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A quem procuras? O anseio profundo para “viver em comunhão com Deus” encontra-se ligado à necessidade de todo ser humano, por natureza e vocação, “porque provém de Deus e para Ele caminha, o homem só vive uma vida plenamente humana se viver livremente a sua relação com Deus”. (CIC 44) É quase inevitável na sociedade atual, dominada pelo ego, o homem esquecer, ignorar e até rejeitar explicitamente essa “união íntima e vital com Deus” (GS 19,1); e isso traz a sensação de que estamos sempre em busca de algo. As pressões sociais e econômicas que nos cercam por todos os lados levam-nos a confundir o que queremos com o que de fato necessitamos. As medidas usadas pela cultura para medir sucesso fazem-nos querer mais dinheiro, mais propriedades, mais poder, mais sucesso... com isso, o inconsciente coletivo ressona com o ritmo da publicidade do consumismo. A mídia nos encoraja a ter os mesmos pensamentos e opiniões. A produção em massa estimula-nos a restringir nossa faixa de gostos, enquanto a publicidade de massa faz o que pode para promover o que são esses gostos limitados; é a cultura da moda. As pessoas estão “presas” em um banco de informações virtual, conectadas em redes sociais, salas de bate-papo e meios de comunicações que as conectam a um mundo de transferências de dados e as desconectam do real. O mundo e as pessoas passaram a ouvir, sentir, tocar e ver simplesmente por uma “tela”, onde eles não sabem sequer o que desejam, perdendo assim a liberdade e assumindo os valores e referências características da pós-modernidade: mudanças rápidas de conhecimentos pelo questionamento de valores, pelo fenômeno da globalização, pela confiança nos sistemas abstratos, pela obsolescência e descartabilidade de objetos, pessoas e relações, certo menosprezo pelo valor da vida. Fazemos parte de uma cultura que valoriza o consumo desenfreado de bens e até de relações, e que a exigência da perfeição do corpo humano, a beleza e a juventude, é valorizada como modelo de saúde, tornando o homem incapaz de lidar com a dor e sofrimento, com o envelhecimento e finitude. Para Viktor Frankl, “O típico paciente dos dias de hoje sofre... de uma abismal sensação de ausência de sentido. Dessa crise emergem os sintomas de tristeza, irritabilidade e melancolia. A tendência à depressão tem sido cada vez maior. Ouso dizer que nada no mundo contribui tão efetivamente para a sobrevivência, mesmo nas piores condições, como saber que a vida da gente tem um sentido”. Assim o homem contemporâneo vive a angustia de uma existência que já não tem sentido, que a nada conduz, levando-o a um extremo vazio! “O vazio existencial manifesta-se principalmente num estado de tédio, causando uma sensação de aborrecimento ou cansaço, muitas vezes sem causas objetivas claras”. (Viktor Frankl) A única possiblidade para continuar a “viver” é por meio dos “refúgios ou compensações”. Quando se sentem vazias, as pessoas podem ir buscar alívio numa discoteca, no consumo de álcool e de drogas, na busca de prazer desenfreado, enchendo o tempo com atividades constantes para substituir o silêncio: “esquecer, não querer mais pensar”. Além disso, deixam-se levar pelos acontecimentos sem saber o porquê, vivendo a inocência do animal, a fim de se libertarem do peso de um empenho consciente. Mas é improvável que esse tipo de reação satisfaça a necessidade do sentido, a integridade pessoal e necessidades em nível mais profundo.

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A quem procuras?

O anseio profundo para “viver em comunhão com Deus” encontra-se ligado à necessidade de

todo ser humano, por natureza e vocação, “porque provém de Deus e para Ele caminha, o homem só

vive uma vida plenamente humana se viver livremente a sua relação com Deus”. (CIC 44)

É quase inevitável na sociedade atual, dominada pelo ego, o homem esquecer, ignorar e até

rejeitar explicitamente essa “união íntima e vital com Deus” (GS 19,1); e isso traz a sensação de que

estamos sempre em busca de algo.

As pressões sociais e econômicas que nos cercam por todos os lados levam-nos a confundir o

que queremos com o que de fato necessitamos. As medidas usadas pela cultura para medir sucesso

fazem-nos querer mais dinheiro, mais propriedades, mais poder, mais sucesso... com isso, o

inconsciente coletivo ressona com o ritmo da publicidade do consumismo. A mídia nos encoraja a ter

os mesmos pensamentos e opiniões. A produção em massa estimula-nos a restringir nossa faixa de

gostos, enquanto a publicidade de massa faz o que pode para promover o que são esses gostos

limitados; é a cultura da moda.

As pessoas estão “presas” em um banco de informações virtual, conectadas em redes sociais,

salas de bate-papo e meios de comunicações que as conectam a um mundo de transferências de

dados e as desconectam do real. O mundo e as pessoas passaram a ouvir, sentir, tocar e ver

simplesmente por uma “tela”, onde eles não sabem sequer o que desejam, perdendo assim a

liberdade e assumindo os valores e referências características da pós-modernidade: mudanças rápidas

de conhecimentos pelo questionamento de valores, pelo fenômeno da globalização, pela confiança

nos sistemas abstratos, pela obsolescência e descartabilidade de objetos, pessoas e relações, certo

menosprezo pelo valor da vida. Fazemos parte de uma cultura que valoriza o consumo desenfreado

de bens e até de relações, e que a exigência da perfeição do corpo humano, a beleza e a juventude, é

valorizada como modelo de saúde, tornando o homem incapaz de lidar com a dor e sofrimento, com

o envelhecimento e finitude.

Para Viktor Frankl, “O típico paciente dos dias de hoje sofre... de uma abismal sensação de

ausência de sentido. Dessa crise emergem os sintomas de tristeza, irritabilidade e melancolia. A

tendência à depressão tem sido cada vez maior. Ouso dizer que nada no mundo contribui tão

efetivamente para a sobrevivência, mesmo nas piores condições, como saber que a vida da gente tem

um sentido”.

Assim o homem contemporâneo vive a angustia de uma existência que já não tem sentido,

que a nada conduz, levando-o a um extremo vazio! “O vazio existencial manifesta-se principalmente

num estado de tédio, causando uma sensação de aborrecimento ou cansaço, muitas vezes sem causas

objetivas claras”. (Viktor Frankl)

A única possiblidade para continuar a “viver” é por meio dos “refúgios ou compensações”.

Quando se sentem vazias, as pessoas podem ir buscar alívio numa discoteca, no consumo de álcool e

de drogas, na busca de prazer desenfreado, enchendo o tempo com atividades constantes para

substituir o silêncio: “esquecer, não querer mais pensar”. Além disso, deixam-se levar pelos

acontecimentos sem saber o porquê, vivendo a inocência do animal, a fim de se libertarem do peso

de um empenho consciente. Mas é improvável que esse tipo de reação satisfaça a necessidade do

sentido, a integridade pessoal e necessidades em nível mais profundo.

É verdade: nossa vida é uma procura de Deus, é vontade irresistível de tender para Ele. A

procura de Deus torna-se o conteúdo mais verdadeiro da vida humana; porém o homem desconhece

essa realidade. Para algumas pessoas, essa procura é vivida naturalmente, com mais ou menos

fidelidade, com maior ou menor empenho, mas sempre com um desejo vivo e indelével. A própria

ansiedade do homem que procura a Deus já é uma prova secreta da ação de Deus. Se o homem

procura a Deus é porque Deus primeiro procurou o homem, veio a seu encontro, solicitou-o, fez-se

conhecer e agora, continuamente, lhe fala e o atrai a si.

Deus, que assumindo a humanidade, fez-se companheiro do homem. Não foi o suficiente para

revelar-se na criação. Ele fez-se presente no Cristo e hoje entra em comunhão com o homem através

da Igreja, por meio dos sacramentos, da liturgia, da tradição e doutrina.

A vida cristã não é simplesmente o cumprimento de uma lei, obediência de uma moral nobre

e pura; é acontecimento de um encontro com Deus, a união com Ele. Essa experiência religiosa

possibilita “A Mística”, um caminho que não é exclusivo de pessoas com talentos religiosos especiais.

A Mística Cristã é a experiência do homem com Deus, que nos conduz. É todo o processo da conversão

ao longo da vida, que consiste no libertar-se de todo egoísmo, a vontade ferida pelo “pecado” e fazer

crescer em si a Vida de Deus, no seguimento de Jesus Cristo, pelo Espirito Santo, para vivermos

profundamente conscientes, respondendo aos desafios e responsabilidades, dando rumo e forma a

essa “boa nova”.

Não existe oposição entre a experiência interior e essa presença objetiva de Deus que no

Cristo se fez homem. Por isso a experiência mística do cristão não se opõe, mas ao contrário, encontra

a fonte de sua força na pertença dele à Igreja que, de certo modo, prolonga no tempo o Mistério da

Encarnação do Verbo e faz presente a Paixão Redentora de Cristo, na participação da liturgia. Na

liturgia, o ato do homem não substitui o ato de Deus, senão o ato de Deus se faz presente no ato do

homem. Este caráter objetivo da experiência mística é a originalidade e a grandeza da mística cristã.

Contudo, diz Evágrio Pôntico, do século IV: “Queres reconhecer a Deus, aprende a conhecer a

ti mesmo”. Ele estava convencido de que não há um encontro verdadeiro com Deus sem um encontro

sincero consigo mesmo. No monaquismo antigo, os monges viram e viveram essa integração entre

maturidade humana e espiritual: quanto mais aprendo a me conhecer, mais sinto que existe em mim

um profundo anseio por Deus, anseio esse que quer ser satisfeito. Carl G. Jung tem a certeza de que

a cura só se realiza por completo quando o homem volta a ter contato com o “espaço divino” nele

existente.

Quem experimenta esse amor ardente, de encontrar o Cristo, pode alcançar a verdade. Por

isso afirmou Davi: “Minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de ver

a face de Deus? (Sl 41,3) ou como se pode ler no Cântico dos Cânticos: “Estou ferida de amor” (Ct 5,8).

Santo Agostinho nos fala que “as Palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo nos advertem que, em

meio à multiplicidade das ocupações deste mundo, devemos aspirar a um único fim. Aspiramos porque

estamos a caminho e não em morada permanente; ainda em viagem e não na pátria definitiva; ainda

no tempo do desejo e não na posse plena. Mas devemos aspirar, sem preguiça e sem desânimo, a fim

de podermos um dia chegar ao fim. ”

Ir. Eduardo, OSB