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A questão da prova no planejamento tributário Fabiana Del Padre Tomé Mestre e Doutora pela PUC/SP Professora da PUC/SP e do IBET São Paulo, 01/09/2014

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A questão da prova no

planejamento tributário

Fabiana Del Padre Tomé Mestre e Doutora pela PUC/SP

Professora da PUC/SP e do IBET

São Paulo, 01/09/2014

Dever de prova por parte da Administração

Caráter vinculado da tributação

“Dever” e não mero “ônus” da prova

Presunção de legitimidade dos atos administrativos – não inverte o “ônus da prova”

Imprescindibilidade da prova – motivação do ato administrativo de lançamento tributário

A questão da prova no planejamento tributário: qual o objeto da prova?

Conceitos demasiadamente vagos:

Dolo

Fraude

Simulação

Dissimulação

Fraude à lei

Abuso do direito

Abuso da forma

Elisão fiscal: é lícita, consistindo na escolha de formas de direito mediante as quais não se dá a efetivação do fato tributário, e, consequentemente, impedindo o nascimento da relação jurídica.

Evasão fiscal: decorre de operações simuladas em que, ocorrido o fato tributário, pretende-se ocultá-lo, mascarando o negócio praticado.

Elusão fiscal: apesar de a conduta do contribuinte não ser ilícita, dá-se por forma atípica ou artificiosa para reduzir a carga tributária. (Não seria espécie de evasão?)

Dolo

Art. 145, Código Civil:

“São os negócios jurídicos anuláveis por dolo,

quando este for a sua causa.”

Fraude: simulação (Art. 167, Código Civil)

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós- datados.

Objeto da fraude: dissimulação

Art. 167 do Código Civil, caput:

“É nulo o negócio jurídico simulado, mas

subsistirá o que se dissimulou, se válido for na

substância e na forma.”

Requalificação do fato: exige prova da

simulação e do da situação dissimulada

Fraude à lei

É ato que tem por finalidade violar norma

cogente (proibitiva ou impositiva)

ou a finalidade almejada pela norma jurídica.

(???)

Abuso de direito

Art. 187, Código Civil

“Também comete ato ilícito o titular de um

direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente

os limites impostos pelo seu fim econômico ou

social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Abuso de forma

Emprego de forma negocial lícita para atingir

finalidade negocial diversa (substância).

Negócio jurídico indireto: os sujeitos elegem

uma forma negocial que permite obter resultado

equivalente ao que se obteria caso realizasse o

negócio jurídico na forma usual.

Critérios adotados:

legalidade e tipicidade X conteúdo econômico do ato

liberdade negocial X abuso de direito ou fraude à lei

licitude da operação X abuso de forma

propósito negocial X intenção de economia de tributo

VERDADE X MENTIRA

Que verdade é essa?

Podemos falar em ilícitos atípicos?

Ilícitos típicos: seriam condutas contrárias a uma regra.

Ilícitos atípicos: seriam condutas contrárias a princípios,

que fundamentam as regras.

(Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero)

Então: qualquer signo presuntivo de riqueza pode ser

tributado, pois manifesta capacidade contributiva?

Legalidade

Vedação ao emprego de analogia

O sistema jurídico brasileiro não admite interpretação

econômica do fato jurídico.

A Constituição refere-se a fatos jurídicos na repartição das

competências.

Planejamento tributário: opção negocial feita pelo

contribuinte, no campo da licitude, com fins de

redução de tributo.

Princípio da autonomia da vontade, que impera

no âmbito do direito privado.

Possibilidade de desconsideração do negócio

jurídico apenas quando praticado ato ilícito para

reduzir tributo ou garantir benefício a que não tem

direito (simulação tributária excludente ou redutiva;

simulação tributária includente).

Mas e o propósito negocial?

Propósito negocial é a finalidade última

perseguida pelas partes na realização de um

negócio jurídico.

Precisa ser provado???

Business purpose test

Existem razões de caráter econômico, comercial,

societário ou financeiro que justifiquem a operação?

Essas razões estão consubstanciadas em fidedignos

laudos, pareceres, estudos ou relatórios?

Há relevância financeira na adoção dos procedimentos,

em confronto com o resultado da economia de tributos?

É razoável o lapso temporal entre as operações

precedentes e os atos ou negócios jurídicos?

Propósito negocial: como interpretar tal exigência?

Relevância financeira, comercial ou administrativa X

intenção de economia de tributos (critério econômico)

REJEITADO

Correspondência entre a operação realizada e as provas

que sustentam essa operação: o negócio jurídico alegado

foi realmente praticado (critério jurídico)

ACOLHIDO

Caso 1

“IRPJ – “INCORPORAÇÃO ÀS AVESSAS” – MATÉRIA DE PROVA – COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados. Se a documentação acostada aos autos comprova de forma inequívoca que a declaração de vontade expressa nos atos de incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, a autoridade fiscal não está jungida aos efeitos jurídicos que os atos produziriam, mas à verdadeira repercussão econômica dos fatos subjacentes .” (CSRF/01-02.107)

Caso 2

“DESCONSIDERAÇÃO DE ATO JURÍDICO. Devidamente demonstrado nos autos que os atos negociais praticados deram-se em direção contrária a norma legal, com o intuito doloso de excluir ou modificar as características essenciais do fato gerador da obrigação tributária (art. 149 do CTN), cabível a desconsideração do suposto negócio jurídico realizado e a exigência do tributo incidente sobre a real operação.

SIMULAÇÃO/DISSIMULAÇÃO – Configura-se como simulação, o comportamento do contribuinte em que se detecta uma inadequação ou inequivalência entre a forma jurídica sob a qual o negócio se apresenta e a substância ou natureza do fato gerador efetivamente realizado, ou seja, dá-se pela discrepância entre a vontade querida pelo agente e o ato por ele praticado para exteriorização dessa vontade, ao passo que a dissimulação contém em seu bojo um disfarce, no qual se encontra escondida uma operação em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou melhor, dissimular é encobrir o que é.” (Ac. 101-94.771)

Caso 3

“IOF. ABUSO DE FORMA. Se a entidade financeira concede empréstimo, representado por Cédula de Crédito Comercial, a concessionárias de veículos, mas de fato o que houve foi financiamento para compra de veículo por pessoa física, resta caracterizado o abuso de forma com o fito de pagar menos tributo. Provado o abuso, deve o Fisco desqualificar o negócio jurídico original, exclusivamente para efeitos fiscais, requalificando-o segundo a descrição normativo-tributária pertinente à situação que foi encoberta pelo desnaturamento da função objetiva do ato.” (Ac. 202-15.765)

Caso 4

SIMULAÇÃO – SUBSTÂNCIA DOS ATOS – Não se

verifica a simulação quando os atos praticados são

lícitos e sua exteriorização revela coerência com os

institutos de direito privado adotados, assumindo o

contribuinte as conseqüências e ônus das formas

jurídicas por ele escolhidas, ainda que motivado pelo

objetivo de economia de imposto.” (Ac. 104-21729)

Caso 5 “INCORPORAÇÃO DE SOCIEDADE.

AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO NA AQUISIÇÃO DE

AÇÕES. SIMULAÇÃO. A reorganização societária,

para ser legítima, deve decorrer de atos efetivamente

existentes, e não apenas artificial e formalmente

revelados em documentação ou na escrita mercantil ou

fiscal. A caracterização dos atos como simulados, e

não reais, autoriza a glosa da amortização do ágio

contabilizado.” (Ac. 101.96.724)

Caso 6

“Comprovada a impossibilidade fática da prestação de

serviços por empresa pertencente aos mesmos

sócios, dada a inexistente estrutura operacional, resta

caracterizado o artificialismo das operações, cujo objetivo

foi reduzir a carga tributária da recorrente mediante a

tributação de relevante parcela de seu resultado pelo lucro

presumido na pretensa prestadora de serviços.”

(Ac. 101-96.432)

Acórdão nº 107-08.326

CASO KITCHENS: omissão de receitas por

pessoas jurídicas distintas que operam como

uma única empresa

Empresa 1: projetos de móveis

Empresa 2: fabricação dos móveis projetados por 1

Dados relevantes

Mesmos sócios, estrutura administrativa, vendedores e

contador (empregado em uma das empresas)

Imóvel cedido em comodato pela “Comércio” para uso

da “Decorações”

Empresa “Decorações” não possui departamento de

vendas

Mesmo nome comercial e publicidade única

Pedido feito de forma una (apesar de 2 contratos)

Faturamento distribuído entre ambas

Sem rateio de custos

Essa prova pode consistir em conjunto de

indícios?

Os indícios precisam ser necessários (indicam com

elevado grau de probabilidade de uma situação) e

homogêneos (se confirmam entre si).

Não podem ser contingentes (casuais, indicando baixo

grau de probabilidade) e heterogêneos (levando a

diversas conclusões possíveis).

Indícios e presunções: que são?

Indício: vestígio, sinal - ponto de partida para se

estabelecer uma presunção

fato comprovado, suscetível de levar-nos,

por via de inferência, ao conhecimento de outros fatos

desconhecidos.

Presunção: inferência; operação lógica em que se

conclui um fato a parte de outro.

Espécies

Presunções legais – absolutas (juri et juri)

mistas

relativas (juris tantum)

Presunções simples (hominis)

PAF – PROVA INDICIÁRIA – A prova indiciária é

meio idôneo para referendar uma atuação, quando a sua

formação está apoiada num encadeamento lógico de fatos

e indícios convergentes que levam ao convencimento do

julgador.

NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO – Os

elementos probatórios indicam, com firmeza, que as

pessoas jurídicas, embora formalmente constituídas como

distintas, formam uma única empresa que atende,

plenamente, o cliente que a procura em busca do produto

por ela notoriamente fabricado e comercializado. (...)

“Caso Kitchens” – Ac. 107-08.326

“(...) a presunção simples, na qualidade de prova indireta,

é meio idôneo para referendar uma atuação, desde que ela

resulte da soma de indícios convergentes, o que é

muito diferente de uma autuação lastreada apenas no

primeiro elemento colhido pelo Fisco. Se os fatos

relatados pelo fisco forem convergentes, vale dizer, se

todos levarem ao mesmo ponto, e convencerem o

julgador, a prova estará feita.” (Destacamos)

Segregação de pessoas jurídicas – requisitos

para sua sustentabilidade no ordenamento

Prova da autonomia operacional (depende de cada caso

concreto)

Necessário compartilhamento de custos/rateio de

despesas

Irrelevância de serem constituídas pelos mesmos sócios

O que seria considerado como ilícito tributário

(simulação, abuso do exercício do direito, fraude

etc.) para efeito de requalificar o fato para

apuração de tributo?

• É imprescindível que se comprove ter ocorrido atitude

ilícita, praticada dolosamente.

• Necessário demonstrar que o negócio jurídico

formalmente alegado diverge daquele que as partes

realmente praticaram.