a prÉ-histÓria do brasil6ano/arqueologia/fichas_2012/humanidd_1.pdf · de uma jovem mulher,...

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1 Ensino Fundamental 2 História Prof. Caco Data / / Nome N o 6 o ano Ficha 6 A PRÉ-HISTÓRIA DO BRASIL O povoamento da América começou na última glaciação, período em que a temperatura na Terra era muito baixa. Há várias explicações sobre a origem desses povoadores Os caminhos para a América Os primeiros habitantes da América não eram originários do próprio continente. De onde eles vieram? Quando chegaram a essas terras? Com base em estudos, os pesquisadores elaboraram diferentes explicações sobre a origem do homem americano. As principais explicações são as seguintes: O estreito de Bering: um caminho gelado As terras americanas começaram a ser povoadas quando os primeiros grupos humanos, vindos da Ásia, atravessaram o estreito de Bering, como mostra o mapa. Essa travessia teria ocorrido na última glaciação, período em que o estreito de Bering estava coberto por uma camada de gelo, unindo o continente americano e o asiático. Os grupos humanos que chegaram à América por esse caminho desconheciam a navegação e fizeram o trajeto a pé, provavelmente perseguindo grandes animais. Os pesquisadores defendem essa explicação baseados na descoberta de fósseis e armas de pedra muito antigas em sítios arqueológicos da América do Norte. Segundo eles, a ocupação ocorreu há cerca de 12 mil anos. Descobertas mais recentes, no entanto, indicam que essa travessia pode ter ocorrido há 20 ou 30 mil anos. Caminhos diversos: por terra e por mar Outra explicação é que o povoamento do continente teria começado quando grupos humanos, em pequenas embarcações, partiram das ilhas da Polínesia e da Oceania e chegaram à América do Sul navegando pelo Oceano Pacífico. Mais tarde, esses povos teriam se espalhado pelo continente americano. Os defensores dessa explicação também aceitam que povos asiá- ticos chegaram à América atraves- sando o estreito de Bering. Mas, para eles, não é correto afirmar que esse foi o único caminho utilizado pelos povoadores do nosso con- tinente. Para os defensores dessa hipó- tese, o povoamento da América pode ter se iniciado muito tempo antes, cerca de 50 mil anos atrás. Observe no mapa esses dife- rentes caminhos. Fonte: A aurora da humanidade. Rio de Janeiro: Time-Life/Abril, 1993.

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Page 1: A PRÉ-HISTÓRIA DO BRASIL6ano/arqueologia/fichas_2012/humanidd_1.pdf · de uma jovem mulher, batizada Luzia, provou, em 1998, que os primeiros humanos já haviam chegado ao Brasil

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Ensino Fundamental 2

História – Prof. CacoData

/ /

Nome No

6o ano

Ficha 6

A PRÉ-HISTÓRIA DO BRASIL

O povoamento da América começou na última glaciação, período em que a temperatura na Terra era muito baixa. Há várias explicações sobre a origem desses povoadores

Os caminhos para a AméricaOs primeiros habitantes da América não eram originários do próprio continente. De onde eles

vieram? Quando chegaram a essas terras?Com base em estudos, os pesquisadores elaboraram diferentes explicações sobre a origem do

homem americano. As principais explicações são as seguintes:

•O estreito de Bering: um caminho geladoAs terras americanas começaram a ser povoadas quando os primeiros grupos humanos, vindos

da Ásia, atravessaram o estreito de Bering, como mostra o mapa.Essa travessia teria ocorrido na última glaciação, período em que o estreito de Bering estava

coberto por uma camada de gelo, unindo o continente americano e o asiático. Os grupos humanos que chegaram à América por esse caminho desconheciam a navegação e fizeram o trajeto a pé, provavelmente perseguindo grandes animais.

Os pesquisadores defendem essa explicação baseados na descoberta de fósseis e armas de pedra muito antigas em sítios arqueológicos da América do Norte. Segundo eles, a ocupação ocorreu há cerca de 12 mil anos. Descobertas mais recentes, no entanto, indicam que essa travessia pode ter ocorrido há 20 ou 30 mil anos.

•Caminhos diversos: por terra e por marOutra explicação é que o povoamento do continente teria começado quando grupos humanos,

em pequenas embarcações, partiram das ilhas da Polínesia e da Oceania e chegaram à América do Sul navegando pelo Oceano Pacífico. Mais tarde, esses povos teriam se espalhado pelo continente americano.

Os defensores dessa explicação também aceitam que povos asiá­ticos chegaram à América atraves­sando o estreito de Bering. Mas, pa ra eles, não é correto afir mar que esse foi o único caminho utilizado pelos povoadores do nos so con­tinente.

Para os defensores dessa hipó­te se, o povoamento da América pode ter se iniciado muito tempo antes, cerca de 50 mil anos atrás.

Observe no mapa esses dife­rentes caminhos. Fonte: A aurora da humanidade. Rio de Janeiro: Time­Life/Abril, 1993.

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•Clóvis: armas de 11.200 anosNa década de 1930, arqueólogos descobriram pontas de flechas feitas de pedra lascada nas

proximidades de Clóvis, no estado do Novo México, nos Estados Unidos. Ao lado das pontas de flechas, foram encontrados ossos de mamutes.

As armas encontradas no sítio de Clóvis foram, durante muitos anos, os objetos mais antigos produzidos por humanos na América. Esse foi um dos motivos que levaram os pesquisadores a concluir que a ocupação da América começou pelo norte do continente. Mas a descoberta de objetos mais antigos, ao sul do continente americano, pôs em dúvida essa explicação.

•Monte Verde: casas de 13.500 anosEm Monte Verde, no Chile, foram descobertos centenas de artefatos de pedra e restos de

alimentos mais antigos que as lascas de pedra encontradas em Clóvis.Além das ferramentas de pedra, o sítio de Monte Verde reúne um vasto tesouro da arqueologia

americana. Lá foram encontradas fundações de casa em madeira, plantas comestíveis, como batatas selvagens, nozes e cogumelos, ossos de animais, além de diferentes espécies de plantas medicinais.

Essas descobertas levaram a novas hipóteses:•OpovoamentodaAméricadoSulpodetersidoanterioraodaAméricadoNorte.•OspovoadoresdaAméricaentraramnocontinenteporvárioscaminhos,nãosópeloestreito

de Bering.•OsalimentosvegetaiseramimportantesemMonteVerde.Pelasrazõesapresentadas,esse

sítio arqueológico é considerado um dos mais antigos e valiosos da América.

Fonte: APOLINÁRIO, Maria Raquel. História, Projeto Araribá. Ed. Moderna, 2004.

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O BRASIL DE LUZIA

Por Vinicius RomaniniIlustrações C. Alves

Tente imaginar o exato lugar onde você agora, não importa onde você viva no Brasil, mas recuando 13 mil anos no passado. Como lhe parece a paisagem? Faz frio? Você vê bichos? Olhe com atenção para aquela planície ao longe. Vê aquele pequeno grupo, umas 15 ou 20 pessoas, andando praticamente nuas? Não é incrível como são pequenas e delicadas diante da paisagem? Quem são elas? De onde vieram? Quando chegaram aqui? Como vivem? Se esse pequeno exercício de imaginação lhe pareceu esquisito, saiba que é exatamente isso que os estudiosos da Pré­História brasileira fazem todos os dias enquanto escavam sítios arqueológicos ou analisam os achados. Desde que a datação dos ossos de uma jovem mulher, batizada Luzia, provou, em 1998, que os primeiros humanos já haviam chegado ao Brasil há pelo menos 13 mil anos, arqueológicos, biólogos e paleontólogos tentam descobrir como era a paisagem, a vegetação e os animais pré­históricos que Luzia e seus contemporâneos conheceram.

Vale a pena acompanhar aquele grupo de pessoas por mais algum tempo. Afinal, podemos estar assistindo à chegada dos primeiros humanos em terras que, 130 séculos mais tarde, receberiam o nome de Brasil. Os homens carregam lanças compridas, mais longas do que seus próprios corpos, usadas provavelmente para caçar animais silvestres e para se defender contra o ataque das feras. Enquanto avançam lentamente, as mulheres, tendo as crianças sempre ao seu lado, vão coletando do chão frutas, coquinhos e raízes, que guardam em rústicas cestas feitas de tiras de couro trançado. A paisagem e a vegetação não parecem muito diferentes da que encontramos hoje na maior parte do Brasil Central: paredões de pedra desgastados cobertos por plantas e flores típicas do cerrado ou, nas regiões mais úmidas, florestas densas que não diferem em exuberância de nossa atuais matas Atlântica e Amazônica.

E quanto aos animais? O que nos revelariam uma excursão para avistar a fauna desse tempo pré­histórico que, na divisão das eras geológicas, corresponde ao finalzinho do chamado Pleistoceno – um período muito dilatado que termina com o derretimento da calota de gelo que cobria boa parte dos continentes? Haveria muitas surpresas, sem dúvida. Junto com a maioria das espécies comuns nas matas brasileiras nos dias de hoje, havia também um grupo de animais de grande estatura que teria desaparecido, coincidentemente ou não, durante essa mesma época em que o homem iniciava suas atividades na natureza do Brasil pré­histórico: mastodontes com 3 metros de altura, tigres dente­de­sabre com o dobro de tamanho de uma onça­pintada e pesando 250 quilos, bichos preguiças maiores do que vacas atuais e tatus do tamanho de Fuscas.

Você acaba de espiar pela janela do tempo para ver o cenário onde viveram os primeiros homens a pisar no Brasil, os chamados paleoíndios.

Na divisão das fases da Pré­História, que leva em conta o desenvolvimento cultural do homem, esse período recebe o nome de “Paleolítico Superior” ou, mais popularmente, de “Era da Pedra Lascada”. A partir dos índios que deixaram e do conhecimento que temos de comunidades semelhantes de coletores e caçadores que sobrevivem ainda hoje, é possível inferir que esses primitivos “brasileiros” tinham uma linguagem e uma vida social adaptada para seu modo de vida nômade. Viviam em bandos reunidos em torno de um líder.

Dominavam o fogo e tinham técnicas rudimentares de construção de utensílios de pedra lascada, como pontas de lanças e lâminas de quartzo capazes de cortar couro ou carne. É possível que fabricassem cestas trançando fibras ou tiras de couro.

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Ao contrário do que normalmente se imagina, os paleoíndios não moravam em cavernas, e sim em locais abertos onde havia água corrente disponível, como no alto das chapadas, onde ficam as nascentes, no meio dos vales por onde cruzam riachos e na desembocadura dos boqueirões. Nesses locais, a vegetação farta e a presença de animais silvestres garantia uma alimentação balanceada entre vegetais e carne de caça. As cavernas eram usadas como abrigos pelos caçadores e, provavelmente, para a realização de rituais religiosos e fúnebres. Embora fossem nômades, cada grupo movia­se dentro de um território próprio, que conheciam detalhadamente — o que facilitava a busca de alimentos. Em situações especiais, os grupos de uma mesma região se reuniam para caçadas conjuntas, para a celebração de cerimônias religiosas e para fazer acordos de acasalamento.

A arqueologia também nos mostrou, mais recentemente, que homens do Brasil paleolítico tinham respeito por seus mortos, depositando­os em abrigos de pedra — o que garantia sua conservação ao longo dos milênios. Sabe­se também, que alguns grupos realizavam rituais fúnebres secundários, ou seja, recuperavam ossos de seus antepassados depois que a carne já havia se decomposto, para pintá­los, fabricar amuletos e enterrá­los uma segunda vez, mas agora arranjando as ossadas de forma a criar símbolos.

Aborígine brasileira?

A reconstituição do rosto de Luzia a partir dos ossos de seu crânio, realizada em 1998, indicou que os primeiros brasileiros, cha­mados paleoíndios, tinham feições muito mais semelhantes às dos aborígines australianos do que às dos atuais índios americanos. Essa hipótese foi reforçada com a análise de outros 80 crânios humanos encontrados não só no Brasil mas também em diversos outros países, do México à Patagônia Argentina.

Não podemos afirmar com segurança, porém, que os paleo­índios eram negros.

O homem de Lagoa Santa

Medições nos crânios de Luzia e em outras 70

ossadas escavadas em Lagoa Santa provaram que os

paleoíndios brasileiros não são os avós dos nossos atuais

povos indígenas

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O MUnDO EM PEDRA LASCADA

Luzia viveu no Brasil na parte final do período Paleolítico, também conhecido como “Era da Pedra Lascada”. Enquanto ela e seus conterrâneos viviam como nômades coletores e caçadores, em algumas regiões do planeta o homem começava a dar seus primeiros passos rumo à civilização.

América do norteOs paleoíndios haviam se especializado na matança da chamada megafauna, principalmente de mamutes.

ÁfricaIndícios de agricultura e pecuária com mais de 13 mil anos de idade foram encontrados em escavações nas regiões do Quênia e Vale do Nilo.

EuropaHavia uma intensa atividade em pinturas em cavernas, início da fabricação de pequenos utensílios em cerâmica, e um refinamento nas técnicas de lascar a pedra.

ÁsiaNa região que engloba o Iraque, o homem dominava a cerâmica e iniciava a agricultura e a domesticação dos animais. As primeiras aldeias eram fundadas.

AustráliaAlém de utensílios de pedra lascada sofisticados, os aborígines já haviam inventado o bumerangue, usado para caçar aves aquáticas.

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VegetaçãoA vegetação era, em gran­

de parte, um misto de prada­rias e floresta ralas seme­lhantes ao atual cerrado, com algumas florestas densas nas regiões mais úmidas.

UM DIA nA PRÉ-HISTÓRIA

Ainda não é possível descrever exatamente como era o Brasil 13 mil anos atrás, mas os achados arqueológicos já nos permites ter uma idéia da paisagem que o primeiros brasileiros conheceram.

VeadosOs dois tipos de veados comuns

no Brasil, o catingueiro e o mateiro, já existiam no final da Era do Gelo. Estavam certamente entre as caças preferidas dos paleoíndios.

MastodonteEra o elefante típico da América do Sul,

só que mais baixo e comprido do que seus parentes africanos atuais. Podia pesar mais de 5 toneladas.

Hipopótamo brasileiroO toxodon era um herbívoro

com mais de 1 tonelada e hábitos semelhantes aos atuais hipopó­tamos africanos.

Falso tatuO glyptodon, pesava mais de 700

quilos e tinha o tamanho de um Fusca. Apesar de se parecer com o atual tatu, era muito diferente: sua carapaça era óssea e rígida como uma pedra. Os espinhos na cauda serviam para a defesa.

Preguiça-GiganteParente distante das atuais

preguiças, o eremotherium pesava mais de 5 toneladas. Consumia todo tipo de vegetal.

Tigre dente-de-sabreParente dos gatos, onças e

tigres modernos, o Smilodon ou tigre dente­de­sabre, podia pesar mais de 250 quilos.

Porco-do-matoTanto a queixada quanto o caititu,

nossos dois tipos de porcos­do­mato atuais, já existiam em abundância 10 mil anos atrás.

PaleoíndiosA análise dos dentes

dos brasileiros primitivos mos trou que eles se ali­mentavam basicamente da coleta de fru tos e raízes, com a inges tão eventual de carne de caça.

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GRAFITES DA PRÉ-HISTÓRIA

Se a arqueologia já é uma ciência naturalmente polêmica, ninguém dentro da arqueologia consegue ser mais polêmica do que a brasileira Niéde Guidon. Há 30 anos ela escava na região de São Raimundo Nonato, no meio do sertão do Piauí, onde garante ter encontrado vestígios da presença humana na região, que remonta 50 mil anos no passado. Nesse período, Niéde e sua equipe foram os responsáveis pela criação, em 1979, do Parque Nacional da Serra da Capivara, o mais bem estruturado parque nacional do país — considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1991. O parque é um triunfo da arqueologia brasileira que só saiu do papel graças à teimosia e dedicação de Niéde, que o administra com a energia de uma coronel de saias. Em suas cavernas e lapas, preserva o maior conjunto de pinturas rupestres do mundo, algumas datadas com até 8 mil anos de idade. Elas representam danças rituais, orgias, cenas de caça e diversos tipos de animais, inclusive alguns extintos, como um parente da lhama andina e a preguiça­gigante, e são um verdadeiro livro, impresso na paredes das cavernas, sobre a cultura dos primeiros brasileiros.

Fonte: Revista Terra ano 12 no 151 nov de 2004

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FORMAS DE HUMAnIDADEA ocupação dos grupos de caçadores-coletores do interior

Há cerca de 10.000 anos, ocorreu uma série de mudanças no meio ambiente que teria grandes conseqüências sobre os povos descendentes dos paleoíndios. O cerne destas mudanças foi o aumento de temperatura e da umidade, no Brasil, levando a expansão das florestas tropicais úmidas; a diminuição das caatingas, dos cerrados e das matas de araucária, a extinção de muitas espécies de mamíferos; o aumento das bacias hidrográficas, pois muitos rios passam de temporários para perenes; a elevação do nível do mar e a expansão dos manguezais na costa. Entre 7.000 e 4.000 anos, a temperatura e a umidade globais atingem seu clímax, sendo esse período conhecido como o “ótimo Climático”.

Para os habitantes do interior do Brasil é um período de transição, passando de caçadores de grandes mamíferos de áreas abertas para caçadores­coletores especializados nos diversos novos ambientes. Essa transição exigiu novas estratégias de subsistência: o desenvolvimento de técnicas de captura de pequenos animais (que predominam na floresta), uma intensificação na coleta de recursos vegetais e na pesca dos recursos aquáticos. As novas culturas que emergiram dessa transição formam o Arcaico do Interior, a cultura dos caçadores­coletores especializados.

Poucos restos humanos foram encontrados em sítios do Arcaico do interior, exceto pelos sítios das grutas de Minas Gerais (Lagoa Santa e Cipó), onde foram coletados mais de 200 esqueletos. Isto permitiu caracterizar a “raça de Lagoa Santa”, uma das mais bem definidas da América, como parte do grupo dos Láguidos, ou Paleoíndios.

O testemunho principal do Arcaico é sua indústria lítica, ou seja, objetos de pedra resultantes de técnicas de lascamento, picoteamento e polimento que visavam a fabricação de artefatos.

O lascamento é a técnica mais utilizada, basicamente é a modelagem de uma pedra pela retirada de fragmentos (lascas) por choque com uma pedra mais dura (percutor ou batedor) ou por pressão.

Representação de atividades cotidianas dos caçadores-coletores do interior.

por percussão direta

por percussão indireta

por percussão por pressão

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Representação de atividades cotidianas dos pescadores do litoral.

Segundo a técnica mais “clássica”, o artesão segura o bloco de matéria prima numa mão e na outra um batedor, com o qual, escolhendo a superfície mais adequada do bloco, atinge e extrai uma lasca.

Alguns artefatos lascados são feitos sobre seixos, como os talhadores (chopping­tools) e os bifaces; outros são feitos sobre as lascas, que sofrem um processo de lascamento mais minucioso, chamado retoque (feito com batedores “moles”, chifres e madeira), e que gera peças como pontas de flecha (ou de projétil), raspadores, buris e furadores.

Uma grande quantidade de lascas, estilhas e detritos (fragmentos sem a morfologia de lasca) são produzidas durante o lascamento de cada artefato feito, portanto os sítios líticos são caracterizados pela grande quantidade de lascas e raros artefatos.

Em pedras que a batida gera fragmentos pequenos, ou se esfarinha, se usa a técnica de picoteamento ou de polimento. O picoteamento é obtido pela percussão repetida em uma superfície, levando a seu esfarinhamento e conseqüente abrasão progressiva.

Esta técnica permite retirar arestas e cavar concavidades.

O polimento é obtido esfregando­se uma pedra sobre um polidor pelo menos tão duro quanto ela, com a ajuda de um abrasivo (em geral a areia) e freqüentes lavagens com água. Esta técnica permite a obtenção de gumes resistentes e cria um resultado estético relevante, já que a superfície brilhante e regular parece ter sido freqüentemente mais valorizada que uma superfície lascada. A combinação dessas técnicas produziu machados, trituradores, moedores, mão de pilão, boleadeiras, cinzéis e adornos (tembetás).

Além da indústria lítica, os sítios de caçadores­coletores apresentam (em alguns casos), artefatos feitos em ossos, dentes, chifres e conchas (indústria osteodontoquerática e malacológica). Essa indústria compõe­se de utensílios do tipo furador, retocadores (geralmente de chifres de veado para retirar pequenas lascas de um utensílio de pedra lascada), pontas de projétil, anzóis, agulhas e adornos (dentes perfurados, contas de concha).

As culturas do Arcaico do interior, ou as Tradições, identificadas até o momento são a Tradição Umbu, Humaitá e Itaparica, que ainda se subdividem em complexas, subtradições, fases e subfases.

Entre 2.000 e 1.000 anos, as sociedades caçadoras­coletoras deram lugar a grupos de povos horticultores­ceramistas. Em alguns casos, os caçadores adotam paulatinamente a cerâmica; em outros há uma ruptura, interpretada como a substituição dos caçadores pelos agricultores. Essa transição marca o início de outro estágio do Brasil Pré­Colonial, o Formativo, que veremos mais adiante.

Ocupação dos grupos pescadores do litoral

Nas planícies litorâneas da região sul­sudeste do Brasil (do Espírito Santo até o norte do Rio Grande do Sul) se erguem eloqüentes testemunhos da presença humana em períodos que antecedem a Colonização. Tratam­se dos sambaquis, colinas artificiais de dimensões variadas (de 50 a 500 metros de comprimento, de 1 a 30 metros de altura), cujo sedimento apresenta mais de 80% de seu conteúdo composto por conchas de moluscos bivalves.

Ponta de projétil (acervo MAE)

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Estes sítios foram construídos entre 7.000 e 1.000 anos A.P. por uma cultura pré­agrícola altamente adaptada ao meio ambiente costeiro, como indicam sua extensa longevidade e a grande quantidade de sítios que deixou.

A cultura (ou culturas) dos sambaquis era baseada na pesca e na coleta de animais marinhos, sendo parte do Arcaico. Entre seus traços culturais, além da construção dos morros de conchas, podemos destacar a presença de enterramentos, de grande quantidade e variedade de artefatos em concha, ossos e dentes, e também de uma indústria lítica composta de artefatos polidos elaborados (machados, moedores, polidores e esculturas).

No período em que foram construídos os sambaquis o nível do mar se elevou até os níveis atuais, porém não de modo contínuo. Há cerca de 4.500 anos o nível do mar subiu a mais de 2 metros do nível atual, recuaria até o nível atual há 3.900 anos e novamente subiria a mais de 1 metro há cerca de 3.000 anos e lentamente recuaria até os níveis atuais. Outro evento ambiental importante é entre 5.000 e 3.800 anos, quando as características de “EI Niño” são constantes, ou seja, na região dos sambaquis, a pluviosidade é muito mais alta que a atual.

Esse contexto de mudanças de nível do mar (flutuações eustáticas) somado à elevação das temperaturas e da umidade seria muito favorável ao desenvolvimento dos manguezais. O ambiente do mangue, com sua riqueza de peixes, moluscos e crustáceos foi propício para o desenvolvimento e expansão dos povos sambaquieiros, pois a maioria dos sítios desse tipo estão associados a áreas de manguezais.

A ocupação do litoral parece ter começado há cerca de 8.000 anos ou mais, porém como a faixa costeira desse período está submersa hoje, é provável que por isso não encontremos sítios costeiros anteriores aos sambaquis. Os primeiros ocupantes do litoral teriam sido caçadores­coletores do interior, pressionados pelas mudanças climáticas do início do Holoceno (10.000 anos) que se refugiaram e se adaptaram ao ambiente costeiro.

As datações dos sambaquis e sua relativa homogeneidade cultural sugerem uma única origem;sua expansão iniciou­se no litoral paranaense e sul paulista, onde estão os sítios mais antigos.

Daqui os sambaquieiros se disseminam para o sul, Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul, e para o norte, o restante do litoral paulista, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Todavia, datações antigas no Rio de Janeiro indicam a possibilidade de que os povos sambaquieiros tenham mais de uma origem. Deve­se considerar que esta cultura não foi um fenômeno isolado e em todo mundo há testemunhos semelhantes que foram deixados por diferentes povos desde um passado distante até algumas décadas.

As razões pelas quais os sambaquis foram construídos permanecem misteriosas. Aparentemente eles eram centros habitacionais­cerimoniais, pois reúnem tanto testemunhos de habitação, como testemunhos de enterramentos. Os estudos atuais indicam que esses sítios não adquiriram seu formato e seu volume de uma só vez, pelo menos nos grandes sambaquis foram verificadas datações com diferença de 1000 anos (ou mais) entre o topo e a base do sítio, mas é provável que tenham sido construídos em episódios de ocupação desses sítios.

Enquanto não se sabe exatamente Porque os sambaquis foram construídos, outra dúvida é Como. As conchas que compõe os sambaquis eram restos de alimentação ou eram coletadas intensivamente como material de construção? Estas hipóteses não se excluem, pois os estudos indicam que há camadas de construção e de alimentação.

Miss Sambaqui (litoral de São Paulo)

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O cotidiano do povo dos sambaquis era provavelmente dividido em suas duas atividades principais: a pesca e a coleta. Munidos de redes e arpões (estranhamente há poucas evidências de anzóis), os homens iam à pesca enquanto velhos, mulheres e crianças iam à coleta de moluscos nos baixios na maré baixa e à coleta de vegetais em outras horas. Provavelmente havia artesãos dedicados à manufatura de cordas e redes, de artefatos em osso, concha e dentes, artefatos em pedra polida. Aqui cabe destacar um artefato distinto dos sambaquis, o zoólito, esculturas de pedra polida, muito elaboradas, cuja finalidade permanece nebulosa. Os zoólitos estão presentes do Rio Grande do Sul até o sul de São Paulo.

O grande número de sepultamentos encontrados nesses sítios permitiu extensos estudos de antropologia física, que indicam uma grande unidade populacional: geralmente robustos e baixos, os homens dos sambaquis seriam uma raça distinta.

Os acampamentos conchíferos, seriam sítios aparentados com os sambaquis. Sem acúmulos de concha tão maciços, os acampamentos apresentam enterramentos, adornos e utensílios idênticos aos dos sambaquis. É possível que sejam resultado da ocupação pelos sambaquieiros em ambientes diferentes das zonas lagunares­estuarinas que habitavam geralmente.

Outros sítios próximos seriam os sambaquis fluviais do Rio Ribeira (SP) e os cerritos (RS). Os sambaquis fluviais são pequenos acúmulos de conchas de moluscos de água doce com enterramentos e indústria similar a dos sambaquis, todavia como foram pouco estudados, não se sabe se são precursores dos sambaquis, grupos do interior influenciados pelos sambaquis ou sambaquieiros da região de Cananéia­Iguape, que subiram o rio Ribeira. Os cerritos são montículos de terra construídos no litoral e nos banhados do Rio Grande do Sul e no Uruguai, com poucos enterramentos, indústria lítica mais complexa e com zoólitos. Sua afinidade com os sambaquis permanece incerta, suas datações indicam que seriam mais recentes que os sambaquis.

Outros sítios similares aos sambaquis são os da foz do Amazonas, os concheiros em rios amazônicos e no Pantanal. Estes sítios são um caso de convergência, pois foram feitos por povos ceramistas distintos dos sambaquieiros.

Por volta de 1.000 anos atrás, os sambaquis se tornam raros, embora não se saiba porque. No mesmo período ocorre a chegada de povos ceramistas ou de sua influência no litoral, mudando os hábitos ou deslocando os homens dos sambaquis para outras regiões, é o final da cultura sambaquieira.

A arte rupestreA arte foi relativamente tardia na história do Homem. Enquanto o aparecimento de nossa

espécie remonta a 125.000 anos, os mais antigos vestígios de arte tem cerca de 40.000 anos (Europa e Austrália). Os vestígios da arte desses caçadores­coletores que chegam até nós vêm na forma de paredes pintadas e gravadas, a arte rupestre; estatuetas de argila, pedra e marfim; ossos, dentes e conchas decoradas com gravuras, a arte mobiliária.

A arte rupestre é um dos aspectos da Arqueologia com maior apelo junto ao público interessado.

Efetivamente, seja pelo impacto estético, seja por receber uma “mensagem”, são os únicos vestígios deixados consciente e voluntariamente pelos povos pré­coloniais. Por arte rupestre entende­se todas as inscrições deixadas pelo homem em suportes fixos de pedra (paredes de abrigos, grutas, matacões). Muito dessa arte só chega até nós em condições especiais, ou seja, em suportes protegidos dos elementos naturais como paredes de abrigos e grutas onde pode­se encontrar pinturas quase intactas, enquanto que em suportes expostos ao ar livre só se vêem gravuras.

Zoólito (acervo MAE)

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Ainda é difícil estudar a cronologia das pinturas rupestres, pois nem sempre há material que possa ser datado para determinar a idade delas. Por vezes, as escavações feitas no solo ao pé das pinturas podem evidenciar fogueiras que poderão ser datadas, mas se houver uma série delas, dificilmente poderemos dizer a qual a arte está relacionada. Se houver pinturas feitas com carvão vegetal, micro­amostras desses carvão poderão ser analisadas por espectrometria de massa, e sua idade determinada, todavia esses casos são raros.

As manifestações artísticas da arte rupestre podem ser divididas, grosso modo, em representações figurativas e geométricas (ou abstratas). As representações figurativas são as formas que associamos a seres humanos, animais, plantas ou objetos (reais ou imaginários), enquanto que a geométrica retrata quadrados, círculos, espirais, triângulos, pontos, setas, etc. Outro aspecto a ser estudado é a técnica utilizada que pode variar entre a pintura, o crayon e a gravura. E dentro destas técnicas ainda pode­se constatar uma vasta variação de modos de fazer as representações. A matéria prima para as pinturas são geralmente corantes minerais, como hematitas (vermelho, amarelo), cal (branco) e manganês (preto).

Um sítio pode apresentar vários painéis que são divisões topográficas dos sítios, isolando conjuntos de representações. Um painel será estudado levando em conta o tipo de representação, as técnicas e cores utilizadas e sua distribuição no painel, e com estes dados devidamente quantificados e analisados, podemos determinar o estilo do conjunto pela predominância de certas representações, disposição das mesmas, técnicas utilizadas, etc. Por vezes, no mesmo paredão, pode­se ver uma sucessão de painéis sobrepostos com diferentes estilos.

A ocupação dos grupos de agricultores: Amazônia, litoral e planaltoJá durante o Arcaico algumas populações sedentá­

rias experimentaram o cultivo de plantas em seus home gardens ou “quintais”, onde membros da comunidade seriam responsáveis pelo transplante de mudas de im­portância econômica (alimentos, matérias primas para trançados, alucinógenos, venenos para caça e pesca, remédios, etc) da floresta para os quintais onde seriam replantadas. O quintal seria o espaço de expe rimentação e desenvolvimento das espécies e a partir daí seriam desenvolvidas as formas de cultivo como as roças, onde o plantio é mais importante que o trans plante de mudas. A partir dessas experiências os índios do continente americano deram grandes contribuições às outras po­pulações do mundo na forma de impor tantes plantas domesticadas: a mandioca, o tomate, o tabaco, a batata, a batata doce, a coca, o cacau, o milho, a pimenta, o amendoim, o abacaxi, o maracujá, a abóbora, o algodão, o mamão, o feijão e o açaí, além de inúmeras outras.

O período que sucede ao Arcaico é o Formativo, como já foi dito anteriormente, cujas principais características são a emergência da agricultura como principal atividade produtiva e a redução do nomadismo. Na maioria dos casos, populações agricultoras são também ceramistas, e a associação de restos de cerâmica como indicadores da presença de sociedades agrícolas é geralmente inevitável. A cerâmica indígena é feita pela técnica de roletes, sem o uso do torno.

Aspecto de pinturas rupestres (Piauí)

Representação de atividades cotidianas dos agricul-tores do litoral e planalto.

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O surgimento da cerâmica na América tem seus mais antigos vestígios na região Amazônica brasileira, nos sambaquis do litoral paraense (5.000 anos) e na região de Santarém (7.000 anos).

Esses indícios sugerem que a Amazônia teria sido um centro de inovação cultural durante o Arcaico e o início do Formativo, o foco inicial da domesticação de tubérculos, como a mandioca e a batata­doce e da fabricação da cerâmica. Mas as evidências existentes mostram que houve mais de um centro de criação e difusão da agricultura/cerâmica no continente americano.

Os vestígios cerâmicos são extensamente utilizados como material arqueológico por duas razões básicas. Primeiro, sua durabilidade e sua preservação no registro arqueológico, mesmo que seja freqüentemente na forma de cacos. É a partir dos cacos coletados nos sítios arqueológicos que os arqueólogos tentam reconstituir a forma e a função dos artefatos produzidos. A segunda razão se deve às características da produção e uso dos artefatos cerâmicos. Devido à plasticidade da argila, a cerâmica de uma dada indústria apresenta geralmente diferentes formas que podem ser indicadoras de função e uma ampla gama de decoração, pintura, incisões, excisões, apêndices, etc. Esse conjunto de dados permite ao arqueólogo distinguir diferentes culturas ceramistas, que no Brasil são agrupadas em Tradições.

As Tradições são freqüentemente utilizadas na arqueologia brasileira como indicadores de identidades étnicas ou lingüísticas, ou seja, os vestígios de uma determinada tradição ceramista teriam sido fabricados exclusivamente por populações pertencentes a um grupo étnico específico. Em casos em que havia documentos históricos e/ou etnográficos que as embasavam, esse procedimento foi feito com sucesso.

Entre as Tradições ceramistas destaca­se por sua complexidade e estética, a cerâmica Marajoara. A presença de sítios singulares na ilha de Marajó (PA), na foz do Amazonas, os tesos (morros artificiais de terra), com abundante cerâmica chamou a atenção de pes­quisadores desde o século XIX. A tradição Marajoara apresenta artefatos cerâmicos com uma impressionante varie dade de formas, decorações e funções. Uma das variedades mais impressionantes são as urnas de forma humana e/ou animal, com pintura poli­crômica com motivos geométricos e apliques que reforçam seu aspecto humano/animal. Outros artefatos famosos de Marajó são as tangas, com suas faces externas decoradas com desenhos formando linhas e triângulos, ou simplesmente pintadas de vermelho. Esta cultura floresceu entre os séculos II e XII d.C., uma cultura estável, com uma grande densidade popu lacional, levando em conta as grandes dimensões dos tesos e a enorme quantidade de cerâmica encontrada.

1. bloco de argila

2. preparação do rolete

3. colocação do rolete I

4. colocação do rolete II

5. junção dos roletes 6. alisamento da parede

Urna funerária com representação humana (Marajoara – acervo MAE)

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A oeste, na região do rio Tapajós, encontram­se os sítios da cultura Santarém ou Tapajônica (séc. XIII a XVI d.C.), cujos artefatos cerâmicos apresentam uma alta variedade de formas e peças decoradas de grande complexidade. Esta cerâmica apresenta pintura, mas são os apliques que dão o tom único dessa cultura, com grande quantidade de elementos geométricos e de elementos de forma humana ou animal. Além de vasos com esta elaborada decoração há também estatuetas cerâmicas e de pedra, cachimbos. É a essa cultura que são associados os muiraquitãs, pequenos pingentes de pedra polida, com freqüência representando a rã. A cultura Tapajônica apresentava tesos de gran­des dimensões, com grande população, hierarquizada em classes (há referências de escravos), cultivavam milho, mandioca, algodão e uma espécie de arroz, e estavam em fase de domesticação das tartarugas fluviais na época do contato com os portugueses.

Em São Paulo, as culturas ceramistas conhecidas pertencem às Tradições Tupi­Guarani, Itararé e recentemente foram descobertos vestígios da Tradição Aratu. Os Tupi­Guarani apresentam uma cerâ­mica decorada com pinturas (policrômica) e com decorações plásticas do tipo inciso ou corrugada. Oriundos da Amazônia, os povos desta etnia se expandiram e ocuparam os vales da bacia do rio Paraná e quase toda a costa brasileira, sendo os primeiros a serem contatados pelos portugueses. Organizados em grandes aldeias, estes povos cultivavam principalmente a mandioca e o milho, sendo bons navegadores e gran­des guerreiros, en terravam seus mortos em gran des urnas decoradas.

No sul de São Paulo, na re gião do alto Ribeira, há vestígios nu merosos da Tradição Itararé, as­sociados aos povos Jê meridionais, os Kaingangs de São Paulo. Sua cerâmica é fina e lisa, e seus aldea mentos pe­quenos. No norte de São Paulo, no vale do rio Grande, foram encontra­dos vestígios da tradição Aratu, com grandes vasos funerários sem decoração, cacos espessos e grandes recipientes. Esta tradição teve seus vestígios datados entre os séculos X e XII, vindos do Brasil Central.

Recipiente de cerâmica pintado (São Paulo, acervo MAE)

Estatueta cerâmica com base lunar (Santarém – PA, acervo MAE)

Machado polido (Santarém – PA, acervo MAE)

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Grafismos indígenasSão manifestações presentes na arte rupestre, nos objetos utilitários e rituais (cerâmicas), no

corpo humano, nas areias e nas casas.Trata­se de uma decoração aparentemente abstrata­geométrica, com predominância de linhas

e traços.O desenhista parte sempre de referências do seu mundo real, sobretudo inspirado em animais

que o rodeiam. Nota e aprecia a beleza do padrão na pele de uma jaguatirica ou de uma cobra. O salpicar de pintas e manchas de um peixe, as marcas da superfície de uma folha.

É dessa atitude de contemplação que emerge a inspiração para desenhos representados nos grafismos indígenas.

“Era linda a serpente jararaca, coberta de padrões como uma pulseira de contas.”É notável a variedade de padrões.

Tayngava, autora: Tupaverí Kumandá, “feijão”, autora: Tapi’ira

Ka’ivarinyna (em cima), Ipirapekonyna (em baixo), autora: Arapaí

Na pintura corporal (tribal), observa­se a existência de duas orientações: uma é a assimetria de desenhos que podem ser executados livre e infinitamente e outra é a simetria na repetição dos módulos. A execução exige extrema perícia da autora, que deve ser capaz de geometrizar a área a ser decorada no corpo ou no pote de cerâmica, sem rascunhos ou medidas.

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Cerâmica AsuriniPara cada superfície são utilizadas matéria­prima e instrumentos específicos.Na cerâmica, usa­se como tinta matéria­prima mineral: pedrinhas de cor amarela, vermelha e

preta. Esfregam­se as pedrinhas em uma pedra maior com um pouco de água, obtendo­se a tinta. Os pincéis usados são em talinho de madeira encapado com algodão, uma fibra de pena da ave mutum ou talo da folha de palmeira. Com um chumaço de algodão embebido em tinta amarela, pinta­se toda a superfície externa da peça, preparando­se o fundo amarelo.

Uma vez seca a tinta amarela, aplica­se o desenho com tinta vermelha e preta. Depois de seca a tinta do desenho, cobre­se a superfície com resina do jatobá para fixar a tinta.

A arte gráfica indígena, em todas as suas manifestações, é um meio de expressão da identidade étnica e cultural dos índios, através do qual podemos entrar em contato com a sua maneira de pensar, seus valores, seus modos de vida e aprender a apreciá­los.

Glossário:

Paleoíndio: relativo a ou membro do povo ou cultura dos ocupantes mais remotos da América, provavelmente caçadores de origem asiática que se instalaram nesse continente a partir do pleistoceno. Etimologia pale(o)­ + índi.Seixo: fragmento de rocha de diâmetro variável, transportado pela água, que lhe arredonda as arestas; brugalhau, calhau, cascalho.Tembetá: qualquer adorno labial (excluídos os botoques) confeccionado com material duro (osso, concha, pedra, resina endurecida ou madeira) e de conformação variada, us. pelos índios em orifício praticado no lábio inferior.Bivalves: classe de moluscos lateralmente comprimidos, providos de concha com duas valvas calcárias, de vida aquática e que compreende todas as formas conhecidas vulgarm. como ostras e mexilhões [São filtradores de pequenas partículas.Lítica: relativo a pedra.Pluviosidade: que provém da chuva.Homogeneidade: que possui igual natureza e/ou apresenta semelhança de estrutura, função, distribuição etc. em relação a (diz­se de qualquer coisa em comparação com outra).Fluviais: relativo a ou próprio de rio.Crayon: grafite macio utilizado em desenho.Torno: máquina­ferramenta empregada para confeccionar ou dar acabamento a peças.Excisões: separar cortando, tirar ou extrair cortando.Etnográficos: registro descritivo da cultura material de um determinado povo.Estética: parte da filosofia voltada para a reflexão a respeito da beleza sensível e do fenômeno artístico.Tesos: elevação do terreno onde não chegam as águas das enchentes.Hierarquizada: escala de valor, de grandeza ou de importância.Policrômica: estado de um corpo ou objeto que apresenta várias cores.Fonte: Dicionário Houaiss.

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Você poderá consultar a BIBLIOGRAFIA DO PROJETO para retirar algumas dúvidas relativas ao conteúdo do seu texto FORMAS DE HUMAnIDADE. Você encontrará alguns destes livros indicados na Biblioteca do Colégio Santa Cruz. Também existe um endereço eletrônico com sites selecionados para a construção do texto FORMAS DE HUMAnIDADE.

BIBLIOGRAFIA DO PROJETO

Gaspar, Madu. A arte rupestre do Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003.Gaspart, Madu. Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar editor, 2000.Neves, Eduardo Góes. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar editor, 2006.Laver, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.Fausto, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.Kern, Arno Alvarez. Antecedentes Indígenas. Porto Alegre, Editora da Universidade, 1994.Heck, Egon; Prezia, Benedito. Povos Indígenas: Terra é vida. São Paulo, Ed. Atual, 1999.Donato, Hernani. Os índios do Brasil. São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1995.Funari, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo, Ed. Contexto, 2003.Funari, Pedro Paulo; Noelli, Francisco Silva. Pré-História do Brasil. Ed. Contexto, 2002.Funari, Pedro Paulo. Cultura popular na Antigüidade Clássica. São Paulo, Ed. Contexto, 1989.Vidal, Lux. Grafismo Indígena. São Paulo, Edusp, 1992.Scatamacchia, Maria Cristina Ribeiro. O encontro entre culturas. Coleção: A vida no tempo do índio. São Paulo, Atual, 1994.Olivieri, Antonio Carlos. Pré-História. Coleção: O cotidiano da História. São Paulo, Ática, 2007.Moreni, Maria. História do Estado de São Paulo. São Paulo, FTD, 2001.Munduruku, Daniel. Histórias de índios. São Paulo, Companhia das Letrinhas, 1996.Pellegrini, Domingos. No começo de tudo. São Paulo, Nova Alenxandria, 2002.Lewis, Roy. Por que almocei o meu pai. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.Ribeiro, Berta. O índio na História do Brasil. São Paulo, Global, 2001.Ribeiro, Marily Simõe. Arqueologia das práticas mortuárias: uma abordagem historiográfica. São Paulo, Alameda, 2007.

EnDEREÇO ELETRÔnICO http://www.cei.santacruz.g12.br/~6ano/historia

2012/humanidd_1/my/edf

Bibliografia: Guia Temático, Formas de Humanidade, MAE/USP.

Sachiko Ugayama