a propósito dos meios e de seus efeitos

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A propósito dos Meios e de seus Efeitos 1 Elihu KATZ Tradução: prof. L. C. Martino. março de 2000 A pesquisa empírica sobre as comunicações de massa tradicionalmente se dividem em três domínios: estudo de públicos, estudo de conteúdo, estudos de efeitos. Esta divisão valoriza de fato os estudos de efeitos. Certamente, a pesquisa sobre os públicos ou sobre os conteúdos partem da retórica da mensagem ou da dimensão do público atingido, mas ela desemboca igualmente sobre o problema dos efeitos. Há uma tendência à atribuir às comunicações de massa efeitos bem mais vastos que aqueles que atestam as pesquisas empíricas. Estas últimas estão longe de confirmar ou de justificar uma imagem corrente: os meios de comunicação seriam capazes de transformar radicalmente suas vastas audiências. De fato as pesquisas empíricas provam somente isto: os meios de comunicação podem ser poderosos, mas sob certas condições (efeitos “indiretos”), sobre certos segmentos do público (efeitos “limitados”). Seu poder provém menos da conversão que do reforçamento ou da ativação, o que está longe de ser neglicenciável. Influenciar ainda que seja 1 % dos eleitores, fumantes ou consumidores, não é pouco. Teoria dos Efeitos Limitados, Indiretos 1) Num primeiro tempo, as pesquisas empíricas visavam medir a eficiência das “campanhas” conduzidas pelos meios de comunicação. Supunha-se que estas campanhas podiam guiar os indivíduos atomizados da sociedade de massa; dizer a eles o que pensar, o que escolher ou o que fazer. Se tratava, por exemplo, da eleição de um 1 Traduzido de “A propos des médias et de leurs effets”, in SFEZ, L. (org.) – Technologies et Symboliques de la Communication. Colloque de Ceresy, 1988. Press Universitaire de Grenoble, 1990, pp. 275-28.

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Katz, Elihu. A Propósito dos Meios e de seus Efeitos

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  • A propsito dos Meios e de seus Efeitos 1

    Elihu KATZ

    Traduo: prof. L. C. Martino. maro de 2000

    A pesquisa emprica sobre as comunicaes de massa tradicionalmente se

    dividem em trs domnios: estudo de pblicos, estudo de contedo, estudos de efeitos.

    Esta diviso valoriza de fato os estudos de efeitos. Certamente, a pesquisa sobre os

    pblicos ou sobre os contedos partem da retrica da mensagem ou da dimenso do

    pblico atingido, mas ela desemboca igualmente sobre o problema dos efeitos.

    H uma tendncia atribuir s comunicaes de massa efeitos bem mais vastos

    que aqueles que atestam as pesquisas empricas. Estas ltimas esto longe de confirmar

    ou de justificar uma imagem corrente: os meios de comunicao seriam capazes de

    transformar radicalmente suas vastas audincias. De fato as pesquisas empricas provam

    somente isto: os meios de comunicao podem ser poderosos, mas sob certas condies

    (efeitos indiretos), sobre certos segmentos do pblico (efeitos limitados). Seu poder

    provm menos da converso que do reforamento ou da ativao, o que est longe de

    ser neglicencivel. Influenciar ainda que seja 1 % dos eleitores, fumantes ou

    consumidores, no pouco.

    Teoria dos Efeitos Limitados, Indiretos

    1) Num primeiro tempo, as pesquisas empricas visavam medir a eficincia das

    campanhas conduzidas pelos meios de comunicao. Supunha-se que estas

    campanhas podiam guiar os indivduos atomizados da sociedade de massa; dizer a eles

    o que pensar, o que escolher ou o que fazer. Se tratava, por exemplo, da eleio de um

    1 Traduzido de A propos des mdias et de leurs effets, in SFEZ, L. (org.) Technologies et Symboliques de la Communication. Colloque de Ceresy, 1988. Press Universitaire de Grenoble, 1990, pp. 275-28.

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    candidato a uma funo poltica, da adaptao de um produto, do encorajamento de uma

    dada atitude diante de uma causa (a tolerncia, as Naes Unidas) ou de um inimigo em

    tempo de guerra. Este tipo de eficincia deveria se revelar difcil de demonstrar. Era

    preciso ento elaborar modelos mais refinados do processo de influncia. O poder dos

    meios de comunicao devia levar em conta a retrica das mensagens (HOVLAND et alii;

    LAZARSFELD). Ele podia se chocar contra a atitude defensiva, seletiva dos pblicos no

    nvel da recepo, da percepo e da memorizao das mensagens (KLAPPER). Era

    preciso, igualmente, levar em conta as redes de relaes interpessoais e de seu poder de

    estabilizao em relao aos tipos de opinio e de atitudes (KATZ).

    A ateno dirigida a todos estes elementos conduzia a uma evidncia. A influncia

    dos meios de comunicao no podia ser total (seletiva), ela no podia ser direta (era

    preciso levar em conta as intermediaes), ela no podia ser imediata (o processo de

    influncia demanda tempo). Com a noo de seletividade e aquela de rede de relaes

    interpessoais, a psicologia social entrava em cena. Entre as pesquisas recentes, algumas

    demonstram que estas diversas variveis podem ser manipuladas para intensificar o

    impacto de uma campanha meditica (BALL-ROKACH et alii: MENDELSOHN; PAISLEAY et

    RICE). Outros continuaram a ignor-los e se mantm ao modelo dos efeitos diretos

    (SEARLE et FREEDMAN, GITLIN).

    Mas o problema no era somente restringir as ambies fixadas e de se limitar

    aos efeitos limitados e indiretos. Era o caso tambm de se rever o conceito de efeito.

    Este conceito perdeu prematuramente sua amplitude at no dizer respeito seno ao

    sucesso de mensagens persuasivas visando as opinies de indivduos em espaos de

    tempo muito breves. De modo evidente, as pesquisas haviam privilegiado a mensagem

    mais que o meio, a vontade de influncia mais que a circulao da informao ou o papel

    da ideologia, os alvos individuais mais que grupos ou instituies sociais, mais os efeitos

    imediatos que os efeitos a longo termo.

    Pode-se ler ento a histria ulterior desse campo de estudos como sendo uma

    srie de exploraes visando a disponibilizar alternativas conceituais a este conjunto de

    opes (no horizonte destas exploraes, a esperana de descobrir enfim alguns efeitos

    de grandes propores). Entretanto, notemos que, para J. CAREY e alguns outros, a

    obstinao de privilegiar o tema dos efeitos estreitamente definido teve uma influncia

    desastrosa para o conjunto da disciplina.

    Entre as tentativas de reconceitualizao, duas tradies partem (se inscrevendo

    contra elas) das primcias dos estudos sobre a influncia das campanhas. Trata-se de

    estudos de difuso e da escola de usos e gratificaes.

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    2) A pesquisa sobre as gratificaes parte da noo de seletividade. Mas a

    seletividade em questo no se encontra mais ligada a uma atitude defensiva, ancorada

    nas opinies e nos hbitos anteriores. Ela se transforma em uma seletividade prospectiva

    tendo em conta as necessidade e as aspiraes [dos receptores]. Os meios de

    comunicao aparecem ento como servios pblicos, dos quais o pblico faz um uso

    seletivo. Os trabalhos que inauguram esta tradio (CANTRIL; LAZARSFELD e STANTON,

    1942, 1944) coincidem com os primeiros estudos de campanhas. A considerao do real

    poder do pblico lhe confere uma posio cada vez mais central. Se o modelo que serve

    de base para os estudos de campanhas aquele de uma alimentao forada, ns

    passamos aqui para a metfora da lanchonete, ou, para retomar a expresso de Ann

    SWIDLER, passamos para aquela da caixa de ferramentas. Metodologicamente, os

    estudos de campanhas partem de enqutes de campo e de pr-sondagens/sondagens de

    amostras representativas. Os estudos de usos e gratificaes recorrem a entrevistas

    retrospectivas; eles supem um elevado grau de reflexividade da parte do pblico.

    Enraizados numa perspectiva funcional, eles insistem ao longo de perodos sucessivos

    de intensa atividade (ver ROSENGREN e alii) sobre o fato que a implicao, ou o papel,

    ou a natureza da dependncia dos utilizadores definem os usos que sero feito dos

    meios de comunicao, as gratificaes que da advm, e, finalmente, seus efeitos.

    3) Partindo no mais de uma noo de seletividade cognitiva, mas da existncia

    de redes de relaes interpessoais, as pesquisas sobre a difuso se esforam em

    mostrar o modo que estas redes filtram as mensagens recebidas pelos meios de

    comunicao e influenciam a interpretao e a avaliao que temos deles. Os estudos

    sobre a difuso das modas e dos novos produtos, aqueles de ROGERS sobre a tecnologia

    mostram assim como os meios de comunicao provocam a propsito de uma dada

    inovao uma tomada de conscincia que em si mesma no suficiente para acarretar

    a adoo desta inovao, mas que leva os indivduos em jogo a se voltarem na direo

    de outras fontes de influncia.

    Ento, ns passamos destes indivduos aos grupos de interao restrita, da qual

    eles fazem parte. Desse modo, tenta-se levar em conta certas caractersticas da

    sociedade em questo (estratificao, centralizao). Os estudos de difuso tiveram o

    mrito de restabelecer o elo entre a pesquisa em comunicao de massa e os estudos de

    disciplinas mais tradicionais: antropologia, arqueologia, histria das religies,

    epidemologia, etc.

    Se os estudos de campanhas tm como objeto o problema de saber se os meios

    de comunicao dizem o que pensar, em revanche, os estudos de difuso sugerem que

    os meios de comunicao dizem quando pensar (quando a vez de adotar uma

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    inovao, por exemplo). Quanto escola das gratificaes, ela sustenta que os meios de

    comunicao oferecem um leque de fontes, permitindo assim de escolher aquilo que

    servira para pensar.

    * * *

    Mas o acento colocado sobre a seletividade e sobre as relaes interpessoais

    levam a duas outras tradies de pesquisa. Trata-se dos estudos sobre as disparidades

    de saber (Knowledge Gap) e dos estudos de socializao.

    4) Os estudos sobre o Knowledge Gap tendem a sublinhar que o efeito dos

    meios de comunicao no eliminar disparidades de saber entre as classes sociais

    (TCHENOR et alii, 1970), mas antes acentuar e perpetu-las. Os pesquisadores

    escandinavos so particularmente sensveis ao papel desempenhado pelas disparidades

    de saber na reproduo das desigualdades (SAUERBERG, 1986; NOWAK, 1977) e existem

    trabalhos sobre os fatores susceptveis de eliminar as disparidades deste tipo. O

    problema aqui colocado seria aquele de saber quem deveria pensar.

    5) Os estudos de socializao tm como objeto os problemas relativos ao que

    acreditar? e do como se comportar? Entretanto eles tm como objeto os efeitos de longo

    prazo e levam em conta a interao entre os meios de comunicao e outros agentes de

    socializao (parentes, professores, membros de uma classe de idade...). Uma criana

    que assiste televiso pode tirar muito mais conhecimentos se ele faz isso num certo

    contexto familiar, por exemplo, em companhia de um de seus pais (SALOMON, 1979).

    Contudo, muitos pesquisadores sustentam que o papel primordial desempenhado pelos

    meios de comunicao na experincia infantil justifica que se possa falar aqui de efeitos

    diretos. Avana-se, por exemplo, que a violncia em que se banha o regime televisual

    cotidiano aumenta a provvel freqncia, a curto e a longo termo, de comportamentos

    agressivos. Partindo de distines entre real e fico, entre violncia gratuita e

    violncia justificada (espetculos de boxe, resposta agresses), os melhores estudos

    recentes sobre as conseqncias da representao da violncia nos meios de

    comunicao so muito mais nuanadas: eles chegam a concluso da existncia de um

    poder de incitao, real mas fraco, contrabalanado pelo desejo de aprovao social

    (COMSTOCK e alii, 1978; PHILLIPS, 1986; HEAROLD, 1986).

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    Teoria dos Efeitos Diretos

    At aqui no foram tratadas seno aquelas tradies de pesquisa que de bom

    grado ou a contragosto so classificadas como pertencentes a um modelo no qual os

    efeitos dos meios de comunicao so vistos como limitados e indiretos.

    H outros, mais ambiciosos, que mantm a hiptese de efeitos diretos. So os

    estudos de agenda setting; os estudos sobre a tecnologia dos meios de comunicao; os

    estudos sobre o papel da ideologia.

    1) Os estudos de agenda setting sustentam que os meios de comunicao nos

    dizem no aquilo que precisamos pensar, mas no que precisamos pensar. Seu papel

    impor um ritmo e de propor objetos ateno coletiva. Uma temtica como esta

    sustentam os trabalhos sobre a atribuio de status (status conferral, LAZARSFELD e

    YOUNG), os meios-acontecimentos (DAYAN e KATZ). Ns a encontramos tambm na tese

    que v os meios de comunicao em seu conjunto, e no somente as novidades, como o

    frum ou o quadro de avisos onde se colocam e se debatem os problemas de uma

    sociedade (NEWCOMB e HIRSCH).

    A agenda setting influencia tambm os processos de deciso. A avaliao de um

    candidato a uma eleio poder depender tambm da natureza da agenda adotada. Tal

    candidato ser favorizado se os problemas colocados em primeiro lugar concernem

    poltica interna; e, ao contrrio, ser desfavorizado se os assuntos de negcios

    estrangeiros, passam para o primeiro plano (IYENGAR e KINDER, 1982). Assim como os

    estudos de difuso, as pesquisas em agenda setting devem introduzir uma dimenso

    temporal para levar em conta os lapsos de tempo de harmonizao das respectivas

    agendas dos meios de comunicao, dos partidos polticos e do pblico...

    Que os meios de comunicao desempenham o papel de mestre de cerimnias

    isto entretanto no impede a seletividade e as redes de relaes de desempenhar um

    papel mediador. Dessa forma, mostrou-se que as agendas propostas pelos meios de

    comunicao tinham muito mais chance de serem adotadas pelos indivduos em busca

    de orientao (MCLEOD e alii, 1974), e quando elas tratavam os problemas sem alcance

    direto sobre a vida do pblico em questo (EYAL). Ento, talvez fosse apropriado

    sublinhar que as teses sobre o agenda setting remetem a uma teoria dos efeitos

    limitados.

    2) Em contraste com os estudos sobre a agenda setting, as teorias tecnolgicas

    mantm sua ambio de tratar os efeitos ao mesmo tempo potentes e diretos (talvez

    nisso eles estejam bem protegidos por sua inverificabilidade emprica). conhecida a

    teoria expressa por MCLUHAN (1964), depois por ONG (1982), segundo a qual cada poca

    v um meio dominante estruturar de maneira especfica os processos cognitivos em

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    funo de sua tecnologia. A prtica do texto impresso levaria assim a um pensamento

    linear organizado em termos de causalidade e de racionalidade. Em outros termos, os

    meios de comunicao nos dizem como pensar. Eles nos dizem isso com maior

    intensidade na medida em que a influncia assim exercida muito mais aquela do meio,

    que aquela da mensagem, o que torna inteis os habituais processos de defesa de

    seletividade. Voltados para os efeitos cognitivos e sociais de longo termo, as teses

    tecnologistas raramente deram lugar a pesquisas empricas. Aquelas que foram

    suscitadas, privilegiando os efeitos individuais (SALOMON, 1981), se revelam modestas

    em relao a suas ambies.

    Os efeitos mais espetaculares destacados pelas teorias tecnolgicas tomam como

    objeto as instituies. Longas estradas e papiros levam aos imprios burocrticos (INNIS);

    a difuso da imprensa leva Reforma Protestante (EISENSTEIN, 1979); os jornais de

    massa aos nacionalismos europeus (DEUTSCH, 1953), os telgrafo leva unificao da

    economia americana (CAREY, 1983); a televiso leva ao desaparecimento dos limites do

    privado (J. MEYROWITZ). Tais estudos negligenciam as mensagens dos meios de

    comunicao e sublinham seus atributos fsicos: a fixidez de Eisenstein, a ubiqidade e

    a simultaneidade da televiso, etc. Entretanto, eles implicam uma dimenso sociolgica

    pelo acento que eles colocam sobre as funes conferidas a tais atributos, e sobre as

    tentativas, provenientes de diversos grupos, de controlar o poder das tecnologias

    nascentes. Esta soluo est somente esboada. Seria preciso passar dos estudos de

    caso existentes para uma sntese permitindo destacar leis gerais sobre as carreiras dos

    novos meios de comunicao, e sobre seus efeitos. Este estudo se situaria na

    interseco de trs domnios: campo de possibilidades tecnolgicas; formas de controle

    exercidas pelas elites e traduzidas em normas profissionais; modos de utilizao da parte

    do pblico. Evidentemente no se trata mais aqui de psicologia social e de efeitos a curto

    termo, mas de sociologia das organizaes e de efeitos a longo termo.

    3) A teoria dos efeitos ideolgicos repousa igualmente sobre um modelo no qual

    os efeitos so vistos como diretos e potentes. Apesar de sua importncia ela deu lugar a

    verificaes empricas to raras que freqentemente tende-se a opor a tradio crtica

    tradio emprica, como se trata-se de uma antinomia. Bem entendido, uma tal antinomia

    repousa sobre uma confuso entre orientao terica e metodologia (FEJES).

    Inspirando-se no neo-marxismo da Escola de Frankfurt e das correntes derivadas,

    a teoria dos efeitos ideolgicos parte do seguinte postulado: todas as outras tradies de

    pesquisa em comunicao cometeram o erro de procurar provar o poder transformativo

    dos meios de comunicao enquanto que o verdadeiro efeito deles impedir as

    transformaes. Para a tradio da teoria crtica o reforo das opinies e das atitudes

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    no se faz a despeito dos meios de comunicao (e pelas virtudes dos fatores

    interpessoais e da seletividade). Ao contrrio, o mais potente dos efeitos atribuveis aos

    meios de comunicao: aquele atravs do qual o sentido comum e as relaes sociais

    existentes recebem sua legitimidade se naturalizando. Vindo ao socorro das definies

    oficiais da realidade, os meios de comunicao contribuem para a estabilidade do

    sistema e para o reforo das elites, isto sem que seja necessrio recorrer ao tema da

    manipulao. A noo de hegemonia parece, com efeito, indissocivel da maior parte

    das teorias ideolgicas sobre o papel dos meios de comunicao na representao ou na

    reproduo da realidade.

    assim que, de uma parte, em seu trabalho emprico, GERBNER e GROSS (1976),

    e Noelle NEUREMANN de outra parte, oferecem duas vises simtricas de um modelo que

    lhes paradoxalmente comum. Os meios de comunicao fornecem uma imagem

    monoltica da realidade para massas atomizadas, desprovidas de outras fontes de

    informao e privadas de todo meio de exercer uma seletividade. Dessa forma, os meios

    de comunicao podem direta e indiretamente ditar o que preciso no pensar e o que

    preciso no dizer.

    O problema metodolgico encontrado pela teoria crtica de constituir uma

    transformao inexistente ou bloqueada em objeto de estudo.

    Algumas direes novas

    A maior parte das tradies aqui descritas est bem viva, mas novos domnios de

    interesse se manifestam, e isto, a grosso modo, em duas direes:

    A pesquisa de um conceito de efeito que permita pinar o inapreensvel poder

    das comunicaes de massa.

    A descrio mais sutil e mais avanada dos processos que, ligados

    recepo, fazem intervir meios, mensagens e pblicos.

    1) A busca de um novo tipo de efeito se faz em diversas direes.

    A primeira manifesta uma acentuao do interesse pelos processos cognitivos. As

    pesquisas sobre a difuso e sobre as disparidades de saber e talvez tambm, at um

    certo ponto, os estudos de campanhas j faziam lugar a problemas de informao. O

    progresso das novas tecnologias coloca estes problemas em evidncia. De fato, ns

    podemos falar de um deslizamento a partir da problemtica da psicologia social

    (persuaso, influncia), em direo a uma problemtica da informao, a qual se estuda

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    o controle, a difuso, o tratamento, a utilidade, os efeitos (BENIGER, 1986; NEWMAN). No

    nvel individual os meios de comunicao nos dizem que saber que tempo faz? Quais

    so as novidades? O que se canta hoje em dia? No nvel da integrao dos sistemas

    sociais eles nos dizem onde nos situar (where we belong) e onde situar o poder (who is

    in charge).

    Representando um tipo de resposta aos preconceitos cognitivistas em matria de

    pesquisa sobre os meios de comunicao e ao desinteresse que eles acarretam por toda

    sua dimenso recreativa (TANNENBAUM), assiste-se a um ressurgimento do interesse pela

    fico ou pelos jogos, ligado hiptese segundo a qual os meios de comunicao nos

    dizem o que preciso vivenciar (ZILLMAN).

    Procurando combinar estas diferentes perspectivas cognitiva, afetiva,

    integrativa o estudo das grandes cerimnias televisionadas em direto e ao vivo se

    encontra marcado pela importante contribuio de K. e G. LANG. As pesquisas em curso

    sobre os acontecimentos mediticos peregrinaes do papa, acontecimentos

    monrquicos na Inglaterra, crise do Watergate, Jogos Olmpicos, etc. tm como objeto

    o poder que a televiso tem de interromper a vida social, de provocar uma experincia

    coletiva marcada pelo que Victor TURNER chama o sentimento de communitas. As

    ligaes que se cria aqui do centro periferia e aquelas que se tecem na prpria periferia

    remetem a uma concepo durkheimiana dos efeitos. Concepo que no se d sem

    afinidade com aquela das teorias tecnolgicas. Os meios de comunicao podem definir,

    mas tambm colocar em questo ou redefinir as fronteiras entre os grupos (KATZ et

    DAYAN).

    De uma maneira geral, se constata uma renovao do interesse pelos estudos

    dos efeitos exercidos pelos meios de comunicao no nvel da tecnologia, bem como

    no nvel dos contedos sobre a sociedade em seu conjunto. Esta retomada de certas

    preocupaes tradicionais da sociologia leva a sublinhar o papel desempenhado pelos

    meios de comunicao quando do relacionamento direto dos dirigentes e das massas e a

    menor importncia que este relacionamento acarreta para instituies tais como os

    partidos polticos, os parlamentos ou as igrejas. Tanto do lado dos funcionrios como do

    lado dos tericos crticos, interessa-se vivamente pelo jornalismo e a seu poder de

    exacerbar, de facilitar ou de sufocar processos conflituais e transformaes sociais

    (JANOWITZ, ALEXANDER, CHAFFEE, GITLIN, MOLOTCH e LESTER, ADONI e COHEN).

    Socilogos e Polticos tambm se interessam pelos efeitos institucionais dos

    meios de comunicao que no passam pelo intermdio dos efeitos exercidos sobre as

    massas. Efeitos sobre a elaborao das polticas estrangeiras (COHEN), sobre a

    publicidade dada ao diplomtica (EBAN), sobre a concepo das campanhas polticas

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    (CHAFFEE), sobre as organizaes religiosas (HOOVER). interessante constatar que

    vrios destes efeitos repousam sobre um ato de f: eles afetam as elites institucionais

    persuadidas da onipotncia dos meios de comunicao sobre as massas. A ironia quer

    que um poder no comprovado no fique sem efeito.

    Sempre est-se em busca de uma concepo melhor ou mais diversificada dos

    efeitos dos meios de comunicao. Esta busca acompanhada de uma tentativa de

    especificar os processos que levam a tais efeitos.

    Inspirada por uma psicologia dos processos cognitivos e afetivos e por uma

    sociologia dos papis, a noo de tipos de implicao dos espectadores permite uma

    melhor compreenso da modulao seletiva dos efeitos (ROSENGREN; KRUGMAN...). Ela

    tambm permite abordar, a partir de vrias disciplinas, a questo por muito tempo

    negligenciada da experincia dos espectadores (CSIKSZENTMIHALY e KUBEY), levantando

    o problema de saber porque se concede aos meios de comunicao tanto tempo e

    ateno. Enfim ela conduz literatos e socilogos a se juntarem s pesquisas de

    comunicao.

    Partindo de uma orientao psicanaltica, tericos do cinema sugerem assim que

    o fluxo televisual e as frustraes que ele acarreta incitam o espectador a uma atitude

    regressiva propcia ao sucesso das mensagens publicitrias. A teoria literria tambm faz

    intervir as noes tradicionais de identificao ou de catarse. Nenhuma dessas hipteses

    se preocupa com a verificao emprica.

    Por conseguinte, a noo de uma participao ou de um papel do espectador, na

    medida mesmo em que ela prolonga a idia de uma seletividade do pblico, torna-se um

    verdadeiro ponto de convergncia entre neo-marxistas, funcionalistas e tericos do texto.

    Os neo-marxistas aceitam confrontar suas prprias leituras de textos (anlises

    quantitativas do contedo) ao estudo das leituras feitas pelos espectadores. A idia que

    um texto possa ser recebido por seus destinatrios de modo oposicional e em ruptura

    com suas ambies hegemnicas, representa um abertura da teoria crtica em direo

    possibilidade de uma vulnerabilidade do status-quo (HALL, MORLEY, FEJES).

    Simultaneamente o reconhecimento da polissemia textual conduz os tericos da literatura

    a se interessar pelos papis adotados pelos leitores efetivos na recepo dos textos

    (FISH, ISER, RADWAY). De sua parte, os pesquisadores em gratificao se interessam

    pela noo de uma leitura negociada, no curso da qual a significao e os efeitos que

    ela acarreta nascem da interao dos papis espectatoriais e dos textos. Assim, para

    BLUMER, as campanhas eleitorais se dirigem a pblicos organizados em funo de

    diferentes tipos de papis, dos quais resultam tipos especficos de efeitos, enquanto que

    para HALLIN e MANCINI, a existncia em um caso, e a quase existncia em outro, de um

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    verdadeiro espao-pblico acarreta uma utilizao diferenciada dos telejornais na Itlia

    e nos EUA. A propsito dos mesmos textos, diferentes leitores propem decodificaes

    que variam em funo da natureza de sua implicao, ela mesma estando ligada ao que

    suas respectivas culturas constrem como o papel do leitor (SALOMON, RUBIN, LIEBES e

    KATZ, 86); ligadas s diferenas de contextos institucionais (PELED e KATZ, 1974); ligada

    diferenas de contextos culturais (NEWMAN; GRABER; ROBINSON e LEVY), etc. claro que

    os conceitos de implicao e de papel espectatorial completam com uma dimenso

    psicolgica e sociolgica a pesquisa comparativa sobre a significao das mensagens, os

    usos e os efeitos dos meios de comunicao. Ento, as pesquisas futuras em matria de

    efeitos tero de se situar em relao s teorias concorrentes sobre a natureza da

    implicao dos espectadores e aquela das decodificaes que eles operam.

    No nvel individual, a tnica se deslocar dos problemas de persuaso e de

    influncia para problemas de informao compartida e de experincia afetiva. Tentar-se-

    formalizar efeitos de longa durao, em condies especficas. No nvel da sociedade, a

    pesquisa se concentrar sobre o papel atribudo tecnologia e ao contedo dos meios de

    comunicao na definio de fronteiras sociais e na estruturao de instituies tais com

    a poltica, a religio, os mercados, o ensino e os lazeres.

    A propsito dos Meios e de seus Efeitos Teoria dos Efeitos Limitados, IndiretosTeoria dos Efeitos Diretos Algumas direes novas