a possibilidade da superação do ser segundo sartre

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  • 7/28/2019 A possibilidade da superao do ser segundo Sartre

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    FACULDADE SO LUIZ

    ALEXANDRE DE OLIVEIRA

    A POSSIBILIDADE DA SUPERAO DO SER SEGUNDO

    SARTRE

    BRUSQUE

    2012

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    ALEXANDRE DE OLIVEIRA

    A POSSIBILIDADE DA SUPERAO DO SER SEGUNDO

    SARTRE

    Trabalho de Concluso de Curso paraobteno do grau de bacharel emFilosofia pela Faculdade So Luiz.

    Orientadora: Prof. Dra. Maria Glria

    Dittrich.

    BRUSQUE2012

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    Dedico este trabalho em primeiro lugar a Deus

    e a minha famlia: Augusto de Oliveira (pai), Ins de

    Ftima (me), Sandra de Oliveira, Marciana de Oliveira,

    Andria de Oliveira (irms) e ao cunhado e amigo

    Cristvo Foster. Tambm, por fim, a todas as pessoas

    que depositaram em minha pessoa sua confiana,

    motivando-me a seguir no caminho vocacional.

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    Agradeo...

    A Deus por conceder a existncia

    de todas as pessoas que incentivaram a

    realizao deste trabalho; os familiares; amigosde seminrio, aos benfeitores, padres e reitores. Louvado

    seja Deus por estes, que fizeram minha existncia mais

    completa. De modo especial, agradeo, a Prof Dra.

    Orientadora Maria Glria Dittrich pela especial caridade,

    sensibilidade, tica e amizade que foram exercidas

    durante toda a pesquisa. Agradeo, tambm, aos

    professores avaliadores: Dr. Adilson Jos Colombi e ao

    Ms. Luz Carlos Berri. Tambm agradeo a Igreja Catlica

    Apostlica Romana pela acolhida no seminrio.

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    para libertar-se a si prprio;

    olha-se, julga-se: sua atitude predileta.

    Quando voc se olha, imagina que voc

    no o que est olhando, que voc no nada.

    No fundo, o seu ideal: no ser nada.

    Jean - Paul Sartre.

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    RESUMO

    O presente trabalho terico, dentro de uma compreenso, hermenuticafenomenolgica, visa compreender a possibilidade da superao do ser, segundoSartre. Discutindo a possibilidade, segundo o autor, tem por finalidade defender ohomem em sua liberdade de poder se fazer dentro de uma existncia sem motivo.Contudo, a existncia, mesmo no tendo justificativa, realizada pelas escolhas domesmo, que quer superar a sua realidade e construir-se como um novo ser. Assim,dois objetivos so elencados, para responder sobre a possibilidade da superao doser: apresentar a concepo de ser segundo Sartre e mostrar as realidades do serque possam possibilitar uma superao. Para obter sustentao das respostas aos

    objetivos, utilizou-se como base a obra principal do referido autor (Sartre): O ser e oNada (1943), assim como, tambm obras que popularizaram o pensamentofilosfico. Os resultados da pesquisa apontou que a concepo de ser de Sartre,implica entender as realidades do ser que possibilitam uma superao do mesmoser humano e para existencialmente isso acontecer: obrigatrio que o serexista.Por outro lado Sartre mostra que o ser, existencialmente, na sua identidade no completo. Assim, o processo de acabamento do ser s se encerra com a morte,que a retirada de toda a possibilidade da superao.

    Palavras-chave: Possibilidade, Ser, Superao, Conscincia.

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    SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................ 81. A CONCEPO DE SER SEGUNDO SARTRE .................................................. 10

    1.1 Percepes sobre a viso fenomenolgica de Sartre ...................................... 12

    1.1.1 Fenmeno e conscincia .......................................................................... 12

    1.2 O olhar sobre o ser-em-si ................................................................................ 18

    1.3 O olhar sobre o ser-para-outro ........................................................................ 21

    1.3.1 O olhar do ser-para-outro: o domnio sobre a imagem de ser ................... 23

    1.3.2 Olhar do inferno......................................................................................... 271.3.3 A relao do amor ..................................................................................... 29

    1.3.4 A relao do masoquismo e sadismo ........................................................ 32

    1.3.5 Deus como um ser-para-outro................................................................... 33

    1.3.6 Consideraes das relaes com o ser-para-outro ................................... 38

    1.4 O olhar sobre o ser-para-si ............................................................................ 388

    1.5 A relao do ser-em-si e do ser-para-si ........................................................... 41

    1.6 Justificativa do fundamento da possibilidade de ser ........................................ 43

    2. A POSSIBILIDADE DE SER: TEM UM FUNDAMENTO? .................................... 46

    2.1 A existncia ..................................................................................................... 48

    2.1.1 A origem do existir ..................................................................................... 50

    2.1.2 O nojo do existir e a morte ...................................................................... 52

    2.1.3 A existncia como possibilidade de ser ..................................................... 56

    2.2 A conscincia ................................................................................................... 56

    2.2.1 O movimento na existncia ....................................................................... 57

    2.2.2. A possibilidade da liberdade..................................................................... 60

    2.3 A liberdade, como caracteriz-la?.................................................................... 62

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    2.3.1 O projeto ................................................................................................... 64

    2.3.2 A liberdade destacada ............................................................................... 65

    2.4. A superao .................................................................................................... 66

    CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 69

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... 72

    OBRAS CONSULTADAS ......................................................................................... 76

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    INTRODUO

    Ao longo da Filosofia, em vrios autores e linhas tericas, a questo do ser

    sempre foi tomada como um problema de relevncia para a filosofia. Desde

    Aristteles at especialmente a fenomenologia existencialista essa discusso

    terico-metodolgica foi alvo de grandes perguntas, encontros e teorizaes, as

    quais ainda chegam aos tempos atuais desde milnio. O ser humano vive o mpeto

    de especular reflexivamente quem e o que o ser, e se realmente existe a

    possibilidade objetiva de constatar o ser.

    A presente pesquisa tem como escopo apresentar, segundo a viso de

    Sartre, se existe a possibilidade de superao do ser, e se existe como se d essa

    possibilidade?

    Diante de tal problema, a pesquisa se d na tentativa de resgatar o

    pensamento de Sartre sobre sua concepo de ser para compreender o homem a

    existencialmente. Ele destaca o ser racional como abandonado no mundo e sua

    teoria leva o pesquisador alevantar questes pertinentes como estas: Perante a

    existncia abandonada do homem o que ele pode realizar? Frente o desespero do

    abandono morte ser uma resposta? Mas em tudo, se o homem, vive o que

    permite a si mesmo como e o que superar-se? Em que consiste esta superao?

    A relevncia da pesquisa a ser tratada devido crise que o homem vive na

    sociedade ps-moderna. O questionamento sobre a existncia do homem foi

    abordado no mundo moderno com Descartes. Na contemporaneidade Sartre e

    outros filsofos, tambm questionaram a respeito da existncia depois de presenciar

    a duas Guerras Mundiais. Tais eventos, que causaram impactos mundiais,realizados sob a lgica do imprio da razo mecanicista e pragmtica, levaram a

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    propagao de um questionamento sobre a existncia humana: possvel o homem

    mudar, superar o seu ser?

    No contexto de guerra, Sartre teorizava que a existncia do homem poderia

    ser feita todos os dias, por meio da realidade nadificadora1 que surgia do ser-para-

    si. Hoje, no contexto ps-moderno o nada do homem preenchido com outras

    vontades (desejo de outro) que no surgem do seu prprio ser. Perante tal

    contexto se faz relevante apresentar o que Sartre compreendia como sendo o

    homem em sua existncia

    A pesquisa delimita-se na preocupao de responder o que Sartre concebe

    por ser; quais as realidades do ser que possibilitam uma superao, e por fim como

    a superao ocorre no ser. A pesquisa sobre a possibilidade do ser estabeleceligaes conceituais com as seguintes categorias existncia, liberdade e homem.

    O homem, segundo Sartre, um ser que, pelo seu nada, capaz de tudo

    em um mundo que surge de sua construo. Tudo no homem feito e negado e

    feito novamente para ser superado. Em outras palavras, o homem um projeto

    cuja base o nada, e este nada no pode ser pr-enchido pela sociedade ou por

    outro. O homem, assim, o projeto de auto-superao construtiva.

    O resultado da pesquisa serve expresso em dois captulos. O primeiro base essencial para se compreender a superao do ser. Descreve-se sobre o ser a

    partir da existncia fenomenolgica. Assim os modos do ser que se destacam so o

    ser-em-si, ser-para-outro, e o ser-para-si. Os modos so e do a forma do mundo

    existencial.

    No segundo capitulo, quer-se justificar a possibilidade de superao do ser.

    Isto , apontar a existncia, como primeiro e principal elemento que possibilita a

    superao do ser.E por ltimo se apresenta as consideraes finais elencando os resultados

    finais da pesquisar.

    1

    Capacidade da conscincia de negar o passado ou os fatos para realizar novos atos, pormisso no quer dizer que o passado deixa de ser alheio ao homem. [Cf. SARTRE, Jean - Paul. Anusea. Traduo Rita Braga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [s/d]. p.205].

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    1. A CONCEPO DE SER SEGUNDO SARTRE

    A reflexo do ser, como fundamento do humano, foi um estudo que

    preocupou os primeiros filsofos ocidentais e suas reflexes influenciaram

    pensadores em toda a histria da filosofia. Um contemporneo que contribuiu, de

    maneira singela, sobre a reflexo do ser, foi o filosofo francs Jean-Paul Sartre2.

    Este primeiro captulo apresentar-se- a concepo de ser segundo Sartre.

    Para alcanar tal objetivo, sero expostos princpios de sua fenomenologia,

    indicando como ocorre a apreenso do ser que se manifesta no fenmenoexistencial. Por conseguinte, sobre a base fenomenolgica, realizar-se- a

    conceituao dos modos do ser que se d como ser-em-si, o ser-para-outro e

    ser-para-si. Feitos as exposies dos modos do ser se prossegue-se em busca da

    relao da entre ambos os modos do mesmo.

    Para compreender e trilhar o presente trabalho, - necessita ser exposto

    previamente, o conceito sobre o ser. O ser, para Sartre, apresenta-se como modos,

    dos quais se destacam o ser-em-si e o ser-para-si. Estes modos compem-se deestruturas totalmente opostas.

    O ser-em-si3 o ser do fenmeno que no seria nem possvel nem

    necessrio, mas simplesmente existente em mundo sem qualquer conscincia de

    2 Nascido e morto em Paris. Foi aluno de Alain Antes de entrar na Escola Normal Superior. Foiprofessor no Liceu de Havre, depois nos liceus Pasteur em Neuilly e Condorcet, em Paris. Deixa oensino em 1944, para se tornar o diretor da revista Les Temps Modernes. Filsofo engajado, no o foisomente por alguns de seus escritos filosficos, mas tambm por sua abundante obra literria. [PORPROFESSORES, Por um grupo de. Os filsofos atravs dos textos: De Plato a Sartre. 3. ed.

    Trad. Constana Terezinha M. Csar. So Paulo: Paulus, 2004. p. 322].3 O ser-em-si a realidade que compe a realidade dos objetos que sofrem mudana porcausa de outro. Os mesmo esto no mundo fsico, porm so carentes de conscincia de sua

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    sua prpria existncia. O outro modo de ser o ser-para-si4, que a conscincia do

    homem. Este ser o da possibilidade e se faz extremamente necessrio para a

    apreenso do ser. Ou seja, a conscincia, como ser-para-si, compreendida como o

    local de possibilidades, no qual se distingue dos objetos existentes, justamente, pela

    sua carncia de ser. A conscincia, como ser, transcende o ser-em-si no sentido de

    que no apenas existir, mas tambm se fazer na existncia. Logo, o para-si um

    lanar-se para fora do ser-em-si.5

    No transcender-se ocorre um terceiro modo de ser: o ser-para-outro. O

    homem compe-se de ser-em-si como corpo, mas tambm tem o ser-para-si, que

    conscincia. A conscincia (o ser-para-si) apreende que em si existe um vazio

    existencial, e isto lhe causa sofrimento e angstia. Ento, a conscincia, no suportae nem consegue viver existindo em sua dorde forma permanente. Assim, lana-se

    em direo ao outro como tentativa de recuperar o seu ser por completo. Em outras

    palavras, o para-si quer recuperar-se para diminuir a sua dor existencial. Mas,

    quando o ser se lana em direo a outro, se depara com um duelo, pois o outro se

    encontra tambm ferido existencialmente. Diante do outro e no outro, encontra-se a

    esperana de ser curado. Essa esperana acontece atravs do resultado da luta do

    encontro entre os homens (EU-OUTRO), que resultara do conflito, um vencedor eum perdedor. O vencedor toma a posse do ser do outro para se constituir

    existencialmente na relao.6 Logo no movimento existencial em busca de

    superao que o homem no seu modo de ser em si, lana-se na direo do outro

    para ter um retorno de sentido de ser para si, que lhe preencha, que lhe traga

    satisfao frente a alguma necessidade que sente. Logo, nessa dialtica

    fenomenolgica se d o terceiro modo de ser: o ser-para-outro.

    Embora o ser possa apresentar-se de modos diferentes, ele pode serdefinido como um existente acima de tudo. Sem existncia no h ser, por isso o

    modo do ser-em-si, do ser-para-si e para-outro, acontece somente se estes

    ______________prpria realidade e mesmo sem conscincia, causam nos sentidos do ser racional incmodos desua presena no espao diante dos seus sentidos. [Cf. RASO, Pe. Hlio ngelo. O existencialismo,uma filosofia do homem concreto: origem, valores, dificuldades. Belo Horizonte: Editora o Lutador,1972. p. 65].

    4 Cf. SARTRE, Jean - Paul. O Ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenolgica. 7. ed. Trad.Paulo Perdigo. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1997. p. 121 - 122.

    5 Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. So Paulo: Martins

    Fontes, 2007 a. p. 888.6 Cf. ABBAGNANO, Nicola. Introduo ao existencialismo. Trad. Joo Lopes Alves. Lisboa:Editora Minotauro, 1962 b. p. 151.

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    existirem. A tempo se registra que se ir, mais adiante, fazer abordagens sobre

    essas categorias de forma mais profundada.

    Expressado o esboo do ser, segue-se sobre a justificativa do ser atravs do

    fenmeno.

    1.1 Percepes sobre a viso fenomenolgica de Sartre

    Sartre se coloca na busca do ser e a realiza fazendo a diferenciao dos

    modos do mesmo, os quais se apresentam de formas diferentes na realidade. 7 Tais

    modos so chamados de ser-em-si, ser-para-si e ser-para-outro. Estes so

    componentes existenciais que se manifestam fenomenologicamente na realidade do

    mundo. Para entender as afirmaes do ser de Sartre necessrio abordar

    conceitos de fenmeno e conscincia.

    1.1.1 Fenmeno e conscincia

    Para Sartre, o ser dado pelo fenmeno que se manifesta como aparncia

    de algo. O fenmeno [...] remete srie total das aparncias e no a uma realidade

    oculta que drenasse para si todo o ser do existente. E a aparncia, por sua vez, no

    uma manifestao inconsistente de este ser8.

    A aparncia vem do ente existente e sua manifestao no pode ser

    ignorada pela conscincia do homem. O fenmeno, assim, a aparncia dos

    objetos diante da conscincia. E o que aparece, existencialmente, o ser que est

    nos objetos representados e na conscincia. Contudo, a forma de aparecer do ser

    existencial se manifesta na conscincia em diferentes formas de ser: objetos, (comoser-em-si), e na conscincia (como para-si) e nas relaes entre os homens (como

    ser-para-outro).9

    Na existncia, o fenmeno uma oportunidade do homem se constituir

    como conscincia, captando o modo do ser aparente que se manifesta nas relaes

    que estabelece na realidade. O que aparece na realidade e na conscincia, e para

    7 SARTRE, , 1997, p. 753.8

    Ibid., p. 15.9 MOUTINHO, Luiz Damon. Sartre: existencialismo e liberdade. 2. ed. So Paulo: EditoraModerna LTDA, 1995. passim.

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    conscincia, uma forma prpria de ser do fenmeno. Para Sartre, no h

    dualidade de entre ser e aparncia. O que aparece, como fenmeno um ser, cuja

    forma de aparecer no poderia ser diferente.

    O que est em volta do homem pode invadi-lo como fenmeno, que evoca o

    desabrochar da percepo para apreender na e pela sua conscincia, o registro de

    presena e pertena existencial. Com efeito, o fenmeno lhe informa que est

    presente como ser existente que tem um modo prprio de ser. Embora o ser racional

    queira ignorar, no consegue parar de ter conscincia que os fenmenos esto

    informando algum que existe, nem que seja por aparncia.10 Contudo, como

    pensador existencialista, Sartre, afirma que a aparncia no esconde, de nenhuma

    forma, a [...] essncia, mas a revela [...]. A essncia de um existente j no, maisuma virtude embutida no ser deste existente: a lei manifesta quem preside a

    sucesso de suas aparies a razo de sries.11

    O fenmeno tem uma dependncia da conscincia. Isso implica expressar

    que o ser tambm depende da conscincia, no no sentido existencial, mas no de

    ser justamente fenmeno. A justificativa que o ser a aparncia do objeto,

    contudo quem sabe da aparncia a conscincia. Sendo assim, se faz necessria

    a exposio do conceito da conscincia segundo Sartre.A conscincia um elemento que deve ser elucidado no mtodo

    fenomenolgico. ela quem se ocupa de apreender o ser. Para Sartre, atravs da

    conscincia do homem que o ser captado, dos objetos, a conscincia capta a

    aparncia, que o ser-em-si. Esta aparncia, do objeto, no pode ser questionada

    na forma com a qual aparece perante a conscincia, por isso deve, segundo Sartre,

    ser levado em considerao e respeito o que vem ao mundo. A aparncia

    justamente porque no h mistrio atrs da aparncia e tudo o que h captadopelos sentidos da conscincia.

    A conscincia no algo vazio que existe sendo nada. Conscincia

    sempre o que se ocupa em captar, ou seja ela uma estrutura dinmica e

    organizada, inteligente, capaz de captar e representar alguma coisa do meio

    existencial. Conscincia do nada no possvel porque o nada no tem a

    possibilidade de acrescentar. Porm, pela imaginao, que o resultado do

    10 Cf. SARTRE, [s/d], p. 150.11 Id., 1997, p. 16

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    armazenamento da aparncia captada pelos sentidos e distinguida pela conscincia,

    pode-se distinguir um objeto pela ausncia. Desta forma, a conscincia sempre

    conscincia de algum objeto. Assim, para o sujeito, enquanto o objeto no estimula

    os seus sentidos, o mesmo objeto no existe para ele que no tem conscincia de

    sua existncia. Esse processo da dependncia do fenmeno com a conscincia de

    forma recproca, pois se instala sobre a capacidade de abstrao no movimento da

    intencionalidade.

    A intencionalidade a posio da conscincia diante do objeto. O objeto

    causa a percepo de registros do existente. Esses registros na percepo da

    conscincia so efetivados pela mediao dos sentidos, que captam a aparncia

    formando assim, um juzo sobre ele.A posio de Sartre sobre o fenmeno realista. Uma vez que a

    conscincia do homem tem que suspender os juzos a priori sobre o que conhece

    para aprender o que lhe aparece. Assim, a apreenso do ser sempre de forma

    direta. Contudo, no se tem nenhuma referncia sobre o que aparece aos sentidos.

    Simplesmente a conscincia formada a partir dos fenmenos com suas formas de

    ser que os sentidos percebem.12

    A conscincia do prprio homem no interfere de nenhuma forma no mododo aparecer do fenmeno no mundo.13 Unicamente, o ser racional realiza o ato de

    estar presente diante do objeto, para escutar a manifestao do fenmeno, que em

    si informa o ser. Os objetos, que so o ser-em-si, que esto no mundo, mas no se

    constroem no sentido de estarem limitados por suas condies. Segundo Sartre

    Quando queremos entender alguma coisa, colocamo-nos diante dela,sozinhos, sem auxlio; todo o passado do mundo de nada adiantaria.E depois ela desaparece e o que pudemos entender desaparece com

    ela.14

    O fenmeno parte fundamental para o homem se construir. O ser-para-si

    uma abertura de ser e esta tem a necessidade de preencher-se atravs das

    escolhas. Isso ocorre quando a conscincia opta pelo ser em sua liberdade. Assim,

    o homem que contm a conscincia, responsvel pela construo do seu prprio

    12 Cf. SARTRE, Jean - Paul. A imaginao. Trad. Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM Pocket,

    2008 a. p. 108.13 Cf. SARTRE, 2008 a, p. 7.14 Id., [s/d], p. 108.

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    ser. Pois, antes da essncia, na corrente existencialista, vem a existncia. Depois

    de existir o ser racional percebe que pode escolher a forma de moldar o seu ser-

    para-si, que a conscincia, que uma das formas de existir no mundo.15 Isto , o

    que o homem constri no mundo a sua prpria conscincia. O resto do que no

    conscincia do homem o mesmo apenas transforma, pois o mesmo no tem domnio

    na forma de ser dos objetos diante de si. Assim, a conscincia no mundo escolhe a

    forma de ser e aparecer diante de outros seres.

    Para Sartre, o fenmeno fonte segura de conhecimento, pois, ao perguntar

    sobre o fundamento do fenmeno ele por si s, de valor inestimado. O fenmeno

    na filosofia de Sartre um pilar mestre que exige um fundamento que ser.16

    Na viso de Sartre, o fenmeno e o ser no so um problema:

    Segue-se, evidentemente, que o dualismo do ser e do aparecer nopode encontrar situao legal (droit de cit) na filosofia. A aparnciaremete srie total das aparncias e no a uma realidade oculta quedrenasse para si todo o ser do existente. E a aparncia, por sua vez,no uma manifestao inconsistente deste ser. [...] A aparnciano esconde a essncia, mas a revela: ela a essncia. A essnciade um existente j no mais uma virtude embutida no seio desteexistente: a lei manifesta que preside a sucesso de suasaparies, a razo da srie.17

    Dessa forma, o que aparece o ser, que como j se apresentou acima se d

    de trs modos: o ser-em-si, o ser-para-si e o ser-para-outro. O que aparece como

    fenmeno em si so, na realidade, os objetos que no tm capacidade racional. O

    segundo modo: o ser-para-si o manifestar da conscincia do homem, que se

    projeta ser no mundo. E a terceira a o manifestar da interao das conscincias

    que se d entre os homens.

    Ampliando os conceitos, o ser-em-si tomado como fundamento, pelarazo humana, para construir o prprio homem atravs do preenchimento da

    fissura do ser-para-si. O que se manifesta o ser, chamado por Sartre, como o

    ser-em-si. Tudo o que se manifesta no fenmeno captado e utilizado como

    massa de agregao das possibilidades do ser do homem (o ser-para-si). Porm,

    quando realizada uma reflexo sobre a existncia dos objetos manifestados como

    15 Cf. SARTRE, Jean - Paul. O existencialismo um humanismo. Trad. Joo Batista Kreuch.

    Petrpolis: Vozes, 2010. p. 32.16 Cf. Id., 1997, p. 20.17 Ibid., p. 15 - 16.

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    Diante do ato de aparecer, tambm se manifesta a existncia do homem

    como nica. Esta apario pode ser pelo outro, tomado como objeto de cognio

    atravs da observao do corpo fsico que se impe por sua presena no mundo.

    Com este fato no se pode negar que o ser racional no exista, porque a sua

    presena reclama a ateno dos sentidos de outro e que ao mesmo tempo impe

    como corpo um limite no mundo.

    Sartre diz que a apreenso do ser se d por meio de acesso imediato, no

    tdio, na nusea, etc. Isto , a conscincia percebe que no ser-em-si no tem

    possibilidade de ser alm do que j e, isso causa o nojo no homem devido o

    mesmo no querer se tornar como ser sem possibilidade, idntico a qualquercoisa

    no mundo. Com efeito, este, o homem, que tambm corpo, est no mundo comoobjeto, mas se diferencia por ser portador de conscincia, na qual existe a

    possibilidade de se fazer o que ainda no . Assim se d o fenmeno existencial

    humano: quer se completar existencialmente, mas no quer perder as suas

    possibilidades. Contudo, a perda de possibilidade um se completar, quando se

    completa se perde o que se tem de mais precioso: a possibilidade de ser.23

    Na filosofia de Sartre, est presente o desespero quando descreve o homem

    existencialmente. O mesmo caracterizado como uma total insegurana de ser nomundo. Isso porque, desprovido de conhecimento de uma realidade que permita

    ao mesmo se agarrar para se fazer. Ao mesmo tempo em que no tem segurana

    em uma certeza, o homem encontra-se em constante perigo do julgamento de

    outros. Porm, os julgamentos revelam o modo de existir em um mundo. O problema

    que o outro quer, sempre, que o descrito no ultrapasse os limites das

    descries feitas. Isto , o descrito permanecendo em limites estabelecidos

    existencialmente, para outros um apoio de existncia.Permanecer nos limites de uma descrio de outrem, no causa conforto

    na conscincia, pois a mesma percebe-se com uma grande lacuna, que no

    satisfeita pelos limites estabelecidos. Assim, o homem, com a conscincia lana-se

    do escuro para luz do fazer sem um momento para repousar, devido no saber os

    limites que se tem que alcanar ou estabelecer-se.

    O homem, existencialmente, est imbudo de desespero: tem que se fazer

    para se fechar, mas ao se fechar perde a sua beleza de existir como agente de sua

    23 Cf. Id., 1997, p. 19.

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    18

    prpria histria. Para Sartre, o homem o fenmeno do desespero; capta o ser dos

    objetos (a aparncia, e o ser-em-si) para construir a conscincia que aberta (ser-

    para-si), ao se fechar, acaba tornando-se um objeto. Quem acelera o engessamento

    da conscincia, para se tornar o objeto, o ser-para-outro. Este est em constante

    posio de ataque para reduzir o semelhante de sua posio de sujeito. Assim, o

    ser-para-si tem que cuidar para no ser apenas mais um fenmeno que se

    manifesta no mundo sem um interagir.

    Pelo que se foi elencando, a relao entre fenmeno e conscincia uma

    relao de dependncia entre ambas. A conscincia somente existe, na filosofia de

    Sartre, como conscincia da conscincia de algum objeto. Isto , conscincia do

    fenmeno, que prprio do objeto em si. J o fenmeno s existe porque algumobserva o objeto, este que observa, consegue distinguir a diferena de algo que

    no de si, mas que tem origem do exterior. Desse modo, a conscincia existe

    porque se faz na apreenso do fenmeno. Isto , o fenmeno porque algum

    sofre, se modifica, se desenvolve por sua apario na existncia.

    1.2 O olhar sobre o ser-em-si

    A realidade do ser chama a ateno dos filsofos desde a antiguidade.

    Sartre tambm contribui com a anlise do ser-em-si, caracterizando-o com trs

    caractersticas. Estas so elencadas pela anlise do fenmeno. Tais caractersticas

    so: o ser , em si mesmo, e o ser o que .24

    A primeira caracterstica afirma que o ser . Isso aponta que sua estrutura

    de ser est plenamente revelada no modo de aparecer aos olhos do homem. Ou

    seja, o ser no contm em seu interior segredos. Ele se mostra no mundo semconstrangimento de ser, cuja maneira no e nem poderia ser diferente.25 O ser-

    em-si no contm estruturas complexas ou mistas. Ele se manifesta como slido,

    sem segredos. No seu manifestar, revela sua identidade. O ser-em-si se caracteriza

    como a estrutura mais perfeita, no necessita ser nada mais do que j .

    Exemplificando: uma pedra, em si ela no tem nenhuma necessidade de ser outra

    24

    Cf. SARTRE, op. cit., p. 40.25 Cf. BORNHEIM, Gerd A. Sartre: Metafsica e existencialismo. So Paulo: EditoraPerspectiva, 1971. p. 34. (Coleo Debates, Dirigida por J. Guinsburg).

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    coisa e no mudar. Porm, ela pode se tornar um bloco, mas isso acontece por

    causa da interveno do homem. Logo, a pedra um modo do ser, que se

    manifesta plenamente em si como no fenmeno existencial. Esta primeira

    caracterstica composta pela simples ausncia da possibilidade. O ser no precisa

    se realizar, pois ausente de qualquer realidade que no a sua. O ser est posto,

    e no pode ocorrer negao de sua identidade.

    A segunda caracterstica aponta que: o ser em si mesmo. Tal descrio

    refere-se autonomia da realidade do ser. Sartre, atesta militante, nega a

    participao de Deus ou de qualquer divindade para consolidar o ser. Ele mesmo, o

    ser, causa de si que no necessita de nada, pois nele h tudo o que lhe cabe em

    si mesmo, fazendo o ser-em-si ser o que simplesmente . O ser si-mesmo.Significa que no passividade nem atividade.26Assim, o prprio ser se auto

    apresenta com um fechamento de sua prpria determinao.27 O ser-em-si no

    caracterizado com partes, de incio, meio e fim, mas de maneira nica, em que o

    sujeito que o percebe, ou no, no altera o seu modo de ser. Logo, o ser expressa

    aquilo que justamente nos entes que se manifestam. Como Sartre expressa; [...]

    no existe nada melhor do que olhar as coisas de frente, creia-me.28 Isso, porque o

    ser, como autnomo, realiza a sua prpria liberdade de apresentar-se, aparecendodiante do homem como o quer ser.

    Como terceira caracterstica, Sartre elenca que o ser o que . Isso

    simboliza que no h explicao para a realidade existencial do ser-em-si, ele o

    que . Esta realidade do ser aparece como uma fatalidade. O homem no pode

    intervir ou modificar a estrutura da aparncia. O que realiza diante do ser aprend-

    lo como manifestado pelo fenmeno. As ditas mudanas que o homem capta, no

    ser, pura passividade do prprio, no sentido de que ele no participa daconstruo de nenhuma modificao. Como Sartre expressa, [...] sou passivo

    quando recebo uma modificao da qual no sou a origem - quer dizer, no sou nem

    o fundamento nem o criador. Assim, meu ser sustenta uma maneira de ser da qual

    no a fonte.29

    26 SARTRE, op. cit., p. 37.27 Cf. Id., 2008 a, p. 7.28

    SARTRE, Jean - Paul. O muro. Trad. H. Alcntara Silveira. So Paulo: Editora NovaFronteira S. A., 1939. p. 50.29 Id., 1997, p. 30.

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    Quando o ser o que se , indica que h uma correspondncia de um ideal

    e real. Sartre argumenta que o homem est condenado a ser livre. A partir do

    momento em que no , j no vive a sua condenao. E sua realidade diferente

    do que era para ser, no caso ser livre. No h engano, o ser-em-si unicamente em

    si mesmo.30

    O que o homem sustenta, de certo modo, na relao com o ser-em-si o

    prprio fenmeno do ser no mundo. Isso, porque para o ser que se manifesta

    necessrio que o ser racional esteja atento para perceb-lo. O ser racional no

    responsvel pelo existir do ser-em-si, e muito menos alguma divindade, porque

    Sartre nega a existncia de um Deus. Para ele, se uma divindade existisse

    necessitaria de outro que concedesse a sua existncia. E se outro concedesse aexistncia a Deus, tambm este que concebeu a existncia para Deus necessitaria

    de um fundamento para tambm assim existir. Logo, o filsofo francs prefere

    afirmar que o ser-em-si o que sem que ningum o faa ser da maneira que .

    Dessa forma, o prprio ser um fundamento na existncia de si prprio.31

    Tais descries elencadas sobre o ser so, para Sartre, caractersticas do

    ser-em-si. Para ele so os objetos do mundo que se manifestam dando uma

    explicao de existncia no mundo. Os objetos esto jogados e no realizam umexerccio reflexivo para seu auto construir, porque j so autnomos, por si e no

    contm em si uma realidade desconhecida.

    Para Sartre, a sua preocupao no garantir nem destruir um arqutipo32

    para a realidade33, afirmando que o ser-em-si so os objetos. Sua preocupao

    maior o prprio homem, em sua estrutura. Ele quer defender, acima de tudo, a

    liberdade do mesmo. Admitir que o ser apenas de nico modo, ou sem modo, o

    mesmo que afirmar que o homem sem liberdade e portanto no participa de sua

    30 Cf. Ibid., p. 193.31 Cf. Ibid., p. 303.32 A preocupao dos primeiros filsofos era de encontra um princpio ltimo que garantisse a

    existncia de todas as coisas. Tales de Mileto foi o primeiro a se questionar sobre isso, e comoresposta encontrou a gua como fonte e mantedora de todas as coisas. [Cf. MONDIN, Battista.Curso de filosofia. 11. ed. Trad. Bnoni Lemos. So Paulo: Paulus, 1981. v. 1. p.17].

    33

    Preocupao dos filsofos gregos em explicar a realidade a partir de um fundamento. [Cf.JAPIASS, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionrio bsico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro:TupyKurumin, 2001. p.155].

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    construo como sujeito da histria. Por isso, o modo do homem oposto do ser-

    em-si.34

    Alm destes modos de aparecer na realidade, a partir da anlise

    existencial se apresenta outro ser que diferente do ser que observa. Porm, este

    outro-ser tem mesma estrutura de todos os homens, em referncia de modos de

    ser-para-si. Diferente do ser-em-si, que deixa ser observado e aprendido por outro,

    este outro-ser mantm fortes estruturas de resistncia diante do observador e o

    observador diante dele a mesma coisa.

    1.3 O olhar sobre o ser-para-outro

    A concepo do ser-para-outro, em Sartre, fundada a partir do ser-em-si

    e do ser-para-si. Para o autor, o ser-em-si uma realidade em que o homem no

    deve estacionar. Contudo, existe o ser-para-outro que quer fazer de objeto o seu

    semelhante para se constituir, aprisionando-o. Com o fechamento, o ser racional

    foge da realidade do ser-em-si. Ele, na relao com o outro, precisa escapar da

    priso lutando contra o outro semelhante que quer, como prmio, a apropriao das

    suas possibilidades. A perda das possibilidades situar-se em um estado denusea, como Sartre descreve; [...] a nusea no est em mim: sinto-a ali na

    parede, nos suspensrio, por todo lado ao redor de mim. [...] sou eu que estou

    nela.35 A nusea o encontro do homem perante um objeto que no pode

    modificar-se por si. O ser racional sempre quer o outro como objeto presente no

    mundo, porm, sem a menor possibilidade de se fazer. Logo o ser-para-outro no

    tem misericrdia e com ele no h amizade ou intimidade. Segundo Sartre: Tudo o

    que vale para mim vale para o outro. Enquanto tento livrar-me do domnio do outro,o outro tenta livrar-se do meu; enquanto procuro subjugar o outro, o outro procura

    me subjugar.36 O homem tem que estar em constante alerta, porque sempre h

    algum olhando, tentando faz-lo de objeto. Este outro quer construir-se atravs da

    violncia do olhar. A cena em que pode ser descrita est violncia a situao do

    personagem Juan, na obra O muro:

    34

    Cf. SARTRE, 1997, p. 731.35 Id., [s/d], p. 39.36 SARTRE, op. cit., p. 454.

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    - Muito bem. Sero oito. Ouve-se um grito: Apontar, e eu verei oitofuzis apontados para mim. Penso que desejarei penetrar no muro;empurrei o muro com as costas e toda a minha fora, e o muroresistir, como nos pesadelos. Posso imaginar tudo isso. Ah! Sevoc soubesse como nos pesadelos. Posso imaginar!37

    Diante do desespero de querer ser, todas as atitudes so justificveis. Quem

    permanece at o fim so os mais fortes. Esses utilizam da fora de poder para

    subjugar conscincia. Mas como conscincia tambm existncia, usa das

    situaes para subjugar outros.

    O outro no quer que seu semelhante tenha liberdade e tenta, em todo o

    momento, acabar com ele. O outro, na viso de Sartre, nunca visto como um

    algum passivo. Ele aquele que est com a arma pronta para disparar,

    aterrorizando com olhar que faz seu prximo de objeto de diverso. Depois de

    satisfeito, o outro puxa o gatilho, para libertar a conscincia da terrvel situao que

    o horror do olhar.38 Expressa Sartre, na obra Sursis:

    Esto me vendo; no. Nem isto: algo me v. Ele era objeto de umolhar. Um olhar que o vasculhava at o fundo, que o penetrava agolpes de machado e que no era seu olhar: um olhar opaco, a noite

    em pessoa, que o esperava no fundo dele mesmo, e que ocondenava a ser ele mesmo, covarde, hipcrita [...]. O olhar. A noite.Como se a noite fosse olhar. Eu sou visto. Transparente,transparente, transpassado. Mas por aqum? Eu no estou s, disseDaniel em voz alta.39

    Outro personagem que pode descrever a situao de tomada das

    possibilidades Lizzie, na obraA prostituta respeitosa (1946). Ela exerce a profisso

    de prostituta e foi testemunhou um crime: a morte de um negro por um branco.

    Freud o cliente principal, que prepara um espao propcio para arrancar dela um

    testemunho falso. A sociedade em que ela se encontra racista. O negro no tem

    direito, e os crimes dos brancos so justificados por seus currculos e pelos papis

    desenvolvidos na sociedade. A jovem se encontra em uma crise de identidade, pois

    o acusado a defendeu de ser estuprada. Ela corrompida pelos discursos de outros

    que utilizam de seus sentimentos para com as pessoas boas para justificar o erro

    37 SARTRE,1939, p. 19. [grifo do autor].38

    Cf. Ibid., p. 27.39 SARTRE, Jean - Paul. Sursis: os caminhos da liberdade. 3. ed. Trad. Srgio Milliet. Rio deJaneiro: Editora Nova Fronteira, 1991. 124 -125.

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    dos maus e convencem-na a trair a sua conscincia. A jovem assina uma confisso

    falsa. O resultado o negro perseguido como um animal. Depois disso, seu cliente,

    Freud toma-a por sua mulher, apenas para ter domnio de seu corpo. A moa acaba

    como uma verdadeira prostituta: pobre, sem honra e corrompida. Tudo isso porque

    olhou demais para os diplomas das pessoas e seus papis que desenvolve na

    sociedade. Por isso deixou de puxar o gatilho do revlver para executar a sua

    liberdade. Assim deixa de fazer justia porque olhou para a cor de pele e para os

    extratos sociais.40 Ela se tornou uma escrava e quem tem as suas possibilidades

    Freud.

    A relao com o ser-para-outro se d, de primeira forma, atravs do olhar

    que se direciona ao outro. O ser-para outro o modo de abertura de encontro paracom o outro. Consequentemente, o homem diante do outro lana-se ao mesmo, na

    tentativa de ter o que ainda no tem: um pilar para saberquem na existncia. Isso

    indica um sintoma, que a falta de ser no seu prprio ser. Isto , quem sai de seus

    limites porque precisa de algo que ainda no em si. Assim, o esforo de olhar a

    forma de aparecer do outro uma tentativa de subjug-lo em conceitos, e medos,

    que tem origem a partir do olhar.

    Do ser para outro, encontra-se um ser tambm aleijado, que um riscoconstante. Seu olhar uma poderosa arma, que tem como efeito a capacidade de

    afogar o ser no medo de se realizar. Isto , pelo olhar o ser racional expressa o

    desejo de subjugar outros semelhantes a si, para assim ter em que afirmar e

    justificar a sua existncia. Desse modo, o olhar do ser-para-outro o horror, que

    inibi o ser a ser o que quer ser.

    1.3.1 O olhar do ser-para-outro: o domnio sobre a imagem de ser

    O olhar do homem uma arma perigosa ao outro, pois revela coisas de que

    o mesmo gostaria de fugir, porm ao mesmo tempo, tem a tentao de contemplar:

    o prprio rosto de cadver41, que no fundo resultado de um processo existencial.

    40

    Cf. SARTRE, Jean-Paul. A prostituta respeitosa: Pea em um ato e dois quadros. Trad.Maria Lcia Pereira. Campinas: Papirus, 1992 a. passim.41 Id., [s/d], p. 109.

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    Para poder suportar a imagem nos espelhos, o homem escapa dos traos

    que v. Contudo, no consegue ter-se como objeto para saber como est se

    manifestando existencialmente. Mas, no encontro como o ser-para-outro se desvela

    onde esto os maus traos: no prprio homem que quer esconder a verdade.

    Quando o homem possudo pelo olhar do ser-para-outro, segundo Sartre,

    nasce fenomenologicamente a imagem de um ser. Isto , o que olha tem domnio

    sobre a imagem do ser que vive um processo existencial, mas este, que vive, no

    tem a menor noo de como se apresenta no mundo. Assim, o objeto do olhar,

    espera saber do outro o conceito de sua pessoa, para se melhorar. Porm, quando

    recebe a descrio do outro, entra em angstia sobre a possibilidade do conceito

    ser verdadeiro. Se no bastasse a angstia, descobre que o que olha no tem ainteno de ajudar, mas de aproveitar-se do que se manifesta. Neste caso, acontece

    a violncia pela posio de olhador.42

    Na luta com o outro, dificilmente um dos lados - o vencedor ou perdedor -

    adquirido totalmente como objeto. Pois, expressa Sartre:

    O outro , antes de tudo, a fuga permanente das coisas rumo a umtermo que capto ao mesmo tempo como objeto a certa distncia de

    mim e que me escapa na medida em que estende sua volta suaprpria distncia.43

    A violncia do outro revela a existncia contingente do homem que, por

    vezes, mascarada em um processo conhecido como M-f. Este processo uma

    realidade criada pela conscincia para mentir a si mesma. Isso tem como finalidade,

    a tentativa de fuga do que se . Contudo, no resolve o problema. Na prpria

    conscincia existe a verdade e ela, a conscincia, reconhece.44

    O olhar do outro acaba com a realidade de M-F. O outro quer classificar

    e cortar os seus iguais, atravs de seus conceitos que lhe informam o que tem

    dificuldade de aceitar: o prprio reflexo. Sartre expressa, na voz de Antoine

    Roquentin:

    o reflexo de meu rosto. Muitas vezes, nesses dias perdidos, fico acontempl-los. No entendo nada desse rosto. Os dos outros tm

    42

    Cf. Id., 1997, p. 454.43 Ibid., p. 329.44 Cf. Ibid., p. 118.

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    um sentido. O meu no. Sequer posso decidir se bonito ou feio.Acho que feio, porque me disseram. Mas isso no meimpressiona. No fundo at me choca que se possa atribuir a elequalidades desse gnero, como se chamassem de bonito ou feio umpedao de terra ou um bloco de rocha.45

    O homem como ser livre tem as suas possibilidades de ser, e no quer ficar

    preso a conceitos. Ao mesmo tempo, que quer ser livre dos conceitos, quer saber o

    que ele j se tornou. Porm, no pode ser tomado como objeto de si mesmo, pois

    quando est diante do espelho, de modo direto, tem o que , e o que quer rejeitar.46

    Esta imagem ele no consegue suportar e para viver tem que fugir de sua condio

    de misria existencial, na qual se encontra sendo o que no .47 Sobre tal realidade

    Sartre descreve:

    A vergonha ou olhar, revelam-me a mim mesmo; so eles que mefazem viver, no conhecer, a situao do ser-visto. Pois bem: avergonha, [...], vergonha de si, o reconhecimento de queefetivamente sou este objeto que o outro olha e julga. S posso tervergonha de minha liberdade quando esta me escapa paraconverter-se em objeto dado.48

    Como o homem no pode suportar a sua imagem, tem o outro que lembra o

    mesmo do que . Ao mesmo tempo em que o homem tem o outro como inimigo,

    este lhe presta um auxlio ao dizer o que j . Mas, quando o outro apresenta a

    descrio, o que o descrito no gosta do que outro v em si. Contudo, no tem

    como fugir, pois segundo Sartre:

    Para obter qualquer verdade sobre mim, necessrio que eu passepelo outro. O outro indispensvel para minha existncia, tantoquanto, ademais, o para o meu auto conhecimento. Nestascondies, a descoberta de meu ntimo revela-me, ao mesmo tempo,o outro como uma liberdade colocada diante de mim que semprepensa e quer a favor ou contra mim.49

    Assim est declarado: o outro de qualquer forma um objeto diante dos

    olhos de seus semelhantes. A guerra entre estes, os homens, est declarada; um

    45 Id. [s/d], p. 34.46 Cf. SARTRE, op. cit., p. 337.47 SARTRE, Jean - Paul. Idade da razo. Trad. Srgio Milliet. Rio de Janeiro: Abril Cultura,

    1972. p. 57.48 SARTRE, op. cit., p. 336. [grifo do autor].49 Id., 2010, p. 47 - 48.

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    quer o outro como objeto atravs do olhar. O outro, de qualquer forma, a morte de

    possibilidades.50 Com ele, no d para haver comunicao, justifica Sartre:

    [...] o outro o ser ao qual no volto minha ateno. aquele queme v e que ainda no vejo; aquele que me entrega o que sou comono-revelado, mas sem revelar-se a si mesmo; aquele que me estapresente enquanto me visa e no enquanto visado; o ploconcreto e fora de alcance de minha fuga, da alienao de meuspossveis e do fluir do mundo rumo a um outro mundo, mundo esteque o mesmo e, contudo, incomunicvel com aquele.51

    O olhar do outro descreve um ser que aleijado existencialmente porque

    por mais que o ser-para-si, que o homem com conscincia, se esforce para

    alcanar o ser que deve ser, nunca conseguir s-lo plenamente. Assim o ser

    racional considerado como uma paixo intil, que se busca sem cessar, mas que

    nunca se alcana.52 Pois, o que o homem quer estar no mundo como um ser

    independente. Para alcanar tal objetivo, busca fora de si elementos que o faam

    ser no mundo. Isto, o homem constri-se, mas quando isso ocorre o mesmo se

    encontra em uma angstia de escolher algo para se edificar, mas ao mesmo tempo

    no quer ser limitado pelo que constri.

    O ser racional deseja alcanar um fechamento de seu ser, mas no quer

    perder as suas possibilidades de ser. Assim, o mesmo o ser de conscincia

    construindo o espao vazio que h em si, este nunca vai estar terminado, pois

    sempre almeja ser mais e mais, mas no sabe o que de si resultar ao final.

    As tentativas da realizao no so feitas sozinhas, tem o outro que

    acompanha o homem na existncia. Este outro faz tudo se tornar mais difcil, pois

    ele a sentena do inferno, na viso de Sartre. No olhar do outro est a condenao

    na qual no h defesa. Primeiramente porque, o que acusado no tem como sabercomo a existncia prpria afeta o outro. Por mais que se esforce em analisar

    racionalmente a sua emanao ao outro, o homem no consegue ver atravs dos

    olhos o que lhe acusa. Segundo porque, o homem sofre o olhar do outro. Dessa

    forma dentro de um mundo existencial, o outro um problema, que se resolve com a

    50 Cf. Id., 1972, p. 109.51 Id., 1997, p. 346.52

    Este ser que, o ser-para-si que o homem, tem que ser, parece que no se tem umareferncia para o homem descansar. Por mais que o ele possa projetar-se e se realize no conseguefugir da sua condio de misria. [Cf. SARTRE, 2010, p. 33].

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    violncia do olhar. Os seres racionais esto fardados at o fim de suas existncias a

    se degradarem uns aos outros, sem qualquer piedade. Por isso, que se justifica

    assim o outro como uma mensagem ou o prprio inferno. Pois do inferno se pode ter

    uma concluso: que sempre melhor manter uma longa distncia. Porm, onde ir?

    Onde que o outro no est? Onde o mesmo no pode chegar? No h sada para o

    homem. Est fardado a coexistir com o outro no perigo de ser.53

    1.3.2 Olhar do inferno

    Para Sartre a relao entre os homens de pura rivalidade. Esto no

    mundo, como se estivessem em um grande quarto condenados a se matar. O

    problema que so dependentes uns dos outros.

    A viso do outro como inferno demonstrada na obra Entre quatro paredes

    (1944) de Sartre. Nesta, encontram-se Ins, Garcin, Estelle e o criado. Todos

    cometeram crimes, todos morrero e esto no inferno para pagar os seus pecados.

    Estes, na obra, tm conscincia de seus atos e esperam a tortura de maneira

    consoladora. Cada um pensava em ferros quentes, enxofre, chicotes e diabos para

    os devidos tormentos. O que os condenados no esperavam que no infernoencontrassem o pior de seus tomentos: o outro.54

    Joseph Garcin, jornalista e literrio, morto a tiro, o primeiro a entrar no

    quarto. Mostra os seus cuidados com sua imagem reclamando para o Criado

    (personagem descrito no livro) a presena de espelhos, escova de dentes, de cama

    e interruptores. O que quer no inferno - j que no h ferros e carrasco para a tortura

    - colocar a suas ideias no lugar. Encontra-se no inferno por consequncia da

    tortura que exercia enquanto vivo na sua esposa.55

    A figura de Joseph representa os homens que esperam, depois dos crimes,

    vivenciar a condenao na dor. Isto , uma forma de retirar de si a o peso de existir

    como um fracasso, que apenas pode fazer quando se vive foi traio e dor.

    Existencialmente encontram-se pessoas no mundo real, existencial, que preferem

    sempre a companhia de seus objetos pessoais. Isso porque uma forma dos

    53 Cf. SARTRE, Jean - Paul. Entre quatro paredes. 4. ed. Trad. Alcione Arajo, Pedro Hussak.

    Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2008 b. p. 127.54 Cf. SARTRE, 2008 b, p. 31.55 Cf. Ibid., p. 77.

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    28

    mesmos se localizarem no mundo e segurar-se em seus limites em um ambiente

    que o outro sempre imprevisvel. Ter objetos ter segurana e mesmo que seja

    pouca, j conforta a falta de sentido de existncia.

    Ins Serrano, morreu dormindo por causa de inalao de gs, e no inferno

    sofre com ausncia de sua amada Florence. Ela a primeira a ter contato com

    Garcin, expressando: O Senhor o carrasco.56 Entre os dois, aparecem os

    primeiros acordos que, a princpio, sero respeitados. O primeiro o silncio como

    defesa de ambos. Contudo, isso no o suficiente. A presena, pois, que cada um

    ocupa j uma agresso e impe um ao outro o desconforto.57

    Estelle Rigault infanticida, morreu de pneumonia. Apresenta-se como

    moa culta que casou com um senhor que no era seu amor. Fez isso, segundo ela,para salvar a vida do irmo. No inferno, favorece os dois colegas (Garcin e Ins)

    num dilogo aberto na qual confessam o porqu se encontram no inferno e

    chegaram concluso: cada um de ns o carrasco dos outros dois.58

    Os trs no conseguem seguir o plano da salvao proposto por Garcin, que

    era o silncio. Entre eles desenvolvem um tringulo amoroso Ins, como

    homossexual, gosta de Estelle. Contudo, o amor no acontece apenas entre elas,

    mas Estelle tambm gosta de Garcin, que a trata com indiferena59

    . Com o passardo tempo, ocorre uma resposta do amor dos dois. Com o amor dos heterossexuais,

    acontece a rixa entre o casal e a Ins. Os trs esto condenados a estar se

    digladiando pela eternidade, um contra os outros.60 A violncia se d em querer furar

    os outros com garfos, ou lan-los, por vezes, para o desconhecido. Isto ; intimidar

    a possibilidade de ser o que j foram quando vivos, mas no inferno esto confinados

    a torturarem-se pela presena do que so.61

    O ser-para-outro possibilita aos homens a experincia do inferno enquantovivo. H sempre algum olhando, para apreender quem carrega a vergonha. O

    homem no tem descanso no mundo, mas sim perseguio e punio.

    56 Cf. Ibid., p. 41.57 Cf. Id., 1972, p.112.58 SARTRE, op. cit., p. 63.59 uma caracterstica da personalidade de Garcin, trata os outros como se no existissem,

    por isso propem o silncio como conforto para o medo dos castigos. [Cf. Ibid., p. 48].60 Cf. Id., 1972, p. 221.61 Cf. Id., 2008, p. 125 - 127.

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    Os personagens descritos so formas de os homens darem sentidos s suas

    existncias. Isto , os mesmos esto no mundo e convivem uns com os outros, que

    so o inferno. Isso justamente porque outro um complexo modo de tortura

    existencial, no qual escarnece as motivaes, desculpas, construes, que

    justificam o seu modo de ser na realidade. Em outras palavras, o outro sempre

    justificativo da ao de um segundo. Porm o mundo no feito de duas pessoas, e

    quando um terceiro aparece, comea a carnificina, pois o mesmo, o terceiro, quer

    reduzir o outro a sua condio original, que apenas fissura, abertura, angstia. Por

    exemplo: Estelle Rigault, (personagem acima citado) casou-se com quem no era o

    seu amor verdadeiro. Porm, ela fez isso porque quis realizar tal ato, pois mesmo no

    perigo de morte do irmo ela pode escolher. Com Estelle, outras pessoas vivem emfuno de uma segunda, isto , fazem tudo por ela. Ou seja, existem com um

    sentido no outro. Um terceiro vendo a situao abala o ponto de referncia, dizendo:

    culpa toda sua ou a responsabilidade sua. O segundo, no caso era o irmo da

    Estelle, que era apenas mais uma vtima, em que foi a justificativa da realizao das

    atitudes da irm.

    Para expandir o campo reflexivo e tambm fech-lo, o inferno sempre um

    momento de dor. Porm quem conseguem passar pela sua existncia, vive demaneira mais plena o que Sartre, em seus escritos tanto propagou. Se no se tem

    sentido para existir, mas se tem sempre que realizar algo para no deixar-se

    amedrontar pelo olhar do inferno que o outro representa.

    1.3.3 A relao do amor

    A relao de amor ocorre com o ser-para-outro e se d pela dependncia daprpria existncia na liberdade do outro. Essa relao tem como caracterstica

    principal, a insegurana do existir, devido ao controle do amante. Expressa Sartre:

    [...] em certo sentido meu ser-objeto insuportvel contingncia epura posse de mim por um outro, em outro sentido este ser comoa indicao daquilo que eu precisaria recuperar e fundamentar paraser fundamento de mim mesmo. Mas isso s concebvel caso euassimile a liberdade do outro. Assim meu projeto de recuperao de

    mim fundamentalmente projeto de reabsoro do outro.

    62

    62 Id., 1997, p. 455. [grifo do autor].

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    confivel.66 Na relao de amor ocorre uma projeo de existncia. Isso acontece de

    forma simples e violenta. Pois primeiro o amante projeta para o amado um mundo,

    que ele mesmo, como construo de ser para o outro. O amado no quer ser

    agente passivo na relao, no sentido de ter o amante como mundo pronto,

    justamente porque o outro limite. Havendo desiquilbrio na relao tem as

    rivalidades. Dessa forma um quer dominar o outro e prende-lo em seus limites.

    O amante, para o amado, quer ser total. Ele quer ser um objeto de todos os

    pensamentos do amado, mas, ao mesmo tempo em que ama, quer ser objeto de

    edificao. Mata as possibilidades do amado, prendendo em sua facticidade, que

    limitada pelas prprias situaes em que se encontra.67 Ou seja, o amante somente

    tem como isca para atrair o amando a sua pobre descrio do como o amadoaparece ao mundo diante dele. Mesmo assim, o amante quer modelar outro, dando-

    se como verdade nica. Para o amado permanecer em tais limites impe-se a fora

    do olhar, qual desmotiva, coage o amado, justamente porque no sabe se o mesmo

    o aceita da forma devidamente confivel. Enfim,

    [...] querer ser amado impregnar o Outro com sua prpriafacticidade, querer constrang-lo a recriar-nos perpetuamente

    como condio de uma liberdade que se submete e se compromete; querer, ao mesmo tempo, que a liberdade fundamente o fato eque o fato tenha preeminncia sobre a liberdade.68

    O amor como relao com ser-para-outro esforo contraditrio, pois o

    amante jamais pode se dar como um objeto que possa preencher por completo a

    fissura de um ser. Antes do amante, tem atrao por outro amado que tem a posse

    do ser. O amante arrisca tudo para o vazio existencial para resgatar o seu ser

    cortando a dependncia que tem do outro.No relacionamento entre seres racionais, encontra-se a tentativa de ser

    tomado como objeto pelo outro. Esta relao pode ser abreviada como

    masoquismo.69 Isto , o amado no conseguindo libertar-se do amante, tem a

    possibilidade de se contentar em ser objeto do amante. Assim, o amado espera

    66 Cf. SARTRE, Jean - Paul. Os dados esto lanados. Trad. Lucy Risso Moreira Cesar.Campinas: Papirus, 1992 b. p. 195 - 196.

    67

    Cf. Id., 1972, p. 50.68 Id., 1997, p. 459 - 460.69 Cf. Ibid., p. 470.

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    apenas a dor que parte de seu amante, que fruto da desistncia por parte do

    amado de ser como quer ser diante de outro, no caso livre. Dessa forma, a relao

    de masoquismo, e posteriormente, de sadismo, um estagnar em um dos extremos

    da relao. Assim, a relao de amor caracterizada como uma arena de luta em

    que os dois, amado e amante, tentam tomar a posse do outro. Porm, no h por

    completo a subjugao do outro, porque, ambos na relao do amor, querem ser

    livres.

    1.3.4 A relao do masoquismo e sadismo

    A meta da atitude masoquista fazer outro assumir o cuidado de outra

    existncia. Para isso, o masoquista se policia a ser um objeto, no tomando atitudes

    alm disso. Assim, por ser objeto, tem como resultado o sofrimento e a vergonha.

    Porm, diferente de um ser-para-si, normal que faz projetos em expandir-se com

    finalidade de escapar do outro e da situao de objetificao, aqui, no

    relacionamento de masoquismo, o ser masoquista tem paixo pela vergonha de ser

    objeto.70 Segundo Sartre:

    O masoquismo uma tentativa, no de fascinar o outro por minhaobjetividade, mas de fazer com que eu mesmo me fascine porminha objetividade-ara-outro, ou seja, fazer com que eu me constituaem objeto pelo outro, de tal modo que aprenda no-teticamenteminha subjetividade como uma nada, em presena do Em-si querepresento aos olhos do outro. O masoquismo caracteriza-se comouma espcie de vertigem: no a vertigem ante o precipcio de rochae terra, mas frente ao abismo da subjetividade do outro.71

    O ser masoquista tem por objeto de prazer uma realidade diferente da qualSartre pensa sobre o homem. Pois, o ser racional no mundo para construir-se no

    como objeto de apropriao de outro. Enfim, o ser que se entrega relao do

    masoquismo destinado ao fracasso. Isso porque, por mais que o masoquista se

    esforce para que o outro o tome como objeto, fazendo o existir pela dor, o outro tem

    suas dificuldades a satisfazer. Por isso, no se dedica a favorecer a existncia do

    outro pela humilhao.

    70

    Cf. SARTRE, Jean - Paul. Reflexes sobre o racismo: reflexo sobre a questo judaica,Orfeu negro. 5. ed. Trad. J. Guinsburg. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1968. p. 62.71 SARTRE, op. cit., p. 471. [grifo do autor].

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    O homem se encontra muito acima de satisfazer o desejo (projetos) de

    outros. Ele quer ser responsabilizado por construir apenas a prpria existncia e de

    mais ningum.72 O masoquismo um vcio, que segundo Sartre, o amor do

    fracasso.73 Dessa forma, na relao o ser tem paixo pelo sofrimento, no um

    algum fraco ou um coitado. Na realidade um algum forte, que quer forar o

    outro a assumir a sua existncia por mais que sofra, ou mesmo sente-se realizado

    em sofrer. Assim, para garantir o seu sofrimento permanece passivo em suas

    atitudes, no lutando com o outro, mas se fazendo de vtima. Em todo o caso, o

    masoquista identificado como a superficialidade existencial, de permanecer como

    objeto.

    No outro polo do masoquismo, encontra-se o sadismo, que tambm umarelao que se desenvolve entre duas pessoas ou mais. O sadismo tem como

    caracterstica, a manifestao do homem em realizar-se ao causar no outro dor,

    vergonha e humilhao. Dessa forma, ele uma existncia ativa, no sentido que

    assume o seu prazer no mundo causando dor no outro. O sadista expressa

    naturalmente a violncia para justificar a carncia de sua identidade, pois tanta

    violncia para com o outro no fundo para se afirmar em um sentido de existirno

    mundo.O homem no encontra satisfao plena na relao com os seus

    semelhantes. Pois na relao de amor evidenciada como uma arena de luta em

    que os amantes esto em constate tentativa de vencer um ao outro, tanto para

    conseguir o local de vencedor (que o amado), e o amante quer impregnar o

    amando com seus pensamentos. Nas relaes de masoquismo e sadismo tambm

    no oferecem nenhuma segurana. Assim, o ser-para-si no encontrando apoio no

    outro, parte em busca da relao com um outro - Deus.

    1.3.5 Deus como um ser-para-outro

    Sartre, com sua filosofia, quer decretar a liberdade do homem. Para conseguir

    discute a possibilidade da relao do ser-para-si com o super-ser-para-outro, que

    Deus.

    72 Cf. Id., 2006, p. 23.73 Cf. SARTRE, op. cit., 1997, p. 472.

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    A liberdade que o ser racional possui, por vezes, o deixa angustiado. No

    entanto, est nele a responsabilidade de se fazer e no h quem ele possa culpar.

    Ningum pode salv-lo de si mesmo. Ele totalmente responsvel pelos seus

    prprios atos e Deus no pode consol-lo.74

    Para Sartre, o homem abandonado e no existe Deus. Se Deus no

    existe, o homem no contem essncia. Diferente dos outros entes, o homem por

    primeiro a sua existncia e depois vai com a sua liberdade exerce as escolhas,

    formando a sua essncia. No caso de Deus existir, quem perde o homem. A

    justificao de esse perder realizada em trs vises diferente de Deus: o de

    Criador quefaz recortes e o perseguidor do homem, e por fim o terceira viso

    de Deus como uma realidade contraditria e intil.A primeira realidade, da existncia de Deus como criador que o mesmo,

    contem em si um homem limitado. Isto , que o homem no pode ser nada mais

    nada menos do que aquilo que Deus j havia pensado.

    Ao concebermos um Deus criador, Ele ser, na maioria das vezes,como um artfice superior, e, qualquer que seja a doutrina queconsideramos, [...], admitimos sempre que a vontade segue mais ou

    menos o entendimento ou, no mnimo, que o acompanha, e queDeus, quando cria sabe precisamente o que est criando. Assim oconceito de homem, no esprito de Deus, assimilvel ao conceitode corta-papel, no esprito do industrial; e Deus produz o homemsegundo determinadas tcnicas e em funo de determinadaconcepo.75

    Com a no existncia de Deus o homem pode se construir sem haver

    qualquer pressuposto como limite. Esta construo feita sozinha no mundo.

    Homem no precisa de Deus para ser quando existe. O ser racional que define o

    que se quer. Ele o seu autoprojeto, no sentido de que o homem ser aquilo que o

    mesmo projetar-se. Por exemplo: um garoto tem o projeto de no futuro ser jogador

    de futebol. Com efeito, se ele realizar este projeto ou no, nada garante ou o define

    naquilo que ele no agora. Dessa forma, o garoto que tem o projeto definido que

    ele sonha em realizar. Isto , o garoto o sonhador do futebol. No h nada que

    impea o pequeno homem de se tornar o seu sonho. Por outro lado, tambm no h

    74

    Cf. CERIANI, Graziozo. et al. Heresias de nosso tempo. Trad. Antnio Marques. Porto:Livraria Tavares Martins, 1956. p. 74.75 SARTRE, 2010, p. 24.

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    nada que assegure o sonho a acontecer. Por isso o homem seu autoprojeto,

    porque fora de seus limites de ser no tem segurana no amanh. Nesta viso, ter

    de se construir uma angstia.

    A angstia a insegurana da existncia do homem. Porque, na existncia,

    lhe faltam certezas e evidencias, da realidade imanente, que sirvam de amparo para

    ele ser o que ainda no . Ou seja, no h algo que identifique o homem na

    existncia. Porm o mesmo percebe sua fragilidade diante das realidades do mundo

    e como forma de defesa edifica momentos, escolhe, se constri. Tudo isso por conta

    prpria, que tem como caracterstica em si, no homem, um vazio existencial, que o

    qual no lhe d a certeza de estar fazendo as atitudes ou escolhas certas.

    O homem escolhe para fechar o seu vazio, e assim definir o que lhe falta,que a essncia. Mas definir a essncia de sua responsabilidade do homem.

    Assim, a angstia a postura do homem perante a ausncia de essncia de seu

    prprio ser. Isto o ser racional pura possibilidade de ser, e esta pureza o

    precipcio que o ele tem que tomar escolhas, diante da existncia que lhe aparece

    na forma dos perigos que o outro oferece e da responsabilidade do que ser.

    Portanto, pela angstia do vazio do ser do homem ou seu no-ser, que vem a

    necessidade de uma imagem de Deus, pois relata Sartre na pea teatral, sob a vozde Jpiter:

    Tambm eu tenho a minha imagem. Julgas que no me fazvertigens? H cem mil anos que dano diante dos homens. Umadana lenta e tenebrosa. preciso que me olhem; enquanto tiveremos olhos pregados em mim esquecer-se-o de olhar para si prprios.Se eu me descuidar um momento que seja, se deixar que os seusolhos se afastem... [...] (E) enquanto houver homens na terra, estoucondenado a danar diante deles.76

    Sartre quer retirar do homem a iluso da existncia de Deus. Para isso,

    chega concluso sobre o ser-divino, como criador. Dostoievsky escreve: Se Deus

    no existisse, tudo seria permitido77. Isso tambm a realidade de M-f, na qual

    caracterizada com:

    76

    SARTRE, Jean-Paul. As moscas. 2. ed. Trad. Nuno Valadas. Lisboa: Editora Presena,1965. p. 93.77 SARTRE, op. cit., p. 32. [grifo do autor].

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    [...] uma fuga identidade pela qual o em-si est absolutamentepresente a si mesmo. O pour-soi o fundamento de todanegatividade e de toda a relao, a relao. O homem o ser quefaz florescer o nada, o ser pelo qual o nada vem ao mundo.78

    O homem tem a capacidade de fazer nascer o nada no mundo. Em outras

    palavras; o homem o nada porque no definvel ou concebvel a priori, por isso,

    pode e deve escolher-se a si mesmo sem nenhum alicerce, sem nenhuma razo de

    ser. J que o homem um projeto inacabado, na realidade um ser que

    perpetuamente tem que se fazer em uma constante que se realiza de devir criador

    de sua auto superao a partir da liberdade. Ou seja, o ser racional est s se

    construindo.

    A segunda percepo que Sartre tem de Deus, de perseguidor. Na sua

    exposio sobre a intersubjetividade, o outro no um sujeito.79 No mundo, h um

    nico sujeito que existe, o resto, que so os outros, so apenas objetos dentro do

    mundo. Porm, o sujeito convive com outros homens que tambm querem ser no

    mundo sujeitos. Para deixarem de serem objetos e afirmarem-se como sujeito,

    utilizam um poderoso instrumento que se encontra no seu corpo: o olho. Olho

    que favorece ao homem impor medo ao demais que querem ser sujeitos no mundo.

    Dessa forma, Sartre concebe a existncia de Deus como sendo uma das piores

    coisas, pois admite que:

    [...] uma s vez experimentei a sensao de que Ele existia. Eubrincara com fsforos e queimara um pequeno tapete; estavadissimulando meu crime, quando de sbito Deus me viu; senti seuolhar dentro de minha cabea e sobre minhas mos; eu rodopiavapelo banheiro, horrivelmente visvel, um alvo vivo. [...] Maldito onome de Deus, nome de Deus, nome de Deus, nunca mais ele me

    contemplou.80

    O atesmo de Sartre forte neste aspecto: no aceita de forma alguma a

    existncia de Deus. Pois Deus puro olhar que transpassa, dissolve os acidentes

    (subjetividade) e vai ao essencial, justamente porque se Deus existir o criador de

    todas as coisas e dessa forma conhece o que se apresenta diante dele na essncia.

    78 GIORDANI, Mrio Curtis. Iniciao ao existencialismo. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. p.100. [grifo do autor].

    79

    Cf. SARTRE, 1997, p. 351.80 SARTRE, Jean-Paul. As Palavras. 2. ed. Trad. J. Guinsburg. Rio de janeiro: Editora NovaFronteira, 1964. p. 75. [grifo do autor].

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    Alm de Deus conhecer todas as coisas est tambm diante de todas as suas

    criaes. Assim se Deus existir, no tem como o homem fugir. O homem vai viver

    sob o olhar de Deus e no h paz, um s momento sem perseguio. 81 Ou seja,

    Deus no precisa fazer o homem de seu objeto, pois j tudo o que pode ser. O

    homem, em contrapartida, necessita de um referencial. Porm de Deus no se pode

    ter certeza, assim no exclui de si a angstia.

    A terceira realidade que Sartre ataca sobre Deus como o ser mais perfeito e

    completo que h. Ele, em torno da noo de Deus como perfeito justificar a sua

    impossibilidade de existncia. Sartre parte da noo que tem do que o homem.

    Isto , para o filsofo existencialista ateu, o ser racional contm em si duas

    realidades: da conscincia, definida como para-si, que capta as coisas exterioresque se manifestam, que o em-si.

    No homem cada objeto captado mais possibilidade de ser algo mais que

    ainda no , mas tem com a percepo do objeto como chegar a ser. Porm, a

    tendncia do homem ser fechado, sem angstia, ser completo, mas sem perder as

    possibilidades de ser. Logo, isso de fechar o ser com a apropriao de outro ser,

    que por consequencia abre agrega novas possibilidades ser, fazendo ser impossvel

    acaba com a angstia do homem. Dessa forma Deus algo impossivel, pois seriaalgo como [...] a impossvel sntese do para-si e do em-si. 82

    No contexto, que Deus seria ou teria que fazer uma sntese em do ser-para-

    si para o ser-em-si, Sartre coloca Deus em uma realidade contigente.

    De fato, diz Sartre, todo em-si contingente, no apenas enquantopode fundar, por ser de per si pleno, imvel e sem fissura, mastambm enquanto no pode fundar-se a si prprio seno dando-sea modificao do para-si, mas por isso mesmo deixando de ser em

    si. [...] A origem de todo fundamento consiste em vir ao mundo pelopara-si. Desse ponto de vista, Deus seria contingente, se existisse,pois que, como tal, no teria fundamento que o justificasse em seuser. O nico fundamento que se poderia invocar ser o de um possvel[...] anterior ao ser e que exigisse esse ser ou essa existncia.83

    81 Cf. PENZO, Giorgio; GIBELLINI, Rosino (Org.) Deus na filosofia do sculo XX. Trad.Roberto Leal Ferreira. So Paulo: Edies Loyola, 1998. p. 413.

    82

    SARTRE, 1997, p. 140.83 JOLIVET, Rgis. Sartre ou a teologia do absurdo. So Paulo: Editora Herder, 1968 b. p.42.

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    Com a conscincia (ser-para-si) em Deus, poderia ser acusado outro

    aspecto: o de conceber na sua mente um espao vazio e at mesmo, nela existir

    possibilidade. Se existe possibilidade, na mente de Deus, Ele no a realidade mais

    completa e se , ela contraditria.

    Dentro de todo o pensamento de Sartre, a declarao de o homem ser livre

    e de estar sozinho, no pode aceitar a existncia de Deus. Deus no pode salvar o

    homem de si mesmo e se ele existisse mataria o prprio homem.

    1.3.6 Consideraes das relaes com o ser-para-outro

    As relaes do-se a partir do aparecer diante do outro e isso sempre

    tambm oportunidade de manifestao de formas de violncia. Violncia que se

    atualiza atravs do olhar. Pois at mesmo um pequeno direcionamento de viso,

    um princpio de querer para dominar. Mesmo quando a carcia, pelo olhar,

    acontece, realizada uma modelao do ser, a qual reduz as possibilidades de ser

    de outro.84 O homem foge. O outro o captura sem a menor piedade.

    Nas relaes, a morte fsica no alcana a finalidade da violncia contra o

    outro. Pois, toda a carncia leva a uma busca incontrolvel. O ser racional querdominar o outro para adquirir e afirmar a existncia de seu ser no mundo. O homem

    diante do outro semelhante quer domin-lo e para isso precisa proporcionar meios

    de conservao da vida do outro. Isso para que outro esteja preso em uma

    condio existencial dependente. Isso para que outro esteja preso em uma

    condio existencial dependente.

    1.4 O olhar sobre o ser-para-si

    O terceiro modo do ser o ser-para-si. Este caracterizado como

    conscincia. Para Sartre, a [...] existncia precede a essncia no humano.85 A

    essncia do homem ao nascer no completa e definida. Diferente do ser-em-si, a

    existncia do ser-para-si cheia de mistrio e se caracteriza por ser dependente do

    84

    Cf. SARTRE, op. cit., p. 485.85 PENHA, Joo da. O que existencialismo.14. ed. So Paulo: Brasiliense, 2001. (Coleoprimeiros passos). p. 44.

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    em-si. Ele, o ser-para-si, repleto de possibilidades de ser, que vai se formando

    conforme a intencionalidade da razo humana que capta a aparncia do ser-em-si.

    O ser inacabado o que d a possibilidade de superao do homem, no

    sentido em que o ser-para-si escolhe e projeta se com sua razo aquilo que quiser

    ser. O ser racional s o faz porque no um ser-em-si, fechado, macio, terminado,

    completo, mas um ser que aberto e dependente, segundo Sartre, do ser-em-si.

    O ser da conscincia [...] um ser para qual, em seu ser, est emquesto o seu ser. Significa que o ser da conscincia no coincideconsigo mesmo em uma adequao plena. Essa adequao, que ado Em-si, se expressa por um frmula simples: o ser o que . Noh no Em-si uma s parcela de ser que seja distncia com relao a

    si.86

    O para-si pode ser compreendido como um distanciamento do ser fechado.

    Este resultado do para-si longe do em-si, gera um espao que pode ser

    considerado como um nada. Este, por sua vez, o nada se sobrepe como

    fundamento da conscincia do homem. Um espao vazio da conscincia, que o

    para-si, tem capacidade de realizar-se conforme a sua vontade e quanto mais se

    realiza mais se preenche, porm no se fecha.87

    O ser-para-si vai se formando conforme o homem vai agindo com sua

    liberdade e vai se aproximando do que se acha sempre separado do ser que ele no

    .88

    O para-si ou conscincia prpria da realidade humana: para-si,conscincia, esprito, existncia e realidade humana so, pois quasesinnimos. a conscincia que define propriamente a existncia e arealidade humana, porque s o homem existe, ou melhor, se faz

    existir. As coisas so, mas no existem. A conscincia nasce de umadescompresso do ser ou do em-si, isto , daquela falha do nada oufissura no seio da macicez tenebrosa do ser [....].89

    O homem o portador do ser-para-si, nele ocorre mudana sempre que a

    liberdade exercida. no ser-para-si que pode ocorrer a superao devido ao ser

    caracterizar-se como pura possibilidade. Se o ser-para-si se realiza sem incmodo

    86 SARTRE, op. cit., p. 122. [grifo do autor].87

    Cf. Ibid., p. 553.88 Cf. Id., 2010. p. 55.89 JOLIVET, 1968, p. 28. [grifo do autor].

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    de uma estrutura fechada, porque est ligado ao nada em uma doao que o ser-

    em-si jamais poder alcanar.90

    A conscincia denominada como o ser-para-si. A anlise de Sartre

    expressa que a conscincia uma estrutura do homem. Na mesma, todo o seu

    esforo para preencher-se dos entes que a rodeiam e somente ela no se pode

    conceber como um objeto.

    Conscincia conscincia de alguma coisa: significa que atranscendncia uma estrutura constitutiva da conscincia, querdizer, a conscincia nasce tendo por objeto um ser que ela no . [...]Dizer que a conscincia conscincia de alguma coisa significa queno existe ser para a conscincia fora dessa necessidade de ser

    intuio reveladora de alguma coisa, quer dizer, um transcendente.91

    O existir do para-si dependente do ser-em-si. Isso , devido

    impossibilidade do para-si no ocupar-se consigo em seu interior. Assim, a

    conscincia longe do ser o no-ser. Porm, o no ser no existe por si. neste

    sentido que o para-si depende do ser-em-si. Contudo, o modo de existncia do ser-

    para-si um tanto desesperadora. Ele tem conscincia de sua realidade factual, e

    esta no o que ele , pois o que no momento no deveria ser.92 Dessa forma, a

    conscincia caracterizada como um nada, justamente porque no existe algo que

    se possa ter como firmamento. Ou seja, o para-si, que a conscincia, vazio de

    qualquer coisa. Assim justificado o porque dela ser o seu prprio nada.

    O para-si no , em Sartre, uma postura de voltar-se em si. Mas antes de

    tudo, uma fuga para longe do fechamento, buscando recuperar um eu projeto que

    est sempre em modificao.93

    No bastasse essa carga, de busca do que se verdadeiramente , no se

    tem um ponto de referncia para a sua construo, o para-si angustiado tem que

    lutar para no se engessar e se tornar aquilo que ele deve ser para escapar do

    em-si. O para-si pura liberdade de ser e esta chega a ser to grande, que, quando

    o homem se depara com a imensido de seu fundamento, que o nada, desespera-

    se e tem que escolher, lutando contra o tempo tambm. Esta responsabilidade de

    90 Cf. SILVA, Mrcio Bolda da. Metafsica e assombro: curso de ontologia. So Paulo: Paulus,1994. p. 130.

    91

    SARTRE, 1997, p. 34.92 Cf. Ibid., 128.93 Cf. Id., 1972, p. 51.

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    escolher, o para-si no livre. Assim, o homem encontra-se condenado liberdade

    de se projetar e realizar-se constantemente para escapar do que produz diante do

    espelho.

    1.5 A relao do ser-em-si e do ser-para-si

    A relao entre o ser-em-si com o ser-para-si inevitvel na filosofia de

    Sartre. Como j expressado, o para-si depende do em-si. Muito mais do que

    depender, o para-si impelido pelo ser-para-outro se tornar um ser-em-si e desta

    realidade quer, o para-si, fugir para longe.

    Muito mais do que uma dependncia para existir, o para-si necessita do em-

    si para se preencher. Seu preenchimento amplia as possibilidades de liberdade do

    homem. Assim, ocorre uma ocupao de espao, do qual no muda a estrutura do

    para-si, no sentido de acabar fechando o ser por completar, mas abrindo-o.94

    A considerao da relao do em-si com o para-si acontece sob a categoria

    do temporal, do qual Sartre concebe uma viso linear, onde o homem est posto e

    impelido a seguir em frente escolhendo, isto : preenchendo-se. O para-si, no

    tempo, tem a tendncia de se tornar um em-si. A nica oportunidade que o homemtem para preencher o espao vazio o agora presente. Com o tempo, a realidade

    de fuga ou distanciamento do para-si para perder todas as possibilidades de ser, vai

    se tornando-se um em-si. Isto no apenas a perda de liberdade, mas se

    caracterizada como morte biolgica: a perda da conscincia.95

    Ser o ser-em-si ser objeto, que tomado j no tem liberdade de ser. O que

    ocorre com ele, que Sartre no aceita, a manipulao. A conscincia, com a

    intencionalidade aprende para se constituir o que e como lhe convm. O ser-para-sidominado dele expropriado de condio de angstia de se projetar. Com tempo, o

    ser que desejava se construir desanimou e tomou forma de ser: sem possibilidade.96

    O homem que tinha domnio de seu ser, no presente, com passar do tempo,

    as possibilidades do para-si cessaram e se formar o em-si, que ser guardado por

    outro, que no tem a preocupao de expandir as possibilidades, mas apenas

    94

    Cf. SARTRE, op. cit., p. 550.95 Cf. Ibid., p. 531.96 Cf. Id., 2010, p. 74.

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    expropri-las para se autoconstruir. Com isso, destaca-se a viso do outro no

    mundo. Segundo Sartre, o outro como limitador de possibilidades que quer moldar

    o ser-para-si, a conscincia, como objeto para exercer alguma funo.97 Mas como

    acontece a passagem fenomenologicamente do ser-para-si para o ser-em-si?

    Do tempo, ao que parece, nenhum ser pode escapar. A diferena o que

    ele, o tempo, pode causar as possibilidades do ser. O ser para existir est dentro de

    uma realidade temporal da qual podem ser percebidas em trs fases constitutivas: o

    passado, presente e o futuro. Embora se consttem trs realidades temporais, estas

    se encontram em uma continuidade que podem apontar a passagem do para-si em

    um em-si.98

    A primeira modalidade o passado. No passado, existe apenas o ser-em-si.As realizaes do homem, neste tempo, no podem mais ser mudadas.

    Possibilidades de acrscimo ou de retiradas de detalhes no so mais possveis. No

    passado pode-se apontar que existe o em-si, que so os objetos do mundo do

    homem. O para-si foi marcado pelo desejo do homem, que o preencheu e o tempo o

    fechou, tornando-o um em-si. Esta realidade causa-lhe uma angstia.99

    A segunda categoria o presente. Este ouro. Nele se encontram os em-

    si e o para-si. Do em-si, o presente nada lhe acrescenta ou lhe retira, mas para opara-si, o presente valioso, o momento do auge. Aqui, no presente, o para-si

    posto diante do em-si ou de sua realidade, para escolher o que quer se tornar. o

    momento do para-si decidir se quer ampliar as possibilidades ou fechar-se com a

    morte. a chance do para-si ser o que e le ainda no e negar a sua realidade

    que lhe atual. Porm, pode ser-para-si assumir como ser de possibilidades e

    escolhe ampliando-as. Se as amplia, o ser se projeta para um futuro.

    Por fim, a terceira modalidade do tempo: o futuro. Ele, o futuro, serresultado da constituio do para-si no presente. Tambm, depois do presente,

    encontram-se todos os projetos de vir a ser. Para o ser-em-si esta realidade no

    interfere, j que o mesmo, o ser, no precisa de projetos de realizaes para se

    constituir. Logo, o futuro local de realizao do para-si, o local da angstia do vir

    97

    Cf. SARTRE, op. cit., p. 539.98 Cf. Ibid., p. 269.99 Cf. Id.,1939, p. 165.

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    a ser, do medo e insegurana. Pelo projeto, o para-si sofre esperando a sua

    realidade de passagem do projeto realidade de constituio.100

    Com a categoria de tempo, na relao do em-si e para-si, manifesta uma

    dialtica em que os campees so o tempo e o ser-em-si. O tempo assiste ao

    embate dos dois modos de ser, no sentido, que o para-si foge do em-si e utiliza do

    mesmo para se constituir. Mas quando se constitui, o tempo age, engessando o

    para-si em um passado que jamais poder ser alterado. Assim, a luta do para-si,

    encontra-se em uma luta perdida, pois luta contra aquilo que no quer ser. O em-si,

    que a perda de suas possibilidades no presente, como opo de fazer-se, e no

    futuro com possibilidade de realizao de construo de ser.

    No se pode negar a realidade de ligao dos modos de ser do para-si e doem-si. Negar um dos modos limitar o ser naquilo que no se pode negar, a sua

    existncia. O ser como ser-para-si de estrutura aberta, mas que, com a morte e o

    tempo, pode fech-lo. Dessa forma, como se pode falar de uma possibilidade de

    superao do ser?

    1.6 Justificativa do fundamento da possibilidade de ser

    O fundamento de constituio do ser para-si um espao que se chama,

    segundo Sartre, de nada. Este o espao da fuga do em-si para o para-si. ele

    o espao de fuga que permite o ser ser alguma coisa que ainda no . Este

    nada pode se chamar de no-ser. Mas por que o para-si preciso ir ao nada?

    Por que o para-si vai a uma realidade que no acrescenta algo ao seu ser? Quem

    faz o ser ir ao nada?

    O nada nasce puramente da liberdade humana, da angstia da realidade dopara-si. Ele, o nada, surge como ser negado pela conscincia. Toda a realizao, ao

    mesmo tempo em que uma constituio, tambm uma eliminao de

    possibilidade. O para-si, como conscincia, faz uma recusa da realidade que j lhe

    foi construda pelas escolhas feitas. Nega de si o que se tornou um ser-em-si. Assim,

    o para-si nega o passado como constituidor de ser para no ter algo que engesse.101

    100 Cf. SARTRE, op. cit., p. 281.101 Cf. Ibid., p. 254.

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    No nada, a nica coisa que existe a possibilidade de ser. Quanto mais o

    ser-para-si foge de ser do em-si e o apreende, muito mais possibilidade de ser lhe

    agregada. Isto , quanto mais angustiada a conscincia sobre a sua realidade, muito

    mais possibilidade de ser lhe conferida. J que o para-si, como j delatado, no

    consegue se deparar com a perda de suas possibilidades.102 Assim, pela angstia,

    acontece a ciso do ser, gerando o no-ser possibilitando o mesmo ir ao prprio

    nada.

    O ser-para-outro o principal propulsor da fuga do em-si para o para-si e

    consequentemente para o nada. O para-si repleto de possibilidades, mas o para-

    outro tambm tem inmeras. Entre el