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A Realidade das Mulheres Rurais na Luta pela Reforma Agrária: Ação The Reality of the Agricultural Women in the Fight for the Agrarian Reformation: Action x Anonymity FERNANDES, Ivana Leila Carvalho 1 1 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/CE, Brasil, [email protected] RESUMO Este trabalho trata da temática mulher e reforma agrária, e tem como objetivo compreender o tipo de participação que as mulheres rurais têm apresentado nas lutas pela conquista da terra e melhores condições de vida. O estudo foi realizado no Curso de Especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo sobre a metodologia da pesquisa-ação. O trabalho apresenta referenciais teóricos e dados referentes a pesquisa realizada em um assentamento rural do Ceará. Percebemos que a participação da mulher é presente e tem importante significado nos acontecimentos que representam a luta pela conquista da terra, bem como sua presença nas etapas de constituição e organização do assentamento. A questão é que as agricultoras apresentam uma profunda insatisfação em relação ao reconhecimento de suas ações, tanto por parte das instituições governamentais, como da sociedade de modo geral, e principalmente daqueles que estão mais próximos, como maridos, filhos e familiares em geral. PALAVRAS-CHAVE: participação; assentamento; trabalho doméstico; produção; família. ABSTRACT This work deals with the thematic woman and agrarian reform, and has as objective to understand the type of participation that the agricultural women have presented in the fights for the conquest of the land and better conditions of life. The study it was carried through in the Course of Specialization in Familiar Agriculture Peasant and Education of the Field on the methodology of the research-action. The study it presents theoretical referenciais and referring data the research carried through in an agricultural nesting of the Ceará. We perceive that the participation of the woman is present and important has meant in events that represent the fight for the conquest of the land, as well as its presence in the stages of constitution and organization of the nesting. The question is that the agricultoras present a deep insatisfação in relation to the recognition of its action, as much on the part of the governmental institutions, as of the society in general way, and mainly to that they are next, as familiar husbands, children and in general. KEY WORDS: participation; nesting; domestic work; production; family. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 4(3): 3-10 (2009) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 22/11/2009

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A Realidade das Mulheres Rurais na Luta pela Reforma Agrária: Ação

The Reality of the Agricultural Women in the Fight for the AgrarianReformation: Action x Anonymity

FERNANDES, Ivana Leila Carvalho1

1Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/CE, Brasil, [email protected]

RESUMOEste trabalho trata da temática mulher e reforma agrária, e tem como objetivo compreender o tipo departicipação que as mulheres rurais têm apresentado nas lutas pela conquista da terra e melhorescondições de vida. O estudo foi realizado no Curso de Especialização em Agricultura FamiliarCamponesa e Educação do Campo sobre a metodologia da pesquisa-ação. O trabalho apresentareferenciais teóricos e dados referentes a pesquisa realizada em um assentamento rural do Ceará.Percebemos que a participação da mulher é presente e tem importante significado nos acontecimentosque representam a luta pela conquista da terra, bem como sua presença nas etapas de constituição eorganização do assentamento. A questão é que as agricultoras apresentam uma profunda insatisfaçãoem relação ao reconhecimento de suas ações, tanto por parte das instituições governamentais, como dasociedade de modo geral, e principalmente daqueles que estão mais próximos, como maridos, filhos efamiliares em geral.

PALAVRAS-CHAVE: participação; assentamento; trabalho doméstico; produção; família.

ABSTRACTThis work deals with the thematic woman and agrarian reform, and has as objective to understand thetype of participation that the agricultural women have presented in the fights for the conquest of the landand better conditions of life. The study it was carried through in the Course of Specialization in FamiliarAgriculture Peasant and Education of the Field on the methodology of the research-action. The study itpresents theoretical referenciais and referring data the research carried through in an agricultural nestingof the Ceará. We perceive that the participation of the woman is present and important has meant inevents that represent the fight for the conquest of the land, as well as its presence in the stages ofconstitution and organization of the nesting. The question is that the agricultoras present a deepinsatisfação in relation to the recognition of its action, as much on the part of the governmentalinstitutions, as of the society in general way, and mainly to that they are next, as familiar husbands,children and in general.

KEY WORDS: participation; nesting; domestic work; production; family.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 4(3): 3-10 (2009)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 22/11/2009

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Introdução

A luta pela reforma agrária no Brasil jámobilizou milhões de trabalhadoras rurais, quesempre estiveram presentes, mesmo sem ter avisibilidade dos seus esforços reconhecidospublicamente. O acesso delas a terra sempre foirestrito, apesar das transformações das relaçõessociais no processo de luta pela terra, em especialno convívio nos acampamentos (BUTTO, 2005).

Segundo a autora citada, a legislação brasileirapromoveu importantes avanços para permitir oacesso das mulheres rurais à terra. O Estatuto daTerra de 1964 dava prioridade a chefes defamílias maiores que quisessem dedicar-se asatividades agrícolas. A autora destaca quepadrões culturais do país atribuem a chefiafamiliar aos homens. Diante das consequênciasdesta legislação, a partir dos anos 80, as mulherestrabalhadoras rurais empreenderam lutas em todoo país para reivindicar acesso igualitário à terra noprocesso de reforma agrária.

A luta estava direcionada à titulação conjuntada posse da terra. As trabalhadoras ruraisbrasileiras conseguiram através destasreivindicações que o governo Federal incluísse nanova Constituição Federal, que o título de domínioou concessão de uso da terra seria conferido aohomem ou a mulher, ou a ambos independente deseu estado civil.

Apesar desse direito constitucional a suaimplementação ocorreu precariamente. Poucomais de oito anos após a promulgação da novaConstituição, o Censo da Reforma Agrária,realizado em 1996, indicou uma presença dasmulheres como titulares da terra equivalente a12%. Este índice pode ser considerado baixo secomparado a outros paises da América Latina, porexemplo a Colômbia, em que este índice chega a45% (BUTTO, 2005).

A separação conjugal representa um fator denão permanência da mulher na terra, restandopara ela uma alternativa de voltar a acampar epermanecer na luta pelo acesso à terra.

No quadro de luta pela reforma agráriabrasileira, a mulher esteve presente, na maioriadas vezes na invisibilidade, mas algumasconseguem se destacar e viram marco na históriada luta pela terra no Brasil. Na década de 60,podemos citar a atuação da agricultora paraibanaElizabete Teixeira (esposa de João Pedro Teixeiraagricultor que inspirou o documentário "CabraMarcado para Morrer"), que marcou presença naslutas camponesas, resistindo a expulsão deagricultores (foreiros) dos engenhos emPernambuco. Dada à sua atuação nessa luta, foiperseguida pelos governos da ditadura militar,tendo que por isso, abandonar a família, tornar-sepersonagem anônima, refugiar-se com um filho nointerior do Rio Grande do Norte, e somenteretornar a seu Estado após a anistia conquistadapara os perseguidos pelo sistema políticobrasileiro da época. Ao voltar, retorna à cenapolítica, narrando sua história para trabalhadorasrurais de todo o País, com a finalidade deincentivá-las a participar da luta pela terra.Elizabete certamente simboliza a luta de muitasoutras elizabetes (in)visíveis na questão dareforma agrária (FISCHER, 2002).

Nos projetos de colonização implantados peloEstado, as mulheres se tornam personagensprincipais na luta para conseguir um lote. Aagricultora Maria do Socorro Alexandre Colares,residente no projeto Curu-Paraipaba, no Ceará,travou luta judicial contra o DepartamentoNacional de Obras Contra Secas (DNOCS) paratornar-se cooperante oficial, ou seja, adquirir umagleba, condição permitida, até então, somente aomasculino (PESSOA, 1990).

Ainda nos anos 80, durante a chamada NovaRepública, e com a adoção do primeiro Plano deReforma Agrária, as demandas por essa reformase acirram, e as mulheres rurais entram na cenapolítica nacional através de movimentos sociais,sindicatos rurais e o Conselho Nacional dosDireitos da Mulher, instalado no Ministério daJustiça, do Distrito Federal. Juntos pressionam

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dirigentes do país a criarem, naquele momento, norecém fundado Ministério da Reforma Agrária, aComissão de Apoio à Mulher Trabalhadora Ruralcom a finalidade de contemplar suasreivindicações no contexto dessa reforma. Deigual modo, forçam o governo a criar outracomissão de apoio à mulher rural no Ministério daAgricultura, para atender a reivindicações nocontexto da política agrícola. Essas Comissões,representadas por estudiosas da questão femininae que tinham como objetivo divulgardiscriminações cometidas contra as mulheresrurais no âmbito das políticas públicas, foramjuntamente com o Conselho Nacional dos Direitosda Mulher, esvaziadas quando o então Presidenteda República, José Sarney, retirou recursoshumanos e financeiros a elas destinados paraatender a setores que votaram a favor daampliação do seu mandato (FISCHER, 2002).

A ação que tem contribuído gradativamentepara o desenvolvimento de estratégias de inclusãodas trabalhadoras rurais na reforma agrária, é agarantia do direito a documentação civil etrabalhista. Em 2004 foi criado O ProgramaNacional de Documentação da MulherTrabalhadora Rural que já emitiu mais de 80 mildocumentos civis e trabalhistas para mulherestrabalhadoras rurais. A ação integra o II PlanoNacional de Reforma Agrária e as estratégias dedesenvolvimento rural e de inclusão social doGoverno Federal (BUTTO, 2005).

È importante lembrar que a documentação civilbásica representa uma condição necessária paraacessar e facilitar o acesso das mulheres àspolíticas públicas e os benefícios previdenciárioscomo aposentadoria e auxílio maternidade.

O II Plano Nacional de Reforma Agrária incluiuma política de gênero, como parte de suasações. Com a portaria n° 981/2003 do Incra, atitulação conjunta da terra para áreas constituídaspor um casal passa a ser obrigatória (BUTTO,2005).

Além dessa medida a normatização da

assistência técnica para os assentamentos dareforma agrária passou a recomendar a inclusãoprodutiva das mulheres e a prever açõesespecíficas de capacitação de extencionistas.

O Plano Safra de 2005/2006 estabelece odireito de as mulheres realizarem através doPRONAF Mulher uma operação de microcréditorural para o desenvolvimento de uma atividadeprodutiva desenvolvida por elas (BUTTO, 2005).

A discussão sobre o crédito para a pequenaprodução rural tem ganhado cada vez maisimportância tendo em vista a perspectiva defortalecimento da agricultura familiar e a suarepercussão social. Considerando asdesigualdades de gênero existentes em nossasociedade, verifica-se, contudo, que o incentivo aocrédito para a agricultura familiar ao longo dosanos pouco tem significado em termos demelhorias nas condições de vida das mulheresrurais, que permanecem como a população maispobre entre os pobres. Embora em princípio asmulheres se encontrem contempladas noprograma de crédito para a família rural,PRONAF, que vigora desde 19961, na prática,quase sempre o crédito é acessado, empregado edistribuído segundo as necessidades e interessesdos homens, chefes das famílias, que quasesempre representam aqueles que estabelecemlegitimamente relação com o mundo público(BUTTO, 2005).

Com o surgimento do PRONAF mulher, asmulheres trabalhadoras rurais nas diversasregiões do Brasil despertaram para o interesse deacessar o programa de crédito na perspectiva deincrementar a renda familiar e consequentementecontribuir para a melhoria da qualidade de vida desuas famílias.

No assentamento onde esta pesquisa foirealizada, as mulheres relataram a suaparticipação na história da luta pela conquista daterra, onde no acampamento elas estiveram porquatro anos presentes junto aos maridos,trabalhando na higienização do espaço,

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elaborando as refeições das famílias, cuidando dasaúde de todos e correndo o mesmo risco que oshomens nos conflitos contra os funcionários doproprietário da terra. Apesar do esforço dasmulheres, do risco que correram nos quatro anosde conflitos entre acampados e fazendeiro nãoexiste visibilidade das ações femininas por partedos homens do assentamento em relação aparticipação efetiva da mulheres nessa luta, já quenas entrevistas quando foi perguntado aoshomens qual a participação das mulheres nasconquistas do assentamento, sempre tínhamoscomo resposta que foi pouca, e que elas sempreajudaram, mas não participaram muito.

A visão dos homens em relação a participaçãoe trabalho das mulheres no assentamentoreproduz o pouco reconhecimento em relação aoesforços despendidos por elas1.

As mulheres participam das atividades deplantio e cultivo de feijão e milho, bem como dacolheita desses produtos no assentamento, massão vistas como “meras” ajudantes. A produçãodos alimentos é bastante representativa nosnúcleos familiares, sendo que os maridos e osfilhos são encarregados dos cuidados com ocultivo nos roçados e atividades realizadas fora dacasa e as esposas e filhas ficam responsáveispelo cultivo dos alimentos nos quintais e dastarefas domésticas.

A produção do assentamento Novo Horizonte éorganizada de duas formas: produção individual eprodução nos roçados coletivos. As mulheres nãoparticipam dos grupos de trabalho.

O espaço de produção como áreas de cultivo,pastos, curral é reconhecido por homens emulheres como sendo espaços de predominânciamasculina onde o pai de família coordena asatividades a serem desenvolvidas, e os filhosauxiliam o trabalho. O espaço casa e quintal éconsiderado feminino, pois é a mãe e as filhas quetem responsabilidades sobre o espaço. Nasentrevistas realizadas com as mulheresparticipante do grupo organizado para a realização

das atividades da pesquisa2, observou-se umadiferenciação no reconhecimento do trabalhodado as atividades femininas realizadas nosquintais, visto que é a produção dos homens quetraz a maior parte dos alimentos (arroz, feijão,milho) para a família, e que tem a possibilidade decomercialização em caso de excedentes.

Dessa forma, a produção das mulheres éenxergada pelos homens como produçãosecundária, pois as frutas e hortaliças não sãoalimentos tidos como fundamentais, como osproduzidos por eles (arroz e feijão), além do queos produtos provenientes do quintal sãoexclusivamente produzidos para o autoconsumo,não se tendo a intenção de comercializá-los.

Portela, Silva e Ferreira (2004), chamamatenção para o problema da desvalorização einvisibilidade do trabalho das mulheres naagricultura familiar afirmando que o fato éresultado de processos sociais os quais atuamsujeitos em dois sentidos - o sentido que objetivacriar ações para invisibilizar o trabalho dasmulheres e destacar o dos homens através deestudos e pesquisa que ocultam a jornada detrabalho das mulheres na agricultura familiar edestacam a dos homens e, o sentido de que visaconservar as ações de invisibilidade do trabalhofeminino.

Os animais criados pelas mulheres3 tempoucas perspectivas de comercialização, oprincipal objetivo é alimentar as famílias.Enquanto que os animais criados pelos homenscomo bovinos e suínos, representam animais devalor comercial e que podem gerar lucro na vendade garrotes e bacurins.

As mulheres do assentamento temexpectativa4 de incrementar suas produções nosquintais de forma que os alimentos produzidos eanimais criados por elas possam sercomercializados em feiras locais, para quepossam obter renda e melhorar a qualidade devida das famílias. Essa questão, trouxe adiscussão sobre como produzir, tanto do ponto de

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vista técnico como empírico, pois elas nãopossuem conhecimento específico para produziralimentos em maior quantidade e com a qualidadedesejada, já que uma das preocupaçõesapresentadas é de produzir sem a utilização deinsumos químicos.

Metodologia

Este estudo foi realizado sob a ótica dapesquisa-ação, que conforme Thiollent (1986)deve ser desenvolvida através da interação entreos pesquisadores e os participantesrepresentativos da pesquisa, de modo cooperativoou participativo.

Como instrumentos de coleta de dadosutilizamos: analise documental, aplicação dequestionário, entrevista semi-estruturada,realização de reuniões e oficinas e, em especial oregistro da vivência de campo, que vem sendosistematizada através de um diário de campo.

O estágio de vivência no campo faz despertarum novo olhar da realidade em que se pesquisa, aconvivência com os povos nos tira um poucoaquela visão paradigmática de que o pesquisadortem a razão, o saber e o poder de mostrar comose faz o certo.

A natureza da pesquisa foi fundamentalmentequalitativa; as análises de natureza quantitativaforam empregadas, mas tiveram uma funçãosecundária e auxiliar. Segundo Goldemberg(1997), na pesquisa qualitativa o pesquisador tema preocupação de analisar os problemasenfrentados pelos grupos sociais a partir do pontode vista dos próprios indivíduos envolvidos noproblema encontrado.

Com base nisso, as entrevistas foramrealizadas com mulheres e os homens, através dedepoimentos obtidos de forma aberta, a partir deum roteiro de perguntas semi-estruturado. Asentrevistas na maioria das vezes foram realizadasno alpendre das casas. Em alguns casos foramrealizadas na cozinha da creche do assentamento.

Resultados e discussões

As mulheres do assentamento Novo Horizontesão na sua grande maioria donas de casaresponsáveis pelos cuidados com as famílias, ecom todos os afazeres que dizem respeito à casa.Cultivam hortas e canteiros nos quintais, e sãoresponsáveis pela criação de galinhas ouqualquer outro bicho nos terreiros. Enquanto queos homens ficam responsáveis pela produção nosroçados e com os cuidados com os animaismaiores criados soltos ou em currais coletivos.

Observou-se uma diferenciação noreconhecimento do trabalho dado as atividadesfemininas realizadas nos quintais, visto que é aprodução dos homens que traz a maior parte dosalimentos para a família, e que tem apossibilidade de comercialização em caso deexcedentes. Assim ficou constatado que osalimentos e animais de responsabilidadesprodutivas das mulheres não possuem o mesmovalor econômico e social daqueles deresponsabilidade masculina.

Dessa forma, na agricultura familiar o trabalhoda mulher se difunde cotidianamente entreprodução e reprodução da família. As tarefas dasmulheres ocorrem em um espaço continuo entre acasa e o quintal gerando uma sobrecarga detrabalho não reconhecido socialmente por estardiretamente associado ao trabalho doméstico.

As mulheres que participaram da pesquisa-ação apresentaram expectativas positivas sobre aprodução desenvolvida nos quintais, pretendemtrabalhar um plantio diversificado em suas hortase canteiros, mas a carência de conhecimento e deum acompanhamento técnico representa umobstáculo para as atividades de cultivo.

O interesse na produção nos quintais é paragarantir uma alimentação diversificada e evitar ogasto de dinheiro com alimentos que podem serproduzidos e no caso de excedente garantir umarenda que possa beneficiar a qualidade de vidadas famílias.

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Além disso, se preocupam com a qualidade daalimentação de suas famílias, pois após asdiscussões nas oficinas5 realizadas durante apesquisa, elas despertaram para a importância dainserção de hortaliças e frutas nos cardápioscotidianos, e desejam cultivá-las de forma quepossam contribuir para a segurança alimentar desuas famílias.

Na realização de uma oficina na pesquisa asmulheres traçaram um quadro sobre os problemasque elas encontram no sistema alimentar doassentamento, apresentados no quadro 1.

As sugestões dadas por elas para osproblemas identificados estão semprerelacionados à presença de assistência técnica noassentamento e à falta de oportunidades noacesso a créditos e financiamentos. A questão da

falta de conhecimentos sobre a conservação dosalimentos armazenados, será abordada com ainstalação do banco de sementes. Mas asreuniões são, segundo as mulheres, para oshomens responsáveis pelos grupos de trabalhoprodutivo.

Sobre a questão dos lixos, as mulherespreferiram deixar nos quintais, pelo fato de nãoterem encontrado um lugar seguro para colocar edecidiram em consenso com os maridosqueimarem o lixo no fundo do quintal. Apesar deterem a consciência deste procedimento nãorepresentar uma forma ecologicamente corretapara o destino do lixo, elas evitam o acúmulo desujeira nos quintais, a ingestão de lixo pelosbichos, e também o contato das crianças com omesmo. O ideal seria que um carro de coleta de

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lixo pudesse fazer a coleta mas elas afirmam quea prefeitura do município não realiza este tipo detrabalho fora da sede.

Sobre os animais, algumas cercas foramconcertadas por elas em companhia dos maridos,com a utilização de tocos para não deixar osanimais ficarem em contato com os lixos, e nemdestruírem seus cultivos, mas percebe-se que pormais que não fique brecha os animais pequenoscomo as galinhas acabam passando para o outrolado da cerca. Sugerimos que a melhor opçãoseria prender os bichos em cercados exclusivos,mas elas colocaram a dificuldade da compra dematerial, e carência de milho (no momento, nãotem armazenado), para galinhas. Se tivessemuma atividade que gerasse renda, segundo elasficaria mais fácil de resolver alguns problemas,como compra de materiais para concertos.

A preocupação de se encontrar uma atividadeque possa gerar renda para as famílias, é umaconstante entre as mulheres, e foi mencionada porelas em duas oficinas realizadas.

Buarque (2002), explica que o nãoreconhecimento da condição das trabalhadorasrurais acontece devido à ausência, nos estudosdos teóricos sobre a questão agrária, de dados eanálises sobre as suas inúmeras tarefas nas áreasda produção, seja nas grandes, pequenas emédias propriedades, seja nos recentesacampamentos e assentamentos da ReformaAgrária. Este fato gera efeitos negativos,diretamente, sobre o seu acesso aos programasde capacitação e de assistência técnica, tantoporque estão desqualificadas em geral, comoporque não são destinados recursos paraatividades relacionadas à produção não-agrícola,nas quais elas têm, também, uma forte presença.

Assim, as mulheres decidiram formar um grupode interesse comum para buscarem junto aassistência técnica alternativas de melhoria daprodução e de comercialização dos produtos

cultivados por elas.

Conclusões

Um olhar sobre as mulheres do assentamentoem estudo, nos faz refletir sobre o seu papel e asua importante função na melhoria da qualidadede vida de suas famílias, já que, são elas asresponsáveis pelos cuidados com os familiares.

O trabalho produtivo das mulheres realizadosnos quintais, tem importante contribuição para oprocesso de reforma agrária, pois as mulheresparticipam de atividades produtivas que tantopodem contribuir para a segurança alimentar desuas famílias como incrementar a renda familiar.

As mulheres sempre estiveram presentes noprocesso de luta e de conquistas doassentamento. Vários conflitos acontecerem antesda imissão de posse, mas com a persistência dosacampados após quatro anos, as famíliasconseguiram conquistar a terra e assim dar inícioa uma nova etapa na vida: a de serem assentadosda reforma agrária.

A invisibilidade do trabalho feminino foiconstatada no estudo. Os homens quandoperguntados sobre a participação das mulheresnessa luta, respondem que elas apenascontribuíram com a alimentação dos acampados enos cuidados com as crianças e com a higiene dogrupo. Não sendo relatado por eles, a participaçãonos processos produtivos, a presença delasdurante os conflitos, bem como sua permanentecontribuição nas tarefas realizadas no espaçodoméstico.

Assim, compreendemos que as mulheres doassentamento são vistas apenas como donas decasas responsáveis pelos cuidados com asfamílias, e com todos os assuntos que dizemrespeito à casa, incluindo o quintal e o cultivo dehortas. Apesar de as mulheres terem umajornada de trabalho de 17 horas diárias marcada

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por uma sequência de atividades quase seminterrupção em seu cotidiano, contribuírem com amelhoria da qualidade de vida de suas famílias eproporcionarem alternativas para o alcance dasegurança alimentar, elas não tem a visibilidadedessas ações.

A questão da invisibilidade dos trabalhos, nãotira a coragem e a perseverança das mulheres decontinuarem na luta por melhores condições devida tanto para elas como para as famílias doassentamento Novo Horizonte.

Notas

1. Foram realizadas 12 entrevistas com homensdo assentamento, que relataram que suasesposas não realizam atividades de produção,somente ajudam “vez ou outra”.

2. Foram realizadas 12 entrevistas com asmulheres do assentamento.

3. Os animais criados pelas mulheres sãogalinhas, capotes, perus.

4. A expectativa de incrementar a produção nosquintais foi relatada na Oficina: PropostasAlternativas para Garantir a Subsistência dasFamílias.

5. Foram realizadas 4 oficinas temáticas com ogrupo participante da pesquisa: I. Linha doTempo; II. Segurança Alimentar e Nutricional; III.Problemas Encontrados no Sistema Alimentar doAssentamento; IV. Propostas Alternativas paraGarantir a Subsistência das Famílias.

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