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Orações completivas no conjuntivo e (im)possibilidade de correferência de sujeitos
Nesta comunicação será apresentada uma proposta de explicação semântica para a impossibi-
lidade de em determinadas estruturas de complementação frásica os sujeitos da frase comple-
tiva e da frase matriz serem correferentes (uma questão designada na literatura como “obvia-
ção (de sujeito)”.
A questão Os dados relativos à obviação (de sujeito) estão bem descritos na literatura (cf.,
e.g., Quer 1998 ou Kempchinsky 2009): verifica-se obviação de sujeitos (i.e., o sujeito da
oração encaixada não pode ser correferente com o da oração matriz) quando se verificam con-
juntamente as seguintes três condições: (i) o verbo da oração completiva flexiona no conjun-
tivo, (ii) o predicado da frase matriz pertence à classe dos volitivos (e.g. querer), diretivos
(e.g. pedir) ou causativos (e.g. conseguir), (iii) a entidade referida pelo sujeito da frase matriz
é o agente (ou controlador) da situação descrita pela oração encaixada. A conjunção destas
três condições é observada em (1), uma frase que não permite a leitura de correferência dos
sujeitos encaixado e matriz:
(1) [a Ana]i {quis/pediu/conseguiu} que pro*i/j filmasse as baleias
Se não se verificar a condição (i) e o complemento for uma estrutura infinitiva, emerge uma
estrutura de controlo (i.e., há correferência de sujeitos):
(2) [a Ana]i {quis / pediu para / conseguiu}proi/*j filmar as baleias
Com outros predicados regentes de conjuntivo, que não os indicados em (ii), o sujeito da ora-
ção encaixada pode ser correferente com o da oração matriz:
(3) [eu]i {duvido / espero / lamento} que proi/j não chegue antes da Maria
Se se verificarem as condições (i) e (ii), acima, mas não a condição (iii), a correferência de
sujeitos é possível (como observado inicialmente por Ruwet 1984):
(4) [a princesa]i {quis/pediu/conseguiu} que proi/j fosse fotografada no jardim
Propostas de explicação anteriores No quadro da Gramática Generativa, explorou-se a
ideia de que a obviação de sujeitos decorre de deficiência temporal das orações com conjunti-
vo em conjugação com o Princípio B da Teoria da Ligação (cf., e.g., Picallo 1985, Raposo
1985, entre outros): se a estrutura oracional com conjuntivo é defetiva no que respeita a traços
de tempo, T encaixado tem de se ligar a T matriz, formando as duas orações um único domí-
nio temporal; por consequência, o sujeito da oração encaixada não pode ser ligado ao da frase
matriz, em conformidade com o Princípio B da Teoria da Ligação, já que os dois sujeitos
ocorrem no mesmo domínio. Esta aproximação, embora elegante e apelativa, enfrenta várias
objeções empíricas (cf., e.g., Kempchinsky 2009, Farkas 1992, Costantini 2011). Entre outros
problemas, uma análise nessas linhas leva à previsão de que exista obviação em qualquer es-
trutura de subordinação completiva com conjuntivo, o que não se verifica (cf. (3)); a ideia de
que uma oração com conjuntivo é temporalmente deficitária é questionável (cf. Vogel 1997,
Marques et al. 2015, e.o.); alguns predicados regentes de indicativo também impõem restri-
ções temporais ao seu complemento, mas não são predicados obviativos, o que leva a questio-
nar que exista uma relação entre obviação e dependência temporal.
Uma outra explicação para a obviação é proposta por Kempchinsky 2009, que caracteriza
como imperativas encaixadas as orações completivas finitas de predicados obviativos. A auto-
ra propõe que estas estruturas sintáticas têm um operador quasi-imperativo que gera a inter-
pretação ‘‘anyone other than the matrix subject’’ (enquanto orações imperativas não encaixa-
das geram a interpretação ‘‘anyone other than the speaker’’). Este operador existiria em ora-
ções completivas finitas dos predicados obviativos (volitivos, diretivos e causativos), mas não
noutras orações com conjuntivo, em particular nas orações em que a presença do conjuntivo é
justificada por elementos exteriores ao predicado matriz, como a negação (i.e., a autora assu-
me a distinção entre “lexically selected subjunctive” e “polarity subjunctive”, defendendo que
só no primeiro caso existirá o operador quasi-imperativo). Entre outros problemas, a proposta
de Kempchinsky não permite explicar porque é que a obviação não ocorre em todos os casos
de “lexically selected subjunctive” (cf. (3)), pelo que teria de se assumir que o operador quasi-
imperativo é seleccionado por alguns predicados regentes de conjuntivo, mas não por outros.
No entanto, além de suscitar outros problemas, isso não explicaria a correferência de sujeitos
quando o complemento dos mesmos predicados é uma oração infinitiva (cf. (2)).
Análise A proposta a apresentar nesta comunicação parte da assunção de que o conjuntivo
assinala a consideração de mundos não-p (i.e., mundos possíveis em que o estado de coisas
descrito pela proposição não se verifica). Por outras palavras, o conjuntivo dá a indicação para
se considerar a possibilidade de o evento descrito não se realizar (cf., e.g., Giannakidou
1998). Uma das razões possíveis para um evento não se realizar é o agente do mesmo não
querer ou não tentar realizá-lo (cf. a possibilidade de continuar, e.g., (3) com posso não que-
rer / posso nem tentar). Em suma, uma oração com conjuntivo denota um conjunto de mun-
dos possíveis que inclui mundos em que o agente do evento não pretende ou não tenta realizá-
lo. Assim, se em (1) os sujeitos encaixado e matriz forem correferentes, obtém-se a leitura
contraditória de que a mesma entidade quis / tentou e pode não ter querido / tentado realizar o
evento encaixado. Esquematicamente (sendo ev o evento descrito pela proposição encaixada):
1. ev [Semântica do conjuntivo]
(a denotação da oração encaixada inclui mundos não-p)
2. ev (AGENTE do ev QUERER/TENTAR ev)
(o conjunto de mundos não-p inclui mundos em que o agente do ev não quer/tenta ev)
3. (x é sujeito da atitude proposicional x é AGENTE do ev) [correferência de sujeitos]
4. [ (x QUER/TENTA ev)]] [1, 2, 3]
5. x QUER/TENTA ev [asserção de (1)]
6. (CONTRADIÇÃO) [x QUER/TENTA ev] [ (x QUER/TENTA ev)] [4, 5, conjunção]
Se o sujeito da atitude proposicional (a entidade referida pelo sujeito da frase matriz) e o
agente do evento encaixado forem entidades diferentes, como se verifica em (1) se os sujeitos
tiverem referência disjunta, mas também em (4), não é expressa qualquer contradição:
1. ev [Semântica do conjuntivo]
2. ev (AGENTE do ev QUER/TENTA ev)
3. x é sujeito da atitude proposicional y é AGENTE do ev [x y]
4. x QUER/TENTA ev [asserção]
5. [x QUER/TENTA ev] [ (y QUER/TENTA ev)]
Assim, a explicação proposta para a obviação é a mesma que se aplica ao contraste entre a
asserção feliz de ‘a Ana quer que [o Pedro]i saia, mas elei pode não o querer’ vs a anomalia de
‘#[a Ana]i quer sair, mas [pro]i pode não querer sair’, sendo que a análise tem em conta a con-
junção das condições (i)-(iii), acima, e parte de uma semântica fundamentada do conjuntivo.
Referências: Costantini, F.: 2011, “Subjunctive obviation in nonargument clauses”, Working papers in linguistics 21, 39-61. Univ. Veneza. * Farkas, D.: 1992, “On obviation”, in I.A. Sag & A. Szabolsci (orgs.),
Lexical Matters, Stanford, CSLI Publications, 85–109. * Giannakidou, A.: 1998, Polarity Sensitivity as (Non)veridical Dependency, John Benjamins. * Kempchinsky, P.: 2009, “What can the subjunctive disjoint
reference effect tell us about the subjunctive?”, Lingua, 119, 1788–1810. * Marques, R., P. Silvano, A.
Gonçalves & A. L. Santos: 2015, “Sequence of tenses in complementation structures: lexical restrictions
and effects on language acquisition”, in R. Klassen, J. M. Liceras & E. Valenzuela (orgs.), Hispanic Lin-
guistics at the Crossroads Theoretical linguistics, language acquisition and language contact, John Ben-
jamins, 69-88. * Picallo, C.: 1984, “The Infl Node and the Null Subject Parameter”, Linguistic Inquiry, 15,
75-101. * Quer, J.: 1998, Mood at the Interface, UiL OTS/Univ. Utrecht. * Raposo, E.: 1985, “Some
asymmetries in the Binding Theory in Romance”, The Linguistic Review, 5 (1), 75-110. * Ruwet, N.:
1984, “Je veux partir/*Je veux que je parte”, Cahiers de grammaire, 7, Toulouse: Le Mirail. *
Vogel, R.: 1997, Aspects of Tense, PhD diss., Holland Academic Graphics, The Hague.
Este estudo visa descrever propriedades semântico-pragmáticas de duas construções
que envolvem o item eis no português europeu contemporâneo – eis SN e eis que p –,
convocando dados empíricos recolhidos no subcorpus oral do CRPC e no
CETEMPúblico.
Partindo da observação perspicaz de Óscar Lopes (1971), segundo o qual as
construções com “a partícula assertórico-categórico-demonstrativa eis” são orações
sem verbo, argumenta-se neste trabalho, através de testes sintático-semânticos, que a
construção eis SN configura, de facto, uma predicação completa, que convoca uma
dimensão de conteúdo dêitica, de natureza apresentativa (Levinson 2004), distinta das
tradicionais categorias da deixis pessoal, temporal e espacial. Tal dimensão
apresentativa pode ser de natureza exofórica ou endofórica, exibindo, neste último
caso, funcionamentos anafóricos e catafóricos. Em todos os casos, eis SN confere
saliência à informação expressa, inscrevendo o falante no enunciado.
Quanto à construção eis que p, em que eis parece selecionar uma oração completiva
finita, descrevem-se os seus contextos típicos de ocorrência e argumenta-se a favor
das afinidades entre a construção em apreço e as frases exclamativas (Gutiérrez-
Rexach & Andueza 2011). Destaca-se o valor particular da construção em textos
narrativos: projeção no passado do centro dêitico, com a consequente presentificação
dos eventos passados descritos.
Conclui-se que eis é um dêitico apresentativo, com um comportamento em larga
medida paralelo ao dos itens voici/voilà, em francês, e ecco, em italiano (Porhiel
2012, Zanuttini 2014, Kandel 2015): está ao serviço da função pragmática de
chamada de atenção do interlocutor para informação que o locutor apresenta como
saliente. As construções analisadas envolvem tipicamente a expressão do ponto de
vista do falante.
Referências
Gutiérrez-Rexach, J. & Andueza, P. (2011) Degree restrictions in Spanish
exclamatives. Ortiz-López, L. (ed.), Selected Proceedings of the 13th Hispanic
Linguistics Symposium, Somerville, MA: Cascadilla Proceedings Project.
Kandel, M. (2015) Ecco-Location. The Italian presentative ecco and its spatial
interpretation.http://ling.yale.edu/sites/default/files/files/MaggieKandelSeniorEssay.p
df
Levinson, S. (2004) Deixis. In Horn & Ward (eds.) The Handbook of Pragmatics.
Oxford: Balckwell Publishing.
Lopes, Óscar (1971) Gramática simbólica do português. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian.
Porhiel, S. (2012) The presentative voici/voilà. Towards a pragmatic definition.
Journal of Prgmatics 44, 435-452.
Zanuttini, R. (2014) Here’s a puzzle: ecco. Acedido em
https://static1.squarespace.com/static/53f39bc8e4b0554a7ae9fb25/t/5476382ce4b0ee
b97de2a0c6/1417033772439/Ecco-+NYU.pdf
Recordando o interesse que o estudo do operador “ou” à luz da Psicolinguística Genética suscitou no Professor Óscar Lopes
No dia 3 de fevereiro p.p., recebi da Comissão Organizadora do Colóquio Internacional de Homenagem ao Professor Óscar Lopes (COL 2017), destinado a assinalar o seu centésimo aniversário de nascimento, um convite nominal muito simpático e elegante para integrar a Comissão Científica do mesmo com a incumbência, naturalmente, de analisar alguns resumos. Aceitei o convite e, na volta do correio, para lá de me agradecerem a resposta afirmativa, lia-se que esperavam contar também com a minha presença. Ensinaram-me em casa que, quando se é convidado para estar presente num aniversário, se leva sempre uma lembrança que tem de ter a marca de quem a oferece. E o termo “lembrança” não podia ter sido mais bem escolhido. É que ele também funciona em resultado de um exercício de memória e foi esse o rumo que tive de tomar. Veio-me de tudo um pouco à mente, na qualidade de aluna do professor homenageado, no que penso tenha sido o seu primeiro ano de docente na FLUP, em 1974-1975. A turma não era numerosa. Era constituída por aqueles alunos que, depois do bacharelato, optaram por se inscrever unicamente em disciplinas de Linguística nos dois últimos anos do curso. Como se pode verificar, já então a Linguística não atraía multidões. A Literatura encarregou-se de abrigar a maioria. Apesar de sermos poucos, confesso que só me recordo do nome de quatro colegas, que não invoco aqui a fim de não correr o risco de ser indelicada relativamente aos restantes. Tudo aquilo de que me ia lembrando desses tempos, para poder ser portadora da tal lembrança, não se me afigurava ajustado à efeméride. A dado momento, contudo, um episódio mais científico atingiu um limiar de ativação mais baixo e pensei que esse conferiria seguramente ao avaliador deste resumo a hipótese de mostrar o seu nível de profissionalismo. A minha tese de doutoramento, que começou a ganhar forma nos fins dos anos setenta do século passado, contemplava, entre outros, o estudo da compreensão dos operadores de coordenação “e” e “ou” numa perspetiva psicolinguística genética, que foi a que eu escolhi para trabalhar a aquisição da linguagem na criança, sob a supervisão da Professora Hermina Sinclair da Escola de Genebra e com o acompanhamento do Professor Óscar Lopes, enquanto docente da minha instituição. Quem conhecia bem o homenageado (Lopes, 1972) não deve estranhar as vias que lhe iam sendo abertas quando eu lhe mostrava os resultados encontrados, sobretudo no atinente ao operador “ou”, numa população infantil, de dois meios socioeconómicos, desde a pré-primária até ao fim do primeiro ciclo de escolaridade e também, por interesse procedimental, num grupo de crianças ainda mais jovem. Dependendo do desenho do estudo, constituído por dois tipos de materiais (um teste e um material que obedecia ao método clínico revisto), era possível detetar o modo como estas crianças compreendiam, ora de modo inclusivo, ora de modo exclusivo, o “ou” e verificava-se concomitantemente “a influência do contexto situacional na descodificação da linguagem, o comportamento da criança congruente com um progressivo processo de descentração, a necessidade de um determinado desenvolvimento cognitivo (lógico) na resolução de tarefas linguísticas e as resistências que a linguagem muitas vezes oferece, revelando-se um “problem-solving” com características específicas e próprias de um sistema com leis internas que também devem ser respeitadas e conhecidas” (Pinto, 1988, p. 328). O Professor Óscar Lopes ficou de tal forma preso ao que lhe fui transmitindo que queria muito prosseguir este estudo de índole psicolinguística genética. Nem ele, nem eu, porém, o fizemos por razões certamente diversas. Fica, então, aqui o registo de um dos muitos assuntos que cativaram uma mente sempre recetiva às mais diversificados temáticas como era a do homenageado deste colóquio.
Referências Lopes, O. 1972. Gramática simbólica do português. Lisboa: Instituto Gulbenkian de Ciência. Centro de Investigação Pedagógica. Pinto, M. da G. L. C. 1988. Abordagem a alguns aspetos da compreensão verbal na criança. Estudo psicolinguístico genético do Token Test e de matérias de metodologia complementar. Lisboa: Centro de Linguística da Universidade do Porto. Instituto Nacional de Investigação Científica.
A definição de fronteiras temporais
nas expressões temporais com entre
As expressões temporais com entre identificam intervalos através da delimitação de duas
fronteiras, inferior e superior, e permitem localizar situações (representadas em orações-
matriz, por exemplo). Note-se que as fronteiras em causa podem ser marcadas por dois
complementos (COMPL) em sintagmas com a forma entre COMPL1 e COMPL2, podendo estes ser
de tipo estritamente temporal – como em (1a) – ou de tipo situacional como em (1b):
(1) a. O Paulo dormiu entre as duas e as cinco da tarde.
b. O jogador esteve lesionado entre o terceiro e o sétimo jogos do campeonato.
As frases com estas expressões colocam pelos menos duas questões linguísticas interessantes,
que tentarei discutir na presente comunicação.
(i) Quando os sintagmas com entre são combinados com descrições de situações não
pontuais, em particular atélicas (sem Aktionsart shift – cf. e.g. Moens 1984), são possíveis
leituras de localização durativa (isto é, em que entre COMPL1 e COMPL2 é parafraseável por de
COMPL1 até COMPL2) e de localização não durativa, e em que condições – semântico-
pragmáticas – são elas selecionadas?
(2) a. O Paulo trabalhou nas Finanças entre 1975 e 2010.
leitura preferencial durativa: “o Paulo trabalhou nas Finanças (continuamente) de
1975 até 2010”
b. Sabes se o Pedro trabalhou nesta empresa entre 2005 e 2010? Está a ser feita uma
auditoria às contas da empresa nesse período.
leitura não durativa facilmente acessível: “sabes se o Pedro trabalhou nesta
empresa algures entre 2005 e 2010?”
Note-se que as leituras não durativas (nomeadamente, inclusivas) são as únicas disponíveis
quando os sintagmas com entre se combinam com descrições de situações télicas pontuais – a
lei será promulgada entre o dia 5 e o dia 10 – e que o valor durativo está necessariamente
presente quando há combinação com um verbo como durar (cf. Móia 2015) – a paralisação
durará entre as 6h00 e as 20h00. Por outras palavras, os sintagmas com entre são, em
princípio, compatíveis com ambos os tipos de valores (durativos e não-durativos), sendo a
distribuição feita por uma combinação complexa de fatores, semântico-pragmáticos e
sintáticos, que aqui tentarei equacionar.
(ii) O intervalo denotado pelo sintagma com entre que é relevante para a localização temporal
inclui ou exclui os intervalos – potencialmente extensos – identificados pelos complementos
de entre (isto é, os que são utilizados para definir as suas fronteiras inferior e superior)?
(3) O homicídio foi cometido entre o dia 5 e o dia 10.
A frase é verdadeira (e pragmaticamente adequada) se o homicídio tiver sido
cometido no dia 5 ou no dia 10 “intervalo inclusivo das fronteiras”.
(4) Este país tornou-se independente entre a I e a II Guerras Mundais.
A frase é verdadeira (ou pragmaticamente adequada) se a independência do país
em causa tiver ocorrido dentro do período da I Guerra Mundial (1914-1918) ou da
II Guerra Mundial (1939-1945)? Parece antes ser mais natural considerar que
ocorreu entre o final da Primeira e o início da Segunda Guerra Mundial –
“intervalo exclusivo das fronteiras”.
A questão em causa – com algumas subtilezas de natureza formal – obriga a considerar
diversos fatores semântico-pragmáticos, entre os quais se destacam: (i) a Aktionsart das
situações localizadas (nomeadamente valores de telicidade e de pontualidade); (ii) o tipo de
complemento de entre (estritamente temporal vs. situacional – cf. (1a) vs. (1b) acima);
(iii) a presença ou não de operadores desambiguadores, como inclusive ou algures (entre);
(iv) a distância entre as fronteiras temporais; (v) o valor do adjunto temporal (nomeadamente,
localização temporal estrita vs. delimitação temporal da quantificação – cf. e.g. Móia 2004).
As análises a realizar neste trabalho terão como enquadramento formal a Discourse
Representation Theory (cf. Kamp & Reyle 1993) e recorrerão a condições pragmáticas
assentes em princípios griceanos (Grice 1975). A fundamentação linguística das hipóteses
colocadas terá em conta dados de corpora eletrónicos, particularmente de registo jornalístico
(como o CETEMPúblico).
Referências
Grice, H. Paul (1975), Logic and conversation, in: Peter Cole/Jerry L. Morgan (edd.), Speech
Acts. New York, Academic Press, 41–58.
Kamp, Hans and Uwe Reyle: 1993, From Discourse to Logic. Introduction to Modeltheoretic
Semantics of Natural Language, Formal Logic and Discourse Representation Theory,
Kluwer, Dordrecht.
Moens, Marc: 1987, Tense, Aspect and Temporal Reference, Ph.D. thesis, University of
Edinburgh (reproduced by the Centre for Cognitive Science, University of Edinburgh).
Móia, Telmo: 2004, “Sobre a Delimitação Temporal da Quantificação”, Actas do XIX
Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística (Lisboa, 1, 2 e 3 de
Outubro de 2003), Lisboa: APL, pp. 581-593.
Móia, Telmo: 2015, “The Durative Verbs of Portuguese”, Diacrítica (Revista do Centro de
Estudos Humanísticos, Universidade do Minho) 29(1), pp. 27-59.
Leituras estativas e eventivas de predicações com verbos de movimento Com o presente trabalho propomo-nos investigar algumas particularidades semânticas
suscitadas pela existência de alternâncias aspetuais sistemáticas que se podem observar no âmbito de determinados verbos de movimento. Assim, constatamos que são diversos os casos em que um mesmo verbo toma parte em leituras eventivas e estativas, tal como ilustrado em (1) e (2):
(1) A criança subiu até à aldeia. (evento) (2) A estrada sobe até à aldeia. (estado)
São múltiplos os problemas que uma alternância deste género nos coloca. Neste momento, procuraremos encontrar respostas para as seguintes questões: (i) quais são as subclasses de eventos e de estados envolvidas neste tipo de alternâncias? (ii) quais são os elementos linguísticos que favorecem uma interpretação eventiva ou estativa destes verbos? E, finalmente, (iii) qual será a melhor forma de descrever a alternância observada? Quais são, em última instância, os fatores que a condicionam?
Relativamente à primeira questão, podemos afirmar que, no que diz respeito a verbos de movimento, quase todos os tipos de evento (à exceção dos pontos) podem entrar em alternância com leituras estativas, como os seguintes pares de exemplos nos confirmam:
(3) Os pescadores atravessaram o rio Douro em cinco minutos. (processo culminado) (4) A ponte da Arrábida atravessa o rio Douro perto da foz. (estado) (5) A cobra serpenteou pelo mato. (processo) (6) O caminho serpenteia pela serra. (estado) (7) O comboio saiu às três da tarde. (culminação) (8) A A3 sai do Porto em direção a Braga. (estado)
É interessante observar que, de acordo com os critérios propostos por Cunha (2004), as versões estativas destes verbos correspondem preferencialmente a estados de natureza não faseável, como nos mostram os exemplos que se seguem:
(9) * A ponte da Arrábida está / começou a atravessar o rio Douro. (10) A ponte da Arrábida passou a atravessar o rio Douro. (11) * Quando a construíram, a Ponte da Arrábida atravessou o rio Douro. (12) ?? Os engenheiros construíram a ponte da Arrábida, ela atravessou o rio Douro
e o número de automóveis subiu exponencialmente. Quanto à segunda questão, e na sequência de propostas como as de Morimoto (2013),
realçamos a importância de fatores como os tempos gramaticais (nomeadamente o uso do Presente do Indicativo), os adverbiais temporais e, sobretudo, o papel temático atribuído ao argumento com função de sujeito para o licenciamento de leituras estativas a estruturas integrando certos verbos de movimento.
Note-se, em particular, que, ao contrário do que é comummente assumido na literatura, não será suficiente a consideração do traço [±Agentivo] atribuído ao sujeito das frases em questão para a consideração da alternância em causa. Na realidade, é fácil encontrar leituras eventivas de verbos de movimento com sujeitos [-Agentivos], tal como ilustrado nos exemplos que se seguem:
(13) A água da cheia cercou a aldeia. (evento) (14) O comboio saiu às oito da manhã. (evento)
Nesse sentido, teremos de considerar a relevância de um traço de cariz mais abstrato, possivelmente relacionado com deslocamento, para dar conta da relevância das propriedades semânticas do argumento que desempenha a função sintática de sujeito neste género de configurações.
Finalmente, e tendo em conta que (i) estão em causa situações com perfis aspetuais muito diferenciados, inclusivamente estados não faseáveis, por isso mesmo incapazes de sofrer
alterações no interior da Rede Aspetual, tal como proposta por Moens (1987) e que (ii) a função semântica atribuída ao argumento Sujeito parece desempenhar um papel crucial na interpretação final deste tipo de estruturas, concluiremos que uma análise baseada na noção de comutação aspetual (cf. Moens, 1987; de Swart, 1998) se revela, nestes casos, completamente inadequada. Propomos, alternativamente, um tratamento que faz derivar as alternâncias observadas da indeterminação aspetual dos verbos de movimento em questão. Por outras palavras, verbos como cercar, sair, atravessar, entre muitos outros, são, ao nível lexical, indeterminados quanto ao traço [±dinâmico], sendo o seu valor fixado graças à interação de cada verbo com outros elementos linguísticos presentes na sua projeção sintática ou na construção final em que se inserem, com particular destaque para a função semântica desempenhada pelo argumento Sujeito.
Referências Cunha, Luís Filipe (2004) Semântica das Predicações Estativas: para uma Caracterização
Aspectual dos Estados. Dissertação de doutoramento, Universidade do Porto. De Swart, Henriètte (1998) “Aspect shift and coercion”. In Natural Language and Linguistic
Theory, Vol. 16, n.º2, pp. 347-385. Moens, Marc (1987) Tense, Aspect and temporal reference. Dissertação de Doutoramento,
Edinburgh University. Morimoto, Yuko (2013) “Cuando los estados se convierten en eventos y viceversa:
¿Recategorización o ambigüedad aspectual?” In Adrián Cabedo Nebot, Manuel José Aguilar Ruiz & Elena López-Navarro Vidal (eds.) Estudios de lingüística: investigaciones, propuestas y aplicaciones. Valência: Universitat de València, pp. 369-378.
Um olhar sintático sobre os verbos de movimento no Português Europeu e na Língua
Gestual Portuguesa
Nas línguas naturais, orais e gestuais, grande parte da expressão das relações espaciais faz-se
por meio de verbos de movimento, do tipo ir, chegar, sair, correr, dançar e saltar. Os três
primeiros expressam uma trajetória, sendo tradicionalmente denominados verbos de
movimento direcional; os últimos três descrevem uma forma de movimento, sendo tidos
como verbos de modo de movimento (cf., e.o. Levin, 1993). No que se refere aos primeiros,
Demonte (2002), na linha de Levin & Rappaport-Hovav (1995) e num quadro léxico-
sintático, distingue dois tipos: verbos de direção inerente (ir e chegar) e verbos de direção
inerente e localização (sair e entrar). Várias têm sido as análises e classificações tipológicas,
porque os verbos de movimento têm ocupado desde há muito a atenção dos linguistas, em
diferentes quadros teóricos. Nesta comunicação, fixaremos a nossa atenção essencialmente
nos verbos de direção inerente, do tipo ir, vir e chegar, com sujeitos humanos, tentando uma
descrição comparativa entre duas línguas de modalidade diferente e, ao que parece,
tipologicamente distintas: o Português Europeu (PE) e a Língua Gestual Portuguesa (LGP).
De um modo geral, e como o PE é uma língua que tem preposições, os estudos realçam a
estreita ligação entre estes verbos e as preposições com as quais se podem combinar. Neste
trabalho, para além de descrevermos alguns aspetos do subgrupo de verbos já referido,
procuramos perceber de que modo as línguas gestuais e a LGP em particular, língua que, à
superfície, não realiza preposições, organizam as frases contendo verbos de movimento e de
que meios se servem para exprimir os mesmos sentidos que as preposições, combinadas com
os verbos de direção inerente, exprimem no PE.
Paara além das relações temáticas de Origem e Meta, Talmy (1985) inclui na análise noções
como Movimento, Figura, Fundo e Trajetória, o que o leva a distinguir línguas “verb-
framed” e línguas “satellite-framed”. As línguas germânicas são, em geral, línguas “satellite-
framed”: veja-se em Inglês to go out, em Alemão hinausgehen, em Neerlandês uitgann, em
Sueco gå ut, em que go, gehen, gaan, ga são equivalentes e out, hinaus, uit e ut são também
equivalentes, mostrando que a ideia de ‘sair’, nas línguas românicas expressa num verbo
simples, é aqui dada pelos constituintes verbo e partículas satélite. Pelo contrário, as línguas
românicas são em geral “verb-framed”: veja-se em Português e Espanhol entrar, sair /salir,
subir, baixar / bajar, em que o próprio verbo exprime o percurso (o que implica dizer que se
funde a ideia de movimento, trajetória e, em alguns casos, a localização), sendo que o modo
de movimento é, em geral, expresso por recursos exteriores ao verbo (entrar correndo, p.e.).
Embora nestes últimos anos esta separação radical tenha sido parcialmente posta em causa
com as evidências empíricas de que há línguas que partilham propriedades e estruturas
prototípicas dos dois tipos (cf. e.o. Beavers, Levin & Tham, 2009), aceitá-la-emos como
ponto de partida para a nossa discussão.
As línguas gestuais (LG) são, ao que parece, “verb-framed” (cf. Slobin & Hoiting, 1994),
porque não têm preposições ou partículas satélite. Coloca-se, então, a questão de saber como
estas línguas manuomotoras e visuoespaciais constroem a noção de movimento e em
particular a ideia de direção inerente e de deslocação de uma figura numa trajetória específica
nos verbos do tipo espacial de movimento, na tipologia de Padden (1990).
Numa LG, um verbo de direção de movimento inerente é executado com movimento
tridimensional da Mão Dominante (e do braço) no Espaço Sintático, respeitando regras de uso
e gestão do espaço e convenções próprias de cada língua. Enquanto uma LO como o
Português (e outras L. Românicas) usa preposições a encabeçar os sintagmas em que se
identificam os locais iniciais e/ou finais para/de onde a Figura (Sujeito ou Objeto) se desloca
ou é deslocada (Complemento Oblíquo), as LG usam outros recursos, nomeadamente o
movimento de trajetória, como é o caso de MOVEL1→L2
na ASL, em que a Figura se desloca,
numa trajetória contínua, do Locus 1 (L1) para o Locus 2 (L2) (cf. Liddell, 2003).
Assim, se o movimento de trajetória é o de uma Figura humana, então a(s) mão(s) assume(m)
uma forma particular e desloca(m)-se no espaço sintático de um ponto inicial (Origem) para
outro ponto (Meta), previamente determinados no espaço ou já convencionalizados (p. e., o
Tronco do gestuante, a Mão não dominante, o lugar do Tu ou do ELE).
Supalla (1990) distingue os verbos de modo de movimento (andar, correr, saltar…) dos de
direção de movimento (ir, vir) e apenas considera, para a ASL, os segundos como ilustrativos
de “verb-framed”, pois os primeiros usam de forma complexa o corpo; os segundos fundem
em si a noção de movimento e de trajetória, sendo chamados de verbos-mão (“one-handed
verb”, em oposição aos “full-body verbs”, distinção feita por Supalla, 1990).
Frases como (1) a (3), em PE, com o verbo IR, distinguem-se por especificarem aspetos
diferentes no conjunto das componentes do evento e por questões semânticas veiculadas pelas
preposições: em (1) e (2) o foco apresenta-se na Meta para onde a Figura sujeito se desloca,
distinguindo-se semanticamente pelas diferentes noções envolvidas nas preposições a e para;
em (3) o foco é a trajetória que a Figura realiza da Origem até à Meta. (1) A menina vai a casa da avó. (2) No fim das aulas, vou para casa. (3) O meu pai vai do Porto para Lisboa.
Na LGP, os valores semânticos que as preposições encerram são transmitidos pela direção da
trajetória, ou seja, pela direção do movimento real que é executado no espaço sintático e pelos
pontos inicial e final desse movimento. Apresentamos, em (4) a (6), as frases em glosa
segundo a ordem pela qual seriam gestualizadas em LGP.
(4) MENINA FEMININO_AVÔ DELE CASA IR L1(lado do gestuante)→L2(espaço neutro frente ao gestuante)
__ls
(5) AULA FIM EU CASA IR L1(toque no corpo)→L2(espaço neutro frente ao gestuante)
___lp
(6) PAI MEU CARRO PORTOlado do gestuante (L1) IRL1→L2
LISBOAperto do recetor (L2)
Em todas as frases a trajetória realizada durante a realização do verbo IR parte de um ponto
inicial (L1) e termina num ponto final (L2), independentemente do foco da frase estar na Meta
(cf. 1 e 2) ou na Origem e na Meta (3), dada a natureza espacial destas línguas.
Neste sentido, o verbo, na LGP, parece concentrar grande parte da informação relativa às
estruturas eventiva e argumental, mas muito apoiado pelo movimento de trajetória real e pelo
uso que faz dos pontos inicial e final. Analisaremos, ainda, os recursos linguísticos utilizados
para transmitir as diferenças de sentido marcadas no PE pelas preposições a e para. Em conclusão, as LG e a LGP em particular, embora não sejam “satellite framed” no sentido restrito
de Talmy, têm propriedades que mostram que não são apenas os verbos a marcar o movimento. Referências:
Beavers, John, Levin, Beth & Tham, Shiao Wei (2009): The Typology of Motion Expressions Revisited. Journal of
Linguistics 46/3. Cambridge University Press, 1-47. 2009 Doi:10.1017/S0022226709990272.
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Padden, C. (1990). The relation between space and grammar in ASL verb morphology. In Sign language research –
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Typology and Syntactic Description, Grammatical Categories and the Lexicon. Vol. 3. Cambridge: Cambridge University
Press, 57-149.
Interrogativas subordinadas parciais e relativas livres: uma análise sintática
As interrogativas subordinadas parciais e as orações relativas livres têm sido objeto de
análise em várias línguas devido às semelhanças mas também devido às diferenças que
exibem, tanto do ponto de vista sintático como semântico. Veja-se os exemplos (1) e
(2):
(1) Ignoro o que fizeste.
(2) Admiro o que fizeste.
Tanto em (1) como em (2) opera o movimento Wh que coloca numa posição inicial da
oração encaixada o constituinte o que, parecendo ambas casos de subordinação
argumental finita. O DT em vigor em Portugal nos Ensinos Básico e Secundário chega a
chamar às frases do tipo de (2) “subordinação substantiva”, para marcar a natureza
nominal da oração selecionada pelo V. (1) e (2) exibem, no entanto, várias diferenças,
que têm sido destacadas por vários autores; ver, para o Português, Brito (1991), Brito &
Duarte (2003), Móia (1996), Veloso (2013), Matos e Brito (2013). Todas as propostas
referidas destacam, entre outras, as seguintes diferenças:
(i) - a natureza lexical do predicado superior: um predicado de inquirição ou
desconhecimento em (1) e um predicado não de inquirição ou
deconhecimento em (2);
(ii) - a possível paráfrase por “se+oração (sem sintagma-Wh)” para (1) e sua
exclusão para (2);
(iii) - a dificuldade de substituição da oração por sintagma de natureza nominal
em (1), contrariamente a (2);
(iv) - a possibilidade de co-ocorrência de o que com é que em (1) versus a
impossibilidade de tal co-ocorrência em português padrão em (2);
(v) – a não existência de efeitos de subjacência / ilha quando há extração de um
constituinte a partir de (1) versus a existência de tais efeitos em (2).
Assim, alguns dos autores referidos têm proposto que em (1) o complemento
selecionado é CP, enquanto em (2) o complemento selecionado é um DP que contém o
CP, isto é, haverá uma camada nominal suplementar em (2), inexistente em (1). Tais
estruturas são descritas em (3) e em (4):
(3) … [CP o quei [C’[C +wh / +int] [IP … ti ….]]]]
(4) … [DP e [CP o quei [C’[C +wh/ - int] [IP … ti ….]]]]]
Embora análises deste tipo tenham sido propostas por vários autores para os dois tipos
de construção em estudo, há alguns fenómenos que motivam uma reflexão. Um desses
fenómenos é a possibilidade de movimento de um sintagma-Q “D-linked” em
interrogativas subordinadas parciais (cf. (5)) versus a impossibilidade desse tipo de
sintagmas Q em relativas livres (cf. (6)), que contrasta com a possibilidade de a relativa
apresentar um DP antecedente aparentemente em alternância com o sintagma-Q “D-
linked”, como em (7) (cf. Matos & Brito 2013):
(5) Eu ignoro que trabalho fizeste.
(6) * Eu admiro que trabalho fizeste.
(7) Eu admiro o trabalho que fizeste.
Considerando casos como (8)-(10), Cecchetto & Donati (2010) apresentam uma análise
alternativa para a ambiguidade da expressão “what you read” como uma interrogativa
ou uma relativa e a interpretação não ambígua de (10) como uma relativa livre:
(8) I read what you read.
(9) I wonder what you read.
(10) I wonder what book you read.
Segundo estes autores, a distinção crucial entre (8)-(9) e (10) tem a ver com o facto de
“what” ser um núcleo e “what book” ser um sintagma”. Desenvolvendo Chomsky
(2008), propõem que o movimento de um núcleo dará sempre lugar a estruturas
ambíguas, que permitem reetiquetar a estrutura resultante de duas formas distintas,
enquanto o movimento de um sintagma não o permite. De acordo com esta análise, a
ambiguidade de (1) e (2) decorreria da natureza de núcleo de “o que”, por oposição à
natureza sintagmática de (5). Em (1) e (2), com estruturas do tipo de (3) e (4), o que
move-se para especificador de CP; a construção em que tal opera pode ser uma interrogativa
subordinada (CP) ou uma relativa livre (DP dominando um CP). O movimento de um
sintagma como que trabalho para a mesma posição, especificador de CP, só pode dar
origem a uma interrogativa subordinada, CP.
Colocam-se então as questões: as estruturas (3) e (4) precisarão de ser postuladas para
dar conta das diferenças estruturais entre interrogativas subordinadas parciais e relativas
livres ou poderão ser deduzidas de princípios muito gerais da gramática? Haverá
evidências independentes para atribuir a expressões como “o que” o estatuto de núcleo
em vez de sintagma? Apesar da importância do tratamento de Cecchetto & Donati
(2010), mostraremos na comunicação que, para além da natureza de núcleo / sintagma
no Movimento Wh, é crucial ter em conta a natureza do predicado superior e a natureza
semântica/ilocutória do núcleo C, por exemplo a existência de um traço [±int], pelo que
o tipo de tratamento sugerido em (3) e (4) continua a fazer sentido.
Referências:
Brito, A. M. (1991) A sintaxe das orações relativas em Português. Estrutura, mecanismos
interpretativos e condições sobre a distribuição dos morfemas relativos. Instituto Nacional de
Investigação Científica. Centro de Linguística da Universidade do Porto. Porto.
Brito, A. M. & Duarte, I. (2003) Orações relativas e construções aparentadas. In Mateus, M. H.
et al. (2003) Gramática da Língua Portuguesa, 6ª ed., Lisboa: Caminho, 675 – 684.
Chomsky, N. (2008). On phases. In Freidin, R., Otero, C. & Maria-Luisa Zubizaretta, M. L.
(eds.) Foundational Issues in Linguistic Theory, Cambridge, MA: MIT Press.
Matos, G. & Brito, A.M. (2013) The alternation between improper indirect questions and DPs
containing a restrictive relative. In Camacho-Aboada, V., Jimenéz-Fernández, A., Martín-
Gonzáles, J. & Reyes-Tejedor (eds.) Information Structure and Agreement, Amsterdam: John
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Cecchetto, C. & Donati, C. (2010) On labeling: Principle C and head movement, Syntax, 2010,
DOI: 10.1111/j.1467-9612.2010.00140.x
Móia, T. (1996) A sintaxe das orações relativas sem antecedente expresso do Português. In.
Gonçalves, A. & Colaço, M. & Miguel, M. & Móia, T. 1996. Quatro estudos em sintaxe do
Português. Uma abordagem segundo a teoria dos princípios e parâmetros. Lisboa: Edições
Colibri. 149-188.
Veloso, R. (2013). Subordinação relativa. In. Raposo, E.P. et al. 2013. Gramática do Português.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Vol. II: 2061 – 2134
Algumas peculiaridades do português: aspetos semânticos e textuais da ‘partícula e’ Na Gramática Simbólica do Português (Lopes 19722), encontramos uma descrição de ‘e’ que incide sobre os diferentes valores que esta forma pode assumir em português. A leitura de Óscar Lopes mostra de que modo ‘e’ evidencia uma variabilidade de interpretações que lhe podem estar associadas. Assim, para além dos valores esperados de marcação de operador de interseção e de reunião de conjuntos, exemplificados em sequências como ‘homens altos, magros e loiros’/ ‘os gatos e os cães são mamíferos’ (pp. 57 e 63), ‘e’ pode, de acordo com o autor, na mesma obra, assumir valores causais, em sequências como ‘ele morreu porque tomou veneno – ele tomou veneno e morreu’, ou substituir sequências em que está subjacente uma relativa, como por exemplo ‘comprei um chapéu, que me agradou / comprei um chapéu, e ele agradou-me’(p. 33 e p.113, respetivamente). Os valores descritos acima vão encontrar eco na literatura sobre o português, reforçando alguns dos caminhos apontados por Óscar Lopes. Assim, em Duarte 2003: 97-98, é feita a descrição dos valores de ‘e’ a partir de categorias próximas das propostas por Óscar Lopes: listagem enumerativa, listagem aditiva, confirmação, sequência temporal e inferência. Neste trabalho, assume-se, ainda que das conexões paratáticas podem resultar frases compostas e “unidades textuais superiores ao período”; que, neste último caso, as conexões articulam “períodos simples, compostos ou complexos e parágrafos com outros períodos e parágrafos”; e que as conexões em causa (de que resultam unidades textuais superiores ao período) “podem ser assinaladas por conectores adverbiais e preposicionais especializados na expressão de certos valores conectivos” (Duarte, 2003: 94; 99; 104). Tendo em conta os pressupostos referidos, propomo-nos neste trabalho discutir a operacionalidade dos valores elencados quando ’e’ ocorre em diferentes textos empíricos que integram o corpus G&T.com (em constituição). Da análise já efetuada poderemos antecipar algumas considerações: (i) ‘e’ assume predominantemente, no corpus analisado, os valores básicos (de operador de
interseção e de reunião de conjuntos ou de elementos de conjuntos – listagem enumerativa);
(ii) ocorre também como recurso para estabelecer conexões em termos textuais, evidenciando, mesmo quando apresenta valores idênticos, uma função de organização macroestrutural;
(iii) reforça, quando associado, por exemplo, a marcadores temporais (‘e agora’) ou inferenciais (‘e por isso’), o valor construído no segmento anterior.
A verificação destas diferentes possibilidades de valores permite-nos repensar a noção de ‘unidades textuais’, a partir do pressuposto de que uma unidade textual não se esgota nas noções ‘estabilizadas’ de período e de parágrafo, mas depende dos valores das formas e construções em ocorrência. Em nosso entender, a análise dos diferentes valores de ‘e’ contribui de forma significativa para a validação desta hipótese, permitindo-nos, simultaneamente, evidenciar a atualidade e a acuidade dos contributos de Óscar Lopes para a descrição de formas e construções do português. Referências bibliográficas Duarte,I.(2003).Aspectoslinguísticosdaorganizaçãotextual.InM.H.Mateus,A.Brito,I.Duarte,&I.Faria,GramáticadaLínguaPortuguesa(pp.85-123).Lisboa:Caminho.Lopes,Ó.(2005).AlgumaspeculiaridadessemânticasdoPortuguês.InF.Oliveira,&A.M.Brito(Edits.),Entreapalavraeodiscurso.EstudosdeLinguística1977-1993(pp.15-40).Porto:CampodasLetras.
Lopes,Ó.(1972).GramáticaSimbólicadoPortiuguês.Lisboa:InstitutoGulbenkiandeCiência.
Portanto e logo: conjunções coordenativas ou advérbios conetivos?
O estatuto dos itens que estabelecem a articulação nos contextos dos complexos
coordenados é, ainda hoje, objeto de uma certa indefinição. Apesar de uma tradição
gramatical que postula que as frases coordenadas são conectadas por intermédio de uma
conjunção ou de uma locução coordenativa, a investigação recente desenvolvida em
torno deste conjunto de termos contradiz esta tendência. De facto, embora as instâncias
de coordenação sindética copulativa permitam a identificação inequívoca da conjunção
coordenativa e e a determinação da estrutura sintática destes complexos se tenha vindo a
afirmar – em rutura com a tradição – como assimétrica, tendo como núcleo a conjunção
(Kayne (1994), Johannessen (1998) Zhang (2010) e Matos (2003)), há ainda um vasto
conjunto de frases coordenadas, com valores lógico-semânticos diversos, que levanta
algumas questões. Assim, tal como refere Pezzati (2000), a delimitação da classe das
conjunções é “uma das áreas menos precisas da gramática”, o que justifica a
necessidade de estabelecer critérios e desenvolver análises que, de algum modo,
contribuam para uma definição formalmente rigorosa e, se possível, consensual desta
categoria morfológica.
Neste sentido, é objetivo desta comunicação analisar o comportamento de dois
itens – logo e portanto – que ocorrem tipicamente em contextos de coordenação
conclusiva e que são classificados como conjunções conclusivas (Cunha e Cintra 1984),
como conetores conclusivos (Bechara 2009, Matos e Raposo 2013), como conjunção e
advérbio, respetivamente (Oliveira 2011), ou passíveis de uma classificação
indeterminada, que oscila entre conjunção, advérbio, conetor, operador argumentativo
ou marcador discursivo (Novaes e Pezatti 2015). Nesta medida, propomo-nos analisar o
comportamento sintático de cada um dos itens referidos, assumindo como critérios de
análise a consideração conjunta de cinco das seis propriedades elencadas na proposta de
Quirk et al. (1985: 920-927), que define um conjunto de seis características capazes de
determinar o estatuto da conjunção. Assim, analisamos frases coordenadas semelhantes,
nas quais cada um dos itens ocorre como sinalizador de orientação lógica conclusiva (do
género p logo q), no sentido de comprovar que duas das propriedades específicas das
conjunções – a incapacidade de deslocação no interior do membro articulado (veja-se
1b) versus (1d)) e a impossibilidade de coocorrência com outra conjunção (veja-se (2a)
versus (2b)) – não se verificam de forma idêntica no comportamento sintático de logo e
de portanto (Oliveira 2011: 78, 89, 91):
(1)(a) O narciso é uma flor, logo pertence ao reino vegetal.
(b) O * narciso é uma flor, pertence, logo, ao reino vegetal.
(c) As luzes do quarto estão acesas (…), portanto o Rui está em casa.
(d) As luzes do quarto estão acesas (…), o Rui está, portanto, em casa.
(2)(a) * O narciso é uma flor, e logo pertence ao reino vegetal.
(b) Nadal tem 24 anos, e portanto a sua margem de progresso é ainda
muito grande.
Esta análise permite, então, concluir que logo, pese embora as suas origens
adverbiais, terá finalizado o seu processo de gramaticalização e integra o elenco das
conjunções, contrariando a proposta de Matos e Raposo (2013), que o consideram um
dos elementos do conjunto de adjuntos adverbiais periféricos de natureza adverbial que
assinalam nexos de conclusão, entre os quais também se inclui portanto. Este item
apresenta, todavia, propriedades distintas de logo, o que inibe a sua classificação como
conjunção prototípica e nos leva a concluir que se encontra, presumivelmente, numa
fase de transição no continuum de gramaticalização de advérbio para conjunção.
Estas conclusões conduzem a uma análise da estrutura das orações coordenadas
que integram cada um dos itens, compatível com a visão assimétrica da coordenação e
capaz de dar conta das diferenças sintáticas entre conjunções e outros itens de base
adverbial que ocorrem na coordenação. Simplificadamente, esta prevê uma articulação
assindética, no caso das frases coordenadas conclusivas com portanto, que funciona
nestas construções como um marcador da orientação lógica, de natureza adverbial, na
linha de Matos e Raposo (2013). Esta ideia está de acordo com as linhas mais recentes
da investigação sobre a coordenação, na medida em que assume que o núcleo da
estrutura coordenada é a conjunção, que pode ser nula no caso das construções com
portanto (ou com outros itens adverbiais de natureza lógico-semântica diferente), ou
preenchida pela conjunção prototípica e, que, dado o seu carácter semântico pouco
marcado, não contraria a direção conclusiva da segunda oração coordenada. Sendo logo
uma conjunção prototípica, ocupa a posição disponível na estrutura para esta categoria.
Assim, dado que a sintaxe reserva apenas um lugar disponível para a categoria
conjunção, o núcleo de toda a construção, isso explicaria a impossibilidade de
combinação com outras conjunções, como e.
Assim, esta comunicação comprova a necessidade de repensar a classe das
conjunções coordenativas, no sentido quer de perceber os critérios de análise dos itens
que ocorrem tipicamente nas estruturas coordenadas quer de descrever o seu
comportamento sintático, para que se torne possível desfazer a classificação imprecisa
deste conjunto.
Referências:
Bechara, E. (2009) Moderna gramática portuguesa. São Paulo: Nacional.
Cunha, C. F.; Cintra, L. (1984) Nova gramática do Português contemporâneo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, p.565-567.
Johannessen, J. B. (1998) Coordination, Oxford Studies In Comparative Syntax.
Oxford.
Kayne, R. S. (1994) The Antisymmetry of Syntax, Linguistic Inquiry Monograph
Twenty-Five, The MIT Press: Cambridge.
Longhin-Thomazi, S. R. (2006) Gramaticalização de conjunções coordenativas: a história
de uma conclusiva. In Revista Gragoatá, Niterói, n.21, p.59-72.
Matos G. (2003)a “Estruturas de Coordenação”. In Mateus et al. Gramática da Língua
Portuguesa. Lisboa: Ed. Caminho. cap.14, pp.549-592.
Novaes, N.B. e Pezatti, E. G. (2015) A relação conclusiva na língua portuguesa,
funções resumo, conclusão e consequência. Editora Unesp Cultura Acadêmica, São
Paulo.
Matos, G. e Raposo, E.P. (2013). Estruturas de coordenação. In Raposo, E.P. et al.
2013. Gramática do Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Vol. II:
1759 – 1817
Pezzati, E. G (2000) “Portanto: conjunção conclusiva ou advérbio?”. In Scripta. PUC
Minas, Belo Horizonte, volume 4, número 7.
Oliveira, M. C. P. (2011) A sintaxe da coordenação e os conectores conclusivos – estudo
de caso: a coordenação conclusiva na estruturação de textos argumentativos de jovens
em idade escolar. 2011. 330f. Dissertação de Doutoramento em Linguística –
Universidade do Porto, Porto.
Quirk, R., Greenbaum, S. Leech, G. E Svartvik, J. (1985) A Comprehensive Grammar
of the English Language, London/New York: Longman.
Zhang, N. (2010) Coordination in Syntax, Cambridge Studies in Linguistics Series 123,
Cambridge: Cambridge University Series.
O modal ‘poder’ como recurso de realização dos valores de obrigação e de
necessidade forte: uma análise juslinguística
No discurso jurídico, o recurso ponderado aos diferentes verbos modais tem como
resultado uma hierarquização da força necessária para a efetiva realização do Direito,
seja da sua função prescritiva – delimitando princípios de ação e critérios de sanção –,
seja da sua função organizatória – regulando as instituições necessárias à vigência da
ordem jurídica (Pinto Bronze, 2002: 52-53). Isto é especialmente verdade no âmbito dos
textos normativos, já que é através da lei que a ordem jurídica se manifesta nas suas
bases, processos e fins.
Ora, considerando os objetivos deste tipo de linguagem, uma perceção intuitiva poderia
levar-nos a defender a prevalência de certos modais representativos de obrigação ou
necessidade forte, como é o caso dos verbos ‘dever’ e ‘ter de’, em detrimento, por
exemplo, do modal ‘poder’. No entanto, através da análise de um corpus específico
(Juriscorpus criado especificamente para esta investigação na plataforma Corpógrafo),
foi possível verificar, não só que aqueles verbos possuem contagens bastante baixas em
termos relativos (1500 ocorrências para o verbo ‘dever’ e 37 para ‘ter de’, contra 3346
ocorrências registadas para ‘poder’), mas também que, nos textos legais, o verbo
‘poder’ realiza uma modalidade forte, frequentemente associada a uma interpretação de
necessidade, quando não mesmo de obrigação.
Relativamente a este último ponto, verificámos a existência de enunciados que, no
contexto legal, oferecem (impõem?) interpretações muito diferentes das que
realizaríamos na linguagem comum. É o que se passa, por exemplo, com:
(1) «Os órgãos da Administração Pública podem decidir sobre coisa diferente ou
mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exija.»1
(2) «O responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos que participem
na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa
dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e
necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a
matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos
interessados.»2
A articulação do modal sublinhado com o conceito jurídico de ‘poder-dever’, bem como
o recurso ao elemento sistemático no momento de interpretação de toda e qualquer
norma jurídica levam-nos a concluir que o legislador (enunciador) se compromete com
uma leitura obrigatória correspondente a ‘ter de’. Na verdade, nestes casos – e noutros
que pretendemos explorar – a leitura de ‘poder’ como verbo de realização de uma mera
possibilidade ou de uma necessidade fraca, de alguma forma ligadas à
discricionariedade do agente, levaria a consequências graves como a nulidade da
decisão, a possibilidade de recurso anulatório ou mesmo sanções criminais.
1 Código do Procedimento Administrativo, Art.º 13.º, n.º 3
2 Código do Procedimento Administrativo, Art.º 58.º
Partindo dos estudos de Kratzer (1991) sobre os verbos modais e considerando a
proposta de hierarquização dos valores modais no quadrado de três camadas de van der
Auwera (1986, apud Oliveira 2000: 179), procuraremos discutir as razões de existência
deste comportamento atípico do verbo modal 'poder' no contexto da linguagem jurídica,
em português europeu. Para tal, consideraremos ainda o conceito tipológico de texto
legal proposto por Wróbłewski (1988) e as tipologias da modalidade apresentadas por
Oliveira (2003).
Referências e bases bibliográficas:
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portuguesa. Porto: Porto Editora.
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-Neves, A. C. (1967). Questão-de-facto questão-de-direito ou o problema metodológico
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-Oliveira, F. (2000). Some Issues about the Portuguese modals dever and poder.
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-Wróblewski, J. (1988). Les langages juridiques: une typologie. Droit et societé, 8, (pp.
15-30).
Particularités du quantificateur universel portugais cada À première vue, le quantificateur universel portugais cada ressemble à son homologue français chaque. Kleiber (2012) compare chaque aux autres quantificateurs universels français tout et tous les et propose une analyse détaillée de leurs traits communs et distinctifs. La plupart des traits distinctifs de chaque identifiés par Kleiber s’appliquent également à cada. Néanmoins, une approche empirique par corpus révèle que la récurrence de cada est nettement supérieure à celle de chaque et que cette différence s’explique notamment par quelques particularités de cada par rapport à chaque : (1) cada peut opérer sur un N comptable pluriel précédé d’un numéral cardinal, comme l’a observé Leal (2006) ; (2) cada peut admettre une lecture progressive plutôt que distributive exhaustive dans certaines conditions définies par Leal (2012) ; (3) cada semble bien pouvoir acquérir un trait comparable au trait ‘libre choix’ de tout (Kleiber 2012) propre à d’autres quantificateurs universels (todo o, every) ou non (qualquer, any). Enfin, sur le plan phraséologique, cada présente une affinité incontestable avec le N vez confirmée par l’exploration de deux corpus volumineux (CETEMPúblico : sur 89.717 occurrences de cada, on compte pas moins de 26.376 occurrences du bloc lexical (lexical bundle de Biber et al.) cada vez, soit près de 30% des cas ; Europarl7 : 28.176 cada et 11.916 cada vez, soit plus de 42 % des cas)1. De par sa fréquence, ce bloc lexical est une ‘unité de construction préformée’ (UCP, Schmale 2013) de deux mots contigus qui peuvent contribuer à former des UCP de plus de deux mots contigus ou non (de cada vez, cada vez (…) mais ADJ/ADV, (de) cada vez que, etc.). Enfin, cada peut se combiner à um comme chacun, each (one) ou everyone, mais il peut aussi se combiner à qual (cada um / cada qual) comme l’évoque Lopes (1971 : 93). Le profil sémantique de cada sert ainsi de fondement à l’approche empirique de deux particularités phraséologiques : la récurrence du bloc lexical cada vez et la spécificité d’emploi de cada qual par rapport à cada um, d’autant plus difficile à cerner qu’un proverbe portugais attesté plusieurs fois dans le CTP la nie : « Cada um é como cada qual ». Dans le premier cas, l’étude de la diversité des combinaisons récurrentes comportant cada vez se fonde sur les UCP de trois ou quatre mots attestées au moins vingt fois sur un million de mots dans le CETEMPúblico (CTP), sachant que ces UCP peuvent se présenter sous forme de blocs lexicaux (séquences de mots contigus) comme dans l’exemple2 (1) ou de ‘co-occurrences’ (groupes de mots non contigus) (Granger et Paquot 2008), comme dans l’exemple (2) :
(1) Cada vez mais cidadãos queriam ir para Espanha. (2) Cada vez há mais pessoas a procuraram fazer desporto … Dans le deuxième cas, il s’agit d’apporter quelques réponses sur les conditions d’emploi de cada qual par rapport à cada um. Les 495 occurrences de cada qual dans le CTP sont analysées et classées selon le co-texte au sens large. Les 19.337 occurrences de cada um (et Cada um, cada uma, Cada uma) dans le CTP permettent de vérifier dans quelle mesure cada um peut être employé dans le même co-texte que cada qual. À titre d’exemple, on constate que cada um se combine plus facilement que cada qual à la préposition de suivie d’un N (ou d’un pronom) délimitant la classe sur laquelle opère le quantificateur universel (exemples 3 et 4) et qu’il est naturellement difficilement interchangeable avec cada um dans les UCP dont le degré de figement est extrêmement élevé comme dans le proverbe évoqué ci-dessus ou dans l’exemple (5), qui n’est pas attesté avec cada um dans le CTP : (3) ?…a palavra «eu» é multi-significativa, a mesma para cada qual de nós, …3 (4) Cada um de nós tem a sua vida, dedicando as horas de descanso à música.
1 Chaque présente également une affinité particulière avec le N au « statut particulier » fois (Theissen 2011), mais il s’agit ici de cada. 2 Tous les exemples sont empruntés au CTP 3 Cet exemple constitue un hapax et les quelques locuteurs natifs consultés trouvent cet emploi plutôt étrange.
(5) Cada qual no seu ofício. Les résultats de cette étude confirment deux particularités de cada : la possibilité de perte du trait de distributivité et la possibilité d’activation du trait ‘libre choix’. Ils révèlent aussi la ‘productivité phraséologique’ de cada vez et permettent de lever timidement le voile sur les ‘affinités phraséologiques’ de cada qual. Ils peuvent également aider le traducteur et l’apprenant de portugais langue étrangère à relever les défis de décodage et d’encodage que lancent non seulement la diversité des possibilités combinatoires du bloc cada vez pour former des UCP plus longues constituant des unités de traduction, mais aussi l’étrangeté de la combinaison cada qual pour certains locuteurs non natifs. Mots-clés : quantification universelle ; cada vez ; cada qual ; profil sémantique ; productivité phraséologique ; affinités phraséologiques Bibliographie : Biber, D. ; Johansson, S. ; Leech, G. ; Conrad, S. ; Finegan, E. (1999). Longman Grammar of
Spoken and Written English. Fifth Impression. Harlow, UK: Pearson Education Limited.
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Theissen, A. (2011). La quantification verbale : la locution iterative X fois. Romanische Forschungen 123 (4) : 435-453.
Do dialogal ao dialógico: construção de heterogeneidade enunciativa
keywords: heterogeneidade enunciativa; modalidade; formas e construções; dimensão;
dialógica da linguagem; formalização
Óscar Lopes, na Gramática Simbólica do Português (1971), expõe as suas intuições
referindo as instâncias da interação como «loquente» e «interlocutor». É a propósito da
modalização e daquela que afirma ser a sua natureza «lógico-linguística», que, em
particular no capítulo com o título «Modos linguísticos e modalidades lógicas; limites da
formalização», quando se refere às «orações causais modalizadas» (ibidem: 256),
distingue o que designa como «loquente primário» e «loquente secundário» (ibidem:
258), apontando, deste modo, para a operacionalidade formal da distinção entre uma
instância da enunciação (ou enunciador) e uma instância modal (ou locutor-modalizador).
Neste percurso reflexivo sobre a construção da categoria modal, Óscar Lopes transita, por
conseguinte, de uma concepção da alteridade dialogal, própria da interação, para uma
concepção da alteridade dialógica, que repousa sobre representações subjetivas abstratas.
A necessidade teórica de tal distinção fica em evidência em vários outros estudos,
alguns posteriores, do domínio da enunciação (Culioli 1982, 1993 ; e em Portugal,
Campos 1997, 2001), a partir do pressuposto teórico de que, subjacente à determinação
de qualquer enunciado, está a construção, a partir da origem (localizador absoluto da
cadeia de localizações), de um sistema de coordenadas enunciativas de caráter
simultaneamente «absoluto e ajustável» (Culioli 1983: 167).
É objetivo desta apresentação analisar algumas construções linguísticas cujo
funcionamento se explica em virtude de uma heterogeneidade enunciativa, formalizável,
portanto, tendo em conta uma forma de « disjunção abstrata » (Campos 1997), ou
alteridade intrasubjetiva ou derivada.
É o caso dos empregos de verbos de atitude proposicional, na primeira pessoa, em
enunciados com valor epistémico de não asserção estrita, cuja instância modal é definida
a partir do ponto de vista de um enunciador. No condicional e impessoal (dir-se-ia, crer-
se-ia), à construção de um localizador fictício, associa-se a construção de outra instância
enunciativa, de valor geral, estando, pois, em causa a heterogeneidade enunciativa ao
nível do parâmetro subjetivo (Guillemin-Flescher 2003 : 185). É ainda o caso de
enunciados em que se sinaliza uma surpresa, definível como uma « expectativa frustrada
» (Culioli 1985 : 66), que tem, portanto, subjacente a « não conformidade entre a relação
predicativa e a expectativa do enunciador » (Celle, 2006 : 52) e, por conseguinte, uma
heterogeneidade enunciativa ao nível das representações do enunciador.
Consistindo num reenvio, teoricamente formalizado, a diversas instâncias abstratas
(enunciador, locutor-modalizador), quando se fala em heterogeneidade enunciativa
referem-se entidades que são uma exigência teórica que, por sua vez, são
metodologicamente “separáveis e não necessariamente separadas” (Culioli 1985: 61-62)).
Mesmo se a atividade da linguagem se funda numa alteridade que é, simultaneamente,
dialogal e dialógica, esta última dimensão, a dialógica, é devedora de uma conceção de
enunciador que se constrói necessariamente como intersubjetivo e heterogéneo.
Referências bibliográficas
Campos, M. H. Costa 1997. Tempo, aspecto e modalidade. Estudos de linguística
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Tours, Louvain: éditions Peeters, 75-83
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Lopes, O. 1971. Gramática simbólica do português, Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, Centro de Investigação Pedagógica.
1
Atenção à língua falada, na obra de Óscar Lopes: “aquela alegria para sempre”
Muitas das leituras de textos literários feitas por Óscar Lopes cruzam a contextualização socio-histórica que os situa num enquadramento cultural preciso com a análise pormenorizada de cunho linguístico, em que o autor põe a sua acutilância e sensibilidade, bem como conhecimentos profundos sobre línguas, especificamente sobre a língua portuguesa, ao serviço da “busca do sentido”. Em parte significativa dos textos que escreveu sobre certos autores e obras, teceu considerações linguístico-discursivas de grande finura analítica, motivadoras de revisitações da obra desses autores, ou dos temas linguísticos que nelas, ou a partir delas, foi apontando. Óscar Lopes prestou particular atenção à variedade de “material discursivo” combinado em sequências heterogéneas, à plurivocidade que permite incorporar, nas obras em causa, a “vivacidade do oral repescado pela narrativa”. Dele poderíamos dizer o que escreveu sobre as narrativas de Cardoso Pires (1990: 291): “sentimo-lo todo ele ouvidos (ou memória auditiva involuntária) a vozes diversas, a recursos comunicativos que a velha ou a nova retórica e a linguística ainda estão por inventariar e por classificar”. Essas “frases de cunho vivo” serão um dos objetos da nossa análise, na medida em que contribuem para a heterogeneidade discursiva que nos propomos analisar nalgumas narrativas que foram estudadas por Óscar Lopes. Assim, a partir de um corpus composto por (i) narrativas de cinco autores portugueses (A Brasileira de Prazins de Camilo Castelo Branco, Os Maias de Eça de Queirós, Cinco Reis de Gente de Aquilino Ribeiro, o conto “Ladino” de Bichos de Miguel Torga e Balada da Praia dos Cães de José Cardoso Pires) e (ii) artigos de Óscar Lopes sobre obras desses prosadores, aprofundaremos algumas questões, a saber:
1. a heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva (Authier-Revuz, 1995, 1982) em todas as suas manifestações;
2. funcionamento discursivo e narrativo de diferentes marcas de heterogeneidade (Fonseca, 1992): registos sobretudo coloquiais, idiomatismos, fraseologias de diferentes tipos;
3. outras marcas de “vozeamento polifónico” no discurso: negação, implicaturas, marcadores discursivos.
Pretendemos, assim, ir completanto o programa inscrito nalguns artigos de Óscar Lopes, já que, embora reconhecendo, nas narrativas em apreço – neste caso concreto em O Primo Basílio -, o carácter estilizado de determinados usos “idiossincraticamente portugueses”, o autor afirma que essa estilização assenta “numa intuição linguística activa que daria assunto para longas e fecundas análises de pragmática linguística”. (Lopes, 1990: 59). Tomando o seu desafio como ponto de partida, procuraremos aprofundar e alargar a análise que começou, assim prolongando uma indagação que nunca acabará de se fazer. Iremos, portanto, inventariar e tentar classificar um conjunto de marcas de heterogeneidade discursiva no corpus acima referido. Palavras-chave: heterogeneidade discursiva, marcas oralizantes, marcadores, polifonia.
Referências: AUTHIER-REVUZ, Jacqueline (1995). Ces mots qui ne vont pas de soi. Boucles reflexives et non coïncidences du dire. Paris: Larousse. AUTHIER-REVUZ, Jacqueline (1982). “Hétérogénéitémontrée e hétérogénéiteconstitutive: élements pour une approche de l‟autre dans le discours”. In: DRLAV – Revue de Linguistique, n.26, pp.91-151. FONSECA, Joaquim (1992). “Heterogeneidade na Língua e no Discurso” in Linguística e Texto I Discurso. Lisboa: ME/ICALP, pp. 249-292
2
LOPES, Óscar (1999). 5 Motivos de Meditação. Porto: Campo das Letras. LOPES, Óscar (1994). A Busca de Sentido: Questões de Literatura Portuguesa. Lisboa: Caminho LOPES, Óscar (1990). Cifras do Tempo. Lisboa: Caminho. LOPES, Óscar (1986). Os Sinais e os Sentidos: Literatura Portuguesa do Século XX. Lisboa: Editorial Caminho. LOPES, Óscar (1984). Album de Família: Ensaios sobre Autores Portugueses do Século XIX. Lisboa: Caminho. Corpus BRANCO, Camilo Castelo (1882). A Brasileira de Prazins. Lisboa: Edições Caixotim (2001). PIRES, José Cardoso (1982). Balada da Praia dos Cães. Lisboa: Publicações O Jornal. QUEIRÓS, Eça de (1888). Os Maias. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. RIBEIRO, Aquilino (1948). Cinco Reis de Gente. Lisboa: Livraria Bertrand (2016). TORGA, Miguel (1940). “Ladino” in Bichos. Coimbra: edição do Autor.
Competência oral nas aulas de Alemão e de Português Língua Estrangeira no nível
de iniciação: importância, motivações e constrangimentos na perspetiva dos
aprendentes
A presente comunicação teve origem na nossa prática letiva e na investigação que temos
vindo a desenvolver no domínio da Didática de Línguas e centra-se no estudo da
competência oral (CO), uma vez que esta se apresenta, por vezes, como uma competência
difícil de ativar, sobretudo em níveis iniciais (Baptista, 2016; Briz, 2008). O próprio
Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (Conselho da Europa, 2001) é
muito parco nos descritores associados à produção oral, por exemplo, no tocante ao nível
A1, quando a língua-alvo é aprendida em contexto de imersão como é, no presente estudo,
o caso do Português aprendido em Portugal. Mesmo assim, este documento sublinha a
importância de capacitar o aprendente/utilizador de uma língua estrangeira (LE) para a
comunicação, o mais rápida e eficazmente possível, sem que lhe tenha de associar um
elevado grau de correção linguística, uma vez que considera o aprendente/utilizador como
como agente social (cf. ibidem, 54, 56).
Este trabalho destina-se a compreender melhor o que leva os estudantes a aprenderem
Alemão e Português Língua Estrangeira (ALE e PLE) no nível inicial na Faculdade de
Letras da Universidade do Porto (FLUP), assim como a importância por eles atribuída à
CO, não tendo como intuito, inicialmente comparar os dados recolhidos entre as duas LE.
Porém, o estudo debruça-se sobre o ALE e o PLE, uma vez que os primeiros dados
recolhidos isoladamente junto dos grupos das duas LE foram bastante próximos
(nomeadamente no que concerne às motivações para o estudo da respetiva LE, à
importância atribuída à CO e aos constrangimentos identificados pelos inquiridos no que
diz respeito ao desenvolvimento da expressão oral na sala de aula). Este facto levou as
investigadoras a encetar um estudo exploratório conjunto abarcando as duas LE para
verificar pontos de convergência e divergência dos resultados coletados, assumindo esse
projeto como um trabalho interdidático. Com este objetivo, lançou-se mão de um
questionário que foi aplicado junto de 95 estudantes que se encontravam a estudar ALE
(após concluírem o nível A1.1) e, numa versão adaptada, junto de 37 estudantes que se
encontravam a estudar PLE (durante a frequência do nível A1.2) nos anos letivos de
2015/2016 e de 2016/. Responderam 27,8% dos aprendentes no caso do ALE e 76% no
caso de PLE relativamente ao número total de estudantes a frequentar aulas de ALE e
PLE. Este questionário pretendeu genericamente traçar o perfil dos aprendentes de ALE
e PLE quanto aos seus dados sociodemográficos, ao seu contato com a língua-alvo e às
motivações para a sua aprendizagem, incidindo na CO. Dada a natureza da presente
comunicação, isolamos apenas alguns dos dados recolhidos para apresentar e discutir.
Os resultados, obtidos através da comparação dos estudantes de ALE e PLE, embora não
permitam proceder a generalizações e manifestando algumas divergências, também
devidas a especificidades como o contexto de aprendizagem - PLE em imersão ao
contrário do ALE - e o perfil linguístico dos aprendentes, revelaram importantes pontos
de contacto, o que reforça a importância de desenvolver estudos interdidáticos,
associando o ALE e o PLE, no domínio do ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras
no ensino superior (Alarcão, 2008), ainda que o presente estudo represente apenas a fase
inicial de um estudo mais alargado.
Referências
Alarcão, I. 2008. Desafios atuais ao desenvolvimento da Didática das Línguas em
Portugal. In R. Bizarro (org.), Ensinar e aprender línguas e culturas estrangeiras hoje:
que perspetivas? (pp. 10-14). Porto: Areal Editores.
Baptista, L. C. (2016). O uso de estratégias de aprendizagem e a competência oral entre
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ACENTO RÍTMICO, METRIFICAÇÃO E VERSO MUSICAL
EM PORTUGUÊS EUROPEU
O tema principal desta apresentação é o acento rítmico secundário (ARS) em português
europeu (PE), que procuraremos relacionar com o verso cantado. Procuraremos assim
entrecruzar vários objetos (proeminência silábica, ritmo da fala, da poesia e do canto) e várias
abordagens disciplinares (fonologia formal, métrica poética e métrica musical) para se tentar
explicar um fenómeno predominantemente linguístico: a proeminência prosódica. A nosso ver,
este tipo de abordagem, além de potenciar uma ampliação dos conhecimentos disponíveis,
coaduna-se com o perfil do homenageado deste congresso.
Na exploração das questões relacionadas com o ARS do PE, concentrar-nos-emos no
problema específico da dificuldade em identificar e caracterizar os correlatos desse acento, a
qual tem sustentado, na maior parte das descrições fonológicas desta língua, a recusa da
existência desta forma de proeminência prosódica no PE.
Com efeito, as descrições fonológicas do PE assumem, em geral, que esta língua não
possui ARS (Pereira 1999; Mateus & D’Andrade 2000; Mateus et al. 2003; Magalhães 2016).
Entre os argumentos que fundamentam esta posição, contam-se os seguintes: a identificação do
ARS não assenta em critérios formais estáveis e consensuais nem em correlatos fonéticos bem
identificados, baseando-se frequentemente em pistas subjetivas de natureza predominantemente
auditiva; a sua atribuição não parece regulada por padrões regulares e sistemáticos; o ARS não
parece estar condicionado ou associado, em PE, a quaisquer variáveis ou processos fonológicos
claramente identificados. Estes três argumentos, conjugados entre si, ilustram a principal
questão de que aqui nos ocuparemos: a falta de consenso quanto à identificação de correlatos
fonéticos e fonológicos sistemáticos e estáveis associados a um eventual ARS em PE.
Contrastando com esse considerável consenso entre as propostas descritivas,
encontram-se na literatura referências recorrentes às intuições dos falantes que atribuem
diferentes graus de proeminência às sílabas das palavras em português para além da distinção
puramente binária tónico/átono (p.ex.: Castelo 2004; Cunha & Miranda 2009).
A verificação destes indícios intuitivos concorda com interpretações que admitem
alguma forma de ARS em português, como sucede mais frequentemente com os autores que se
ocupam do português brasileiro (PB) (e.o.: Collischonn 1994; Bisol 1994; 2000; Wetzels
2007)1.
Entre todos estes autores, regista-se consenso na admissão de um padrão rítmico
minimamente regular regido pelo Princípio de Alternância Rítmica. De acordo com esse
padrão, o português evidenciaria um ARS presente a cada duas sílabas contadas da sílaba tónica
para a margem esquerda da palavra2 (e.g.: [σσσσσσ´]ω).
Diversas investigações têm-se concentrado na busca de correlatos deste tipo de
distribuição rítmica em diversos aspetos das realizações linguísticas: processos como a
truncação (oral/escrita) de palavras em PE e PB exemplificam-no (e.g. Chacon 2004; Tenani
2004; Cunha & Miranda 2009; Cunha 2012; Ferreira 2012; Pereira 2013; Chacon 2014; …).
Contudo, e mesmo junto dos autores que defendem a existência de um ARS em
português sujeito ao padrão rítmico geral acima referido, continua a subsistir uma grande
dificuldade na identificação de um correlato ou conjunto de correlatos estáveis dessa possível
proeminência prosódica da língua.
Neste estudo, examinaremos um outro tipo de indícios que poderiam eventualmente pôr
em evidência a distribuição rítmica de proeminências secundárias dentro da palavra prosódica
em PE: os padrões de metrificação respeitados pelo canto popular, que organizam cadeias
1 Entre os autores que aceitam a existência de ARS no PE, poderemos citar aqui Andrade & Laks (1992) e Brandão
de Carvalho (1992). 2 Brandão de Carvalho (1992) admite outos padrões de atribuição de ARS em PE e em PB, dependentes da posição
da sílaba na palavra, do peso silábico e da qualidade vocálica.
fonéticas em melodias cantadas de acordo com grelhas regulares e explícitas de alternâncias
entre tempos fortes e fracos.
A nossa hipótese é que no verso musicado em português as sílabas portadoras de acento
primário ou secundário ocorram preferencialmente nos tempos fortes dos compassos musicais.
A confirmação de uma tal hipótese poderia conduzir-nos a argumentos suplementares
em defesa da representação quer do acento principal, quer do acento secundário nas intuições
fonológicas dos falantes do PE. Por outro lado, a um nível mais geral e teórico, resultados em
favor de tal hipótese poderiam vir a ser lidos como argumentos a favor da correlação entre uma
capacidade rítmica geral da cognição humana e a organização prosódica das línguas naturais,
tal como proposto, entre outros, pela fonologia natural (cf., p. ex., Auer 1988) e ainda pela
fonologia prosódica (Hayes 1985; 1995; Selkirk 1984).
O corpus que analisaremos no estudo será constituído pela recolha de Gallop (1950),
contemplando o verso tradicional português musicado. A partir desse corpus linguístico e
musical, analisaremos exaustivamente todas as composições em compasso quaternário,
procurando indícios de prevalência estatística, nos tempos fortes de tal compasso (2º e 4º), de
sílabas portadoras de acento principal ou ARS (calculado em função do padrão geral acima
referido). Através dessa via, procuraremos aproximar-nos de alguma resposta ao problema da
falta de correlatos estáveis do ARS em PE. REFERÊNCIAS
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SUPLETIVIDADE VERBAL DO PORTUGUÊS
PROPOSTA DE DESCRIÇÃO DECLARATIVA
A supletividade verbal, como todas as formas de alomorfia morfossintaticamente
motivadas, coloca aos modelos derivacionais da fonologia um problema clássico: como
relacionar, na passagem de um ciclo derivacional ao ciclo subsequente, formas com
especificações fonológicas muito distintas cujas alternâncias não podem ser atribuídas ao
contexto fonético? (Cf. Kiparsky 1982; Paster 2006; Inkelas 2014.)
A questão tem alimentado um debate produtivo em fonologia, bem como nos
domínios da interação da fonologia com a morfologia e com o léxico. Nesse debate é
possível identificar, entre outras, uma discussão importante em torno das explicações
possíveis, em fonologia, para acomodar as relações entre formas teóricas
fonologicamente muito distintas entre si (“opacas”, na aceção de Dressler 1985, e.o.).
Relativamente a esta questão, as principais respostas repartem-se por dois tipos
principais: as explicações estritamente lexicalistas, que tratam a supletividade como
informações incorporadas nas próprias entradas lexicais dos morfemas nos diversos
níveis do léxico da língua, conforme se encontra na maior parte das propostas emanadas
da fonologia lexical (Kiparsky 1982); as explicações estritamente “fonológicas”, que
procuram a todo o custo encontrar motivações de ordem estritamente fonético-fonológica
mesmo para as correspondências mais opacas entre representações diferentes da mesma
entrada lexical.
As explicações mais extremadas deste último tipo encontram um exemplo muito
ilustrativo nas chamadas regras de reajuste do modelo SPE (Chomsky & Halle 1968),
que consistem na substituição mais ou menos abrupta, convencional e ad hoc, a dado
ponto da derivação fonológica, de uma forma de um morfema por outra foneticamente
não aparentada.
Nesta comunicação, tentaremos mostrar como a supletividade pode ser
satisfatoriamente resolvida e explicada pelos modelos monoestratais não derivacionais da
fonologia. Estes, deixando de ter como objetivo a explicação da “passagem” de estruturas
fonológicas dotadas de uma especificação fonológica A a estruturas fonológicas dotadas
de uma especificação fonológica B no nível derivacional seguinte, eliminam logo à
partida a necessidade de incorporar na gramática conjuntos pesados de regras por vezes
pouco plausíveis cuja única utilidade consistia na postulação de alterações da mesma
estrutura teórica de base. Nestes modelos, formas alternantes do mesmo segmento
fonológico ou do mesmo morfema, independentemente do grau de opacidade entre elas,
correspondem a unidades e estruturas ontologicamente diferentes. Estas unidades
relacionam-se entre si por nuvens de correspondências de ocorrências atestáveis a partir
dos dados de superfície e agrupáveis através de relações lógicas de tipo disjuntivo ou
conjuntivo, competindo à observação fonológica a identificação exaustiva de todos os
contextos fonéticos e gramaticais associados a cada forma alternante.
O modelo escolhido para esta apresentação é o da fonologia declarativa, um modelo
inspirado nas linguagens declarativas de programação desenvolvidos sobretudo na década
de 1980 e que descreve e formaliza as relações entre as unidades linguísticas a partir das
relações lógicas (Scobbie et al., 1996; Angoujard, 2003; 2006). Pretende-se assim atingir
uma descrição simbólica robusta das relações entre representações fonéticas dos mesmos
morfemas a partir dos dados de superfície associados a variáveis rigorosamente isoladas
e identificadas, concebendo-as como redes computacionalmente plausíveis e suportadas
pela formalização lógica.
Atendendo à robustez descritiva deste tipo de modelos para o estudo de grandes
quantidades de dados e à sua adequação para a explicação de fenómenos de opacidade
(Angoujard 2009) e considerando que, pela sua forte ancoragem na simbolização lógica,
estes mesmos modelos de descrição fonológica se aproximariam dos modelos propostos
pelo homenageado neste congresso para a descrição de outros aspetos da gramática do
português (Lopes 1972), proporemos a possibilidade de descrever as alternâncias de tipo
supletivo na flexão verbal do português à luz dos princípios da fonologia declarativa.
Serão assim propostas, entre outras, formalizações como a apresentada no final do resumo
para dar conta da (pseudo-)opacidade entre radicais supletivos supostamente existente no
subconjunto dos verbos sem homonímia entre as formas do futuro imperfeito do
conjuntivo e do infinitivo flexionado (aqui designados “verbos supletivos de Tipo I”).
.
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Chomsky, N.; Halle, M. 1968. The Sound Pattern of English. New York: Harper & Row.
Dressler, U. 1985. Suppletion in word-formation. In: J. Fisiak. Ed. Historical semantics,
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Paster, M. 2006. Phonological Conditions on Affixation. University of California, Berkeley.
Scobbie, J. M.; Coleman, J. S.; Bird, S. 1996. Key Aspects of Declarative Phonology. In: J.
Durand, B. Laks. Eds. Current Trends in Phonology: Models and Methods. Manchester:
ESRI/University of Salford, II, 685-709.
Radical1
Radical1Tempos1 Tempos1={PresInd, PresConj, Imperat,
Gerúndio, InfinitivoFlex, PretImperfInd,
FutImpInd, Cond}
Radical2 Radical2Tempos2 Tempos2={PretPerfSpInd, PretMQPSpInd,
FutImpConj, }
VerboSupl-I={caber, estar, dar, fazer, querer, dizer, trazer, saber, ter}
VerboSupl-I
SSS
Revisitar as contrastivas em Português para repensar o ensino da gramática
A presente proposta de comunicação insere-se na área da Linguística Educacional, convocando
conhecimentos da Semântica e do Discurso que não podem ser ignorados em nenhum programa
de ensino da gramática. Num primeiro momento, apresenta-se brevemente um estado da arte
do conhecimento de estruturas contrastivas em Português europeu, que contrasta, num segundo
ponto, com a descrição destas estruturas nos programas de ensino em vigor. A consideração de
dados de escrita argumentativa em diferentes níveis de escolaridade permite refletir sobre a
necessidade de se terem em consideração não só os aspetos morfossintáticos, mas também
semânticos e discursivos de contrastivas, de forma que conhecimentos gramaticais possam ser
mobilizados para o desenvolvimento da escrita.
Num artigo de 1983, «Sobre as contrastivas em Português», Óscar Lopes descreve as
propriedades mais relevantes de concessivas e de adversativas, considerando (i) correlações e
diferenças, (ii) relações entre concessivas e adversativas e outras construções hipotáticas e
paratáticas e (iii) propriedades discursivas de concessivas (Lopes, 2005, pp. 177-191). Deste
artigo, bem como de outros trabalhos seus (Lopes, 1989, 1971), salienta-se a complexidade
estrutural e funcional de concessivas e adversativas, a cuja análise se dedicam igualmente
estudos posteriores (Costa, 2010; Lobo, 2003; Peres, 1997; Peres et al., 1999; Peres e
Mascarenhas, 2005, Prada, 2000, 2003; Rudolph, 1996; Varela, 2000).
Passados mais de 30 anos da publicação do mencionado artigo, pouca ou nenhuma transposição
didática do funcionamento de conectores contrastivos se pôde observar nos documentos
orientadores do ensino do Português, ainda que estudos em didática da língua, como Brito e
Lopes (2001) ou Costa (2010), destaquem a pertinência de se ensinarem paralelamente
propriedades de concessivas e de adversativas, seguindo a lição da Gramática Simbólica.
Nos atuais Programa e Metas (DGE, 2015), preserva-se uma visão espartilhada do ensino da
gramática, na qual explicativas e causais, adversativas e concessivas pertencem a
compartimentos diferentes, que se abrem em anos diferentes, sem uma vinculação explícita aos
textos orais e escritos que proporcionam a experiência dos seus usos. Em concreto, o atual
programa preconiza uma arrumação de conteúdos que deixa adversativas listadas no 7.º ano
(DGE, 2915, p. 31) e concessivas no 8.º ano (idem, p. 34). Contudo, a mobilização deste
conhecimento gramatical deveria amparar a estruturação de textos de opinião, os quais, segundo
o mesmo programa, se inicia no 5.º ano (idem, p. 22).
Partindo do exemplo dos conectores contrastivos, assume-se uma perspetiva oposta à do
Programa e Metas relativamente ao modo de organizar estes conteúdos gramaticais. Para se
fundamentar uma proposta de percurso de explicitação de conhecimentos sobre conectores
adversativos e concessivos, apresentam-se dados de produção de conectores adversativos em
escrita argumentativa precoce (textos do 2.º ano e textos do 4.º ano) e na escrita de adolescentes
e adultos (textos de 9.º ano e textos de adultos escolarizados). A mobilização de algumas
conjunções concessivas e de advérbios conectivos adversativos apenas na escrita de adultos
conduz à hipótese de que, apesar de os alunos aprenderem a classificar conjunções e valores
associados, não as usam nos seus textos. A gramática, ensinada com objetivos elementares de
identificação e de classificação, sem a explicitação de contiguidades semânticas e do
funcionamento discursivo, não parece poder cumprir a função de melhorar a escrita de textos
de opinião.
Entendendo que o conhecimento gramatical a ensinar na escola deve obedecer a uma
organização que tenha em consideração conhecimento linguístico atualizado, bem como o
conhecimento implícito dos alunos e a promoção da consciência desse conhecimento, propõem-
se atividades de sistematização metalinguística associadas ao desenvolvimento da escrita, que
respondam às necessidades identificadas nos textos analisados. Nestas propostas, a experiência
do processo de escrita, como atividade de resolução de problemas linguísticos e textuais, surge
como um percurso promotor do conhecimento explícito da língua. A reflexão sobre possíveis
percursos para o ensino de contrastivas contribuirá para uma reflexão mais alargada sobre as
orientações curriculares para o ensino da gramática.
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Português. Dissertação de Mestrado em Linguística apresentada à Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa.
DDoo ccoonnvveerrssaattiioonnaall iimmpplliiccaattuurreess eemmbbeedd??
IInn PPrraaggmmaattiiccss,, ccoonnvveerrssaattiioonnaall iimmpplliiccaattuurreess ((CCIIss)) aarree kknnoowwnn ttoo aarriissee ffrroomm iinnffeerreennttiiaall pprroocceesssseess
bbaasseedd oonn ttwwoo eelleemmeennttss::
-- TThhee ffaacctt tthhaatt ssoommee ssppeeaakkeerr SS uutttteerreedd ssoommee sseenntteennccee ss
-- TThhee ffaacctt tthhaatt SS,, iinn uutttteerriinngg ss,, iiss ccoommmmiitttteedd ttoo tthhee CCooooppeerraattiivvee PPrriinncciippllee ((CCPP)) aanndd tthhee
ccoonnvveerrssaattiioonnaall mmaaxxiimmss,, wwhhiicchh iinn ttuurrnn lleeggiittiimmaattiizzeess tthhee aassssuummppttiioonn tthhaatt hhiiss//hheerr uutttteerraannccee
ccoommpplliieess wwiitthh tthheemm.. OOnnee aarrgguuaabbllyy uunnaavvooiiddaabbllee ccoonnsseeqquueennccee ooff tthhiiss iiss wwhhaatt RReeccaannaattii ((22001155)) ccaallllss
gglloobbaalllliittyy:: CCIIss mmuusstt bbee gglloobbaall,, ii..ee.. ddeerriivveedd ffrroomm tthhee uutttteerraannccee ooff wwhhoollee sseenntteenncceess ((mmoosstt ttyyppiiccaallllyy,,
ffrroomm aaccttss ooff aasssseerrttiioonn)).. TThhiiss iinn ttuurrnn iiss ttaakkeenn ttoo eennttaaiill tthhaatt nnoo CCIIss ccaann bbee ddeerriivveedd ffrroomm nnoonn--uutttteerreedd
ssuubb--sseenntteennttiiaall mmaatteerriiaall.. HHeerree iiss RReeccaannaattii’’ss aarrgguummeenntt::
11.. CCoonnvveerrssaattiioonnaall iimmpplliiccaattuurreess aarree pprraaggmmaattiicc ccoonnsseeqquueenncceess ooff aann aacctt ooff ssaayyiinngg ssoommeetthhiinngg..
22.. AAnn aacctt ooff ssaayyiinngg ssoommeetthhiinngg ccaann bbee ppeerrffoorrmmeedd oonnllyy bbyy mmeeaannss ooff aa ccoommpplleettee uutttteerraannccee,, nnoott bbyy
mmeeaannss ooff aann uunnaasssseerrtteedd ccllaauussee ssuucchh aass aa ddiissjjuunncctt oorr tthhee aanntteecceeddeenntt ooff aa ccoonnddiittiioonnaall..
33.. HHeennccee,, nnoo CCII ccaann bbee ggeenneerraatteedd aatt tthhee ssuubb--llooccuuttiioonnaarryy lleevveell,, ii..ee.. aatt tthhee lleevveell ooff aann uunnaasssseerrtteedd
ccllaauussee ssuucchh aass aa ddiissjjuunncctt oorr tthhee aanntteecceeddeenntt ooff aa ccoonnddiittiioonnaall..
44.. TToo ssaayy tthhaatt aa CCII ffaallllss wwiitthhiinn tthhee ssccooppee ooff aa llooggiiccaall ooppeerraattoorr iiss ttoo ssaayy tthhaatt iitt iiss ggeenneerraatteedd aatt tthhee
ssuubb--llooccuuttiioonnaarryy lleevveell ((ii..ee.. aatt tthhee lleevveell ooff tthhee ccllaauussee oonn wwhhiicchh ssoommee llooggiiccaall ooppeerraattoorr ooppeerraatteess))..
55.. TThheerreeffoorree,, nnoo CCII ccaann ffaallll wwiitthhiinn tthhee ssccooppee ooff aa llooggiiccaall ooppeerraattoorr..
NNeevveerrtthheelleessss,, aa nnuummbbeerr ooff ccaasseess ttrraaddiittiioonnaallllyy ccllaassssiiffiieedd aass CCIIss ddoo nnoott ccoommppllyy wwiitthh tthhee gglloobbaalliittyy
ccoonnddiittiioonn iinn tthhaatt tthheeyy ccaann ooccccuurr iinn eemmbbeeddddeedd ccoonntteexxttss,, ssuucchh aass uunnddeerr tthhee ssccooppee ooff ddiissjjuunnccttiioonnss
aanndd ““iiff””,, aass iiss cclleeaarr iinn ((11’’)) aanndd ((22’’)) ((wwhhiicchh pprreesseerrvvee tthhee CCIIss ooff tthhee ddiissjjuunncctt aanndd ooff tthhee aanntteecceeddeenntt
ooff tthhee ccoonnddiittiioonnaall,, iinn ((11)) aanndd ((22)),, rreessppeeccttiivveellyy))::
((11)) SShhee ssaaww hhiimm aanndd ffaaiinntteedd
>>>> SShhee ssaaww hhiimm aanndd ffaaiinntteedd aafftteerr sseeeeiinngg hhiimm ((aanndd ppoossssiibbllyy aass aann eeffffeecctt ooff tthhaatt))
((11’’)) SShhee eeiitthheerr ssaaww hhiimm aanndd ffaaiinntteedd oorr tthhee ootthheerr wwaayy rroouunndd
>> She either saw him and fainted after seeing him or…
((22)) HHee kknnoowwss ssoommee mmiinniisstteerrss
>>>> HHee kknnoowwss ssoommee bbuutt nnoott aallll mmiinniisstteerrss
((22’’)) IIff hhee kknnoowwss ssoommee mmiinniisstteerrss,, tthhaatt mmiigghhtt nnoott ssoollvvee hhiiss pprroobblleemm;; hhee hhaass ttoo bbee aaccqquuaaiinntteedd
ssppeecciiffiiccaallllyy wwiitthh tthhee FFoorreeiiggnn MMiinniisstteerr..
>>>> IIff hhee kknnoowwss ssoommee bbuutt nnoott aallll mmiinniisstteerrss,, ……
TThheessee aarree eexxaammpplleess ooff wwhhaatt GGrriiccee ((aanndd mmoosstt aauutthhoorrss ssiinnccee hhee ffiirrsstt ssyysstteemmaattiizzeedd tthhee nnoottiioonn)) ccaallllss
ggeenneerraalliizzeedd ccoonnvveerrssaattiioonnaall iimmpplliiccaattuurreess.. TThhee pprroobblleemm ppoosseedd bbyy tthheeiirr eemmbbeeddddaabbiilliittyy ((iiff tthheeyy aarree
ggeennuuiinnee CCIIss,, tthheeyy ccoouulldd iinn pprriinncciippllee nnoott eemmbbeedd,, aass sshhoowwnn iinn tthhee RReeccaannaattii aarrgguummeenntt aabboovvee)) hhaass
bbeeeenn tthhee oobbjjeecctt ooff ssoommee rreecceenntt ddiissccuussssiioonn iinn bbootthh tthhee sseemmaannttiiccss aanndd tthhee pprraaggmmaattiiccss lliitteerraattuurree..
AAuutthhoorrss lliikkee LLeevviinnssoonn aanndd CChhiieerrcchhiiaa,, ffoorr iinnssttaannccee,, hhaavvee aarrgguueedd ffoorr aa ccoonnvveennttiioonnaalliizzeedd vviieeww ooff
ssuucchh ggeenneerraalliizzeedd CCIIss.. LLeevviinnssoonn ssaayyss iinn hhiiss iinnfflluueennttiiaall ((22000000))::
““BBlluurrrriinngg tthhee ddiiffffeerreennccee [[bbeettwweeeenn CCIIss]] aanndd tthhoossee ““GGCCIIss”” tthhaatt aarree eemmbbeeddddaabbllee ((aanndd ssoo aarrgguuaabbllyy
nnoott ggeennuuiinnee CCIIss)) iiss ttaannttaammoouunntt ttoo ““uunnddeerreessttiimmaattee tthhee rreegguullaarriittyy,, rreeccuurrrreennccee aanndd ssyysstteemmaattiicciittyy ooff
mmaannyy kkiinnddss ooff pprraaggmmaattiicc iinnffeerreenncceess.. [[IItt oommiittss]] aa llaayyeerr ooff ssyysstteemmaattiicc pprraaggmmaattiicc iinnffeerreennccee bbaasseedd
nnoott oonn ddiirreecctt ccoommppuuttaattiioonnss aabboouutt ssppeeaakkeerr--iinntteennttiioonnss bbuutt rraatthheerr oonn ggeenneerraall eexxppeeccttaattiioonnss aabboouutt hhooww
llaanngguuaaggee iiss nnoorrmmaallllyy uusseedd”” ((LLeevviinnssoonn 22000000))..
TThhuuss tthhee ssttrraatteeggyy ((aallssoo cchhaammppiioonneedd bbyy CChhiieerrcchhiiaa)) ooff eexxppllaaiinniinngg aawwaayy tthheessee aappppaarreenntt pprroobblleemmaattiicc
eemmbbeeddddiinnggss aass iinnvvoollvviinngg qquuaassii--ccoonnvveennttiioonnaalliizzeedd CCIIss aanndd tthhuuss ((uunnlliikkee ““ggeennuuiinnee”” CCIIss)) aass ccaasseess ttoo
wwhhiicchh RReeccaannaattii’’ss aarrgguummeenntt ddooeess nnoott aappppllyy..
UUnnffoorrttuunnaatteellyy,, ppaarrttiiccuullaarriizzeedd CCIIss ccaann aallssoo ooccccuurr uunnddeerr tthhee ssccooppee ooff ooppeerraattoorrss,, aass sseeeenn iinn ((33))//((33’’))::
((33)) -- WWhhaatt’’ss tthhiiss nnooiissee ccoommiinngg ffrroomm tthhee rrooooff??
-- TThheerree’’ss aa nneesstt tthheerree..
>>>> TThheerree’’ss aa nneesstt wwiitthh bbiirrddss iinn iitt
((33’’)) IIff tthheerree’’ss aa nneesstt uupp oonn tthhee rrooooff,, wwee’’llll hhaavvee aa hhuuggee mmeessss ttoo cclleeaann uupp..
>>>> IIff tthheerree’’ss aa nneesstt wwiitthh bbiirrddss iinn iitt,, ……
CClleeaarrllyy,, ppaarrttiiccuullaarriizzeedd CCIIss aarree nnoott aammeennaabbllee ttoo ssuucchh aa kkiinndd ooff ssttrraatteeggyy ((ssiinnccee tthheeyy aarree,, bbyy
ddeeffiinniittiioonn,, CCIIss wwhhiicchh hheeaavviillyy rreellyy oonn ssppeecciiffiicc ccoonntteexxttuuaall iinnffoorrmmaattiioonn rraatthheerr tthhaann oonn
qquuaassii--ccoonnvveennttiioonnaall ccuueess)).. IInn tthhiiss ttaallkk,, II wwiillll bbee ddiissccuussssiinngg MMaannddyy SSiimmoonnss’’ ttaakkee oonn tthhiiss pprroobblleemm
((iinn SSiimmoonnss ((22001111)) aanndd ((22001144)))),, hheerr uussee ooff DDRRTT ttoo ttaacckkllee iitt iinn tteerrmmss ooff wwhhaatt sshhee ccaallllss ““ssttrruuccttuurreedd
mmeeaanniinnggss””,, aanndd aallssoo aasssseessssiinngg hhooww mmuucchh ooff aa ffoouunnddaattiioonnaall tthhrreeaatt tthhee eemmbbeeddddiinngg ooff CCIIss ccoouulldd
bbee ttoo tthhee vveerryy nnoottiioonn ooff ccoonnvveerrssaattiioonnaall iimmpplliiccaattuurree..
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Infinitival clauses with nominative subjects in European Portuguese and Hungarian:
only pronouns?
The present paper focuses on the different types of overt nominative subject that can appear
within an infinitival clause in European Potuguese and Hungarian.
Szabolcsi (2006, 2009ab) discusses a pattern where a nominative subject appears within the
infinitive. Based on a number of diagnostics, among others the restriction on the position of
csak ‘only’-phrases in Hungarian, Szabolcsi concludes that the nominative subject must be the
subject of the infinitive: only-phrases occupy a focus position in the left periphery of the
clause and while postverbal focus exists in Hungarian, it is restricted to cases when there is
also a preverbal focus present in the clause. In sentence (1) such a preverbal focus is not
present, so the only-DP must indeed appear in the left periphery of the infinitive.
(1) Nem akar [csak ő men-ni busz-szal]
not want.3SG only he/she.NOM go-INF bus-with
‘He/She doesn’t want to be the only one to take the bus.’
For some native speakers of Hungarian the nominative subject of the infinitive is restricted to
be a pronoun, for others a lexical DP is also possible:
(2) Nem akar-nak [csak a fiúk büntetés-t kap-ni]
not want -3PL only the boys punishment-ACC get-INF
‘The boys do not want it to be the case that only they are punished.’
The question regarding the different grammars that account for this variation is particularly
interesting from a cross-linguistic perspective. The version in (1) with the infinitival control
subject surfacing in a pronominal form is widely attested among the null-subject languages,
while a lexical DP in the same position is ruled out. Barbosa (2016) discusses European
Portuguese data and derives the restriction on pronouns in sentences like (3) under
intrepretation (b) from the postverbal position of the DPs in the constructions in question, a
property shared by a number of Romance null-subject languages.
(3) Decidiu ir ao mercado só ele.
decided to.go to.the market only he
[a] ‘He is the only one who decided to go to the market’
[b] ‘He decided for it to be the case that only he goes to the market
Concerning the Hungarian data Barbosa states that the only difference between the Romance
null-subject languages and Hungarian is in the obligatory movement to the preverbal focus
position that only-phrases have to occupy in Hungarian, but the conclusions actually carry
over. While Barbosa’s proposal may offer an account of the Hungarian data with the same
restriction on pronouns, it is clear that we need a different account for the cases with lexical
DP subjects in the infinitival clause. My proposal is that the obligatory movement to the FocP
in the left periphery actually makes a difference. For Barbosa the exhaustivity interpretation
of the postverbal DP follows from the predicative nature of the postverbal subject enforced by
the presence of D in T proposed for the consistent null-subject languages. In Hungarian it is
the FocP, which is identified to actually be a PredP in É. Kiss (2006), that leads to the
exhaustive reading of constituents that are not restricted to the subject. Importantly, our only-
DP subjects also end up in this position above T. I assume that it is this movement to the left
periphery that can lead to different grammars, one leading to the restriction on pronouns, the
other allowing for lexical DPs. I propose to exploit the articulate left periphery of Hungarian
infinitival clauses hosting projections including TopPs. While in the typical case the lower
copy of a DP in these constructions checks a focus feature within the infinitival, and a topic
(or a different) feature in the matrix left periphery, for some speakers both the topic and the
focus can be pronounced in the infinitival clause (potentially in the form of one single DP)
leading to the pronunciation of the full copy in the constructions under investigation in the
present paper.
The difference between the form of European Portuguese and Hungarian nominative
infinitival subjects boils down tothe difference in their position resulting from a difference in
the source of the exhaustive interpretation: post-verbal as opposed to left peripheral.
References:
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composition of subjects in the consistent null subject languages,
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Colóquio Internacional de Homenagem ao Professor Óscar Lopes – 6 e 7 de junho de 2017
1
Constituinte de frase - uma aprendizagem essencial desde o 1.º ciclo do ensino básico
O que se aprende nos primeiros anos de escolaridade é fundador das aprendizagens
subsequentes ao longo de um percurso escolar de 12 anos, abrangido pelo limite legal da
escolaridade obrigatória em Portugal, fixada nos 18 anos de idade. Esta assunção aplica-se,
naturalmente, a todas as aprendizagens. No presente artigo, destacar-se-ão as aprendizagens
relacionadas com o conhecimento da língua materna que a escola promove desde o 1.º ciclo
do ensino básico1, com especial incidência na consciência sintática.
O ensino e a aprendizagem escolar da gramática é uma área relevante na didática das
línguas. Destaca-se, a propósito, o trabalho pioneiro de Óscar Lopes em artigos da década de
50 como “Gramática escolar – reduto de um anacronismo”, com trabalho experimental com
alunos do liceu e reflexões produtivas no âmbito da didática da gramática. Esta reflexão foi
continuada por vários especialistas, organizando-se em torno de quatro questões primordiais:
(a) Por que razão é essencial o conhecimento explícito da língua na escolaridade obrigatória?
(b) Para que serve o ensino explícito da gramática, iniciado no 1.º ciclo? (c) O que ensinar e
em que ano de escolaridade ensinar, no campo do conhecimento explícito da língua? (d)
Como organizar as atividades letivas de modo a tornar efetivas as aprendizagens relacionadas
com o conhecimento explícito da língua? Não nos deteremos na explanação destas questões,
uma vez que são objeto de reflexão nos estudos que constituem a base do trabalho que
pretendemos apresentar. No entanto, será relevante indicar esses estudos.
A primeira questão é central em vários trabalhos, como, entre outros: Duarte 1986,
1992, 1993; Sim-Sim, 1995; Delgado-Martins & Duarte, 1993; Pinto, 2009; Silvano &
Rodrigues, 2010. Quanto à segunda questão, são numerosos os trabalhos que assumem a
premissa de que o conhecimento explícito da língua, desde o 1.º ciclo do ensino básico, é
essencial (Duarte 2008, Costa, 2009) para o desenvolvimento de competências como: a escrita
(Costa, A., 2008b), a oralidade (Costa, A. 2008a), a leitura (Costa, A., 2008a, 2008b), que
inclui naturalmente a compreensão e interpretação do texto literário (Fonseca 2000). O que
ensinar e em que ano de escolaridade ensinar tem sido ao longo das últimas décadas uma
questão central em reflexões e comunicações de especialistas como, entre outros, Fonseca, F.
I., 1989; Delgado-Martins, M. R., & Duarte, I., 1993; Sim-Sim 1995; Lopes, A. C. M. 1999;
Duarte, I., e Costa, A., 2004. Quanto ao modo como se organiza o ensino e a aprendizagem do
conhecimento explícito da língua, vários especialistas têm desenvolvido estudos que
clarificam a questão e a sua problemática (Castro, 1995; Costa, A L., 2010; Silvano e
Rodrigues 2010).
Esta comunicação é orientada por duas questões: (i) Quais as aprendizagens que os
especialistas em sintaxe referem como essenciais para o ensino básico e secundário? (ii) Que
vantagens estão associadas ao desenvolvimento da consciência sintática (Duarte 2008) em
geral e da conceção da frase enquanto formação baseada em constituintes, em particular?
Estas questões produziram um trabalho organizado do seguinte modo: expõe-se o
resultado de uma análise de trabalhos que relacionam sintaxe e ensino do Português no que se
refere ao desenvolvimento da consciência sintática, em particular no que respeita à análise de
frases simples, isto é, frases formadas por uma só oração; discutem-se as alterações ocorridas
nos documentos programáticos, entre 1991 e 2015, relativamente aos conteúdos associados à
unidade frase e os problemas associados ao modo como a análise tradicional da frase ocorre
em contexto escolar; apresenta-se uma atividade didática construída de modo a poder
exemplificar um modo de abordar determinados conteúdos relacionados com a frase simples,
que desenvolva um outro olhar sobre atividades que são habituais em sala de aula.
1 Não integramos, nesta comunicação, o conhecimento sobre a língua desenvolvido no ensino pré-escolar por,
nessa etapa da escolarização, o trabalho relacionado com a língua materna ser de natureza desenvolvimental e
não metalinguístico.
Colóquio Internacional de Homenagem ao Professor Óscar Lopes – 6 e 7 de junho de 2017
2
A análise comparativa dos programas de Português do 1.º ciclo, com incidência na
sintaxe, com base nos documentos legais de 1991, 2009 e 2015, permitirá comparar o que tem
vindo a ser selecionado como relevante e interpretar os dados recolhidos para compreender
como tem evoluído a gramática escolar neste domínio. Pretende-se constatar a coexistência de
dois pontos de vista: um predominante, que é a análise tradicional da frase em sujeito e
predicado, e outro emergente, que é a análise da frase simples em constituintes aos quais são
atribuídas funções sintáticas. Propõe-se, nesta sequência, uma reflexão sobre os problemas
associados a uma análise tradicional e as vantagens em desenvolver a consciência da unidade
frásica. A sequência didática envolvendo a construção de textos com frases cada vez mais
sofisticadas serve para exemplificar uma atividade gramatical apropriada ao 1.º ciclo do
ensino básico, que é a base do conhecimento sintático a desenvolver ao longo da escolaridade
obrigatória.
Em conclusão, a explicitação dos fundamentos teóricos associados à abordagem da
frase a partir da análise dos seus constituintes, desde o 1.º ciclo do ensino básico, e a
exemplificação de atividades decorrentes dessa conceção de desenvolvimento de consciência
sintática e de conhecimento explícito gramatical constituem, na nossa perspetiva, um
contributo necessário para o debate em torno das aprendizagens essenciais na disciplina de
Português.
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Identidade(s) em xeque: a mobilização de objetos de discurso como estratégia de
construção do “outro”
Partimos do entendimento de que as identidades são produzidas na ordem das práticas
discursivas, por isso, consideramos que não podem estar dissociadas das relações de poder e,
em função disso, sua produção ocorre no confronto entre posições políticas existentes em cada
sociedade. Dito de outro modo, toda identidade institui uma diferença constitutiva de seu
sentido, sendo, portanto, relacional e dependente de algo exterior a ela para existir, o que fica
bem ilustrado pelo famoso paradoxo sartreano “o inferno são os outros”. Nesse sentido,
entendemos que a construção da identidade acontece sempre por meio do confronto entre a
afirmação daquilo que um sujeito acredita ser em oposição àquilo que ele acredita não ser, ou
seja, ao se atribuir determinadas características performativas de sua identidade, esse sujeito o
faz em uma relação de dialética, negando todas as demais possibilidades. Ao assumir essa
posição, o “outro” sempre constituirá uma forma de coerção: ao mesmo tempo que impede a
“liberdade plena” do indivíduo, sendo uma fonte permanente de contingências, é essencial para
o reconhecimento daquilo que esse indivíduo é, a partir de uma relação de contraste entre um
“eu” e um “outro”, de algo que ele não é, mas sem o que ele não existiria.
Desse modo, a fim de observar como a questão identitária é retomada e problematizada
no discurso pronunciado por Xanana Gusmão no dia 13 de outubro de 1982, durante o período
em que Timor-Leste esteve sob jugo indonésio, propomo-nos a analisar, entre as estratégias
discursivas, os elementos linguísticos, em especial o processo de construção de objetos de
discurso, utilizado por Gusmão nas menções aos “outros”, considerados, nesse contexto, os
“inimigos” da nação. Entende-se que esse expediente linguístico-discursivo constitui um
procedimento retórico-argumentativo que visa à valorização das teses postuladas pelo orador –
ocupante de um lugar socialmente legitimado por aqueles que eram favoráveis à
autodeterminação do país, o de líder das Forças de Resistência, e ao enfraquecimento dos
discursos de oposição. Nesse sentido, a cadeia referencial por meio da qual o “outro” é
(re)construído em seu discurso contribui para a criação de um contexto que fortalece as ações
da guerrilha e, em simultâneo, reduz gradativamente a importância do inimigo, o qual se
transforma ao longo do discurso de “camarilha sanguinária” – agente – em “inimigo
impotente” – alvo das ações das forças de resistência. Reforça-se, desse modo, o fato de que,
considerando as expectativas de seu auditório, o orador, como um sujeito sociocognitivo,
edifica um discurso pathemizado – resultado de escolhas linguísticas –, o qual promove uma
(re)construção ideológica de seu objeto de discurso, o inimigo.
O referencial teórico para a análise do corpus apoia-se nos trabalhos desenvolvidos por
Koch (2002, 2004); Marcuschi (2002); Mondada e Dubois (1995); Perelman e Olbrechts-
Tyteca (1958), Charaudeau (2008), Hall (2006, 2000), Gunn (2001), Pinto (2015) e Moita
Lopes (2006).
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O estatuto fonológico do rótico dorsal em português europeu
à luz dos dados de aquisição
Os róticos apresentam grande variação fonética nas línguas do mundo, o que impossibilita
a identificação de traços segmentais comuns a todos os segmentos que integram esta classe (Wiese,
2001, 2011). Em contraste com a variação fonética, apresentam homogeneidade em termos
fonológicos, nomeadamente no comportamento fonotático (Hall, 1997; Wiese, 2011).
Também em português, a caracterização de uma classe de róticos é problemática, pela
existência, pelo menos no nível fonético, de dois sons desta classe. Paralelamente, a variação
fonética que caracteriza os róticos das línguas do mundo está também presente no português. O
rótico dorsal (/ʀ/) é particularmente heterogéneo, podendo ser articulado, no português europeu
contemporâneo, como uma vibrante ([r] ou [ʀ]) ou como uma fricativa ([ʁ], [χ] ou [x]). Diversos
estudos têm confirmado que a articulação como fricativa uvular sonora ou surda é a realização
mais comum no PE atual (entre outros, Mateus & d’Andrade, 2000; Rennicke & Martins, 2012).
O principal objetivo deste trabalho é contribuir com dados empíricos para a discussão
sobre o estatuto fonológico do rótico dorsal em português europeu. Com base nos dados de uma
amostra de 80 crianças falantes nativas de dialetos setentrionais do PE de ambos os sexos e com
idades compreendidas entre os 3 anos e os 4 anos e 11 meses, são analisadas todas as produções
de róticos em ataque não ramificado (um total de 1398 tokens), de modo a identificar o padrão
de substituições a que são sujeito. A análise das produções alternativas da criança ao longo do
processo de aquisição é uma forma de aceder às representações dos sons que ouve e que são
contrastivos no sistema (Fikkert 2007, Fikkert e Levelt 2008).
Os dados revelam que as crianças utilizam estratégias diferentes na tentativa de produção
dos dois róticos em ataque não ramificado: o rótico coronal é preferencialmente apagado,
enquanto o dorsal é tendencialmente substituído por outro segmento. Analisados os padrões de
substituição dos dois róticos, verificou-se que o rótico dorsal é substituído preferencialmente
por uma obstruinte, principalmente oclusiva, enquanto as substituições do rótico coronal
privilegiam outra soante.
As diferenças encontradas no modo como as crianças que participaram no presente estudo
tratam o rótico dorsal sugere alguma instabilidade na representação deste segmento, já que, para
algumas crianças, é categorizado como obstruinte e, para outras, como aproximante. Esta
instabilidade poderá estar relacionada com as etapas de desenvolvimento fonológico em que se
encontram e / ou com uma eventual mudança em curso no PE.
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Movimento ascendente e descendente em Português Europeu: os casos dos verbos “subir” e “descer”
Neste trabalho, pretende-se descrever diversas interpretações que os verbos “subir” e
“descer” podem assumir em Português Europeu (PE) e relacionar essas interpretações com as preposições que podem coocorrer nas predicações em análise.
Deste modo, começaremos por apresentar os dados referentes à análise das ocorrências destes verbos em dois corpora escritos (ambos jornalísticos), evidenciando as diversas aceções que estes verbos podem assumir e contrastando com o que é habitualmente referido na literatura (e.g., Vilela, 1992).
Num segundo momento, concentrar-nos-emos nos casos em que os SPs são interpretados como Destino ou Alvo (em sentido lato), descrevendo-os e avançando com hipóteses explicativas. Destacamos aqui dois exemplos.
Ao contrário do que se verifica com os verbos de modo de movimento e os verbos de movimento direcionado “ir/vir” (cf. Leal & Oliveira, 2008; Leal, Oliveira & Silvano, no prelo), nem sempre se verificam alterações na interpretação aspetual das predicações quando se permuta “para” por “até” em predicações com “subir” e “descer”. Assim, aparentemente, quando o sintagma preposicional introduz um Destino que é um valor numa escala, “para” e “até” parecem ser equivalentes, no sentido em que denotam Destinos que são atingidos (nenhuma leitura meramente direcional com “para” neste caso, como acontece quando coocorre com os verbos “ir” e “vir”), pelo que ambas as preposições: (i) dão origem a leituras de medição do estado consequente, quando combinadas com o adverbial “durante x tempo” (cf. (1a)); e (ii) não dão origem a leituras não culminativas (cf. (1b)).
(1) A Mars Global Surveyor desceu {para/até} 420 quilómetros de altitude (1a) A Mars Global Surveyor desceu {para/até} 420 quilómetros de altitude durante 2
horas (= A Mars Global Surveyor esteve a 420 km de altitude durante 2 horas) (1b) * A Mars Global Surveyor desceu {para/até} 420 quilómetros de altitude, mas a meio
do caminho explodiu. Note-se, contudo, que as diferenças entre estas preposições não são completamente
anuladas, havendo casos em que a distinção entre elas se mantém: por exemplo, apenas “até” pode introduzir sintagmas de medição, como se vê em (2).
(2) A sonda pode descer até 420 km no interior do planeta / * A sonda pode descer para 420 km no interior do planeta
Um outro aspeto a explorar prende-se com o tipo de sintagma que pode ter a interpretação de Destino. De acordo com Bosque (2015), quando há movimento ascendente, o Espanhol pode apresentar três tipos distintos de Destinos: os de tipo “upper-place”, quando um movimento ascendente atinge uma posição situada em local elevado; os de tipo “onto”, quando um movimento ascendente termina sobre algo; os de tipo “end-of-path”, quando o movimento ascendente ocorre ao longo de um percurso que contém o seu ponto terminal.
Em PE, verifica-se também a ocorrência do verbo “subir” com SPs com a preposição “a” evidenciando estas três interpretações, tal como em Espanhol. Vejam-se (3-5).
(3) par=ext545317-soc-92b-1: Sou conhecidíssimo como claustrofóbico; nem uma manada de elefantes seria capaz de me fazer subir a um sótão
(4) par=ext668220-soc-93a-1: Nunca mais pode subir a um andaime, fica inutilizado para o mercado do trabalho
(5) par=ext690627-pol-93b-1: Aproveito o tempo livre para percorrer o recinto amuralhado do palácio de Diocleciano, passear pelas encantadoras vielas de Tragir, subir a um dos montes que domina a baía de Split
Contudo, há outras preposições que também indicam Destino em Português, mas que, contrariamente ao que acontece com a preposição “a”, não podem ocorrer como “end-of-
path”. Assim, tanto em (5a) como em (5b), a troca da preposição “a” pelas preposições “para” e “até” leva a uma alteração do significado do SP original (em (5)), pelo que “para um dos montes…” e “até um dos montes…” são interpretados não como “end-of-path”, mas como “upper-place”.
(3a) ele subiu para o sótão (3b) ele subiu até ao sótão (4a) Nunca mais pode subir para um andaime (4b) Nunca mais pode subir até um andaime (5a) # Aproveito o tempo livre para subir para um dos montes que domina a baía de Split (5b) # Aproveito o tempo livre para subir até um dos montes que domina a baía de Split
Um outro aspeto referido em Bosque (2015) para o Espanhol e que também se verifica em PE (cf. Vilela, 1992) está relacionado com a possibilidade de alternância entre construções com SN objeto direto e construções com oblíquo introduzido por preposição, que está restringida aos casos em que o SP é interpretado como “end-of-path”. Assim, (5) e (5c) apresentam aproximadamente o mesmo significado, o que não se passa quando se comparam (3) com (3c) e (4) com (4c).
(3c) # ele subiu o sótão (4c) # Nunca mais pode subir um andaime (5c) Aproveito o tempo livre para subir um dos montes que domina a baía de Split
No entanto, os dados mostram que há diferenças no interior do conjunto das expressões que permitem este tipo de alternância. Por um lado, os SNs com interpretação de “end-of-path” podem alternar ainda com SPs introduzidos por “por”.
(6) subir por uma escada claustrofóbica / subir uma escada claustrofóbica (7) subir ao World Trade Center / subir o World Trade Center
Por outro lado, a possibilidade de coocorrência destas expressões é distinta, como ilustram os exemplos (8): podem-se combinar os dois SPs, mas apenas o SP-por se combina com o SN objeto direto.
(8a) par=ext516165-clt-93a-2: Pode-se entrar no metro imaginário, no táxi, subir por uma escada claustrofóbica ao World Trade Center
(8b) subir por uma escada claustrofóbica o World Trade Center (8c) * subir uma escada claustrofóbica ao World Trade Center
Uma análise preliminar dos dados aponta para o seguinte: quando estes verbos se combinam com “para” e “até”, o seu contributo lexical parece ser determinante para as propriedades aspetuais das predicações, pelo menos quando comparados com o que se passa com verbos como “ir” e “vir”, o que justifica, por exemplo, a aparente anulação das diferenças entre as preposições “para” e “até” em casos como (1). Mas, quando se combinam com preposições como “a”, esta parece ser mais relevante. Referências Bosque, I. (2015) Inner and outer prepositions with Spanish verbs of vertical movement. In
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Colóquio Internacional de Homenagem ao Professor Óscar Lopes | 6 e 7 de junho 2017
O verbo modal ter de na interface sintaxe-semântica-discurso
Num texto em que apresenta algumas peculiaridades semânticas do português, Óscar Lopes (2005 [1983]) destaca “o verbo ter como portador de aparentes ambiguidades modais” (Lopes, 2005: 32), identificando os valores deônticos resultantes da combinação de ter de com verbos inacusativos ou inergativos e a leitura ora deôntica, ora disposicional possível em construções transitivas. Está, desta forma, o autor a evidenciar a existência de “certas regularidades ou sub-rotinas fundamentais” (Lopes, 2005: 16) inscritas “no conjunto básico de paradigmas do discurso linguístico” (Lopes, 2005: 16), constatação que nos conduziu à tentativa de sistematizar, a partir de informações oriundas da investigação em semântica, sintaxe, pragmática e em linguística textual e discursiva, contributos para uma caracterização linguística do verbo ter de, no quadro dos semiauxiliares modais. Assim, propomo-nos explicitar algumas dessas características e, num segundo momento, direcioná-las para uma abordagem exploratória da relação entre leituras modais e tipos sintáticos de verbos, tal como sugerida por Óscar Lopes.
A polifuncionalidade a que aludimos acima é um dos traços mais marcantes dos verbos modais, que integram a categoria dos semiauxiliares (Gonçalves, 2002). A leitura destes verbos resulta da combinação de dois domínios – a possibilidade e a necessidade – com quatro tipos de modalidade: interna ao participante, externa ao participante, deôntica e epistémica (van der Auwera & Plungian, 1998). Essa leitura envolve “the lexical properties of individual modals, the syntactic structures they appear in, and the discourse context” (Kratzer, 2012: 68).
O semiauxiliar ter de, tal como dever, surge no domínio da necessidade, podendo ocorrer numa dimensão deôntica, epistémica, externa ao participante e, até, interna ao participante. A sua força modal resulta de uma restrição máxima de mundos possíveis (Kratzer, 1981; 2012), situando-se no polo positivo (certo/obrigatório) da escala dos verbos modais, que, em português, contempla dois outros verbos, poder e dever (Oliveira, 1988). A identificação dos subtipos modais implica, igualmente, a avaliação do modo como ter de combina com alguns valores aspetuais. Aqui, a possibilidade de controlo da situação pelo destinatário é um critério fundamental, tanto nas situações eventivas, como nas estativas (Campos, 1998; Johnen, 2010). Assim, quando combinado com o infinitivo composto ou com o progressivo, este verbo apenas admite a leitura epistémica com predicados não controláveis pelo sujeito (O cliente tem de ter sido atendido/estar a ser atendido.). Se se verificar uma estrutura com controlo do sujeito, a interpretação deôntica é preferencial perante o progressivo (O funcionário tem de estar a trabalhar a esta hora.) e também nas construções perfetivas, mas apenas se o modal surgir no imperfeito ou no condicional (cf. O funcionário tem de ter concluído a tarefa. / O funcionário tinha de ter concluído a tarefa., sendo preferencial a leitura epistémica no primeiro caso e a deôntica no segundo).
Consideradas as diferentes classes aspetuais de verbos, ter de ativa uma interpretação deôntica perante processos culminados, culminações e processos envolvendo agentividade, bem como perante estados episódicos (Tens de estar atento à explicação.) ou faseáveis, mas o mesmo não sucede com estados estáveis, em que as modalidades epistémica ou externa ao participante (Tens de ser alto para entrares na equipa de basquetebol.) serão preferenciais.
Por norma, a distinção entre valores não epistémicos depende de particularidades semânticas, mas também pragmáticas (Johnen, 2010). No domínio acional, quando um locutor utiliza dever ou ter de, não se limita a apontar alternativas, mas procura direcionar a escolha do interlocutor: usando dever, destaca uma de poucas possibilidades acionais, enquanto, com ter de, exclui a eleição de qualquer outra. No entanto, a leitura de obrigação forte prototípica associada a este último verbo pode ser atenuada em certos atos injuntivos de natureza não impositiva (Duarte, 2006), como se verifica em convites (Tens mesmo de vir à minha festa de anos) e pedidos (Tens de me ajudar a arrumar a casa).
Este efeito de atenuação pode ser, igualmente, obtido em enunciados modalizados pelo princípio da delicadeza, que evidencia afinidades com a modalidade (Carreira, 2001). Um enunciado como Tens de provar este bolo. constitui o exemplo de como a cortesia inverte, tal como a negação (Oliveira & Mendes, 2013), a escalaridade modal, transformando uma obrigação forte numa sugestão, tal como Lakoff (1972) sugeriu para o inglês: se, habitualmente, ter de impõe ao alvo deôntico a obrigação de fazer algo que não lhe agrada, neste caso, o que lhe é proposto pelo locutor é algo que lhe dará prazer.
Assim, a análise da combinação entre ter de e diferentes tipos sintáticos de verbos pressupõe considerar a possibilidade de controlo da situação pelo sujeito, mas também a intencionalidade e o estatuto do locutor, que configuram diferentes atos discursivos. Em construções inergativas como Tens de andar rápido. / Tens de brincar com os teus amigos., a leitura deôntica mais forte parece mais facilmente ativada em brincar do que em andar, porque o alvo deôntico poderá controlar melhor a segunda situação do que a primeira. Pela mesma razão, em enunciados inacusativos como Tens de acordar cedo. / ?Tens de te magoar., a leitura deôntica é bloqueada com o verbo magoar-se, mas não em acordar, dependendo do estatuto dos interlocutores a maior ou menor intensidade do ato injuntivo.
Também o subtipo de verbo pode ser relevante nas leituras mais proeminentes de ter de. Os verbos inacusativos de mudança de estado por causa interna (Duarte, 2003; Brito, 2005), como empalidecer, não admitem a interpretação deôntica, favorecendo as modalidades interna ou externa ao participante. Nos verbos de alternância, como derreter, a construção inacusativa (O gelo tem de derreter) parece ativar, em primeira instância, a leitura externa ao participante, enquanto a estrutura transitiva admite uma leitura deôntica, dependente do grau de controlo pelo alvo deôntico (A cozinheira tem de derreter o chocolate).
Esta abordagem exploratória da combinação entre ter de e diferentes tipos sintáticos de verbos constitui mais um argumento a favor da ideia, que nesta comunicação pretendemos explorar, de que é da combinação entre informações aspetuais, tempos verbais, a dimensão agentiva dos predicados e o controlo pelo sujeito que resulta um espectro bastante variado de leituras do semiauxiliar modal ter de.
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Contributo para a história da deixis espacial do português
Óscar Lopes deu uma particular atenção ao tema da deixis espacial. Já em 1971,
na Gramática Simbólica do Português, dedicou um importante capítulo ─“Os
demonstrativos como expressão de vizinhanças topológicas”─ aos deíticos pronominais
e adverbiais não só nos seus valores na topologia do espaço em sentido restrito, mas
também, como virá a referir em texto posterior, “em várias topologias temporais, modais,
de ordem axiológica, de ordem discursiva, narrativa, inferencial, etc.” (Lopes,1986:114).
Neste texto, em que analisa “Algumas peculiaridades semânticas do português”, aponta
(seguindo a proposta de Teyssier, 1981) o início da fase da literatura clássica, no século
XVI, como período da estabilização da oposição ternária com os paradigmas das formas
modernas pronominais isto, isso, aquilo, e o paradigma das formas adverbiais aqui, aí,
ali, cá, lá e acolá.
O objetivo desta comunicação é de precisar a cronologia da evolução do sistema
dos deíticos espaciais do português, tentando precisar esse marco cronológico da
estabilização do sistema, a partir da análise de textos de diversas tradições discursivas, e
em diferentes sincronias. A análise terá também como objetivo relacionar a tipologia dos
textos com as inovações na configuração do sistema, tentando determinar em que tipo de
tradição discursiva se observa a progressiva diminuição da frequência das formas acó/aló,
e o aparecimento das formas aqui/ali e cá/ lá e a frequência crescente da sua utilização.
No período mais ou menos extenso de coexistência de formas, em que há sempre ajustes
lentos e graduais, será importante observar quando e em que tipo de textos ocorrem
pequenas fraturas e também a frequência com que se apresentam as formas mais
inovadoras ou mais conservadoras.
Para a tarefa de analisar textos das mesmas tradições em sincronias sucessivas é
necessário ter em atenção a periodização já reconhecidamente estabelecida da língua
portuguesa, e as fontes disponíveis para cada período.
A análise será feita em dois intervalos cronológicos, abarcando os séculos XIII/ XIV, e
XV/XVI. Tentarei uma concentração de textos das mesmas tradições discursivas nas
diferentes sincronias, tanto quanto possível com amostras quantitativamente comparáveis
e incluindo textos literários e não-literários. Há muitos textos literários nas fontes
disponíveis e estes têm sido utilizados em análises linguísticas históricas. Mas nessa
análise deve ser tida em conta a existência de gostos linguísticos específicos e de modelos
textuais que condicionam a produção discursiva. É muito importante, por exemplo, na
análise da língua do séc. XVI o estudo da obra de Gil Vicente, pela quantidade de dados,
pela cronologia da obra e pela presença de ‘estilos’ linguísticos diferentes. A obra
vicentina constitui mesmo o corpus quinhentista do interessante estudo de Paul Teyssier
sobre o sistema dos deíticos em português. (1981). O século XVI é um período
fundamental na diacronia do português, por ser um período de estandardização do idioma
em que a dinâmica da mudança se torna possivelmente mais lenta, mas ainda com
variação muito evidente. Tentarei utilizar um corpus de textos do séc. XVI alargado a
diferentes tipologias, porque é sempre produtivo reanalisar textos com novas
perspetivações metodológicas e teóricas, tentando evitar a subordinação da história da
língua ao estudo de grandes obras literárias (Company, 2014).
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A natureza homogénea do Pretérito Perfeito Composto em Português Europeu O Pretérito Perfeito Composto do Indicativo (PPC) é um tempo que apresenta certas
peculiaridades em Português Europeu (PE) que o distinguem inequivocamente de construções similares em outras línguas românicas (ver, por exemplo, Squartini & Bertinetto, 2000). De facto, enquanto, nas línguas românicas, esta construção veicula apenas uma eventualidade, em PE surge tipicamente uma leitura de repetição de eventualidades. Contudo, essa leitura não surge em todos os casos: sob certas condições (cf. Oliveira & Leal, 2012), o PPC pode ter uma leitura de eventualidade única. Veja-se (1), a título exemplificativo. A ligação anafórica entre a predicação e a sua nominalização mostra que, para este exemplo, está disponível a leitura de repetição de situações (1a), mas também a de eventualidade única (1b).
(1) Os deputados têm discutido a proposta. a. Estas discussões têm sido inúteis. b. Esta discussão tem sido inútil. Uma questão que parece não ter sido suficientemente abordada em trabalhos anteriores
sobre este tempo prende-se com o tipo de repetição de situações que está muitas vezes subjacente ao PPC. Levanta-se, pois, a hipótese de esta repetição se enquadrar no âmbito da iteração, da frequência ou mesmo da habitualidade.
De acordo com Cunha (2006), a iteração comporta-se como um operador aspetual que converte uma série de eventos de natureza limitada numa única situação de tipo processual. Por seu lado, a frequência pode ser entendida como mera quantificação sobre situações (com diferentes padrões de repetição) que não resulta em alterações significativas do ponto de vista aspetual e temporal das eventualidades básicas. Finalmente, a habitualidade está relacionada com uma repetição de situações que decorre em intervalos de tempo necessariamente longos e preferencialmente não delimitados, estabelecendo propriedades caracterizadoras das diversas entidades que predicam e criando predicados de indivíduo a partir de uma generalização sobre propriedades episódicas.
Tendo em conta as definições anteriores, o PPC em PE não se enquadra facilmente numa destas classificações, embora evidencie características de todas elas. Por um lado, o PPC não requer intervalos de tempo longos, nem parece corresponder a propriedades gerais das entidades que predica, pelo que não se enquadra nas estruturas de habitualidade (cf. (2)).
(2) O rapaz tem chegado tarde às aulas nesta semana, o que nem é hábito nele.
Por outro lado, o PPC, com certas predicações, nomeadamente alguns estados e
processos, não acarreta uma pluralização de situações, algo de todo contrário ao que se verifica com as construções de frequência. Veja-se o que foi dito acerca de (1b); vejam-se ainda os exemplos em (3), com leitura de eventualidade única, facto favorecido pela ocorrência (não obrigatória) do adverbial temporal.
(3) a. O João tem estado no jardim (na última meia hora). b. O João tem perseguido a sua vizinha (na última meia hora). Finalmente, o PPC pode ter um intervalo de ocorrência relativamente longo. Para além
disso, pode ter intervalos significativos entre os subeventos, pelo que não corresponde completamente à definição de iteração dada em Cunha (2006) (cf. (4)).
(4) As alterações climáticas têm causado épocas glaciares.
Um dos objetivos desta apresentação é, pois, discutir a quantificação sobre situações que está subjacente ao PPC em PE à luz das noções de frequência, habitualidade e iteração. Numa primeira parte, e baseando-nos em dados de corpora e em exemplos construídos, procuraremos dar conta das diferentes leituras que este tempo gramatical permite, de forma a poder enquadrá-lo enquanto construção representativa de um destes conceitos teóricos. Defenderemos que o mais adequado é o de iteração, na medida em que o PPC converte um número não determinado de eventos básicos do mesmo tipo numa única eventualidade, da qual os eventos básicos são subfases. Dado que a iteração veiculada pelo PPC não exige um intervalo curto, nem a contiguidade dos eventos, assim como não exclui processos e estados, defenderemos ainda a necessidade de reformular parcialmente a definição de iteração dada em Cunha (2006).
Numa segunda parte da comunicação, apresentaremos uma análise aspetual do PPC que inclui tanto a leitura de eventualidade única como a leitura iterativa, no sentido de fornecer uma explicação unificada para as leituras apontadas em (1). Para isso, recorreremos à noção de homogeneidade tal como é definida em Landman & Rothstein (2012). Defenderemos que a propriedade da homogeneidade é uma propriedade aspetual central do PPC em PE e que a oposição entre homogeneidade segmental e homogeneidade incremental proposta por estes autores para os adverbiais do tipo de “for x time” permite explicar ambas as leituras deste tempo gramatical.
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Relação entre débito elocucional e formalidade da situação discursiva Beatriz Fachada (1.º ano, Mestrado em Linguística, FLUP)
Este trabalho pretende averiguar a relação existente entre o débito elocucional e a
formalidade da situação discursiva. Partiu-se, assim, da possibilidade de se estabelecer uma relação entre a formalidade da situação discursiva e a quantidade de material linguístico, caraterizado no número de palavras, número de sílabas e número de segmentos; e ainda da possibilidade da formalidade da situação discursiva se relacionar com a frequência de apagamento de material fonético. Considerou-se como registo formal o discurso utilizado em situações protocolares, e que pressupõe a existência de um guião pré-elaborado e uma maior distância entre locutor e interlocutor. Como registo informal considerou-se o discurso em que não é utilizado um guião, sendo, por isso, um discurso espontâneo - este registo é utilizado em situações onde há uma maior intimidade e proximidade entre locutor e interlocutor. De modo a investigar o tema, foi constituída uma amostra que contempla oito discursos representativos de quatro graus de formalidade, sendo estes: discurso solene, noticiário radiofónico, entrevista radiofónica e entrevista espontânea. Foram selecionados cinco minutos de cada discurso, em que intervém apenas um falante; posteriormente, foi feita a transcrição ortográfica, permitindo, através desta, contabilizar-se o número de palavras e de sílabas teóricas; por fim, foi elaborada a transcrição fonética das cem primeiras palavras de cada discurso, sendo assim possível contabilizar o número de segmentos teóricos e eliminados, resultando assim no número de apagamentos fonéticos e na frequência do apagamento fonético de cada discurso representativo. Apresentar-se-ão todos os resultados obtidos, a discussão que esses resultados suscitam e as possíveis conclusões que se podem retirar desta investigação. Referências bibliográficas Delgado-Martins, Raquel & M. João Freitas (1993). Estruturação temporal da fala: análise acústica e reconhecimento perceptivo. In Actas do Encontro de Processamento da Língua Portuguesa Escrita e Falada. Lisboa: INESC, pp. 197-202. Delgado-Martins, Raquel & M. João Freitas (1992). Contributo para a identificação de elementos estruturadores da entoação na leitura. In Actas do VII Encontro Nacional da APL. Lisboa: APL, pp. 93-105. Delgado-Martins, Raquel & M. João Freitas (1991). Temporal structure of speech: reading news on TV. InProceedings of the ESCA Workshop on Phonetics and Phonology of Speaking Styles: Reduction and Elaboration in Speech. Barcelona: ESCA, pp. 19.1-19.5. Faria, Isabel, Armanda Costa, M. João Freitas & Luísa Figueira (1994). Processamento da informação na leitura oral em situação de stress: construção do desenho experimental e análise dos resultados. In Actas do IX Encontro Nacional da APL. Lisboa: APL, pp. 211-234. Ferreira Netto, W. (2007), O acento na língua portuguesa. In Gabriel Antunes de Araújo. (Org.). O acento em português: abordagens fonológicas. São Paulo: Parábola Editorial, p. 21-36. Ferreira Netto, W. (2008) Tradição oral e produção de narrativas. São Paulo: Paulistana. Ferreira Netto, W. (2008), A sílaba na língua portuguesa. In Luiz Carlos Cagliari (Org.).
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O LUSITANO NO PUZZLE INDO-EUROPEU Em busca dos substratos do Português
Carlos Sousa e Silva (2.º ano, LLC, FLUP)
Os substratos de Português deixaram, efetivamente, algumas marcas históricas que individualizam a nossa língua, das quais as mais conhecidas, como evoca Castro (2013), são a síncope das consoantes /l/ e /n/ intervocálicas e a convergência de grupos iniciais pl-, fl-, cl-, para uma consoante africada palatal. No entanto, ainda hoje é possível ver, sobretudo nos dialetos setentrionais, fenómenos fonéticos que têm uma clara motivação de substrato, como a palatalização e a fricatização de oclusivas sonoras. Todas estas marcas, sobretudo as primeiras duas, têm sido identificadas com a influência das línguas faladas na Gallaecia Magna (Piel, 1989 e Castro, 2013), subestimando-se o papel do substrato lusitano. Contudo, os relatos antigos e a investigação recente (Blazec, 2006) têm convergido na forte influência que o Lusitano terá tido na região hoje ocupada pela Galiza, por isso uma análise desta língua pode trazer dados bastante relevantes para a própria história da língua portuguesa.
Um começo que permitirá ter uma noção mais exata da influência deste substrato no Português será o estudo da sua datação e posição na família indo-europeia. Após uma análise crítica das propostas que a ligam ao ramo céltico (Fonseca, 1958 e Renfrew, 1998), pré-céltico (Witczak, 2005) e itálico (Villar, 1991 e Prósper, 2002) e a principal causa desta oscilação, isto é, a preservação de *p inicial, pretendemos, recorrendo investigação sobre o assunto, recolocar a língua no ‘puzzle’ indo-europeu, seguindo um novo modelo de Garrett (1999), corroborado por Chang et al. (2015) e Anthony & Ringe (2015). Este será, como diria Piel (1989), um primeiro passo para ressuscitar “todas estas vozes, sobreviventes de um grande naufrágio (…) de que mal reza a história” e que só a linguística pode reconstruir.
A comunicação terá a seguinte estrutura: (I) definição de substrato e apresentação geral da língua portuguesa numa perspetiva diacrónica, com especial atenção aos substratos galaico e lusitano, (II) discussão das diferentes propostas de enquadramento do Lusitano na família indo-europeia, contribuições desta língua para a construção do modelo do dialect continuum e inclusão dela neste último e (III) apresentação dos alguns fenómenos do português que têm motivação dos substratos galaico e lusitano. Referências Anthony, David & Ringe, Dom. (2015). The Indo- European homeland from linguistics and archaeological perspectives. Annual review of linguistics 1: 199-219. Beekes, Robert. (2011). Comparative Indo- European linguistics: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing. Blazek, Václav. (2006). Lusitanian Language. Studia Minora Facultatis Philosophicae Universitatis Brunensis 11: 5-18. Castro, Ivo. (2013). Formação da língua portuguesa, in Raposo, Eduardo et al. (orgs). Gramática do Português (vol. I). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Chang, Will et al. (2015). Ancestry-constrained phylogenetic analysis supports the Indo-European steppe hypothesis. Language 91: 194-244. Clackson, James. (2007). Indo-European linguistics: an introduction. New York: Cambridge University Press. Fonseca, Fernado P. (1958). Noções de história da língua portuguesa. Lisboa: Livraria Clássica.
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A OMISSÃO DAS PREPOSIÇÕES A E DE COM OS VERBOS GOSTAR, PREFERIR, OBRIGAR E PROIBIR: UM ESTUDO EMPÍRICO
Joana Vieira (1.º ano, CL, FLUP) A omissão de preposições regidas por verbos tem sido observada em alguns estudos em diversas construções, sejam frases simples ou frases complexas, nomeadamente, em estruturas de complementação ou relativas (cf. Peres & Móia, 1995; Mateus et al., 2003; Duarte, 2010; Valente, 2008; Raposo et al., 2013, entre outros).
Neste contexto, o objetivo deste trabalho consiste na análise da omissão das preposições “a” e “de”, com os verbos “gostar”, “preferir”, “obrigar” e “proibir”, em faixas etárias dos 11 anos aos 18 anos. Para atingir este objetivo, foi construído um teste de gramaticalidade, que foi resolvido por alunos das faixas etárias dos 11-12 anos, 14-15 anos e 17-18 anos. Cada exercício contém dezoito frases, organizadas aleatoriamente, das quais seis apresentam um grau de dificuldade baixo (1), outras seis apresentam um grau de dificuldade médio (2) e as restantes seis apresentam um grau de dificuldade elevado (3)-(4).
(1) O João prefere morangos a manga. (2) Eu prefiro cães a gatos, mas gosto mais de pássaros. (3) A professora obrigou-me a ir ao quadro. (4) A caneca de que gosto mais é a azul.
A análise dos resultados foi feita em quatro categorias diferentes: (I) média de frases
erradas por cada faixa etária; (II) média de frases erradas por género de cada faixa etária; (III) média de frases erradas por cada faixa etária consoante o grau de dificuldade de cada frase; (IV) frequência da omissão das preposições nas diferentes orações.
O estudo realizado revela que a omissão das preposições “a” e “de” com os verbos “gostar”, “preferir”, “obrigar” e “proibir” se comprova efetivamente, embora apenas nas estruturas linguísticas mais complexas em que a preposição não ocupa o lugar típico relativamente ao verbo que a rege e que, por isso, envolvem um processamento mais elaborado. Para além disso, foi possível verificar qual a frequência dessa omissão. Finalmente, confirmou-se que a idade dos falantes, em termos gerais, contribui para a omissão das preposições “a” e “de” com os referidos verbos.
A nossa comunicação terá a seguinte estrutura: (1) apresentação das questões de investigação; (2) Descrição da metodologia usada no estudo; (3) descrição e análise dos resultados; e (4) algumas considerações finais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Duarte, I. (2008). “Mudam-se os tempos, muda-se a gramática”. In Brito, A. M. (org.) Gramática: história, teorias, aplicações. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 11-28. Mateus, M. H. M.; Brito, A. M.; Duarte, I.; Faria, I.H.; Frota, S.; Matos, G.; Oliveira, F.; Vigário, M.; Villalva, A. (2003). Gramática da Língua Portuguesa . 5ª edição, Lisboa: Editorial Caminho – Colecção Universitária / Série LINGUÍSTICA. Peres, J. A.; Móia, T. (1995). Áreas críticas da Língua Portuguesa; 2ª edição. Lisboa: Editorial Caminho. Valente, P. (2008). Produção de frases relativas em alunos do terceiro ciclo do ensino básico e do ensino secundário. Dissertação de Mestrado. Lisboa: FLUL. Raposo, E. B. P.; Nascimento, M. F. B.; Mota, M. A.; Segura, L.; Mendes, A. (2013). Gramática do Português, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.