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    A questo da instrumentalidade do Servio Social

    Professora Dra. Odria BattiniTexto de apoio para discusses na disciplina deMetodologia de Servio Social-2001

    Na histria do servio social no Brasil, especialmente

    no ps reconceituao, os assistentes sociais negaram o

    instrumental na profisso porque, equivocadamente,

    entendiam que representava o pragmatismo herdado pela

    influncia norte americana.

    O que interessava era interpretar o mundo o que era

    possvel pela referncia terica de leitura da realidade.

    Portanto a necessria unidade teoria/prtica, que dsustentao transformao, fora desconsiderada em suas

    dimenses terico-metodolgica, deo-poltica e tcnico-

    operativo. Resultando assim, na nfase da teoria, no mtodo

    e na histria distanciados da prtica (que implica mais

    diretamente o instrumental) e, portanto, daquilo que secoloca como a excelncia do servio social: o saber/fazer.

    Na atualidade, os assistentes sociais retomam a questo

    da instrumentalidade j avanando na anlise e apreendendo

    a noo de que a teoria no muda o mundo e que o

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    instrumental a ferramenta que a prxis contempla

    implicando, na consolidao do trip da dimensoprofissional: teoria-metodologia, tica-poltica e tcnico-

    operativo.

    O instrumental utilizado pelo assistente social em seu

    trabalho, no pode ser visto, analisado e aplicado

    isoladamente, mas, organicamente articulado ao projetotico-poltico da profisso (indicao tica que adquire

    efetividade histrico-concreta quando se tem uma direo

    poltico-profissional e que no se limitam a normatizaes

    morais, mais envolvem escolhas tericas, ideolgicas e

    polticas dos profissionais) fazendo parte de um conjuntomaior da profisso e de uma determinada concepo de

    servio social.

    A dimenso tica da profisso est fundada na liberdade

    concebida historicamente como possibilidades de escolhas

    dentre alternativas concretas, evidenciando compromisso

    com a autonomia, a emancipao e a plena expanso dos

    indivduos sociais. Esta perspectiva tica vincula o Servio

    Social a um projeto societrio que prope a construo de

    uma nova ordem social sem dominao e/ou explorao de

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    classe, etnia e gnero. A partir das escolhas que o fundam,

    tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitoshumanos e a recusa do arbtrio e dos preconceitos,

    contemplando positivamente o pluralismo com hegemonia

    do trabalho.

    Em sua dimenso poltica, o projeto se posiciona pela

    socializao da participao, pela universalizao tanto doacesso aos bens e servios relativos aos programas e

    polticas sociais quanto da riqueza socialmente produzida.

    Do ponto de vista estritamente profissional, o projeto implica

    no compromisso com a competncia tcnica, terica e

    poltica que tem como base o aprimoramento intelectual doassistente social que se configura:

    Pela assuno de atitude investigativa na prtica

    cotidiana, como expresso do inconformismo e da

    indignao permanente, promovendo crtica reiterada

    realidade pelo profissional impulsionando-o para a

    criao de novas explicaes, indo alm do limite dado;

    Pela prioridade de uma nova relao com os usurios

    dos servios prestados pelo assistente social, por meio

    dos quais o profissional pina as singularidades dos

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    sujeitos com os quais trabalha e, reconstruindo as

    relaes, constri as particularidades na direo datransformao social;

    Pelo compromisso com a qualidade dos servios

    prestados populao;

    Pela publicizao dos recursos institucionais, como

    condio de democratizao e universalizao;Pela participao efetiva dos usurios no processo de

    formulao da deciso poltica e no controle dos

    servios, programas e atividades realizadas em espaos

    pblicos e privados;

    Pela articulao e partilha de propostas e aes comsegmentos de outras categorias profissionais e de

    movimentos sociais que se solidarizam com as lutas

    gerais dos trabalhadores (BARROCO, 1995).

    Como operar o projeto profissional assim configurado

    com a competncia terico-prtica? A resposta est na

    necessria formulao de metodologia de trabalho que

    implica em trs dimenses:

    a)Dimenso terico-metodolgica substanciada:

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    - por uma teoria social de leitura e de explicao do

    real que tem impressa a dimenso tico-ideolgica.O projeto tico-poltico da profisso do servio

    social que se pe em defesa das lutas gerais dos

    trabalhadores sustenta-se na teoria crtica;

    - Por teorias intermdias ou teorias da ao que

    explicam e elucidam a ao humana (Teoria doCotidiano de Agnes Heller, Teoria do Poder de M.

    Foucault, Teoria do Interacionismo Simblico de

    Habermas, Teoria da Complexidade Social de E.

    Morin, Teoria da Comunicao Humana de A.

    Touraine, etc), numa unidade teoria-prtica de cujomovimento dialtico resulta a reconstruo de

    categorias terico-metodolgicas na

    particularidade dos objetos de interveno

    profissional dos assistentes sociais (BATTINI,

    1998);

    b)Dimenso ideo-poltica que considera a prtica social

    com suas determinaes histricas que se revelam e

    contaminam instituies (famlias, profisses,

    entidades, movimentos) nas suas dimenses produtiva,

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    investigativa e social/poltica. Na prtica social inclui-

    se a prtica profissional como dimenso daquela, comsuas peculiaridades, incluindo igualmente a prtica

    interdisciplinar com a interpenetrao de mtodos e

    contedos, desenhando a unidade na diversidade;

    c)Dimenso tcnico-operativa constituda pelas teorias,

    metodologias, instrumentos e tcnicas enquantoestratgias, tticas, ferramentas e habilidades para

    realizar a ao. A ao se desenvolve por aproximaes

    sucessivas, pela construo/desconstruo/reconstruo

    dos objetos, promovendo sntese/totalizao/difuso do

    fazer, contribuindo para a reproduo social dasrelaes sociais na direo da liberdade e da justia

    social. A exigncia que se coloca a da construo de

    metodologia de trabalho como esteira da interveno

    profissional do assistente social. No entanto, h que se

    tomar cuidado com o metodologismo e com o

    instrumentalismo, tendncias empobrecedoras da

    profisso (GUERRA, 2000).

    A criao de metodologia de trabalho fundada naquelas

    dimenses, portanto, superando o sendo comum, requer o

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    respeito ao movimento social e as particularidades dos

    sujeitos que o alavancam na direo de finalidadesespecficas. Para isso, a metodologia implica em ao

    realizada por aproximaes sucessivas encerrando uma

    processualidade que promove:

    A descoberta das leis que regem e modificam os

    fenmenos no processo de sua constituio permanente;Reflexes e percepo da transio de uma forma para

    outra, evidenciando os fatos que lhe servem de apoio e

    de ponto de partida;

    A negao do fenmeno que a primeira vista se nos

    apresenta catico, mas, situado e produto de uma ordemdada, nela mesma torna-se, pelo processo das relaes,

    condio da sua prpria negao;

    o movimento da compreenso ingnua para a

    particularidade do fenmeno, fazendo vigir um novo

    significado, com nova determinao em um patamar

    superior de conhecimento e de socialidade.

    assim que o conhecimento e a prtica avanam numa

    dimenso transformadora. Um dos componentes essenciais a

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    serem considerados no processo de interveno, tendo em

    vista a sua operacionalizao o instrumental tcnicooperativo. O instrumental tcnico operativo definido,

    escolhido, selecionado a partir de finalidades, pois so destas

    que determinam o modo de atuar e a escolha por alternativas.

    O instrumental, como conjunto articulado de

    instrumentos e tcnicas substancia a operacionalizao daao e concebido como estratgia por meio da qual ela se

    efetiva. uma instncia de passagem que permite que se

    realize a trajetria que vai da concepo da ao sua

    operacionalizao (MARTINELLI E KOUMROUYAN,

    1994). Como categoria relacional, expressa o eixooperacional das profisses abrangendo o campo das tcnicas,

    das habilidades e dos conhecimentos. Como mediao pela

    qual se opera a correo dos meios e a coerncia e

    legitimidade dos fins, o instrumental uma categoria que se

    constri permanentemente a partir das finalidades da ao

    que se quer realizar e dos determinantes polticos, sociais, e

    institucionais a ela referidos. O uso do instrumental assim

    potencia a ao humana elevando a profisso em sua

    competncia tcnico-poltica.

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    H instrumentais de carter quantitativo e qualitativo.

    Os quantitativos so aqueles que garantem oacompanhamento de programas, a mensurao dos

    resultados obtidos e a relao custo/benefcio, valorizando a

    eficincia, a eficcia e a efetividades das aes e objetivos,

    respondendo mais prontamente s exigncias tcnico-

    burocrticas (MARTINELLI e KOUMROUYAN, 1994).Geralmente so construdos pelas instncias superiores

    institucionais sem a participao efetiva da sociedade.

    Prendem-se a padronizao dos dados e informaes

    solicitadas, ao rigor administrativo e formal do aparato

    institucional. Dentre eles encontram-se: mapas, rotinas,convnios, regulamentos, planejamento estratgico,

    processos informativos, relatrios quantitativos,

    memorandos, cartas, grficos, tabelas estatsticas e outros.

    Ressalta-se a importncia dos instrumentais

    quantitativos, resta saber utiliza-los sob a tica qualitativa

    fazendo deles fluxos para construo de novos sentidos.

    Cabe ao assistente social extrair dos dados e informes neles

    contidos, elementos substantivos para a sua prtica,

    decorrentes das interpretaes a eles atribudas pelo

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    profissional, H, portanto, no instrumental quantitativo um

    espao de criatividade e descoberta que substancia umaprtica coletiva, pois dados torturados confessam

    (JANUZZI, 2001.

    Os instrumentais qualitativos direcionam-se mais

    intensamente para o processo e para o produto das prticas

    profissionais e sociais. Nesse sentido, acompanham osprocessos inovadores engendrados na dinmica societria,

    estando em permanente construo coletiva. Essa construo

    se objetiva atravs de indicadores que se constituem em

    referncias que permitem acompanhar a evoluo da

    qualidade de vida e o desempenho das aes e atividades,produzindo informaes para sua avaliao. Essas

    informaes so expressas na forma de indicadores e ndices

    que so nmeros que procuram descrever um determinado

    ngulo da realidade ou a relao entre seus diversos

    aspectos. Ex: taxa de mortalidade em menores de 05 anos

    considerada pelo UNICEF como o mais importante

    indicador da situao da infncia em um pas, refletindo

    significativamente as condies sociais de uma dada

    realidade; PIB; ndices de analfabetismo, ndices de

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    evaso/reprovao escolar/anos de permanncia na escola,

    IDH (ndice de Desenvolvimento Humano. (IEE-PUCSP,1998).

    Dentre os instrumentais qualitativos encontram-se:

    planejamento estratgico participativo, oramento

    participativo, plebiscito, fruns, pesquisa-ao, observao

    participante, aparatos tecnolgicos especialmente internet,seminrios, encontros, referendo, iniciativa popular,

    audincia pblica, ao civil pblica, conferncia, conselho

    de representantes, mandado de segurana coletivo, parecer

    social, dirio de campo, assessoria, superviso acadmica,

    superviso tcnica, meios de comunicaoformais/informais/orais/escritos, contatos, reunies, visitas e

    outros.

    Associado aos instrumentais, h que se lanar mo do

    acervo de tcnicas que referendam a habilidade no uso do

    instrumental. Dentre elas encontram-se: de entrevistas, de

    apoio, anlise institucional, anlise de contedo, relato, da

    escuta, etc.

    Na escolha e na aplicao dos instrumentais tcnico-

    operativos, fundamental resgatar, no exerccio profissional,

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    a dimenso emancipatria, razo substantiva do servio

    social capaz de preservar as conquistas histrico-sociais dossujeitos e os valores socicntricos (GUERRA, 2000),

    superando a razo instrumental e o reducionismo tecnicista.

    um dos desafios que se colocam presentes no permanente

    processo de inovao do servio social.

    BIBLIOGRAFIA

    BARROCO, M.L.S. O novo cdigo de tica do assistente

    social. Servio Social e Sociedade n 41, ano XIV. Cortez:

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    BARROCO, M.L.S. A moralizao da questo social e o

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    Salvador, Bahia, 1995.

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