a "reforma" do ensino médio ou a retórica da inovação

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SEPARATAIn EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIAPublicação do mandato do DeputadoFederal Ivan Valente (PSOL-SP)novembro/2009

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A “reforma”

do ensino médio ou aretórica da inovaçãoEduardo Garcia C. do Amaral*

Contam-nos as estatísticas que uma enormidade de jovens mal chega ao

ensino médio e, entre eles, outra enormidade abandona a escola sem com-

pletar seus estudos. Além disso, a qualidade do ensino deixa a desejar, a

considerar o desempenho dos alunos nas diversas avaliações a que são

submetidos. Nada disso é novo.

O Ministério da Educação então anunciou uma mudança profunda na con-

cepção curricular, a partir de um programa denominado ―ensino médioinovador‖. Não foi sem alarde que a imprensa divulgou as mudanças vin-

douras, anunciando-as como uma ―reforma do ensino médio‖.

Quando a sociedade percebe que a ―educação vai mal e a escola pública,

pior‖, apresentar qualquer proposta a título de ―inovação‖ é coisa que se

faz de caso pensado: a ideia é sempre simpática, pois advoga o ―novo‖, e

faz considerar qualquer oposição ou resistência como ―velha‖, ―reacioná-

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ria‖, ―atrasada‖. Trata-se de um recurso retórico preciso e eficaz, apesar de

amplamente repetido: nova república, nova escola, nova ordem mundial.

Muito barulho por pouco

Contudo, a proposta é menor do que parece: trata-se de um programa de

financiamento a projetos pedagógicos experimentais em escolas que en-

campem um currículo ―inovador‖, segundo certos pressupostos didáticos e

metodológicos. Ademais, no primeiro ano, só cem escolas serão contem-

pladas no Brasil todo, um número muito reduzido para que se tenha qual-

quer impacto sensível.

O MEC quer induzir assim as políticas educacionais praticadas pelos Esta-

dos, majoritariamente responsáveis pelo ensino médio, sem que estes

ofereçam as condições necessárias nem recursos financeiros adicionais.

Neste quesito, o governo Lula repete os equívocos do governo anterior. Ao

pretender uma reforma, apresenta medidas isoladas e dispersas, que assim

até representariam avanços, mas que são neutralizadas por omissões e

recuos na política educacional implementada e, ao não darem respostas

satisfatórias aos problemas apresentados, os aprofundam ainda mais.

O sentido da “inovação” 

A questão é saber como, nas atuais circunstâncias, repercutirão para den-

 tro das escolas as ―inovações‖ que o programa sugere. Partem das alturas

das concepções curriculares, sem garantir no chão da escola as condições

necessárias para o currículo proposto. Ora, o programa apresentado se

fundamenta nos Parâmetros Curriculares Nacionais que, não por acaso,

após mais de 10 anos ficaram no papel: nas escolas ainda não se vê um

  tratamento às ―matérias‖ de modo que os conteúdos curriculares estives-

sem integrados, promovendo uma desejável abordagem interdisciplinar;

permanece a tradição das disciplinas estanques.

A imprensa noticiou ainda que a intenção do MEC seria a de eliminar as 12

disciplinas atuais, agrupando os conteúdos curriculares em quatro grupos

mais amplos, por áreas de conhecimento afins. Porém, como as aulas serão

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atribuídas aos professores, especialistas que são em disciplinas específi-

cas? Não é por acaso que os sindicatos voltaram-se a este ponto em parti-

cular, acerca da ―empregabilidade‖ do professor, a despeito de qualquerconsideração metodológica. Em tempos de contenção de recursos, isso

pode se configurar em estratégia sistemática de demissões.

A proposta ainda amplia a carga horária para 3 mil horas, 600 horas a mais

que serão destinadas a atividades de livre escolha dos alunos, sem deixar

claro quem será responsável por ministrar tais atividades. Em tempos de

privatização e terceirização, isso pode servir de expediente para toda espé-

cie de ―parcerias‖ público-privadas, em detrimento da atuação dos profes-

sores.

Mais do mesmo

A ―inovação‖ aqui vem mal disfarçada, reforçando o grande consenso cons-

  truído em torno da ―pedagogia da competência‖, ao conceber o processo

educativo a partir do desenvolvimento de competências e habilidades,

mesuráveis em níveis, aquém ou além do adequado — sobretudo porque

possibilitam, a despeito da diversidade entre as escolas, comparar resulta-dos a partir de avaliações de desempenho nacionais e padronizadas. Em

resumo, da ―inovação‖ da pedagogia oficial decorre o atual sistema de

avaliação, dos mesmos discursos e práticas que se repetem, com nuances,

do PT ao PSDB, de mais provinhas e provões.

A que se deve esta ―resistência à inovação‖, já que nada há na proposta

que estivesse antes legalmente impedido de ser feito? A resposta, a mais

difundida, à esquerda e à direita, num lamentável consenso, é a da (má)

formação dos professores, responsabilizados assim pelo fracasso sistêmicoda educação nacional.

Se as estatísticas não se alterarem, então a culpa é dos professores? Se-

gundo deduzimos do empenho retórico dos gestores da política educacio-

nal, a ―inovação‖ é uma questão de ―méri  to‖; porque também aferido em

provas, ele é isolado de outras variáveis que incidem sobre a escolarização.

Mérito, assim, é tão somente a adesão, mais ou menos voluntária, do pro-

fessor ao programa estabelecido.

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Faltam entretanto as condições para que docentes até se apropriem das

orientações curriculares e as transformem em práticas de sala de aula. E se

o desempenho em uma avaliação resulta em qualquer ganho pecuniário(para a escola ou para o professor), melhor é fazer com que os alunos obte-

nham ―bons resultados‖ – o que não é, necessariamente, o mesmo que ter

aprendido.

Converte-se o processo educativo em produção de resultados pré-

estabelecidos, lançados nas estatísticas como ―melhoria da qualidade‖. A

sanha em avaliar dá a tônica das políticas educacionais nos últimos 10

anos, como se a crise existisse nas estatísticas, mas não no chão da escola.

A ―reforma‖ e toda a política educacional parecem esquecer da escola;visam produzir resultados positivos nas avaliações e a partir delas.

 Velho contraponto, ainda necessário

Paradoxalmente, o real sentido de uma reforma e da inovação no ensino

seria antes atender às ―velhas‖ reivindicações dos profissionais da educa-

ção, sem o que toda ―inovação‖ é meramente retórica. 

Qualquer experimentação pedagógica que pretenda uma abordagem inter-

disciplinar requer tempo para a discussão entre os professores a fim de

afinar os encaminhamentos adotados, planejar o processo e sua avaliação,

bem como para atualização e formação contínua. Isso também tem a ver

com o grau de autonomia da escola, para que ela paute e trabalhe a partir

de suas especificidades. Estas condições são de tal modo imperativas que,

caso não sejam satisfeitas, toda experimentação dependerá da sorte e do

acaso para vingarem em boas experiências, ou redundarão na frustração

das tentativas, em equívocos quanto a concepções e encaminhamentos

práticos, em práticas meramente protocolares, de repetição da cartilha

adotada.

Se o projeto aposta ainda na multiplicidade de trajetórias para os alunos, é

necessário estabelecer um número adequado de alunos por sala de aula e,

além disso, um número limite de turmas a que um professor se dedica.

Essas são variáveis esquecidas nas discussões sobre qualidade do ensino,

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quando não são rechaçadas pela tecnocracia federal, estadual ou munici-

pal, como se isso não tivesse influência no desempenho dos alunos.

E para tudo isto, deveríamos saltar dos atuais 4 nem 5% do PIB de investi-

mento público em educação para o mínimo de 7, senão 10%, como preco-

nizado no nosso Plano Nacional de Educação. A expectativa de um aumento

significativo de recursos, inscrita no programa de governo de Lula em 2002,

não tornou-se real compromisso e ficou como uma amarga nostalgia. Pos-

sibilidades são criadas nas opções políticas adotadas e, lamentavelmente,

optou-se uma ―inovadora continuidade‖, sem a ousadia necessária para

que de fato inovássemos.

* Eduardo Garcia C. do Amaral é professor efetivo da rede estadual de ensino de São Paulo.

http://edu74.wordpress.com