a produÇÃo de alimentos na economia solidÁria: … · i fórum social mundial (mte, 2014 ......

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Realização Informações http://www.ufrgs.br/sbctars-eventos/ssa5 Fone: (51) 2108-3121 Organização A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NA ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA QUESTÃO QUE VAI ALÉM DA LEGISLAÇÃO S. Weschenfelder 1 , B. Oliveira 2 , L. B. Bagatini 3 , M. Saueressig 4 , C. C. Wilhelm 5 , A. L.Viana 6 . 1 Incubadora de Economia Solidária, Universidade Feevale, ERS 239, 2755 - Vila Nova– CEP: 93352-000 – Novo Hamburgo, RS. Telefone (51) 35868800. E-mail: [email protected] 2, 3, 4, 5 e 6 – idem ao 1 RESUMO - A produção de alimentos no contexto da economia solidária é um meio alternativo de geração de trabalho e de renda para uma parte significativa da população brasileira. O objetivo deste trabalho foi analisar o local, o processo de produção e as práticas de higiene adotadas por sete empreendimentos de Economia Solidária do município de Novo Hamburgo, que trabalham com a produção e a comercialização de alimentos. Foram realizadas visitas aos empreendimentos e utilizada uma lista de verificação (chek-list) para o levantamento dos dados. A produção dos alimentos embora realizada em locais com restrições de espaço e de localização garante a elaboração de alimentos diferenciados e com valor agregado, onde os manipuladores acompanham todo o processo, da seleção da matéria-prima até a comercialização. Os princípios básicos de higiene são atendidos e garantem a elaboração de alimentos de qualidade, contribuindo para a geração de renda das famílias envolvidas. ABSTRACT - Food production in the context of the solidarity economy is an alternative means of generating employment and income for a significant part of the Brazilian population. The objective of this study consists in analyzing the location, the production process and hygiene practices adopted by seven sympathetic economy enterprises in Novo Hamburgo, which work with the production and marketing of food. Visiting to the projects were carried out and a checklist (check list) used as well for the data survey. Although the production of food held in places with restricted space and location, it ensures the elaboration of differentiated and added value foods, where handlers accompany the entire process, from the selection of raw material to the marketing. The basic principles of hygiene are met and ensure the production of quality food, contributing to the generation of income to the families involved. PALAVRAS-CHAVE: economia solidária; trabalho; produção de alimentos. KEYWORDS: solidarity economy; work; food production. 1. INTRODUÇÃO A economia solidária apresenta-se como um meio alternativo à geração de trabalho e renda para uma parte significativa da população brasileira e pode ser considerada como norteadora dos princípios do trabalho em grupo. Nela são abordados conceitos práticos sobre a autogestão, a produção e a comercialização, realizada diretamente por aqueles que desenvolvem as atividades, sendo relevante a importância do consumo sustentável e a criação de um ambiente responsável, em meio a um mercado diferenciado, destacando-se daquele estabelecido pelo padrão das grandes indústrias (SINGER, 2008). Nessa conjuntura, a área da alimentação tornou-se muito importante, pois muitas vezes, a formulação de um determinado alimento, considerada como “um segredo de família” é partilhada com um grupo de

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A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NA ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA QUESTÃO QUE VAI ALÉM DA LEGISLAÇÃO

S. Weschenfelder1, B. Oliveira2, L. B. Bagatini3, M. Saueressig4, C. C. Wilhelm5, A. L.Viana6.

1 Incubadora de Economia Solidária, Universidade Feevale, ERS 239, 2755 - Vila Nova– CEP: 93352-000 – Novo Hamburgo, RS. Telefone (51) 35868800. E-mail: [email protected]

2, 3, 4, 5 e 6 – idem ao 1

RESUMO - A produção de alimentos no contexto da economia solidária é um meio alternativo de geração de trabalho e de renda para uma parte significativa da população brasileira. O objetivo deste trabalho foi analisar o local, o processo de produção e as práticas de higiene adotadas por sete empreendimentos de Economia Solidária do município de Novo Hamburgo, que trabalham com a produção e a comercialização de alimentos. Foram realizadas visitas aos empreendimentos e utilizada uma lista de verificação (chek-list) para o levantamento dos dados. A produção dos alimentos embora realizada em locais com restrições de espaço e de localização garante a elaboração de alimentos diferenciados e com valor agregado, onde os manipuladores acompanham todo o processo, da seleção da matéria-prima até a comercialização. Os princípios básicos de higiene são atendidos e garantem a elaboração de alimentos de qualidade, contribuindo para a geração de renda das famílias envolvidas. ABSTRACT - Food production in the context of the solidarity economy is an alternative means of generating employment and income for a significant part of the Brazilian population. The objective of this study consists in analyzing the location, the production process and hygiene practices adopted by seven sympathetic economy enterprises in Novo Hamburgo, which work with the production and marketing of food. Visiting to the projects were carried out and a checklist (check list) used as well for the data survey. Although the production of food held in places with restricted space and location, it ensures the elaboration of differentiated and added value foods, where handlers accompany the entire process, from the selection of raw material to the marketing. The basic principles of hygiene are met and ensure the production of quality food, contributing to the generation of income to the families involved. PALAVRAS-CHAVE: economia solidária; trabalho; produção de alimentos. KEYWORDS: solidarity economy; work; food production.

1. INTRODUÇÃO

A economia solidária apresenta-se como um meio alternativo à geração de trabalho e renda para uma parte significativa da população brasileira e pode ser considerada como norteadora dos princípios do trabalho em grupo. Nela são abordados conceitos práticos sobre a autogestão, a produção e a comercialização, realizada diretamente por aqueles que desenvolvem as atividades, sendo relevante a importância do consumo sustentável e a criação de um ambiente responsável, em meio a um mercado diferenciado, destacando-se daquele estabelecido pelo padrão das grandes indústrias (SINGER, 2008). Nessa conjuntura, a área da alimentação tornou-se muito importante, pois muitas vezes, a formulação de um determinado alimento, considerada como “um segredo de família” é partilhada com um grupo de

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indivíduos, tornando-se fonte de trabalho e renda da coletividade. Essa forma diferenciada de produção confere ao alimento características peculiares, que vão ao encontro das necessidades dos consumidores, cada vez mais assustados com os diversos casos de contaminação de alimentos produzidos em grande escala (CRUZ e SCHNEIDER, 2010).

Os primeiros experimentos no contexto da economia solidária iniciam na década de 1980, no período considerado pós-industrial, quando surgiram as primeiras experiências de novas formas de trabalho (LAVILLE, 2009). Embora a economia solidária tenha começado a se constituir de forma mais representativa na década de 1990, com o surgimento de várias cooperativas e outros empreendimentos, o espaço de discussão e articulação nacional começou a ser formado e concretizado durante as atividades do I Fórum Social Mundial (MTE, 2014), que aconteceu em 2001, na cidade de Porto Alegre (RS). Nesse encontro, quatro grandes temas foram debatidos: a) a produção de riquezas e a reprodução social; b) o acesso às riquezas e à sustentabilidade; c) a afirmação da sociedade civil e dos espaços públicos; d) o poder político e a ética na nova sociedade.

Pode-se dizer que a economia solidária é definida como um modo de produção que se caracteriza pela igualdade. Pela igualdade de direitos, onde os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles, sendo essa a característica central (SINGER, 2008). Desse modo, na economia solidária, a compra direta do produtor, aproxima cliente e comprador e assim, facilita a participação na chamada “nova economia”. Especificamente na região do Vale do Rio dos Sinos, a crise no setor coureio-calçadista, nos anos 1990 e também nos anos 2000, incentivou a criação de formas alternativas de trabalho em várias áreas da economia, como a da alimentação, por exemplo. Contudo, pouco se sabe sobre os locais e as condições de processamento destes alimentos. Assim, o presente trabalho teve por objetivo analisar o local, o processo de produção e as práticas de higiene adotadas por empreendimentos de Economia Solidária do município de Novo Hamburgo, que trabalham com a produção e a comercialização de alimentos.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Sete empreendimentos que trabalham com a produção e a comercialização de alimentos no contexto da Economia Solidária no município de Novo Hamburgo, RS participaram voluntariamente da atividade, que teve início no mês de maio se estendendo até o mês de dezembro de 2014.

Foram realizadas visitas aos locais de processamento dos alimentos, acompanhando o processo de produção e aplicando uma lista de verificação (chek-list) adaptada da RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002 (BRASIL, 2002) a fim de verificar: os tipos de alimentos que são produzidos e a origem das receitas, a infraestrutura existente no local, o grupo de pessoas envolvidas neste trabalho, bem como as condições de higiene do ambiente e dos manipuladores ao longo do processo de produção e armazenamento dos produtos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação aos tipos de alimentos produzidos, os citados foram biscoitos doces e salgados, trufas de chocolate, brownies, cupcakes, bolos, geleias, antepastos, salgados e doces para festa, pizzas e tortas. Os empreendimentos apontaram ainda, que sempre que possível, são evitados alimentos com ingredientes de origem animal, isso em função da alta perecibilidade e das recomendações feitas pela Vigilância Sanitária Municipal e pela Incubadora de Economia Solidária, que acompanham o trabalho dos mesmos.

Quanto à origem das receitas, quatro empreendimentos afirmaram que utilizam receitas tradicionalmente produzidas pela família (passadas de geração em geração) e três afirmam utilizar

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formulações disponíveis em sites de busca na internet. Em ambos os casos, os envolvidos afirmam que vão dando um toque pessoal na formulação e que o retorno dado pelos consumidores também influencia na composição e apresentação dos alimentos.

Todos os empreendimentos acompanhados realizam a produção dos alimentos em suas residências, sendo que quatro empreendimentos possuem uma área específica (anexa a casa) e três utilizam a cozinha da própria casa para a produção dos alimentos que serão comercializados. Três dos quatro empreendimentos que possuem uma área específica para manipulação, assim como dois dos três empreendimentos que utilizam a cozinha da própria casa, enfrentam dificuldades relacionadas ao espaço físico, pois as áreas de produção são pequenas e pouco arejadas, tornando mais árdua a produção dos alimentos nos meses de calor intenso e facilitando, por vezes, a entrada de vetores em função das portas ficarem abertas e não terem a devida proteção com tela.

Em relação aos equipamentos, foram encontrados eletrodomésticos de uso comum ao ambiente familiar, como geladeira, freezer, forno micro-ondas, forno elétrico, fogão, batedeira e liquidificador, em todos os locais visitados. Apenas dois empreendimentos possuem forno industrial, estufa e balança que permitem a produção de alimentos em maior escala, bem como uma maior padronização do processo de produção. Três dos sete empreendimentos, afirmam que não foram feitas aquisições de novos equipamentos até o momento em função de questões financeiras e também pela falta de espaço físico.

A produção dos alimentos no contexto dos sete empreendimentos acompanhados no presente trabalho é realizada por doze pessoas (manipuladores), podendo variar de acordo com a demanda (encomendas). No que diz respeito à higiene, foi possível constatar que os locais encontravam-se limpos e organizados (mesmo com as limitações de espaço físico), e que os manipuladores envolvidos no processo fazem o uso de touca e avental, não usam adornos ao longo do processamento e desenvolvem cada etapa do processo de produção com muita atenção e cuidado. A escolha da matéria-prima e o acondicionamento dos alimentos produzidos são feitos de forma criteriosa, contudo não são feitos registros e um monitoramento mais criterioso do PVPS (primeiro que vence, primeiro que sai).

No que se refere à contaminação cruzada, os manipuladores demonstraram conhecer os principais perigos existentes na área de produção, mas afirmaram que a restrição de espaço físico e o fato da cozinha ser a mesma de uso coletivo da família, podem dificultar, por vezes, um controle mais efetivo do processo. É interessante mencionar que mesmo não dominando os termos técnicos, a maioria dos envolvidos na produção dos alimentos, demonstrou um conhecimento significativo em relação a conduta a ser seguida na manipulação. Contudo, foi possível observar que alguns empreendimentos ainda apresentam dificuldades e/ou pontos a serem ajustados, tendo como exemplos, a correta higienização das mãos, o controle da entrada e saída de pessoas da área de produção, a circulação de animais domésticos, o descarte dos resíduos e a falta de água encanada no local do processamento.

Ao longo das visitas, houve o compartilhamento de experiências e a elucidação de dúvidas, sendo que ficou evidente o conhecimento (mesmo que de forma empírica) e a preocupação dos empreendimentos com a qualidade final dos produtos que são ofertados, pois segundo eles a satisfação dos consumidores é tão importante quanto o retorno financeiro gerado pela atividade.

4. CONCLUSÕES

Embora realizado em locais com restrições de espaço e localização, o processo de produção de alimentos adotado pelos empreendimentos de Economia Solidária de Novo Hamburgo, garante a elaboração de produtos diferenciados e com valor agregado, onde os manipuladores são responsáveis por todo o processo, desde a seleção da matéria-prima até a comercialização. Os princípios básicos de higiene são atendidos e garantem a elaboração de alimentos de qualidade, contribuindo para a geração de renda das famílias envolvidas. Os resultados encontrados (diagnóstico da realidade local) contribuirão para o desenvolvimento de atividades mais direcionadas aos empreendimentos, no intuito de contribuir para a Segurança Alimentar.

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É importante destacar que mesmo não apresentando um procedimento operacional padronizado (POP) ou o Manual de Boas Práticas implementado é possível à produção de alimentos de qualidade em um contexto que não o industrial, ressaltando-se a necessidade da criação de legislações específicas que contemplem casos como o da produção de alimentos na economia solidária, respeitando a realidade e o contexto social de cada região, possibilitando assim a regulamentação dos alimentos produzidos, aumentando as possibilidades de mercado e contribuindo para o fortalecimento da economia da região.

5. AGRADECIMENTOS

A todos os empreendimentos de Economia Solidária do município de Novo Hamburgo que produzem e comercializam alimentos.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução - RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002. Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados aplicados aos Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos e a Lista de Verificação das Boas Práticas de Fabricação em Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 06 de nov. de 2002, Seção 1, p. 4-21. Disponível em: <http://anvisa.gov.br/legis/resol/2002/275_02rdc.htm>. Acesso em: 05 ago. 2014. CRUZ, F. T.; SCHNEIDER, S. Qualidade dos alimentos, escalas de produção e valorização de produtos tradicionais. Rev. Bras. Agroecol. v. 5, nº 2, p. 22-38, 2010. LAVILLE, J. L. A economia solidária: Um movimento internacional. Rev. crít. ciênc. soc., 84, p. 7-47, 2009. MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO. Economia Solidária: histórico. Disponível em: < http://portal.mte.gov.br/ecosolidaria/historico.htm>. Acesso em: 07 nov. 2014. SINGER, P. I. Economia solidária. Estud. av., v. 22 , nº 62, 2008.