, apesar de muitas vezes serem de curta duração e com

turmas pequenas – devido ao protocolo de segurança da instituição – foram muito bem

recebidos pelos adolescentes, de modo que praticamente sempre há adesão de todos os

selecionados para a atividade e as tarefas são muito bem desempenhadas. Devido ao tamanho

das turmas, são priorizados, para cada curso ofertado, os adolescentes que ainda não realizaram

algum dos cursos ou encontram-se sem participar das atividades na instituição.

É uma tarefa muito complexa restringir direitos de uma parcela da população que

encontra-se vivenciando em todas as esferas, uma inclusão perversa, pois é exatamente esse o

perfil dos adolescentes em conflito com a lei; passaram a vida privados do acesso até mesmo

do mínimo para suprir suas necessidade básica, vivenciando os mais diversos conflitos, sendo

a morte sua vizinha da porta ao lado, armas e tráfico uma realidade não muito distante.

3.2 Direitos negados ou garantidos ao adolescente egresso, autor do ato infracional, da medida

socioeducativa de privação de liberdade no processo da reinserção social

A cotidianidade apresentada anteriormente, através das expressões da negação do acesso

aos direitos básicos dos adolescentes privados de liberdade, no processo de reflexão sobre os

enfrentamentos revela, para além das demandas dos adolescentes na instituição, o papel dos

sujeitos sociais responsáveis por assegurar condições dignas de vida para esses adolescentes.

Nesse sentido, o Estado e a sociedade civil são os mais omissos na efetivação dos direitos

referentes a vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura e

dignidade para as classes subalternizadas. No cenário circunscrito na atualidade é vivenciado o

desemprego estrutural, o sucateamento das políticas públicas, a precarização e flexibilização

das relações de trabalho, além dos cortes orçamentários nas políticas sociais que tem

rebatimentos em todas as esferas e classes sociais, todavia, mostra-se ainda mais impiedosa

para os sujeitos sociais retratados neste trabalho, sobretudo em virtude da invisibilidade sofrida;

mesmo que o próprio ECA legisle neste propósito.

São crianças e adolescentes que crescem em meio a uma socialização precária – no

contexto familiar, escolar, econômico, recreativo, nos vínculos sociais e políticos, nas lutas

populares – que resulta cada vez mais em seu processo de marginalização face ao entendimento

e preparo para lidar com a realidade contraditória que lhe permeia em todos os espaços, e não

lhe possibilita assumir sua identidade e fazer suas escolhas dentro de um contexto de igualdade

e equidade social. São, dessa forma, nas palavras de Prado (2014, p. 48) “[...] alvos de uma

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violência social, expressa na falta de projetos de vida, no desemprego e nas dificuldades de

acesso a políticas públicas de qualidade”.

Nos constantes diálogos sobre o futuro com os adolescentes cumprindo medida de

privação de liberdade no CASE Pitimbu marcou a autora as falas dos adolescentes que remetiam

a imprevisibilidade da vida fora da instituição, sobretudo, em virtude de dívidas, inimizades,

desafetos familiares e as marcas deixadas pelo cumprimento da medida. Muitos deles

apresentaram em suas falas o interesse de mudar de estilo de vida, deixando a prática de delitos

e a vida inconstante para trás, todavia, relatam dificuldades na realização desse plano, conforme

fala de João Silva a seguir:

A gente queria deixar tudo pra trás. Largar mão de tudo, ficar no sossego, mas

nunca se sabe o dia de amanhã. Tem uns aqui que já tem marca e querendo ou

não a gente já sai daqui com uma outra marca. Ninguém vai empregar um cara que veio do CEDUC. A gente sabe disso e isso desanima. A gente tem sonhos,

mas não sabe se vai conseguir né (SILVA, 2018).

A fala do João contempla muito das angústias sentidas pelos adolescentes do CASE

Pitimbu e, possivelmente, expressa os sentimentos de toda uma classe. O sentimento do não

pertencimento, da vida já subscrita para um jovem pobre, morador de comunidade, que só vê a

oportunidade de crescer através do estudo, da malandragem ou da família rica e a ele não restou

tanta chance de escolha. Ele cresce em meio àquilo tudo e uma escolha errada ou um passo não-

tão-bem pensado gera uma reação com destino certo. No fim é tudo muito conveniente. São

feitas mais prisões do que escolas por uma posição bastante explícita do Estado. Assim como

existem mais políticas pós-factuais que preventivas por outro bom motivo.

Marcados pela facção, eles veem nela uma forma de mudar de vida. Veem nela uma

instituição que garanta sua dignidade e lhe dê oportunidades de crescer – diferente do Estado

visto na figura repressiva dos policiais a qual eles só detêm ódio. Marcados por não terem outra

escolha, ou fazia esta escolha, ou ele e a família morreriam. Para o defensor público, Muniz

Freire, do Núcleo de Atendimento ao Jovem e Adolescente em Conflito com a Lei, a

preocupação é com os adolescentes que agem por ameaças, conforme fala a seguir:

Esses jovens são punidos porque são ameaçados e depois punidos pelo

Estado por evitar a própria morte. A gente tem de ter cuidado em não

fazer pré-julgamentos, porque nesse caso eles são mais vítimas do que

infratores. Imagina o jovem ali, coagido, ouve: 'ou faz, ou mato você e

sua família'? Eles não precisam de internação, mas precisam ser

acolhidos por um programa de proteção.

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São muitas as realidades que levaram os adolescentes ao centro de atendimento

socioeducativo, todavia, não cabe a autora estender a discussão sobre as causas, tendo em vista

o objetivo deste capítulo centrar-se na problematização dos impactos da medida socioeducativa

na garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso em seu processo de reinserção social.

Nesse sentido, a “outra marca” discorrida por João em sua fala decorre do processo de

estigmatização comumente vivenciado por egressos, tanto de medidas socioeducativas quanto

de prisões. Essa estigmatização em decorrência da experiência em um centro de atendimento

socioeducativo, segundo os adolescentes, prejudica mais ainda o acesso deles ao mercado de

trabalho e a conclusão dos estudos. Eram constantes no CASE Pitimbu as reclamações e

insatisfações em virtude do cumprimento da medida, por isso, no projeto de intervenção

realizado pela autora na instituição com os adolescentes, foi-lhes questionado se apesar de toda

a crítica que se faz a forma que o sistema se organiza e é regido, se havia algo de positivo no

cumprimento da medida socioeducativa. Em um primeiro momento todos riram e a olharam de

maneira exclamativa como se isso já dispensasse qualquer palavra, mas após a autora despertar

provocações quanto a qualquer momento vivenciado lá dentro, alguns deles apresentaram um

pouco do significado da medida socioeducativa na vida deles através das seguintes falas:

“Acho que os atendimentos com a equipe técnica foram bons. Às vezes a gente

só quer sair dessas grades e parar de pensar um pouco pra não arriar. Aqui dentro de certa forma é um aprendizado, mas a vontade de sair daqui é maior”

(Bruno).

“Sempre que sinto saudade, imagino que cada pessoa querida é tão bonita e brilhante como as estrelas que estão no céu. Sempre que sinto saudade olho

para lá e as vejo. E continuo firme. Faço minha parte. Lembro que cada dia no

sossego é um dia mais perto da minha saída desse lugar” (Cayo).

“Tem vez que eu vou dormir e sonho com a liberdade, mas quando acordo e

vejo que estou trancado fico indignado. Mas é a vida e não é por isso que eu

vou parar. Fazendo a escolha certa nossas vidas vão mudar” (Nicolas).

Através das falas dos adolescentes é perceptível as nuances do processo de apropriação

e entendimento do papel da medida socioeducativa em suas vidas, todavia, por vezes, observado

pela autora, o trabalho desenvolvido pela equipe responsável pelos adolescentes na instituição

centralizava e enfatizava o aspecto da responsabilização do adolescente quanto ao ato

infracional praticado, sem em nenhum momento, habilitá-los quanto ao importante papel de

responsabilidade da instituição em sua reintegração social com a garantia de seus direitos

individuais.

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O Sinase aponta em seus documentos legais um acompanhamento diferenciado aos

egressos do sistema socioeducativo. Nas diretrizes do Plano Nacional de Atendimento

Socioeducativo (2014), se prevê a garantia do direito à educação para os adolescentes em

cumprimento de medidas socioeducativas e egressos, considerando sua condição singular como

estudantes e reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do sistema

socioeducativo.

Através da lei 12.594/12, em seu art. 11, parágrafo V, são estabelecidos requisitos

obrigatórios para a inscrição de programa de atendimento e nele determina que sejam previstas

ações de acompanhamento do adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa. Já

em seu art. 25 aponta que a avaliação dos resultados da execução de medida socioeducativa terá

por objetivo, no mínimo verificar a situação do adolescente após cumprimento da medida

socioeducativa – tomando por base suas perspectivas educacionais, sociais, profissionais e

familiares – e verificar reincidência de prática de ato infracional.

No plano estadual de atendimento socioeducativo tem-se como objetivo acompanhar os

adolescentes egressos do sistema socioeducativo através das seguintes metas:

[...] orientar e fornecer subsídios técnicos para a construção de instrumentos e

ferramentas (cartilhas, manuais, etc.) de acompanhamento dos adolescentes egressos das medidas socioeducativas de meio aberto; construir instrumentais

e ferramentas de acompanhamento dos adolescentes egressos das medidas

socioeducativas de meio fechado; incentivar os Municípios a ofertarem o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) aos

adolescentes egressos como grupo prioritário, de acordo com as normativas

do SUAS; fortalecer o Programa de Apoio à Família e Egressos (PAFE) da

FUNDAC; e, garantir a oferta regular de educação básica, tecnológica e profissional para os egressos do sistema socioeducativo (Plano Estadual de

Atendimento Socioeducativo, 2014, p. 37).

Essas metas tiveram seus ciclos iniciados em 2015 e devem estar sendo concluídas até

2024, o que demonstra que são serviços e/ou programas que estão sendo implantados muito

recentemente e que requerem um rigor e fiscalização maiores para que sejam implantados

eficazmente.

Segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público (2013), em cerca de 81,5%

das unidades de medida socioeducativa no país, não há atendimento aos egressos e a suas

famílias pela equipe técnica da unidade, isto de acordo com as justificativas apresentadas, a

maioria dos casos devido ao déficit de técnicos das equipes multidisciplinares dentro das

unidades. No exame por regiões, em todas elas os índices são preocupantes. No caso do

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Nordeste, 89,6% das unidades de internação não oferecem acompanhamento ao egresso. Desse

panorama, observou-se dentre as unidades de internação que oferecem atendimento

multidisciplinar aos egressos quantas delas atuavam no fomento à inserção do mesmo na rede

regular de ensino: no Nordeste e Norte, os percentuais não chegam a um terço. Das poucas

unidades de internação que fornecem assistência ao egresso, apenas uma pequena parcela inclui

em seus objetivos sua inserção em cursos profissionalizantes. Nas unidades do Nordeste temos

o menor índice do Brasil que é de apenas 14% (CNMP, 2013).

Segundo dados da Prefeitura Municipal do Natal sobre programas ou redes de apoio no

Estado do Rio Grande do Norte para adolescentes egressos, em 2010 e 2011, identificou-se o

Programa “ProJovem Adolescente”, fruto de parceria entre a Secretaria Municipal de Trabalho

e Assistência Social (SEMTAS) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(SEBRAE) que tinha como objetivo qualificar e capacitar adolescentes nas áreas de

empreendedorismo e ações comunitárias. No período de 2010, o foco era capacitar os

adolescentes do Programa para os trabalhos que iriam surgir na Copa do Mundo, priorizando,

dessa forma, a geração de emprego e renda que esse evento proporcionaria (NATAL, 2010).

O Programa ProJovem, em linhas gerais, era um serviço de convívio de assistência

social que se constituía como uma forma de complementar a proteção básica à família através

de mecanismos para “garantir a convivência familiar e comunitária e criar condições para a

inserção, reinserção e permanência do jovem no sistema educacional” (NATAL, 2010).

Todavia, ele não era um programa exclusivo para os egressos do sistema socioeducativo, mas

sim um programa prioritário, o que implicava a participação de egressos de outros programas

como os do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e Programas de combate ao

abuso e à exploração sexual. No mais, era um programa restrito a adolescentes na faixa etária

entre 15 e 17 anos (NATAL, 2010). Assinala-se, nesse contexto, a fragilidade deste programa,

visto que não contemplava nem metade da parcela da população egressa das medidas

socioeducativas, além de não ser um programa que considerasse as particularidades desse

público. Alguns anos mais tarde, o programa foi extinto, sendo designado estritamente aos

centros de atendimento socioeducativo a tarefa de realizar o acompanhamento de seus

respectivos adolescentes egressos.

Através do estágio realizado no CASE Pitimbu – por meio do envolvimento no trabalho

com a equipe técnica da instituição - a autora teve acesso a informação da não existência de

acompanhamento dos adolescentes egressos da unidade. Segundo a equipe, com a decisão da

juíza da vara da infância, da juventude e do idoso favorável a saída do adolescente da

instituição, é condicionada sua liberdade ao acompanhamento do adolescente em regime de

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liberdade assistida ou outro tipo de medida em meio aberto. Em outras palavras, por ser

concedido ao adolescente a progressão de medida e ele continuar sendo assistido por outra

instituição de cumprimento de medida socioeducativa, não se transfigura como imprescindível

a instituição primária continuar o acompanhamento, tendo em vista também a alta demanda que

a equipe já possui na própria instituição.

O não cumprimento do acompanhamento dos egressos das medidas socioeducativas

pelos centros de atendimento socioeducativos, delegando uns aos outros essa responsabilidade,

configura-se uma violação ao art. V da lei 12.594, além de se constituir uma forma de privação

de direitos, uma vez que sem a referência e a contrarreferência do atendimento desses

adolescentes, não se tem como mensurar questões muito importantes que possibilitem inclusive

a implementação de políticas efetivas de atendimento socioeducativo que contemplem as

particularidades e garantam os direitos fundamentais dos adolescentes egressos das instituições

do Estado do Rio Grande do Norte.

No Plano Municipal Decenal de Atendimento Socioeducativo do Município de São

Tomé/RN é relatado a insuficiência de Programa de Acompanhamento do Egresso no Estado e

particularmente no município de São Tomé. Por conseguinte, são elucidadas ações, sobretudo

no tocante ao meio sociofamiliar, mediante atuação de equipe multidisciplinar, para

monitoramento e acompanhamento contínuo dos efeitos da medida socioeducativa na vida do

adolescente egresso. Para tanto, são elencados cinco (5) eixos que explicitam ações

intersetoriais a serem desenvolvidas com os egressos, sendo eles: eixo 1 - educação; eixo 2 -

saúde; eixo 3 - assistência social; eixo 4 - cultura, esporte e lazer; e, eixo 5 - capacitação,

profissionalização e trabalho (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).

Para a criação das ações apresentadas no Plano Municipal Decenal de Atendimento

Socioeducativo foi realizado um diagnóstico situacional por eixo no objetivo de elencar as

principais dificuldades e impedimentos na consolidação da garantia de direitos do adolescente

egresso da medida de privação de liberdade, que se encontra em acompanhamento em meio

aberto, seja pela medida de prestação de serviços à comunidade ou medida de liberdade

assistida. Assim sendo, as ações quando implementadas teriam a missão de auxiliar na

superação das principais dificuldades apresentadas pelos egressos no acesso a educação, saúde,

assistência social, cultura, esporte, lazer, capacitação, profissionalização e trabalho (RIO

GRANDE DO NORTE, 2015).

No que concerne ao eixo da educação, foram relatadas dificuldades: para matrícula

escolar, pois algumas escolas costumam alegar a inexistência de vagas quando informadas que

o adolescente é egresso de medida socioeducativa; para efetiva frequência e assiduidade do

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adolescente egresso às aulas, por motivo de dificuldade escolar, desmotivação, desinteresse ou

tratamento diferenciado da turma e dos professores em virtude do conhecimento que o

adolescente é egresso de medida socioeducativa; para acompanhamento dos conteúdos

ministrados, pela defasagem no aprendizado; para cooperação e participação da família nas

reuniões da escola, no auxílio das atividades de casa, no incentivo a educação do adolescente e

no monitoramento do desempenho escolar; para entendimento da escola que ela tem o seu

papel, por sinal muito importante, na vida desse adolescente e que seu envolvimento e

cooperação são fundamentais para seu bom desempenho e sucesso acadêmico (RIO GRANDE

DO NORTE, 2015).

As dificuldades apresentadas no eixo da saúde dizem respeito a: ausência de programa

oficial ou comunitário para tratamento a toxicômanos, principalmente em regime de internação;

acesso e acompanhamento continuado a serviços de saúde. No tocante ao eixo da assistência

social, como dificuldade foram elencadas: a deficiência na rede de serviços para realização de

trabalho com as famílias dos adolescentes egressos; especificamente em relação à medida de

Liberdade Assistida, as adversidades encontradas em sua execução referem-se ao número

reduzido de orientadores disponíveis para o acompanhamento do adolescente egresso. Quanto

ao eixo de cultura, esporte e lazer são relatadas dificuldades na: oferta de equipamentos para

realização de atividades esportivas; oferta de amostras culturais, exposições e apresentações

artísticas; arrecadação de material para confecção de artesanato. Por fim, como dificuldades

mapeadas no eixo da capacitação, profissionalização e trabalho são apresentados: o déficit de

empregos formais; baixa escolaridade dos adolescentes egressos; desinteresse do adolescente

egresso para inscrição em cursos profissionalizantes; as ofertas incompatíveis com a

necessidade e/ou interesse do adolescente egresso (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).

Após o mapeamento, foram elencadas diversas ações como forma de enfrentamento das

dificuldades diagnosticadas, sendo: a realização de palestras e dinâmicas temáticas; a confecção

de material de campanha para incentivo aos adolescentes egressos; a realização de oficinas que

fomentem o debate da importância da formação qualificada; a elaboração de cartilhas temáticas;

a capacitação dos egressos através de cursos e minicursos de interesse deles; a oferta de

seminários para os professores, alunos e familiares sobre o processo de inclusão social; a

inserção dos adolescentes em atividades como festivais, campeonatos, olimpíadas, jogos

estudantis, grêmio estudantil; a realização de atividades opcionais de diversas modalidades

culturais e esportivas e de iniciação técnica no contra turno escolar (RIO GRANDE DO

NORTE, 2015).

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Nesse sentido, torna-se imprescindível a articulação entre as equipes multidisciplinares

das medidas socioeducativas de privação de liberdade e medidas em meio aberto para

articulação dessas ações com o objetivo de fornecer suporte continuado ao adolescente em

cumprimento de medida socioeducativa. Através dessas ações é possível se pensar em um

projeto de inclusão social efetivo que contemple as necessidades dos egressos e, sobretudo,

auxilie no processo de não-reincidência a prática de novos atos infracionais e sua reinserção

social. Todavia, tendo em vista o sistema socioeducativo como se articula (ou não se articula)

hoje, é fato que os centros de atendimento não conseguem garantir o acesso desses adolescentes

egressos a seus direitos fundamentais, assim como as ações continuadas que são realizadas nos

Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) — quando o adolescente egressa da

instituição de socioatendimento de privação de liberdade para cumprimento em meio aberto de

prestação de serviço à comunidade — ainda não conseguem ser efetivos no processo de

reinserção social. Isto se explica, conforme exposto através das dificuldades que as equipes

multidisciplinares dos centros de atendimento socioeducativo de todo país, mas particularmente

do Estado do Rio Grande do Norte apresentam.

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4 Considerações finais

Através deste trabalho buscou-se conhecer um pouco da realidade vivenciada tanto

pelos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa quanto dos adolescentes com

progressão de medida que se encontram em meio aberto cumprindo medida socioeducativa de

liberdade assistida ou medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade. Para tanto,

foram apresentados alguns dados da realidade dos Centros de Atendimento Socioeducativo do

Estado do Rio Grande do Norte, em especial do CASE Pitimbú, local que a autora realizou

estágio curricular obrigatório.

Para problematização, partiu-se do pressuposto que os determinantes históricos são

essenciais na análise da garantia (ou não) dos direitos a reinserção social do egresso, tendo em

vista que as promulgações das legislações foram conquistas sociais - fruto de embate e

tensionamentos - sobretudo em razão do explícito partido que o Estado tinha de legislar somente

quando pertinente à causas econômicas em detrimento de desempenho e cooperação quanto as

causas sociais.

É fato que existem falhas na aplicação das medidas socioeducativas e dessas falhas

depreendem implicações que acompanharão o adolescente após o cumprimento da medida. O

adolescente muitas vezes não tem tantas escolhas que o ajudem, lhe amparem para que consiga

sair da situação de miserabilidade e vulnerabilidade a qual se encontra. Por conseguinte, na

realidade a qual ele faz parte e tem ciência que vai voltar, o adolescente se vê sem saída quando,

sua família sendo financiada por uma facção, está ciente que deverá pagar a dívida ou terá que

ofertar a vida em troca.

E mesmo o Estado ciente de todos esses fatos que cotidianamente encontram-se

estampados nos mais diversos jornais, ainda se faz omisso para as questões da infância e

juventude. Se o adolescente tem chances de sair da situação que se encontra estas são poucas,

estas não são realizadas através do suporte do Estado que é mínimo para as questões sociais.

Se tratando dos índices de reincidência, uma série de fatores - resultados de dívidas,

ameaças e inimizades - fora da instituição o impedem de direcionar sua vida ao que se propôs

em suas reflexões enquanto se encontrava cumprindo medida de internação. E são esses fatores

que o fazem regressar ao mundo do crime, o que traz questionamentos mais uma vez ao papel

do Estado frente a essas questões, visto que se existissem programas efetivos de

acompanhamento e monitoramento (não fiscalização) desses adolescentes egressos

possivelmente o número de reincidentes seria ainda mais baixo.

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Os meios que este adolescente tem para se manter após sua saída da instituição não são

muito diferentes dos que ele tinha antes de entrar na instituição. Com o aporte da família que é

praticamente a única instituição que ainda está ao seu lado, ele tenta se manter e manter a

família, especialmente através de trabalhos informais. E nessa rotina tumultuada, finda com o

adolescente não dando muita importância para os estudos. O desinteresse surge também em

virtude dos equipamentos escolares públicos: que mal tem aula, mal tem cadeira, mal o

professor vai (adoecimento em razão da precarização do trabalho), que mal alguém se forma.

No CASE Pitimbú os adolescentes muitas vezes reclamaram pois não recebiam nenhum

certificado dos cursos que realizaram na instituição. E em realidade, em todas as saídas que a

autora presenciou, foram poucos os que saíram em posse de algum certificado. Muitas vezes é

como se as atividades ofertadas na instituição fossem mais uma forma de mantê-los ocupados

do que realmente visando a capacitação e profissionalização deles. É mais como se o Estado

estivesse tirando-os das ruas e institucionalizando-os para passar uma falsa ideia de necessidade

para diminuição da violência. Com o falso discurso de que a marginalidade é o melhor caminho

para isso. Nesse sentido, é assinalado que os direitos das crianças e dos adolescentes não são

prioridades de garantia, e, portanto, podem esperar mais alguns anos para que se efetivem.

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