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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Graduação em Direito Franklin Leonardo Ferreira Flauzino A POSSIBILIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA AOS DEPENDENTES QUÍMICOS FRENTE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO Serro 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Graduação em Direito

Franklin Leonardo Ferreira Flauzino

A POSSIBILIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA AOS DEPENDENTES QUÍMICOS FRENTE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

Serro 2014

Franklin Leonardo Ferreira Flauzino

A POSSIBILIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA AOS DEPENDENTES QUÍMICOS FRENTE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da

Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerias - PUC Minas Serro, como requisito

parcial para obtenção do título de Bacharel em

Direito.

Orientador: José Emílio Medauar Ommati

Serro

2014

Franklin Leonardo Ferreira Flauzino

A POSSIBILIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA AOS DEPENDENTES

QUÍMICOS FRENTE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da

Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerias - PUC Minas Serro, como requisito

parcial para obtenção do título de Bacharel em

Direito.

_____________________________________________

José Emílio Medauar Ommati (orientador) – PUC Minas

______________________________________________

Examinador (a)

______________________________________________

Examinador (a)

Serro, ___ de ___________ de 2014

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela presença constante em minha vida.

Ao meu orientador, Professor José Emílio Medauar Ommati, pela paciência,

ensinamentos e principalmente pela orientação proporcionada.

A meus pais, Reinaldo e Leo, que sempre me apóiam, estruturam e

possibilitam conquistas.

Aos amigos e colegas nos quais sempre encontrei amparo e parceria nos

mais atribulados momentos no decorrer da vida acadêmica.

À Vanessa Duarte, exemplo de amizade, apoio e consideração.

Aos professores e seus ensinamentos que tornaram possível o raciocínio

jurídico e crítico que consolidaram o presente trabalho.

De forma geral a todos que contribuíram seja de forma direta ou indireta, meu

muito obrigado!...

“As drogas nem sempre são necessárias, mas a convicção na recuperação sempre é.” (COUSINS, 2014).

RESUMO

O presente trabalho realiza algumas considerações sobre a possibilidade da

internação compulsória de dependentes químicos no Brasil, frente à Constituição

Federal de 1988, tendo em vista os direitos de igualdade, liberdade e dignidade

humana nessa garantidos. Inicialmente realiza-se uma abordagem das legislações

brasileiras pertinentes ao tema, bem como as modalidades de internação, quais

sejam, voluntária, involuntária e compulsória. Após a exposição de tais legislações,

as mesmas são refletidas criticamente, analisando a equiparação da dependência

química ao transtorno mental, demonstrando-se primeiramente a origem histórica da

anormalidade como construção social, conforme compreende Michel Foucault, e

como esta deveria ser analisada a fim de considerar peculiaridades específicas

pertencentes a cada indivíduo e a relação saúde/doença. A partir de tais exposições

são traçadas considerações sobre a constitucionalidade das internações e sua

aplicabilidade em face da dignidade humana no sentido que lhe dá a teoria de

Ronald Dworkin, bem como a igualdade e liberdade considerando o entendimento

de José Emílio Medauar Ommati. Por fim, diante da implementação da internação

compulsória nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, aborda-se sua aplicação

face à Lei nº 10.216/2001.

Palavras-chave: Internação compulsória. Dependência química. Igualdade.

Liberdade. Dignidade humana.

ABSTRACT

This paper does some considerations about the possibility of compulsory

hospitalization of drug addicts in Brazil, front of the Federal Constitution of 1988, in

view of the rights of equality, liberty and human dignity that guaranteed. Initially we

make an approach to the issue of the relevant Brazilian laws, as well as the

modalities of admission, which they are, voluntary, involuntary and compulsory. After

exposure of those laws, they are reflected critically, analyzing the chemical equation

of mental disorder dependence by first demonstrating the historical origin of the

abnormality as a social construct, as Michel Foucault understands, and how it should

be analyzed in order to consider specific peculiarities belonging to each individual

and relationship health / disease. From these considerations explanations about the

constitutionality of compulsory internment and its applicability in the face of human

dignity towards giving you the theory of Ronald Dworkin, as well as equality and

freedom considering the understanding José Emilio Medauar Ommati are drawn.

Ultimately, front of implementation of compulsory admission in the cities of Rio de

Janeiro and São Paulo, it approaches its application to Law No. 10.216 / 2001.

Keywords: Compulsory Internment. Chemical dependency. Equality liberty. Human

dignity.

LISTA DE ABREVIATURAS

Art. – Artigo de Lei

Ed. – Edição

p. – Página

n° – Número

LISTA DE SIGLAS

§ - Parágrafo

OMS - Organização Mundial de Saúde

TJ-SP – Tribunal de Justiça de São Paulo

OAB-SP Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo

MP-SP – Ministério Público de São Paulo

CRATOD - Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 19 2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS .................................................................................... 20 3 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA UTILIZAÇÃO DA INTERNAÇÃO DE DEPENDENTES QUÍMICOS .................................................................................... 26 4 ANÁLISE CRÍTICA DA LEGISLAÇÃO.................................................................. 29 4.1 A dependência química é um transtorno mental? ........................................ 31 4.2 A legislação fere os direitos da igualdade, liberdade e dignidade humana do dependente químico? ............................................................................................. 37 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 50

19

1 INTRODUÇÃO

As internações de dependentes químicos constituem um tema controverso no

Brasil, isto porque parte da doutrina a entende como uma violação da liberdade

individual, a qual o Estado não possui competência para agir, tendo em vista que

não há danos a terceiros.

Ao contrário, há também entendimentos que consideram as intervenções

obrigações estatais com objetivo de resguardar os direitos de quem, em determinado

período, não possui condições de deliberar suas vontades.

O trabalho tem início com a abordagem das formas de internação com base

na legislação brasileira e a sua relação com a legislação direcionada ao modelo

assistencial em saúde mental. Diante do exposto, aborda-se a experiência brasileira

das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, as primeiras a realizarem de maneira

mais efetiva o cumprimento das internações compulsórias.

Frente à utilização da legislação que trata de transtornos psiquiátricos na

aplicação das internações, realiza-se uma análise crítica sobre a consideração da

dependência química um transtorno mental, utilizando-se para tanto, as exposições

de Michel Foucault (2010) sobre os anormais.

Partindo dessas considerações, passa-se à análise das internações e se

estas constituem lesões aos direitos constitucionalmente garantidos por nossa

Constituição Federal de 1988, frente à dignidade humana, conforme o entendimento

de Ronald Dworkin (2014), além dos direitos de igualdade e liberdade conforme o

entendimento do autor José Emílio Medauar Ommati (2014).

Por fim, demonstra-se a necessidade da utilização da internação em

determinados casos, como modo de efetivação da dignidade humana, não sendo

aceitável a mera alegação de liberdade individual ou livre-arbítrio para o afastamento

das medidas cabíveis no que tange o tratamento, cuidado, e, como último recurso, a

internação de dependentes químicos.

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2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE

DEPENDENTES QUÍMICOS

A legislação brasileira acerca das internações tem início com a publicação do

Decreto Federal n° 24.559/1934 que trata da profilaxia mental, a assistência e

proteção à pessoa, aos bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços

psiquiátricos e dá outras providências. Conforme se vê, esta legislação apresenta

uma série de termos amplos e maleáveis, tais como: psicopatas toxicômanos e

intoxicados habituais. (JUNIOR; VENTURA, 2013).

Art. 9º Sempre que, por qualquer motivo, for inconveniente a conservação do psicopata em domicílio, será o mesmo removido para estabelecimento psiquiátrico. Art. 10. O psicopata ou o indivíduo suspeito que atentar contra a própria vida ou a de outrem, perturbar a ordem ou ofender a moral pública, deverá ser recolhido a estabelecimento psiquiátrico para observação ou tratamento. Art. 11 A internação de psicopatas toxicómanos e intoxicados habituais em estabelecimentos psiquiátricos, públicos ou particulares, será feita: a) por ordem judicial ou a requisição de autoridade policial; b) a pedido do próprio paciente ou por solicitação do cônjuge, pai ou filho ou parente até o 4º grau inclusive, e, na sua falta, pelo curador, tutor, diretor de hospital civil ou militar, diretor ou presidente de qualquer sociedade de assistência social, leiga ou religiosa, chefe do dispensário psiquiátrico ou ainda por algum interessado, declarando a natureza das suas relações com o doente e as razões determinantes da sua solicitação. § 1º Para a internação voluntária, que somente poderá ser feita em estabelecimento aberto ou parte aberta do estabelecimento misto, o paciente apresentará por escrito o pedido, ou declaração de sua aquiescência. § 2º Para a internação por solicitação de outros será exigida a prova da maioridade do requerente e de ter se avistado com o internando há menos de 7 dias contados da data do requerimento. § 3º A internação no Manicômio Judiciário far-se-há por ordem do juiz. § 4º Os pacientes, cuja internação for requisitada pela autoridade policial, sem atestação médica serão sujeitos a exame na Secção de Admissão do Serviço de Profilaxia Mental, que expedirá, então, a respectiva guia. (BRASIL, 1934).

Posteriormente, em decorrência da preocupação do Estado com o tratamento

e internação de usuários de drogas, adveio o Decreto-Lei nº. 891/1938, que

distanciou a concepção de usuário como sujeito de direitos e consolidou sua

estigmatização e estereotipização como enfermo. (JUNIOR; VENTURA, 2013).

Artigo 27. A toxicomania ou a intoxicação habitual, por substâncias entorpecentes, é considerada doença de notificação compulsória, em caráter reservado, à autoridade sanitária local. (BRASIL, 1938).

21

Deve-se observar que o decreto impossibilita a alternativa de tratamento em

domicílio (JUNIOR; VENTURA, 2013), tendo em vista que o artigo 28 do mesmo

Decreto expõe que “[...] não é permitido o tratamento de toxicômanos em domicílio.”

(BRASIL, 1938).

Ademais, a redação trazida no art. 28 do Decreto nº 891/38, revoga o artigo 9º

do Decreto n° 24.559/34, vez que os dois artigos apresentam divergência quanto à

possibilidade de tratamento em domicílio, o que impediria a vigência simultânea. O

Decreto de 1938 autoriza ainda, a internação por conveniência pública, ou seja,

ficaria a critério do Estado a opção de quem internar e de como seria realizada essa

internação, frente à ausência de parâmetros interpretativos ou hermenêuticos

plausíveis. (JUNIOR; VENTURA, 2013).

Art. 29. Os toxicômanos ou os intoxicados habituais, por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não. §1º. A internação obrigatória se dará, nos casos de toxicomania por entorpecentes ou nos outros casos, quando provada à necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou for conveniente à ordem pública. Essa internação se verificará mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, só se tornando efetiva após decisão judicial. (BRASIL, 1938).

No ano de 2001 entraram em vigor as considerações da Lei nº 10.216/2001

(BRASIL, 2001) que tratam da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de

transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Como a

legislação brasileira não possui redações específicas sobre procedimentos inerentes

aos drogodependentes, são empregadas as concepções relativas à psiquiatria e aos

transtornos mentais. (JUNIOR; VENTURA, 2013).

O art. 6°, caput, da Lei nº 10.216/2001 expõe que a internação somente será

realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos,

posto que no parágrafo único e seus incisos I, II e III do mesmo artigo são

apresentadas as espécies de internações, senão vejamos:

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo

médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

22

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. (BRASIL, 2001).

O art. 7º1 da mesma lei assevera que a internação voluntária ocorre quando o

indivíduo a solicita voluntariamente ou a consente, assinando no momento da

admissão uma declaração de que optou pelo regime de tratamento, dado que o

término ocorrerá por solicitação do paciente ou determinação do médico assistente.

(BRASIL, 2001).

A internação involuntária ocorre sem a anuência do indivíduo e a pedido de

terceiro, devendo-se atentar ao § 1° do art. 8° da Lei nº 10.216/2001 que mostra a

necessidade da internação ser relatada ao Ministério Público no prazo de setenta e

duas horas pelo responsável técnico do estabelecimento em que esteja ocorrendo à

internação, utilizando-se o mesmo procedimento na respectiva alta.

O término da internação involuntária se dará por solicitação escrita do familiar,

ou responsável legal do internado, ou ainda, quando estabelecido pelo especialista

responsável pelo tratamento, nos termos do §2° do art. 8° da Lei n° 10.216/2001.

(BRASIL, 2001).

Por fim, temos a internação compulsória que decorre de decisão judicial,

considerando as condições de segurança do estabelecimento, bem como a proteção

do paciente, demais internados e funcionários2.

Posterior à Lei nº 10.216/2001 foi editada a Lei nº 11.343 de 23 de agosto de

2006 que versa sobre a prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção

social de seus usuários e dependentes, além de possuir várias outras competências,

sem, contudo, fazer qualquer referência considerável acerca da internação de

dependentes químicos ou dos requisitos para sua ocorrência. (JUNIOR; VENTURA,

2013).

A Lei nº 11.343/2006 modifica o sistema das internações psiquiátricas, tendo

em vista as legislações do início do século, fazendo com que o atendimento seja

1 Art. 7 - A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no

momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento. Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente. (BRASIL, 2001). 2 Art. 9

o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz

competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. (BRASIL, 2001).

23

realizado em comunidade, afastando a exclusão através de controle legal. (JUNIOR;

VENTURA, 2013).

Isto posto, a mesma não trata de “psicopatas toxicômanos” (como o Decreto

Federal nº 24.559/1934) e não faz menção a “intoxicados habituais”. Esta apresenta

ambulatórios especializados (Centros de Atenção Psicossocial – CAPS) com

objetivo de por fim ao modelo asilar dos hospitais psiquiátricos. (JUNIOR;

VENTURA, apud DANTAS, 2013, p. 273).

Conforme exposto, há uma lacuna legislativa na Lei nº 11.343/2006, motivo

pelo qual tramita no Senado o Projeto de Lei nº 7.663/2010, visando a inclusão do

art. 23A à respectiva lei, nos termos a seguir expostos:

Art. 11. Inclua-se o seguinte art. 23-A à Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006: “Art. 23-A A internação de usuário ou dependente de drogas obedecerá ao seguinte: I – será realizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde se localize o estabelecimento no qual se dará a internação e com base na avaliação da equipe técnica; II – ocorrerá em uma das seguintes situações: a) internação voluntária: aquela que é consentida pela pessoa a ser internada; b) internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e c) internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. § 1º A internação voluntária: I – deve ser precedida da elaboração de documento que formalize, no momento da admissão, a vontade da pessoa que optou por esse regime de tratamento; e II – seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita da pessoa que deseja interromper o tratamento. § 2º A internação involuntária: I – deve ser precedida da elaboração de documento que formalize, no momento da admissão, a vontade da pessoa que solicita a internação; e II – seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita de familiar, ou responsável legal. § 3º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente. § 4º Todas as internações e altas de que trata esta Lei deverão ser registradas no Sistema Nacional de Informações sobre Drogas às quais terão acesso o Ministério Público, Conselhos de Políticas sobre Drogas e outros órgãos de fiscalização, na forma do regulamento. § 5º É garantido o sigilo das informações disponíveis no sistema e o acesso permitido apenas aos cadastrados e àqueles autorizados para o trato dessas informações, cuja inobservância fica sujeita ao disposto no art. 39-A desta Lei. § 6º O planejamento e execução da terapêutica deverá observar o previsto na Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.”(BRASIL, 2010).

24

Não houve alterações nos requisitos da internação em relação à redação dos

artigos 6º, 7º e 9º da Lei nº 10.216/2001, quando comparados ao art. 11 do Projeto

de Lei nº 7.663/2010, podendo-se indicar apenas o acréscimo de procedimentos, tal

como, a necessidade de inscrição do médico no CRM do Estado onde se localiza o

estabelecimento onde ocorrerá a internação, conforme inciso I do art. 23A.

Ademais, o Projeto de Lei incluiu também a necessidade de registro das

internações e altas no Sistema Nacional de Informações sobre Drogas, as quais

terão acesso o Ministério Público, Conselhos de Políticas sobre Drogas e órgãos de

fiscalização, nos termos do §4° do art. 23A, bem como a garantia de sigilo das

informações disponíveis no sistema e o acesso permitido apenas aos cadastrados e

autorizados para o trato das informações, sob pena de sujeição ao art. 39A da

mesma lei, nos termos do art. 23A, §5°.

Não obstante as semelhanças com a Lei 10.216/2001, o Projeto de Lei nº

7.663/2010 foi criticado no aspecto em que visa à relativização do conceito de

usuário e dependente químico, ao passo que almeja a internação de usuários (art.

11 do Projeto de Lei) permitindo assim, que os mesmos também sejam internados

contra sua vontade, além de não demandar a necessidade do noticiamento das

internações voluntárias e involuntárias, conforme fora estabelecido no §1° do art. 8°

da Lei 10.216/2001. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2014)

Frente às legislações apresentadas no âmbito da internação de dependentes

químicos, cabe analisar se a determinação de um tratamento médico compulsório

ocasiona uma transgressão da liberdade individual, intimidade e vida privada, diante

do fato da intervenção do Estado sobre indivíduos de condutas que não danificam

concretamente bens jurídicos de terceiros. (KARAM, 2010).

Ou ainda, se o ato de internar compulsoriamente não emana da própria

dignidade humana, que segundo o autor Ronald Dworkin citado por José Emílio

Medauar Ommati, “[...] teria duas dimensões: a primeira ressalta a igual importância

que todos temos que assegurar a toda e qualquer vida; a segunda ressalta a ideia

de responsabilidade individual”. (DWORKIN apud OMMATI, 2014, p. 31)

Desta forma, Ronald Dworkin, novamente citado por José Emílio Medauar

Ommati, revela que “[...] o Estado de Direito visa assegurar que somos governados

por nós mesmos e não pelos caprichos de quem quer se seja. Fundamos, assim, um

25

autogoverno coletivo, baseado no igual respeito e consideração por todos”.

(DWORKIN apud OMMATI, 2014, p.19).

26

3 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA UTILIZAÇÃO DA INTERNAÇÃO DE

DEPENDENTES QUÍMICOS

No ano de 2012, o município do Rio de Janeiro passou a exercer uma política

que tornou possível o recolhimento compulsório de dependentes de crack para

tratamento, sendo que o mesmo ocorreu posteriormente na cidade de São Paulo.

(KELTER; SILVA, 2013).

No Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Assistência Social constituiu a

medida de internação compulsória de crianças e adolescentes que, na análise de

especialistas, se encontravam vulneráveis em função da dependência química. A

medida foi fundamentada na Resolução nº 20, de 27 de maio de 2011, publicada

após várias ações civis públicas interpostas pelo Ministério Público, que suscitaram

ao Município a adoção de medidas protetivas às crianças e adolescentes que viviam

nas ruas. (SILVA, 2013).

Entretanto, tal finalidade protetiva em favor dos dependentes químicos restou

prejudicada, tendo em vista que a legislação é contraditória e torna possível o

nascimento de uma gama de disposições repressivas. (JUNIOR; VENTURA, 2013).

Destarte, a Resolução nº 20, de 27 de maio de 2011 é pautada na

discricionariedade, maleabilidade e legitimação do controle estatal sobre as pessoas,

ao passo que estabelece o “abrigamento compulsório”. (JUNIOR; VENTURA, 2013).

Resolução SMAS nº 20 de 27 de maio de 2011 Art. 5º - São considerados procedimentos do Serviço Especializado em Abordagem Social, devendo ser realizados pelas equipes dos CREAS/Equipe Técnica/Equipe de Educadores: V - oferecer o abrigamento e fazer contato com as Centrais de Recepção para os devidos encaminhamentos; XV - respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional. [...] Art. 7º- São atribuições da equipe de educadores sociais do Serviço Especializado em Abordagem Social: Parágrafo Único- Fica aqui estabelecido que crianças e adolescentes que estiverem em situação de rua, abandono e em risco eminente, deverão ser abrigados, imediatamente, com segurança , devendo o responsável pelo estabelecimento do abrigamento intervir com as ações planejadas, no primeiro dia útil seguinte, se prejuízo do cumprimento dos §§ 2º e 3º do art. 5º desta Resolução. (RIO DE JANEIRO, 2011).

27

Essa resolução vem sendo aplicada especialmente em crianças e jovens

menores de 18 anos que ficam vulneráveis a sua finalidade, designada pela

prefeitura do Rio de Janeiro como “Sistema de abrigamento compulsório”,

excedendo os casos de dependência de drogas e alcançando todo e qualquer

menor que se ajuste ao flexível conceito de “situação de rua, abandono e em risco

eminente”. (JUNIOR; VENTURA, 2013)

Diante do total desrespeito à Lei nº 10.216/2001 que institui a internação

compulsória, não deve ser admissível a aplicação desta resolução, tendo em vista

que a mesma desconsidera o mínimo exigido, qual seja a existência de laudo

médico que a legitime. Seria fundamental, para uma melhor análise do caso

concreto, a consideração de características que ultrapassam apenas o âmbito

médico, atentando as particularidades do indivíduo e não aplicando as internações a

qualquer um, sob o pretexto que o mesmo se encontra nas ruas.

No caso das internações ocorridas em São Paulo, foi firmado um termo de

cooperação técnica com o Tribunal de Justiça do estado (TJ-SP), Ministério Público

(MP-SP) e a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), a fim de

possibilitar a internação de dependentes químicos em casos avaliados graves de

maneira ágil. (SILVA, 2013).

O programa agrupa no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras

Drogas (Cratod), juízes, promotores e advogados. O CRATOD3 é acessível todos os

3 Artigo 3º - O Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas tem por finalidades:

I - constituir-se em referência para a definição de políticas públicas para promoção de saúde, prevenção e tratamento dos transtornos decorrentes do uso indevido de álcool, tabaco e outras drogas; II - desenvolver conhecimento e tecnologia voltados ao enfrentamento: a) dos problemas causados à saúde, relacionados ao uso indevido de álcool, tabaco e outras drogas; b) de outros transtornos compulsivos, dentre os quais os alimentares e sexuais; c) de outros transtornos causados por álcool, tabaco e outras drogas no período da adolescência; III - prestar assistência médica intensiva e não intensiva a pacientes com transtornos decorrentes de álcool, tabaco e outras drogas, nas diversas faixas etárias, incluindo o período de adolescência; IV - elaborar, promover e coordenar programas, cursos, projetos de capacitação, treinamento ou aperfeiçoamento de recursos humanos, em consonância com a especificidade do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas; V - contribuir para formação e desenvolvimento de recursos humanos especializados; VI - desenvolver programas especiais de educação preventiva e promover campanhas educativas e de informação à população; VII - orientar as organizações de apoio, quanto aos aspectos assistenciais e psicossociais; VIII - atuar de forma articulada e integrada com as demais unidades pertencentes ao Sistema Único de Saúde - SUS, bem como com entidades públicas e privadas; IX - desenvolver e avaliar processos de investigação e pesquisa científica e criar mecanismos para a sua divulgação; X - propor e executar as ações de vigilância epidemiológica;

28

dias, 24 horas, e tem em sua equipe médicos, psicólogos e assistentes sociais. Esta

cooperação pretende acelerar a condução ao tratamento apropriado dos

dependentes químicos, considerando a avaliação médica e multiprofissional,

abarcando internações em serviços hospitalares, considerando a legislação vigente.

(SILVA, 2013).

O programa paulista mostra-se pertinente e adequado, visando a atenção aos

dependentes químicos, ao passo que pondera sobre as condições alheias as

médicas, correspondendo também aos termos da Lei nº 10.216/01, diferentemente

da Resolução nº 20, de 27 de maio de 2011, que apresenta características

extremamente discriminatórias.

A internação é uma fase considerada indispensável, um meio que não pode

ser abandonado em determinada fase do tratamento. Mas há a necessidade de

continuidade do tratamento após a alta. Este, indubitavelmente, é o maior obstáculo.

A divisão da família e o preconceito social, diversas vezes, impossibilitam o

prosseguimento do tratamento e isto é intensamente nocivo. (COSTA, Ileno Izídio

da, 2013).

A dependência química é um procedimento de tratamento terapêutico que

deve possuir métodos distintos, conforme as condições individuais. É necessário que

nos tratamentos, as famílias sejam informadas e, mais que isso, sejam utilizadas no

procedimento de restabelecimento e acompanhamento. (COSTA, Ileno Izídio da,

2013).

É essencial, quando da apreciação sobre a interpretação e da adoção da Lei

nº 10.216/01, que se entenda a indispensabilidade do enfrentamento pelo Estado

contra tão séria e crescente circunstância de pessoas em dependência química,

através de políticas que privilegiem medidas duradouras e que combatam de fato, os

reais elementos determinantes. Do contrário, o tratamento se reduzirá à clara e pura

realização de medidas definitivamente incompetentes e paliativas. (COELHO;

OLIVEIRA, 2014).

XI - estabelecer parcerias com universidades para consolidação e validação de tecnologia e com organizações nacionais e internacionais para intercâmbio de experiências; XII - proporcionar campo de treinamento e estágio adequado nos programas de prevenção e controle de álcool, tabaco e outras drogas.

29

4 ANÁLISE CRÍTICA DA LEGISLAÇÃO

Devemos considerar que a constatação do uso indevido de drogas é fator de

interferência na qualidade de vida do indivíduo, bem como na relação com a

comunidade à qual pertence, nos termos do art. 19, I da Lei 11.343/06. (BRASIL,

2006).

Na prática do consumo abusivo de drogas, nos deparamos com usuários

contumazes, doentes mentais, pequenos traficantes, vulneráveis, crianças e

adolescentes, devendo-se considerar que cada um destes necessita de avaliações,

abordagens e tratamentos diferentes entre si. (COSTA, Ileno Izídio da, 2013).

Diante do uso excessivo, ocorre uma dupla vitimização: por um lado

encontramos o viciado, subordinado pelo descontrolado desejo de consumo, que

consequentemente, torna-se um delinquente; e os inocentes, que por infortúnio,

acabam cruzando seu caminho durante uma determinada ação criminosa. (CAPEZ,

2011).

O autor Michel Foucault (2010) expõe que desde o Código Penal Francês de

1810, mais precisamente em seu art. 64, já não era considerado crime ou delito

acaso o sujeito se encontrasse em condição de insanidade na ocasião do crime.

Assim, o exame médico-legal deve proporcionar uma divisão:

Uma demarcação dicotômica entre doença e responsabilidade, entre causalidade patológica e liberdade do sujeito jurídico, entre terapêutica e punição, entre medicina e penalidade, entre hospital e prisão. É necessário optar, porque a loucura apaga o crime, a loucura não pode ser o lugar do crime e, inversamente, o crime não pode ser, em si, um ato que se arraiga na loucura. Princípio da porta giratória: quando o patológico entra em cena, a criminalidade, nos termos da lei, deve desaparecer. A instituição médica, em caso de loucura, deve tomar o lugar da instituição judiciária. (FOUCAULT, 2010, p.27).

Michel Foucault (2010) versa também sobre a maneira como o poder se

exerce acerca dos dementes, dos indivíduos que sofrem de alguma patologia, dos

delituosos, dos desviantes, dos infantes e dos necessitados. Apresentam-se

geralmente consequências e estruturas de poder que se desempenham em face

destes como recursos e consequências de supressão, de depreciação, de

banimento, de desaprovação, de escassez, de renúncia, de insciência; isto é, um

completo conjunto de noções e estruturas negativas de exclusão.

30

Entretanto, a dependência química não deve ser entendida com base apenas

em suas características penais ou patológicas, mas sim na busca da percepção de

seus fatores sociais, na clareza da relação saúde/doença envolta, na utilização de

determinada substância, causando com isso, a dependência, sendo necessárias

análises que superam os estereótipos sociais, objetivando a constituição de políticas

públicas de inclusão.

O debate sobre as drogas demanda também medidas objetivas, com vontade

política, atenção social e equipamentos de saúde apropriados ao processo de

acompanhamento do dependente químico. (COSTA, Ileno Izídio da, 2013).

Ao passo que o instituto trazido no art. 6°4 de nossa Constituição Federal de

1988 deveria ser aplicado de forma mais eficaz, no que tange ao direito social de

assistência a saúde, bem como o emprego do art. 1965 da mesma Carta, que aponta

especificamente o papel reservado ao Estado no que concerne à assistência a

saúde, podendo-se alegar inclusive, ser este o principal direito fundamental social

trazido em nossa Constituição. (COSTA, Ileno Izídio da, 2013).

Além disso, a internação compulsória nunca deve ser utilizada a fim de

dispensar os demais encargos, jamais devendo ser empregada como réplica única a

complexidade do tema.

Assim, a internação, independentemente da espécie, apenas será empregada

quando os recursos extra-hospitalares se revelarem ineficazes, conforme o art. 4º da

Lei 10.216/2001, tendo em vista a finalidade permanente (§ 1º), de reinserção social

do dependente em seu meio, devendo o modelo de internação ser constituído (§ 2º)

de maneira que proporcione amparo absoluto ao indivíduo, abarcando benefícios

médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, dentre outros.

(COSTA, Ileno Izídio da, 2013).

O art. 6º da mesma lei trata da internação psiquiátrica, mostrando que esta

“[...] somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize

os seus motivos” (BRASIL, 2001), deve-se compreender que o objetivo de toda

4 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988).

5 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

31

internação é intervir no transtorno e contê-lo, a fim de estabilizar os pacientes

gravemente doentes, garantindo a sua segurança e das outras pessoas. (COSTA,

Ileno Izídio da, 2013).

4.1 A dependência química é um transtorno mental?

A Lei nº 10.216/2001, conforme já mencionado, se destina à assistência e

direitos dos indivíduos portadores de transtornos mentais e desvia o modelo

assistencial em saúde mental, contudo, não se refere claramente aos

drogodependentes, toxicômanos ou adictos, mas ainda sim é aplicada tendo em

vista que a atual lei de drogas não faz nenhuma referência significativa sobre as

internações. (JUNIOR; VENTURA, 2013).

Perante tais considerações, é necessário examinar se a dependência química

realmente constitui um transtorno mental, podendo ser diagnosticada ou se houve

apenas uma ampliação da competência desta lei em face da lacuna legislativa

correspondente à internação dos drogodependentes.

Sobre o transtorno mental, o autor Michel Foucault realiza uma análise

histórica sobre o indivíduo anormal através de três modelos, sendo que estes

começam a se definir e diferenciar a partir do século XVIII quando seu estudo tem

início. (FOUCAULT, 2010)

O primeiro deles é denominado monstro humano e possui como

correspondência a lei, sendo formado não somente pela transgressão das leis, mas

como uma vinculação as leis da natureza, seu surgimento se dá no âmbito jurídico-

biológico. O monstro contraria a lei, ele é a infração, ao passo que não enseja uma

conclusão legal, ele encontra-se fora da lei, sendo considerado o aspecto natural da

contranatureza.

O segundo modelo é denominado indivíduo a ser corrigido, encontrado

especificamente nos séculos XVII e XVIII, seu aparecimento se deu na família e seu

entorno. O indivíduo a ser corrigido tem como principal característica o fato de ser

incorrigível, necessitando de determinadas assistências específicas em volta deste,

também sendo necessárias modificações nos métodos familiares, educação e

correção.

32

Quanto ao terceiro modelo, o masturbador, é uma espécie encontrada no fim

do século XVIII, sendo que sua presença se deu na família, como um espaço mais

restrito que os anteriores. Este ocorre e surge no pensamento, no conhecimento e

nos métodos pedagógicos, como um sujeito corriqueiro, ao passo que a realização

da masturbação é comum, como segredo partilhado, sobre a qual ninguém revela a

ninguém. Essa prática é disposta como o possível motivo, e até mesmo como motivo

legítimo de praticamente todas as desgraças imagináveis, onde os médicos do

século XVIII conectam as patologias corporais, nervosas e psíquicas. (FOUCAULT,

2010).

Identificando a arqueologia da anomalia, o anormal é progênito de um desses

três indivíduos, monstro, incorrigível ou masturbador, sendo que a linhagem do

sujeito anormal remete a qualquer destas. (FOUCAULT, 2010).

Ademais, Michel Foucault (2010) declara também que a psiquiatria,

constituída no final do século XVIII e começo do século XIX, não se classificou como

parte da medicina, mas como área específica de higiene pública, como atribuição da

proteção social contra os riscos das doenças, ou do que pode-se considerar direta

ou indiretamente a patologia, ocasionada à sociedade.

Como forma de providência social a psiquiatria se institucionalizou, como

instituto de conhecimento, sendo necessário para tanto, a realização de duas

consolidações concomitantes, tornar a loucura uma moléstia, fazendo com que seus

transtornos, falhas e alucinações tivessem caráter patológico, além de firmar a

loucura como ameaça, para que com isso pudesse subsistir como higiene pública.

(FOUCAULT, 2010).

Posteriormente, Michel Foucault identifica que quando a loucura se mostra

como procedimento do anormal, das circunstâncias anormais definidas

hereditariamente pela linhagem do sujeito, entende-se que a concepção de curar

não tem coerência. Desta forma, a acepção terapêutica não faz sentido, tendo em

vista o teor patológico da psiquiatria, sendo que esta não visa mais

fundamentalmente a cura, passando apenas à salvaguarda da sociedade, frente os

riscos dos sujeitos que se encontram em estado anormal, possuindo competência

somente de proteção e ordem. (FOUCAULT, 2010).

A psiquiatria visa assumir a competência da própria justiça; não somente no

que tange a higiene pública, mas também de grande parte das manipulações e

33

domínios da sociedade, como empenho comum de proteção da mesma, frente às

ameaças que a afligem de seu interior.

Neste ambiente, a psiquiatria cria o que Michel Foucault (2010) denomina

como racismo:

O racismo que nasce na psiquiatria dessa época é o racismo contra o anormal, é o racismo contra os indivíduos, que, sendo portadores seja de um estado, seja de um estigma, seja de um defeito qualquer, podem transmitir a seus herdeiros, da maneira mais aleatória, as consequências imprevisíveis do mal que trazem em si, ou antes, do não normal que trazem em si. É portanto um racismo que terá por função não tanto a prevenção ou a defesa de um grupo contra outro, quanto a detecção, no interior mesmo de um grupo, de todos que poderão ser efetivamente portadores do perigo. (FOUCAULT, 2010, p. 277)

Este novo racismo, denominado neoracismo, advindo da psiquiatria, é

correspondente ao século XX, como forma de proteção interior da sociedade frente

seus anormais. (FOUCAULT, 2010).

Contemporaneamente, a dependência em drogas é mundialmente identificada

em meio aos transtornos psiquiátricos, sendo declarada uma patologia crônica que

segue o indivíduo por toda a sua vida; entretanto, há possibilidade de ser cuidada e

controlada, diminuindo seus sintomas, modificando-se, os momentos de controle dos

mesmos e de regresso da sintomatologia (AGUILAR & PILLON; LEITE apud

PRATTA; SANTOS, 2009).

Nota-se que a presente caracterização da anormalidade como patologia

decorreu da psiquiatria, ao passo que esta pretendia através da estigmatização dos

indivíduos diferentes ou portadores de quase toda espécie de deficiência ou

imperfeição, sua retirada do convívio social de modo justificado e legitimado.

Forçoso concluir que, contemporaneamente, a dependência química não

deve se limitar a mera caracterização patológica, sob pena de realizar-se um

tratamento inadequado que restará inútil. É necessário compreender que os

indivíduos drogodependentes devem ser atendidos de formas diferentes,

considerando suas particularidades, condições sociais e o meio ao qual o mesmo

está inserido, afastando-se a generalização do transtorno mental.

Fazem-se necessárias intervenções objetivas quando do tratamento com

laudos médicos fundamentados, bem como a consideração da dependência no

contexto saúde/doença e social do indivíduo. (PRATTA; SANTOS, 2009).

34

Ainda no século XX, a compreensão reducionista de patologia se concentra

no âmbito biológico, omitindo-se a análise de diversos aspectos pertinentes que

teriam a capacidade de intervir na mesma. Já no contexto da especialização, temos

um verdadeiro fracionamento do corpo que modifica o caráter patológico, ao passo

que cada fração precisa ser zelada conforme um determinado conhecimento da área

de especialistas, deixando-se de considerar apenas o caráter biológico, mas

podendo-se avaliar o social, o psicológico e demais campos pertinentes.

Essa perspectiva proporciona consequências claras na relação do profissional

com o paciente, que deverá ser assistido pelo profissional de saúde em sua

conjuntura, como somente um sintoma que presta conexão com uma enfermidade.

(PRATTA; SANTOS, 2009).

É pertinente a compreensão do entendimento da Organização Mundial de

Saúde citada pelos autores Elisângela Maria Machado Pratta e Manoel Antônio dos

Santos (2009, p. 208) sobre a dependência química, senão vejamos:

A OMS (2001) destaca ainda, que a dependência química deve ser tratada

simultaneamente como uma doença médica crônica e como um problema

social. Pode ser caracterizada como um estado mental e, muitas vezes,

físico que resulta da interação entre um organismo vivo e uma droga,

gerando uma compulsão por tomar a substância e experimentar seu efeito

psíquico e, às vezes, evitar o desconforto provocado por sua ausência.

(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE apud PRATTA; SANTOS, 2009, p.

39)

Ademais, deve-se atentar que nem toda utilização de substância psicoativa

corresponde à dependência química, nos termos trazidos pela Organização Mundial

de Saúde (2001):

A síndrome de dependência envolve desejo pronunciado de tomar a substância, dificuldade de controlar o uso, estados de supressão fisiológica, tolerância, diminuição ou abandono da participação noutros prazeres e interesses e uso persistente não obstante os danos causados ao próprio e aos outros. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2001, p. 70)

Neste sentido, não deve ser defendida a possibilidade da redução da

liberdade de usuários de drogas em todos os casos, tendo em vista a existência de

indivíduos que permanecem exercendo suas atividades convencionais, além do fato

de o vínculo dos indivíduos com a droga ser desigual, pois fazer uso de um

35

medicamento para dormir e os dependentes que vivem em uma cracolândia têm

grau de utilização, submissão e comportamentos aos efeitos da droga totalmente

diferentes.

Assim, a internação somente será dirigida aos casos em que a utilização da

droga excede a noção de mero uso para se tornar vício em que o indivíduo não

consegue mais gerir-se, convertendo-se em verdadeiro subordinado pela utilização

sucessiva de determinada droga. (COSTA, Jessica Hind Ribeiro, 2013).

Não obstante o entendimento da Organização Mundial de Saúde ao

considerar o uso de drogas, em especial a dependência química um transtorno

mental, deve-se atentar aos aspectos pautados na área da saúde, o que torna

indispensável à consideração dessa ocorrência no campo da saúde e da doença,

vigentes no decorrer da história do homem, assim como na atualidade. (PRATTA;

SANTOS, 2009).

Discorrer a respeito da saúde não é somente confrontar a doença, tendo em

vista que a saúde é algo mais vasto e complexo, não estando sujeita apenas e

unicamente ao âmbito biológico. Ao se tratar do binômio saúde/doença, é essencial

que estes sejam percebidos como procedimentos diligentes que se realizam em todo

lugar considerando múltiplos elementos correspondentes a circunstância humana.

(PRATTA; SANTOS, 2009).

Faz-se necessária a observação dos vários aspectos pautados e

determinantes ao diagnóstico da dependência química. Assim, a mera classificação

discriminatória social não deve subsistir, tendo em vista que esta agrava a situação

dos indivíduos, dificultando o acesso a condições mínimas de trabalho, habitação,

dentre outras. Assim, as políticas de inclusão social, como emprego e formação

profissional são essenciais, vez que oferecem uma saída aos dependentes,

indicando a possibilidade de vida próspera longe das drogas.

Dessa forma, o anormal mencionado por Michel Foucault (2010) como mera

produção social pautado no higienismo deve ser afastado, visando uma análise

adequada de todos os elementos que constituem e são caracterizadores da

dependência química de determinado indivíduo, para que assim, haja a possibilidade

de realização do tratamento adequado, superando a mera caracterização neoracista

da anomalia e a internação desnecessária em qualquer de suas modalidades.

36

É indiscutível a correspondência entre a saúde/doença, tendo em vista seus

elementos psicológicos, sociais, políticos, econômicos e ambientais, devido às

interferências impróprias que o ambiente efetua na oportunidade do sujeito

conservar sua saúde. (ROSA, CAVICCHIOLI & BRÊTAS apud PRATTA; SANTOS,

2009)

Além do que, é necessário tomar um ponto de vista amplo e diligente,

considerando o processo saúde/doença como um elemento histórico e

multideterminado. Referindo-se inevitavelmente ao arquétipo biopsicossocial, que

leva a ideia de conexão, apreciando a saúde como uma produção social, possuindo

afinidade com a área biológica, mas que está sujeita também a uma cadeia de

outros categóricos sociais que estão presentes na vida de cada indivíduo, como

cultura, lazer, transporte, alimentação, educação, trabalho, saneamento básico

dentre outros. (MENDES apud PRATTA; SANTOS, 2009).

Abordar o tema da utilização excessiva de substâncias psicoativas e a

dependência que pode surgir em determinadas circunstâncias, alude debater não

somente temas orgânicos e psicológicos, mas da mesma forma temas sociais,

políticos, econômicos, legais e culturais correspondentes a esse fato, além dos

resultados físicos, psíquicos e sociais do mesmo. (OCCHINI & TEIXEIRA apud

PRATTA; SANTOS, 2009).

A clareza desses fatos é basilar para se ponderar quanto ao tratamento e

cuidado, especialmente quanto à eficiência dos mesmos, pois a ciência fornecida

sobre o fenômeno da drogadição não deve ser separada do âmbito mais aberto no

qual são determinadas os aspectos que amparam e estabelecem a existência social,

dando significação aos atos humanos. (PRATTA; SANTOS, 2009).

Deste modo, a observância das características pertencentes ao dependente

químico é de suma importância ao seu tratamento, bem como para que sejam

criadas políticas públicas que realizem de forma efetiva a inclusão social de

determinada população, visando o distanciamento dos indivíduos através da

informação, educação, esporte dentre outros meios sociais. Afinal, descobrir as

necessidades de determinada comunidade e supri-las é muito mais eficiente do que

qualquer tratamento ao dependente químico.

37

4.2 A legislação fere os direitos da igualdade, liberdade e dignidade humana do

dependente químico?

Fundamentando-se na legislação brasileira pertinente à internação de

dependentes químicos, bem como na discussão sobre a dependência química

enquanto transtorno mental, resta analisar se as aplicações de tais institutos ferem

direitos constitucionalmente garantidos aos indivíduos pelo Estado Democrático de

Direito6.

A questão é conflituosa, ao passo que parte da doutrina entende que o

dependente químico é sujeito de direitos, devendo estes serem considerados assim

como suas garantias fundamentais, dignidade da pessoa humana e o direito de não

ter retirada sua liberdade, senão em flagrante crime ou determinação judicial escrita

e motivada (com normas vigentes, que integram princípios constitucionais e sejam

características no tratamento e garantam a redução de danos e o proibicionismo).

(JUNIOR; VENTURA, 2013).

No mesmo sentido, encontramos a internação como ofensa aos direitos

garantidos constitucionalmente, como transgressão ao princípio da legalidade, art.

5°, inciso II de nossa Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), que assegura

que “ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer coisa alguma senão

em virtude da lei”. Assim, a supressão da liberdade sem razão legítima, ordem

judicial (internação involuntária), assentimento ou escolha do indivíduo,

caracterizaria ofensa ao princípio da legalidade e transgressão ao direito a liberdade

de ir e vir. (COSTA, Ileno Izídio da, 2013).

A autora Maria Lúcia Karam evidencia que a racionalidade, imprescindível às

ações do governo em um Estado Democrático, não se ajusta aos bloqueios e

empecilhos lançados a vontade e direitos dos possuidores dos direitos que motivam

a tutela jurídica. (KARAM, 2011)

6 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e

do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 1988).

38

Desta forma, Maria Lúcia Karam esclarece que:

Toda intervenção estatal supostamente dirigida à proteção de um direito contra a vontade do indivíduo que é seu titular se torna absolutamente inconciliável com a própria ideia de democracia, pois impede que o indivíduo tenha a opção de não fazer uso dele ou de renunciar a seu exercício, assim excluindo sua capacidade de escolha. (KARAM, 2011, p. 5).

Assim sendo, o Estado Democrático não deve sobrepor o sujeito nas

deliberações correspondentes exclusivamente a ele mesmo. Ao sujeito deve ser

oferecida a liberdade de tomar decisões, mesmo que esta possa ter como

consequência uma perda ou um prejuízo, ainda que essa perda ou prejuízo tenha

um resultado irreparável. (KARAM, 2011).

Ainda sob este ponto de vista, há doutrinadores contrários à internação

compulsória, utilizando o argumento de que esta fere os direitos constitucionais

quanto à liberdade de escolha do cidadão, servindo como um disfarce para os

interesses econômicos e políticos conexos ao antigo método higienista7, isto é,

considera-se uma maneira de remover os indivíduos da rua e acrescer as

desigualdades sociais, não possuindo caráter de legítimo cuidado. (SILVA, 2013).

Assim, o proibicionismo, segundo estes posicionamentos, não deve sobrepor

à dignidade humana. O Estado necessita, no afrontamento das drogas, preferir as

políticas que protejam os direitos e garantias dos indivíduos e não os meios que

tendam ao cerceamento da liberdade, a restrição de direitos e o extermínio da

subjetividade e individualidade do sujeito. (JUNIOR; VENTURA, 2013).

A autora Ana Cristina Ferreira Silva (2013) enuncia que é necessária a

intercessão pelos drogodependentes, mas esta não deve ocorrer de qualquer forma

e a qualquer custo. Toda espécie de procedimento com objetivo de tratamento deve

ser avaliada e apoiada em garantias mínimas, ao passo que o contrário se revelará

como mera política de limpeza urbana e segregação, com absoluta ofensa à

liberdade do cidadão.

7 Em nosso país, o higienismo nasceu no fim do século XIX e começo do século XX, como

oportunidade de melhora das condições de saúde geral dos cidadãos, contudo foi considerado um movimento social dirigido pelas classes dominantes, com finalidades ideológicas, políticas e econômicas. Ele destina-se a solucionar problemas pautados na miséria, moradia, desemprego, alcoolismo e as epidemias de tuberculose, varíola, febre amarela, dentre outras, que afligiam o país na época, e acarretavam problemas para a economia agroexportadora. (SILVA, 2013, p.148).

39

Desta forma, na oposição de interesses e princípios, a sugestão de internação

tem de possuir como fins principais a dignidade, o bem estar e recuperação do

dependente. (SILVA, 2013).

Isto posto, a internação compulsória seria constitucional ao estabelecer a

necessidade de autorização judicial que a determine, ao passo que é essencial que

o Estado não permita que pessoas dependentes de drogas fiquem vulneráveis,

devendo agir em determinados casos, cautelarmente, resguardando a integridade

dos que não podem mais deliberar sua vontade e que se encontram em perigo

iminente. (KELTER; SILVA, 2013).

Para uma melhor compreensão da constitucionalidade de tal instituto, faz-se

necessária a abordagem da constitucionalidade da internação dos dependentes

perante os direitos de igualdade, legalidade e dignidade da pessoa humana.

O autor Ingo Wolfgang Sarlet (2012) explica que a dignidade humana possui

um caráter dúplice ao passo que respectivamente é a liberdade do indivíduo

(deliberações fundamentais sobre sua própria vida), além da imprescindibilidade de

sua custódia, tanto por parte da sociedade, quanto do Estado, principalmente em

momento que não haja condições de autodeterminação.

Para analisar o tema da dignidade humana, o autor Ronald Dworkin citado por

José Emílio Medauar Ommati (2014) inclui nesta os conceitos de ética, moral, moral

política e direito.

Ronald Dworkin, novamente citado por José Emílio Medauar Ommati, mostra

que a ética é considerada a procura da felicidade, enquanto que as perguntas que

esta levanta, tais como, o que é uma vida boa ou o que um indivíduo deve aos

outros? As respostas se encontram no ramo da moral, ao passo que ninguém vive

solitariamente e é impossível buscar a felicidade diante da ausência de

relacionamento com os demais sujeitos integrantes da sociedade. (DWORKIN apud

OMMATI, 2014)

Cada competidor deve ficar em sua raia (domínio da Ética); contudo, em algumas situações, ele é compelido a atravessar sua raia e interferir na raia do outro competidor. No entanto, essa interferência apenas é justificável se for para tentar ajudar o outro competidor, de modo a não prejudicar nenhum dos dois (domínio da Moral). (OMMATI, 2014, p. 33).

Deste modo, Ronald Dworkin (2014) ao tratar do conceito de bem viver

mostra que o mesmo possui dois princípios basilares, o primeiro é o princípio de

40

respeito por si mesmo, cada indivíduo deve considerar sua própria vida, deve

compreender que é de suma importância que sua existência seja uma realização

bem-sucedida, e não uma oportunidade perdida.

O segundo princípio tratado por Dworkin é a autenticidade, cada pessoa tem

um encargo individual e específico de reconhecer quais devem ser os parâmetros de

êxito em sua própria vida; tem o dever pessoal de instituir essa vida por meio de

uma história ou de um modo coeso com os quais ela mesma consinta. (DWORKIN,

2014)

Ademais, o respeito por si mesmo se fundamenta no dever de identificar a

consideração objetiva do bem viver, ou seja, admitir que seria um erro não se

empenhar em seu modo de vida. Contudo, o respeito por si mesmo que a dignidade

demanda não é o respeito de apreciação, mas o respeito de reconhecimento - a

consciência de que as atitudes e as práticas têm importância - que a infelicidade

frente a quem a pessoa se tornou e o que praticou recebe significado.

Sobre o segundo princípio da dignidade Ronald Dworkin exibe que a

autenticidade é o outro lado pertencente ao respeito por si mesmo. Ao considerar-se

seriamente, o indivíduo percebe que viver bem constitui o ato de manifestar-se em

sua vida, procurar por atitudes de viver que lhe aparentem mais adequadamente

certas para si e suas situações. O essencial não é possuir um estilo de vida distinto

dos outros, mas viver conforme seu cenário e utilizando valores que lhe aparentem

apropriados, e não de modo contrário ao dessas coisas. (DWORKIN, 2014)

Além disso, Dworkin (2014) expõe que a autenticidade não implica em um

planejamento detalhado ou um curso delineado na juventude. Todos têm a

capacidade de encontrar um caráter ou um estilo enquanto vivem, analisando ações

na medida em que são efetuadas, não acompanhando uma linha, mas buscando-a.

Não obstante, a autenticidade dispõe de outra característica: determina as

demandas que a dignidade atribui nas relações com outros indivíduos. Há a

necessidade de se obter a independência. Porém, isso não indica buscar resistir à

influência ou a persuasão. Não há a possibilidade de criação de um estilo de vida

inteiramente novo; todos habitam numa cultura ética que proporciona, a todo o

momento, uma gama de valores éticos perceptíveis de onde devem ser retiradas

alternativas individuais.

41

A autenticidade estabelece também que conforme seja preciso a uma pessoa

decidir sobre a melhor aplicação a ser dada a sua vida, essas devem ser

determinadas pela própria pessoa. Este conceito de autenticidade não pode,

contudo, ser igualado à autonomia, tendo em vista que esta última requer somente

que certa série de opções seja permitida pelos somatórios das situações, sendo

estas naturais ou políticas. Assim sendo, há autonomia individual quando o governo

maneja a cultura da comunidade, visando à eliminação ou a tornar menos

admissíveis determinados estilos de vida que ele reprova.

Por outro lado, a autenticidade, tal como deliberada pelo segundo princípio da

dignidade, atenta não apenas a ocorrência de empecilhos à opção, mas também as

características desses empecilhos. A autenticidade é danificada na ocasião em que

alguém é constrangido a acolher o critério de outro sobre os valores ou objetivos que

deveriam se demonstrar em sua existência. (DWORKIN, 2014)

Desta forma, nota-se que a internação compulsória não caracteriza ofensa a

dignidade humana, quando utilizada com objetivo de auxiliar um indivíduo que não

possui qualquer respeito por sua própria vida, momento em que sua autenticidade é

reduzida, impossibilitando a busca pelo melhor destino que sua vida pode e deve

tomar.

Estas pessoas que se encontram sujeitas ao uso de determinada substância,

quando perdem a consideração ou apresso por qualquer outro interesse que não

seja o próximo uso, muito raramente terão consciência ou conseguirão pedir ajuda.

Por isso, nestes casos é importante a intervenção do Poder Público, não de

qualquer forma, mas com objetivos terapêuticos que considerem as particularidades

e necessidades para que o tratamento proporcionado surta os efeitos desejados

reintegrando o indivíduo a sociedade.

Acerca da moral, Ronald Dworkin (2014) aduz que a motivação que os

indivíduos possuem para acreditar que o desenvolvimento de sua vida é

precisamente considerável também é um motivo para acreditar que o

desenvolvimento da vida de qualquer indivíduo é significante: a consideração

objetiva da sua existência repercute na consideração objetiva da vida de qualquer

outro indivíduo.

A riqueza e a sorte se repartem de forma irregular entre os indivíduos. Assim,

constantemente os indivíduos se encontram em condições de amparar estranhos

42

que estão em circunstância pior que a sua, seja de caráter total, ou por motivo de

ocorrência de acidente ou algum perigo.

Segundo Dworkin (2014), a questão a ser abordada primeiramente é até que

ponto os indivíduos devem deixar seu caminho com objetivo de amparar outras

pessoas? E segundo, diante do conflito sobre quem ajudar em momentos em que

não se pode socorrer a todos, mas somente alguns, como agir?

É imprescindível a demonstração de pleno respeito pela idêntica importância

objetiva da vida de cada pessoa, mas também é necessário demonstrar pleno

respeito pela responsabilidade individual de fazer algo de valor com sua própria

existência, a interpretação da primeira exigência deve deixar espaço para a

segunda, e vice-versa.

Destarte, o respeito que as pessoas devem ter por elas mesmas deve ser

levado aos demais membros da sociedade como parte do princípio da dignidade

humana. Dessa forma, a consideração pela vida se faz necessária no âmbito

individual (própria vida) e coletivo (zelar pela vida alheia), assim como a liberdade de

escolha que cada indivíduo possui para decidir sobre seu modo de vida, tendo por

base novamente o respeito por sua própria vida.

Assim, pela integração entre Ética e Moral, somos responsáveis não apenas pela nossa própria vida, mas também pela vida de nossos concidadãos, se isso for possível. Temos a responsabilidade moral de tentarmos tornar a vida dos nossos concidadãos tão boa quanto as nossas próprias vidas. Temos o dever de evitar, sempre que possível que uma vida se desperdice! Nesse aspecto, como afirma Dworkin, às vezes um pouco de paternalismo é inevitável e necessário. (OMMATI, 2014, p. 34).

Contudo, Ronald Dworkin (2014) expõe também que há possibilidade de se

admitir a importância objetiva das vidas dos desconhecidos, sem a necessidade de

aceitar o dever de submeter a vida e interesses a importância coletiva ou até mesmo

a apenas uma vida cujas carências sejam maiores.

Somente o fato de não aceitar a realização de sacrifícios esplêndidos não

ocasiona o desprezo pelo conceito de igual importância das vidas humanas.

Contudo, há uma baliza para o quanto se pode desconsiderar algo que possui valor

objetivo, afinal, a insensibilidade ao destino em alguns casos, seria manifestação de

semelhante indiferença pela importância da vida humana.

43

Suponhamos que você esteja numa praia e, não muito longe, uma senhora idosa chamada Hécuba grita que está se afogando. Você não a conhece e ela não o conhece. Mas você pode facilmente salvá-la e, se não o fizer não poderá afirmar que tem respeito pela importância objetiva da vida humana. (DWORKIN, 2014, p. 419)

A elaboração de um método objetivo para formar a interpretação, apontando

os elementos que precisam ser considerados e como o devem; ainda assim não

podem ser esboçados a ponto prever todas as decisões em episódios complexos e

próximos. Este método plausível pondera sobre três fatores: as lesões que a vítima

pode sofrer, os dispêndios possíveis para quem a salva e a confrontação entre a

vítima e seu potencial salvador.

A respeito dos danos que a vítima pode sofrer, atenta-se a avaliação do estilo

da ameaça ou da dificuldade confrontada pela vítima, livre do fato de sua situação

geral ser pior que a de seu possível salvador. Para avaliar objetivamente o risco ou a

dificuldade que a vítima confronta, não indaga-se quão má a própria vítima declara a

sua circunstância, a julgar por suas intenções e anseios, mas o quanto a

circunstância a impede de oportunidades convencionais que os indivíduos têm para

alcançar suas pretensões escolhidas.

Essa avaliação é a mais adequada para reconhecer determinados episódios

em que a ameaça ou a necessidade é grande ao ponto que a desconsideração será

a demonstração de uma imprópria falta de respeito pela importância de outra vida

humana.

No que diz respeito à métrica do dano, independentemente do caráter e da

dimensão do dano que intimida um indivíduo, a responsabilidade de evitar o dano é

superior quando pode ser realizado sob riscos menores e prejudicando menos a vida

de quem presta o auxílio. No primeiro momento, pode parecer que o que deve ser

considerado é a avaliação dos custos. Porém, a questão permanece interpretativa -

é necessário ter ciência de quando uma renúncia de ajudar configura a falta de

respeito pela importância objetiva da vida humana - e está sujeito a acepção da

despesa dessa ajuda para o indivíduo, não para outro que possua condições

distintas.

A confrontação traz duas dimensões, a primeira é a particularização: quanto

mais evidente a identificação de quem sofrerá os prejuízos, caso não haja

intervenção, mais forte o contexto favorecendo a obrigação de interferir. A segunda

dimensão é a proximidade: quanto mais direta for à confrontação com certa ameaça

44

ou necessidade, mais forte o contexto em favor da obrigação de auxiliar.

(DWORKIN, 2014).

Segundo entendimento de Ronald Dworkin (2014), ao desconsiderar o dever

moral geral de manifestar pelos desconhecidos a igual importância que o indivíduo

possui por si mesmo e ao sugerir, ao invés disso, ao tema interpretativo de conhecer

se a abdicação de auxílio nega a importância objetiva da vida humana, o indivíduo

se torna apto a esclarecer a diferença entre esses episódios trazendo a escala de

ponderação da confrontação.

A prática de ignorar um indivíduo que está prestes a falecer a sua frente

implica uma indiferença que contradiz toda provável consideração pela humanidade.

Não ambicionando demonstrar que as obrigações são determinadas inteiramente

pelo choque visceral, mas a moral do salvamento está envolta em um aspecto

interpretativo, e que deve considerar os instintos e a conduta natural dos indivíduos

para solucionar essa questão.

Mesmo quando as vítimas se encontram longínquas, e não sabe-se quem são

e quais delas falecerão, e por qual razão, se não houver colaboração com os fundos

gerais de auxílio. Ainda sim, essas ocorrências não representam uma atenuação

integral do dever de ajudar, ou seja, se determinada circunstância possui pontuação

consideravelmente alta e baixa nas primeiras duas escalas, necessidade e custo

respectivamente, a obrigação de ajudar não será extinta apenas por uma pontuação

baixa na terceira escala, a da confrontação. (DWORKIN, 2014).

A consideração pela importância da vida humana deve estar presente na

prática social, principalmente quando os ônus são menores e há a possibilidade de

realizá-la. (DWORKIN, 2014).

Compreende-se que a consideração pela vida dos demais indivíduos não

exige heroísmos ou sacrifícios pessoais, porém em determinadas ocasiões a

importância objetiva dada a vida humana não deve ser desconsiderada,

principalmente quando os esforços e prejuízos por parte de quem auxiliam são

menores, assim cabe também ao Poder Público não se comportar como mero

espectador, sob o confortável argumento do respeito ao direito de ir e vir, no caso

dos dependentes químicos, mas, deve fazer imperar seu direito à vida. (CAPEZ,

2011).

45

Conforme exposto, a dignidade humana não se constitui apenas pela

valorização de nossa própria vida, mas também pelo que é realizado em prol dos

outros, principalmente os que se encontram em situação de vulnerabilidade ou na

proeminência de danos.

Portanto, é imperativa a intercessão em prol dos indivíduos que se encontram

em situação de risco pelo próprio princípio da dignidade humana, na ocorrência de

dependência química, por exemplo, torna-se imprescindível a tomada de medidas a

fim de recuperá-lo, tendo como finalidade principal de preservação da vida e

principalmente que a esta seja dada a condição de ser bem-sucedida.

[...] a dignidade humana pressupõe que toda vida humana deve ser respeitada. E, mais que respeitada, todos devemos lutar para que uma vida humana não seja desperdiçada. Além disso, a dignidade humana pressupõe a responsabilidade individual no desenvolvimento dos projetos de felicidade. É dizer, garantir que as pessoas possam viver com autenticidade. Neste sentido, o direito à vida deve ser visto a partir da ótica da dignidade humana. Não basta assegurar corpos vivos na comunidade: é de fundamental importância que esses corpos possam se desenvolver plenamente e, para isso, a comunidade deve garantir condições mínimas para esse desenvolvimento pleno. (OMMATI, 2014, p. 89-90)

Assim sendo, a dignidade na sua concepção de proteção do indivíduo, tem

a faculdade em determinadas ocasiões de imperar sobre a liberdade daquele que

não possui condições para uma deliberação própria e responsável, podendo ocorrer

à sua perda – através de nomeação de curador ou sujeição involuntária a tratamento

ou internação – do desempenho de sua prática deliberativa, permanecendo apenas

o direito a ser cuidado com dignidade. (SARLET, 2012).

Quanto aos direitos de igualdade e liberdade, o autor José Emílio Medauar

Ommati (2014) entende que estes princípios se integram, ou seja, se pressupõem

reciprocamente. Uma vez que, seja histórica, seja normativamente estes princípios

jamais entraram em conflito, desde o surgimento do constitucionalismo moderno.

A leitura histórica de Bobbio é equivocada, pois, se no Estado Liberal de Direito, houve uma preocupação com a liberdade, contudo essa preocupação se deu apenas para com os ricos, com os proprietários, já que os demais indivíduos eram livres para aceitar contratos de trabalho que os levavam à miséria e à quase eliminação física! Assim, não se pode dizer que todos eram livres, pois todos não eram iguais! Por outro lado, a preocupação com a igualdade no Estado Social de Direito levou a que a humanidade cometesse as maiores atrocidades para com seus semelhantes. Nesse sentido, também não se pode afirmar que houve afirmação de igualdade, já que a liberdade foi violada. Mais uma vez, sem

46

igualdade não há que se falar em liberdade e vice-versa. (OMMATI, 2014, p. 73)

Quanto ao âmbito normativo, os direitos de igualdade e liberdade também não

estão em conflito, pois igualdade não exprime tratar de forma semelhante os iguais e

de forma diferente os desiguais na proporção em que se desigualam, mas na

verdade tratar todos como iguais. E tratar todos como iguais constitui que tanto o

Estado, quanto os particulares precisam tratar todos com o semelhante respeito e

importância. O direito que os indivíduos têm de serem tratados de forma igual, ou

com idêntico respeito e consideração, faz com que sejam identificados direitos de

liberdade a este sujeito. (OMMATI, 2014).

Deste modo, o semelhante respeito e consideração geram essencialmente as

análogas liberdades para todos os sujeitos. Por isso, igualdade e liberdade se

implicam reciprocamente. De outra forma, caso o tema fosse ponderado sob o

aspecto da liberdade, ainda sim seria compreendido que a concepção apropriada de

liberdade abarca essencialmente a igualdade. Dessa forma, a liberdade não constitui

praticar o que quiser sem qualquer limitação. Liberdade acarreta basicamente o

direito de deliberar com responsabilidade, conexo ao igual respeito e consideração.

Deste modo, o entendimento pela permissibilidade da dependência química

em determinados casos em que a submissão a substância é grande não deve

prosperar, sob a alegação do direito de liberdade, visto que essa não poderá ser

exercida de qualquer maneira, devendo sempre ser deliberada de forma consciente

e tendo como alicerce o respeito e a consideração por sua própria vida, bem como a

possibilidade de exercer a autenticidade.

Segundo Ronald Dworkin, citado por José Emílio Medauar Ommati (2014)

“[...] pode-se afirmar que a igualdade é a sombra que cobre a liberdade, ou, ainda,

caso haja algum conflito entre igualdade e liberdade, a liberdade necessariamente

irá perder” (DWORKIN apud OMMATI, 2014, p.74).

Ainda segundo o entendimento de Ronald Dworkin citado por José Emílio

Medauar Ommati (2014), a igualdade como semelhante respeito e consideração é a

virtude soberana do Estado Democrático ou de uma sociedade de princípios. Assim

sendo, o mesmo princípio democrático está unido ao direito de todo e qualquer

indivíduo a receber do Estado e da própria sociedade uma importância igualitária ou

a ter considerada sua dignidade. (DWORKIN apud OMMATI, 2014, p.74).

47

5 CONCLUSÃO

No decorrer do presente trabalho, abordou-se a divergência sobre a

possibilidade da internação compulsória no direito brasileiro, tema complexo e

controvertido ao considerar a permissibilidade de sujeição de determinados

indivíduos dependentes de drogas a tratamentos contra sua vontade.

O presente estudo demonstrou sob a perspectiva de Michel Foucault (2010)

que historicamente as intervenções dirigidas aos anormais se apresentavam como

mera política de discriminação (neoracismo), que através da psiquiatria objetivavam

a retirada do convívio social todos aqueles indivíduos que possuíam qualquer

espécie de patologia ou que não se enquadravam nos padrões sociais à época,

tornando-os passíveis de tratamentos segregatórios.

Tornou-se evidente que, contemporaneamente, essa relativização do

transtorno mental se mostra inadmissível, sendo necessárias análises através de

laudos médicos, psicológicos e sociais, que quando da constatação de patologia e a

necessidade de tratamento direcionem o indivíduo ao recurso terapêutico adequado.

Assim, a dependência química não deve ser entendida essencialmente como

um transtorno mental, sendo indispensável para tanto, a realização de diagnósticos

pertinentes, a fim de traçar as características da dependência individualmente,

tratando-a como uma relação saúde/doença.

Ademais, averiguou-se a necessidade de diferenciação entre conceito de

usuário e dependente de drogas, considerando as particularidades e tratamentos a

serem dedicados a cada espécie de acordo com seu vínculo e sujeição às drogas, o

que revelou incabível a relativização proposta pelo Projeto de Lei nº 7.763/2010, vez

que independente do modelo de internação este deve ser indicado somente aos

casos mais graves, mediante laudo médico que o fundamente.

Apurou-se também que os tratamentos devem atentar as diferentes

características que o uso e a dependência possuem, tendo em vista que na

dependência química, por exemplo, o grau de submissão à droga é muito mais

expressivo, podendo alcançar estados em que o indivíduo não possua outros

interesses ou objetivos que não sejam a utilização, sujeitando sua vida

exclusivamente as drogas.

48

Assim, conclui-se pela possibilidade da internação compulsória em

determinados casos, quando o indivíduo não possui condições de deliberar de forma

consciente, ou seja, quando o indivíduo não reconhece a importância da sua própria

vida e não consegue exercer sua autenticidade de forma sensata.

Deste modo, como bem expõe Dworkin (2014), a dignidade da pessoa

humana se respalda na consideração pela importância individual da vida,

incumbindo a cada indivíduo a percepção de que sua vida deve ser próspera e

produtiva, além de ser autêntica com o reconhecimento de critérios de êxito com os

quais o sujeito consinta.

Quanto aos direitos de igualdade e liberdade citados por José Emílio Medauar

Ommati (2014), a igualdade é estabelecida pela consideração de todos os indivíduos

de forma idêntica, ao mesmo tempo em que a liberdade é caracterizada como a

possibilidade de tomada de decisões individuais com responsabilidade,

considerando o respeito e importância da própria vida.

Isto posto, constatou-se pela presente pesquisa que a internação compulsória

é fundada na dignidade da pessoa humana e na igualdade, sendo necessária tal

intervenção quando o dependente não possui condições de exercer seu juízo crítico,

ou seja, quando inexistente o reconhecimento da importância de sua própria vida e

frente à impossibilidade de exercício da autenticidade para decidir o que é melhor

para si, pois a internação visa assegurar o direito à vida, sendo necessárias medidas

que visem condições de igualdade para o seu desenvolvimento.

Assim, se o dependente não possui condições de tomar decisões que

considerem a importância de sua própria vida, não há que se ponderar em face do

direito de liberdade quando da recusa ao tratamento por meio da internação

compulsória, tendo em vista que a liberdade não pode ser exercida ao bel prazer do

dependente ou de qualquer outro indivíduo.

Contudo, a internação é indicada quando outros tratamentos forem

considerados ineficazes, necessitando primariamente da análise das características

pertencentes ao dependente, não apenas na saúde, mas também nos âmbitos

social, psicológico e nos demais que forem considerados pertinentes.

Ademais, o tratamento terapêutico não deve visar somente a recuperação

dos dependentes, mas também sua reinserção social, pois mais que salvar uma

vida, a dignidade humana exige que esta vida prospere.

49

Dessa forma, é justamente fundamentando-se no Estado Democrático de

Direito e nos direitos por ele garantidos através da Constituição Federal de 1988,

como, dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade, que as intervenções,

observadas as particularidades do caso, se fazem necessárias a fim de assegurar

que a vida, a dignidade e a igualdade prevaleçam.

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