a rainha da floresta

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A rainha da floresta A harpia, ave caçadora mais poderosa do mundo, ganha um documentário fotográfico inédito Aline Ribeiro MAMÃE ÁGUIA Numa das imagens feitas a 35 metros de altura, uma harpia traz um galho ao ninho para refrescar o filhote recém-nascido Do topo de uma castanheira amazônica, a 35 metros do chão, o fotógrafo João Marcos Rosa observa atento a movimentação na copa da árvore ao lado. Ele está sentado em uma plataforma estreita, veste roupas de camuflagem e se mexe o mínimo possível para não despertar a atenção dos vizinhos. Munido de arsenal fotográfico com pelo menos 40 quilos, Rosa espera com a ansiedade de um pai de primeira viagem o que deve acontecer a alguns palmos de seus olhos: o nascimento de um filhote de harpia, a maior águia caçadora das Américas. Numa manhã chuvosa de maio de 2009, na Floresta Nacional de Carajás, sudeste do Pará, ele finalmente conseguiu registrar o primeiro dia de vida de um filhote da espécie que, por seu porte majestoso (2 metros de envergadura), é considerada a rainha da floresta. Foi um prêmio à dedicação e à habilidade desse mineiro de Belo Horizonte que aos 30 anos já conta com uma bagagem robusta como fotógrafo de natureza. O resultado – imagens primorosas do namoro dos pais, da cópula, da incubação do ovo e do desenvolvimento do bebê – virou o livro Harpia, da editora Nitro, o primeiro documentário fotográfico da ave feito no Brasil. A harpia ocupa a mais elevada posição na cadeia alimentar. Não tem predador, a não ser o homem. Ao comer suas presas – macacos, preguiças e, em menor escala, répteis e aves –,

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A harpia, ave caçadora mais poderosa do mundo, ganha um documentário fotográfico inédito

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Page 1: A Rainha Da Floresta

A rainha da floresta A harpia, ave caçadora mais poderosa do mundo, ganha um documentário fotográfico inédito Aline Ribeiro

MAMÃE ÁGUIA Numa das imagens feitas a 35 metros de altura, uma harpia traz um galho ao ninho para refrescar o filhote recém-nascido

Do topo de uma castanheira amazônica, a 35 metros do chão, o fotógrafo João Marcos Rosa observa atento a movimentação na copa da árvore ao lado. Ele está sentado em uma plataforma estreita, veste roupas de camuflagem e se mexe o mínimo possível para não despertar a atenção dos vizinhos. Munido de arsenal fotográfico com pelo menos 40 quilos, Rosa espera com a ansiedade de um pai de primeira viagem o que deve acontecer a alguns palmos de seus olhos: o nascimento de um filhote de harpia, a maior águia caçadora das Américas.

Numa manhã chuvosa de maio de 2009, na Floresta Nacional de Carajás, sudeste do Pará, ele finalmente conseguiu registrar o primeiro dia de vida de um filhote da espécie que, por seu porte majestoso (2 metros de envergadura), é considerada a rainha da floresta. Foi um prêmio à dedicação e à habilidade desse mineiro de Belo Horizonte que aos 30 anos já conta com uma bagagem robusta como fotógrafo de natureza. O resultado – imagens primorosas do namoro dos pais, da cópula, da incubação do ovo e do desenvolvimento do bebê – virou o livro Harpia, da editora Nitro, o primeiro documentário fotográfico da ave feito no Brasil.

A harpia ocupa a mais elevada posição na cadeia alimentar. Não tem predador, a não ser o homem. Ao comer suas presas – macacos, preguiças e, em menor escala, répteis e aves –,

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presta um serviço fundamental para o equilíbrio da natureza, o controle de populações de outros animais. Com suas longas asas listradas em tons cinza e branco, a águia pode ser vista em florestas tropicais entre o sul do México e o norte da Argentina. Não por acaso, a harpia ganhou o título de ave mais poderosa do planeta. Suas garras têm tamanho similar às de um urso-pardo. Suas patas são maiores que a mão humana e conseguem carregar presas de peso igual ao seu. Seu nome vem da mitologia grega: tratava-se de um ser imaginário, rosto de mulher e corpo de abutre, e inspirou a fênix do filme Harry Potter e a câmara secreta. Também é conhecida como gavião-real, por causa de suas curvas imponentes e a coroa de penas no topo da cabeça. Pelos índios, é chamada de uiraçu, uma referência a seu grande porte.

INOFENSIVO... POR ENQUANTO O filhote de harpia é frágil. Ele fica até seis meses no ninho, sob os cuidados da mãe. Quando se tornar adulto, suas garras terão o tamanho das de um urso

No caso do fotógrafo, a ave provocou encantamento à primeira vista. O encontro foi em um cativeiro em Minas Gerais, em 2002. Rosa havia sido chamado para captar o nascimento de um filhote e diz que, naquele momento, decidiu fazer um documentário sobre a espécie. O último documentário sobre a ave no mundo havia sido feito pelo cinegrafista americano Neil Rettig, que nos anos 70 chegou a morar em uma cabaninha em cima de uma árvore no Suriname para clicar o bicho. Rosa ambicionava um registro mais completo. Para isso, acompanhou a rotina de biólogos do Programa de Conservação do Gavião-Real. Criado em 1997 pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o projeto busca proteger a harpia de suas principais ameaças: a caça e o desmatamento. A despeito do tamanho e da força, a harpia é frágil. Reza a lenda na floresta que a ave de garras afiadas ataca pessoas e come crianças, o que estimula a matança. O avanço da fronteira agrícola e da retirada de madeira para a venda é outro fator de risco, uma vez que a espécie precisa de grandes áreas preservadas para sobreviver e só entrelaça o ninho nas árvores mais ascendentes. Para

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resguardá-la, não resta outro caminho que não a conscientização. “É um trabalho de formiguinha”, afirma a bióloga Tânia Sanaiotti, coordenadora do programa, que entre outras atribuições dá palestras de educação ambiental a crianças e ribeirinhos.

Saiba mais

• »Confira galeria de fotos, com narração do fotógrafo João Marcos Rosa

As imagens e como vive a harpia, a ave mais forte do mundo Confira a galeria de fotos e acompanhe a narração do fotógrafo João Marcos Rosa, autor de um livro sobre a ave Redação Época

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A rainha da floresta A harpia, ave caçadora mais poderosa do mundo, ganha um documentário fotográfico inédito Aline Ribeiro

CONTATOS Biólogos medem a envergadura de um animal capturado (e depois solto); Rosa em seu esconderijo para fotografar a harpia; um animal com radiotransmissor para monitoração de seus movimentos; e a pata de uma harpia, morta por ribeirinhos. O estudo pode ajudar a preservar a espécie

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Rosa fez dezenas de viagens de avião, barco, canoa e helicóptero atrás do animal. Passou mais de 900 horas pendurado no topo das árvores, à espreita. Tirar os pés do chão foi um dos maiores desafios: ele diz ter pavor de altura. No dia a dia no campo, permanecia da alvorada ao crepúsculo mais perto do céu, sob sol ou tempestade. “Eu ficava 12 horas sem descer para nada. Se você sai e o bicho faz um movimento importante, é morte.” Para comer, um “elevador” erguia o alimento até o fotógrafo e o escalador que o acompanhava. “Xixi era de lá mesmo, e número dois num saquinho.”

Rosa tornou-se fotógrafo por influência do avô, que o presenteou com livros e uma câmera antiga da família. Em viagens de férias, o menino nunca voltava para casa com fotos de gente – eram sempre cogumelos ou bichos. Já adulto, foi assistente de Araquém Alcântara, um dos principais fotógrafos de natureza do Brasil, durante dois anos. Aí encontrou a harpia – e alçou seu vôo próprio.

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