a polÍtica educacional para pessoa com deficiÊncia … · globais do desenvolvimento no ensino...

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Eixo: Política Educacional A POLÍTICA EDUCACIONAL PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (1980-2015) Ana Paula Santi (Unioeste) 1 Paulino José Orso (Unioeste) 2 Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar alguns aspectos acerca da pesquisa que se encontra em desenvolvimento, cuja finalidade é analisar as teorias pedagógicas relacionadas à implantação da Política Nacional para Educação Inclusiva nos Sistemas de Ensino da região Oeste do Paraná, a partir da década de 1980. À luz da Pedagogia Histórico-Crítica pretende-se explicitar as propostas de educabilidade para Pessoa com Deficiência (PCD). Para tanto, são utilizadas referências bibliográficos que abordam as questões relacionadas ao currículo e os documentos norteadores das Políticas Educacionais dos diferentes Sistemas de Ensino, aos quais as instituições escolares que atendem à escolarização da Pessoa com Deficiência estão vinculadas. Também abordaremos conceitos tais como: Estado, Políticas Sociais, Políticas Educacionais, Currículo e Concepção de Desenvolvimento Humano, partindo do pressuposto de que as teorias não são neutras e podem expressar concepções diferentes e até mesmo antagônicas. O escopo de tal investigação é referenciar, conceituar e provocar discussões que subsidiem os profissionais que atuam na Educação Especial, os gestores das instituições de ensino, os membros dos Conselhos Municipais da Educação e os Fóruns Municipais da Educação, com vista à defesa de uma pedagogia que tenha como fim a emancipação dos alunos com e sem Deficiência das redes públicas de ensino. Palavras-chave: Deficiência; Diversidade; Políticas Educacionais; Democratização e Pedagogia Histórico-Crítica. 1 Ana Paula Santi, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Paulino José Orso, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected].

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Eixo: Política Educacional

A POLÍTICA EDUCACIONAL PARA PESSOA COM

DEFICIÊNCIA (1980-2015)

Ana Paula Santi (Unioeste)1

Paulino José Orso (Unioeste)2

Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar alguns aspectos acerca da pesquisa

que se encontra em desenvolvimento, cuja finalidade é analisar as teorias pedagógicas

relacionadas à implantação da Política Nacional para Educação Inclusiva nos Sistemas de

Ensino da região Oeste do Paraná, a partir da década de 1980. À luz da Pedagogia

Histórico-Crítica pretende-se explicitar as propostas de educabilidade para Pessoa com

Deficiência (PCD). Para tanto, são utilizadas referências bibliográficos que abordam as

questões relacionadas ao currículo e os documentos norteadores das Políticas

Educacionais dos diferentes Sistemas de Ensino, aos quais as instituições escolares que

atendem à escolarização da Pessoa com Deficiência estão vinculadas. Também

abordaremos conceitos tais como: Estado, Políticas Sociais, Políticas Educacionais,

Currículo e Concepção de Desenvolvimento Humano, partindo do pressuposto de que as

teorias não são neutras e podem expressar concepções diferentes e até mesmo

antagônicas. O escopo de tal investigação é referenciar, conceituar e provocar discussões

que subsidiem os profissionais que atuam na Educação Especial, os gestores das

instituições de ensino, os membros dos Conselhos Municipais da Educação e os Fóruns

Municipais da Educação, com vista à defesa de uma pedagogia que tenha como fim a

emancipação dos alunos com e sem Deficiência das redes públicas de ensino.

Palavras-chave: Deficiência; Diversidade; Políticas Educacionais; Democratização e

Pedagogia Histórico-Crítica.

1 Ana Paula Santi, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. E-mail:

[email protected]. 2 Paulino José Orso, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. E-mail:

[email protected].

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Introdução

Na região Oeste do Paraná coexiste o Sistema Estadual e os Sistemas Municipais

de Ensino que aderiram, de forma diferenciada a “Política Nacional de Educação

Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva”, no ano de 2007.

Tal adesão implica na inclusão dos alunos com Deficiência e Transtornos

Globais do Desenvolvimento no Ensino Comum e a implantação do serviço de apoio

Atendimento Educacional Especializado, através das Salas de Recursos Multifuncionais

e outros serviços de apoio especializados, no contraturno e outros serviços no turno do

Ensino Comum.

Paralelo a este processo de inclusão da Pessoa com Deficiência e/ou Transtornos

Globais de Desenvolvimento, mantêm-se, no Oeste do Estado do Paraná, escolas

exclusivas para o atendimento à PCD, com seus Projetos Políticos Pedagógicos próprios.

Estas são instituições de direito privado, que prestam serviços educacionais, clínicos e

assistenciais, e possuem convênios com o Estado.

Da mesma forma, as escolas do Ensino Comum, tanto públicas como privadas,

apresentam seus Projetos Políticos Pedagógicos próprios, adequando-se a adesão dos seus

respectivos Sistemas de Ensino à Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva

da Educação Inclusiva.

No entanto, o processo de escolarização da PCD, seja nas escolas inclusivas

como nas exclusivas, podem estar instaurando somente novos elementos a uma

problemática já recorrente no cotidiano escolar, tanto brasileira como regional, como

também de nível global, que se refere à exclusão de uma parcela significativa dos alunos,

nos processos educativos formais, dos conhecimentos culturais, em seus níveis mais

desenvolvidos.

Tais apropriações culturais lhes permitiriam apropriar-se e constituir-se

enquanto indivíduos conscientes da sua história, participativos e produtivos de uma

história possível para si e para humanidade. Portanto a necessidade de estudo sobre como

se constitui este Estado que gestiona a política pública para educação formal da PCD.

Salientamos que o slogan do Estado como “democrático” e “descentralizador”,

a partir da década de 1980, incentiva ações de constituição de diversos “Conselhos”, que

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podem ser de natureza consultiva, fiscalizadora, deliberativa e, também, de

normatizadora3. Na área da Educação tem-se, por exemplo: Conselhos de Classe,

Conselhos Escolares, Conselhos Municipais de Educação, Fóruns Municipais

Permanentes de Educação, dentre outros, que se estendem pelas diferentes esferas

regionais, estatuais e nacionais.

Os membros dos Conselhos de nível “municipal”, constituem-se paritariamente,

via de regra, entre ocupantes de cargos governamentais e não governamentais, por

representatividade de indicação ou de eleição. Esses podem decidir e normatizar sobre

pautas que, por sua vez, podem direcionar (com determinado limite) condições para a

materialização da proposta teórico-metodológica educacional, anunciada pela Rede

Municipal de Ensino e/ou pelo Sistema de Ensino do qual está vinculado.

Tais sujeitos, podem não ter clareza ou mesmo referências históricas que lhes

permitam tomar, com maior propriedade, decisões deveras importantes quando à

educabilidade dos alunos, com ou sem deficiência, uma vez que há lacunas a respeito de

pesquisas que contemplem a explicitação das tendências pedagógicas nos documentos

curriculares, ou mesmo da própria história da educação daquela comunidade, ou de

determinada modalidade de ensino naquela comunidade, que se diferencia ou não da

generalidade, e que faz diferença no processo decisório.

Estas lacunas são reconhecidas no campo da Educação Especial e tornam o

campo da atuação dos profissionais, que trabalham nesta modalidade, ou de seus gestores

ou conselheiros, nos últimos anos, um tanto “nebulosa” ou mesmo “frágil”.

Ainda pode afirmar que os sujeitos que atuam na área, como professores ou

como responsáveis pela formação continuada destes professores, e mesmo os que atuam

na proposição de Políticas Públicas, ficam como que “a mercê” ou “reféns” de projetos,

de programas ou de “sujeitos” que podem não ter como propósito a formação escolar

promotora do desenvolvimento omnilateral.

Explicitar as perspectivas de formação escolar históricas, porém vigentes nos

Sistemas de Ensino, que podem ser diferentes e até mesmo antagônicas, e que estão em

3 Para a função institucional normatizadora de Conselho Municipal de Educação, faz-se necessário que esse esteja atrelado a instituição de um Sistema de Ensino

próprio, todos “subjugados” ao poder executivo público municipal. No caso de Toledo (PR), a criação do Sistema próprio de Educação é de 2003 e o de Cascavel

(PR) é instituído no ano de 2010. Tratam-se dos únicos Sistemas municipais de Ensino, da Região Oeste do Paraná.

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disputa, amplia as possibilidades dos próprios educadores, no limite do sistema

organizacional de ensino próprio, de propor uma prática docente mais coerente em relação

às demandas da “escolarização para todos”.

Nesse caso, poderá beneficiar também a escolarização das PCD, em instituições

exclusivas, reconhecendo que maior conhecimento sobre a política pública permite mais

coerência nas ações dos gestores e professores destas instituições, que podem promover

o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores dos alunos com deficiência.

Faz-se urgente conhecer as categorias históricas que envolvem o campo da

Educação Especial. Suas determinações permitem realizar uma discussão fundamentada,

instrumentalizada e coerente para visualizar os limites e possibilidades, quando estão

sendo construídas, implantadas e implementadas Políticas Públicas específicas de

formação escolar.

A pesquisa apresentada está em fase inicial de desenvolvimento e, portanto,

neste momento serão destacados os conceitos principais em relação ao tema, tais como:

Política Pública de Educação Inclusiva, Currículo e Teorias Pedagógicas, compreendendo

que podem subsidiar os Projetos Políticos Pedagógicos Escolares do Oeste do Paraná, que

serão posteriormente analisados.

Ensinar para todos: uma política social e uma proposta curricular para a

diversidade

O anúncio político de “Ensinar para todos” ou da “escolarização da Pessoa com

Deficiência, na ótica da Educação Inclusiva”, foi empregada pela adesão do Estado

Nacional, aos documentos internacionais a partir da Constituição Federal - CF de 1988,

sobretudo pelo adendo à Constituição Federal, apresentado pelo Decreto Legislativo nº

1864, de 2008.

A partir desta adesão há implantações, por meio das Políticas Públicas nacionais,

atreladas a programas, projetos e financiamentos próprios, pelos Sistemas Públicos de

4 Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.

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Ensino5, regulamentados pelo regime de colaboração entre os entes federados e suas

instituições colegiadas. Esta proposta indica a necessidade de uma “Revolução

Educacional” para os Sistemas de Ensino.

A maior parte dos entes federados e Sistemas de Ensino aderiram à “Política

Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva”, de modo geral,

em todas as suas prerrogativas.

Entretanto, o Estado do Paraná e seu Sistema de Ensino, apresentam algumas

peculiaridades em relação ao tema6, ao mesmo passo que os Sistemas de ensino, deste

Estado, entre eles, o Sistema de Ensino próprio de Toledo (PR) e o de Cascavel (PR),

expressam diferenças, que merecem atenção, em relação à implementação da Política

Nacional, aderida pelo Sistema Estadual até a atualidade e que serão analisadas mais

adiante.

Para este momento, cabe a exposição dos conceitos de currículo, política

educacional como política pública (de Estado), e de Educação Formal7 para o

desenvolvimento da Pessoa com Deficiência.

O Currículo pode expressar questões fundamentais, das quais os profissionais da

educação precisam estar cientes, ou seja, aptos a identificar para que, de forma

substancial, possam agir ou reagirem às propostas educacionais em curso. Nesse sentido,

pautados em Sacristan (1998), cabe indagar,

Que objetivos, no nível de que se trate, o ensino deve perseguir? O que

ensinar, ou que valores, atitudes e conhecimentos estão implicados nos

objetivos? Quem está autorizado a participar nas decisões do conteúdo

da escolaridade? Por que ensinar o que se ensina, deixando de lado

muitas outras coisas? Trata-se da justificativa do conteúdo. Todos esses

objetivos devem ser para todos os alunos/as ou somente para alguns

deles? Quem tem melhor acesso às formas legítimas de conhecimento?

Esses conhecimentos servem a quais interesses? Que processos incidem

e transformam as decisões tomadas até que se tornem prática real?

Como se transmite a cultura escolar nas aulas e como deveria se fazer?

[Já que a forma de ensinar não é neutra quanto ao conteúdo do

ensinado]. Como inter-relacionar os conteúdos selecionados

oferecendo um conjunto coerente para os alunos/as? Com que recursos

5 As prerrogativas legais e gerais sobre os sistemas de ensino estão dispostas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394 de 1996.

6 A este estudo referenda-se o texto “Reflexões sobre a Política de Educação Especial Nacional e no Estado do Paraná”, das autoras Evelcy Monteiro Machado e

Maria da Glória Lima Pereira Vernick, publicado no ano de 2013, cujo material encontra-se disponível em meio eletrônico.

7 A respeito da relação da Educação formal e do Estado, pelo viés da Luta de Classes, indica-se a obra “Educação e Luta de Classes”, organizado por Paulino José

Orso, et al, publicado no ano de 2008.

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metodológicos, ou com que materiais ensinar? Que organização de

grupos, professores/as, tempo e espaço convém adotar? Quem deve

definir e controlar o que é êxito e o que é fracasso no ensino? Como

saber se houve êxito ou não no ensino e quais consequências têm sobre

o mesmo as formas de avaliação dominantes? Como podem se mudar

as práticas escolares relacionadas com esses temas? (SACRISTAN,

1998, p. 124-125)

Essa citação expressa o que se pode denominar como imediato, o que está

acessível aos órgãos do sentido, dos profissionais da educação, mesmo porque tais

sujeitos, em tese, são os que, em grande medida produzem o currículo escolar. Entretanto,

o currículo escolar, ou sua sistematização não se limitam ao Projeto Político Pedagógico

das instituições escolares. Há, portanto, outras instâncias curriculares, que precisam ser

analisadas, conforme o mesmo autor destaca:

(...) o currículo como processo se expressa em diversos âmbitos de

decisões e realizações, intimamente relacionados e interdependentes,

quais sejam: o âmbito das decisões políticas e administrativas: o

currículo prescrito e regulamentado; b) o das práticas de

desenvolvimento, modelos em materiais, guias: o currículo planejado

para professores e alunos; c) o das práticas organizativas: o currículo

organizado no contexto de uma escola; d) o da reelaboração da prática

– transformações no pensamento e no plano dos professores/as, e nas

tarefas escolares: o currículo em ação; e) o das práticas de controle

internas e externas: o currículo avaliado. (SAVIANI, 2002; apud.

SACRISTAN, 1998, p. 139)

Segundo estudos recentes, a respeito das tendências pedagógicas mais presentes

na história dos currículos nacionais, atreladas intimamente a própria história da educação

brasileira e suas influências externas, Malanchen (2014), por meio de autores, tais como

Silva (2009), apresenta a centralidade das tendências em três grandes campos teóricos:

Tradicional, Crítica e Pós-crítica, das quais serão listadas algumas tendências

pedagógicas8.

Destacamos que, para Malanchen (2014), as primeiras preocupações com a

organização e sistematização curricular ocorreram no Brasil a partir de 1920, sob um viés

idealista-racionalista, próprio das áreas da administração, dado a compreensão da escola

como formadora das demandas econômicas de reprodução social, para o mercado, na

8 Reconhecendo, desde já o limite para a exposição da constituição das Tendências Pedagógicas, referenda-se a obra “História das ideias pedagógicas no Brasil”, do

autor Demerval Saviani.

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égide desenvolvimentista-industrial9. O Brasil importa, basicamente, ideias norte-

americanas, também pelos acordos que o Brasil firma com os organismos multilaterais,

em prol, na época, do “progresso”.

Nesse contexto, no Brasil, ascendem as teorias consideradas tradicionais, das

quais se destacam as seguintes: Liberal Renovadora, Liberal Renovadora não-diretiva e

Liberal Tecnicista. Tais tendências correspondem a conjunturas políticas específicas, que

influenciaram, de forma singular, na implementação das mesmas. Portanto, não foram

concretizadas de forma cronológica-linear10.

Já em meados da década de 1970, o currículo escolar passa a ser criticado. Vários

autores apresentaram propostas de desconstrução das teorias tradicionais e de construção,

sobretudo, das seguintes teorias: Teorias Pedagógicas Libertadoras e Libertárias, Crítico

Social dos Conteúdos e Pedagogia Histórico-Crítica11.

Apesar de considerar a “abertura” política da década de 1980, e as possibilidades

que se travam, pela luta dos movimentos sociais a partir desta época, tem-se também, por

outro lado a implantação de ideologias educacionais, por meio das adesões, do Estado

brasileiro aos acordos internacionais desta época, que “garantem acesso aos direitos para

todos” e “pela paz”, acrescenta-se também pelo associativismo e empreendedorismo.

Nesse contexto, apresentam-se as teorias pedagógicas, consideradas “pós-

críticas”, que apregoam, segundo Duarte (2010), o relativismo cultural e epistemológico,

dentre os quais, destacam-se as tendências pedagógicas de “currículo em rede”, “currículo

plural” e “currículo multicultural”. O autor ainda denomina tais tendências pedagógicas,

ou ideias pedagógicas, como pedagogias do “aprender a aprender”, referenciando o

documento da UNESCO, relatório sistematizado por Jacques Delors, “Educação: Um

tesouro a descobrir” sobre os quatro pilares para Educação do século XXI”.

Ainda, nessa perspectiva, encontram-se as Políticas Educacionais e curriculares

para a diversidade em seus aspectos raciais, de identidade e de alteridade e, no enfoque

9 Para aprofundar o tema e o período histórico indicado, referenda-se a obra “Currículos e programas no Brasil” do autor Antônio Flávio Barbosa Moreira, indicado

no referencial bibliográfico.

10 A título de exemplo, o que ocorreu com a tendência pedagógica “Liberal Renovadora”, cujo projeto de reforma educacional, direcionado no início da década de

1930, por Anísio Teixeira (na época ocupante de cargos executivos na área da educação), quando se defronta à conjuntura política brasileira ditatorial do “Estado

Novo” (1937-1945) e as reformas educacionais, que, de fato, são implementadas no país, por Gustavo Capanema.

11 Referenda-se a obra “Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras Aproximações”, do autor Demerval Saviani.

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deste estudo, as políticas que tratam das diferenças em relação às condições de deficiência

física-sensorial ou mental.

Na contraposição das abordagens que tratam com superficialidade as condições

objetivas de existência e de desenvolvimento da Pessoa com Deficiência, destaca-se como

referencial, a Psicologia “Histórico-Cultural” ou “Sócio-Psicológica”, em combinação

com a Teoria Pedagógica, conhecida como “Pedagogia Histórico-Crítica”, que seguem,

de forma breve, nesta apresentação.

Na concepção de desenvolvimento psicológico, o ser humano apresenta “Planos

de Desenvolvimento”, que o diferenciam dos demais animais, a saber: Filogênese,

Ontogênese, Sociogênese e Microgênese, sendo esses mais influenciados pelas interações

sociais do que pré-dispostos ou limitações, por questões biológicas. Inclusive, pode-se

afirmar que os sujeitos da interação são capazes de perceber, responder, generalizar e

alterar suas próprias percepções (sentidos, significados), reorganizar-se enquanto

estruturas psíquicas, a ponto de poder ultrapassar barreiras socialmente impostas, de

acordo com o surgimento de novos conhecimentos ou também conhecido como

“Aprendizagem Especial”.

Nesse sentido, o homem não nasce pronto, ele é constituído na relação social ou

pelas interações sociais mediadas (signos e instrumentos), que são apropriações culturais

regidas por meio dos processos de ensino-aprendizagem.

O homem, portanto, interage tanto como objeto do conhecimento como com os

sujeitos a sua volta, dependendo de como os vê, ou seja, subsidiados com valores social

e historicamente determinados, que, por sua vez configuram um contexto social também

determinado.

De acordo com o autor soviético Luria, quando trata da passagem do pensamento

concreto imediato, ao pensamento teórico lógico-verbal, considerando as questões de

“problema do pensamento”, originado nos estudos sobre os “Fundamentos da

Defectologia”, investigados pelos seus precursores e companheiros de estudo Vigotski e

Leotiev, expressa que:

O enfoque científico do problema do pensamento é impossível sem

partir de uma investigação detalhada das formas de vida social que

caracterizam uma e outra etapa do desenvolvimento histórico e sem se

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vincular as modificações na estrutura dos processos intelectuais com as

transformações de novos tipos de pensamento. (LURIA, 1986, p. 209)

Ora, as peculiaridades da forma superior de vida do homem, segundo Luria

(1986), devem ser analisadas, portanto, na forma histórico-social de atividade, que está

relacionada com o trabalho social, com o emprego de instrumentos de trabalho e com o

surgimento da própria linguagem, como resultantes de dadas necessidades, do

desenvolvimento das forças produtivas.

Essa teoria da aprendizagem, que reconhece os sujeitos do processo ensino-

aprendizagem como possuidores ou incorporadores de saberes oriundos de determinadas

intenções, ideias a respeito do que é ensinado, considera também os signos, significados

e significantes oriundos das suas formas de vida social.

Portanto, as diferenças ou desigualdades, quanto a valores sociais relativos ao

nível de aprendizagem e traços comportamentais entre o homem está vinculado, conforme

o autor Leontiev (1978), não as suas diferenças biológicas naturais, mas as suas

desigualdades econômicas, sendo esse o foco mais expressivo da realidade histórica da

humanidade. A respeito do tema expressa:

Se um ser inteligente, vindo de outro planeta visitasse e descrevesse

aptidões físicas, mentais e estéticas, as qualidades morais e os traços de

comportamento de homens pertencentes às classes e camadas sociais

diferentes ou habitando regiões ou países diferentes, dificilmente, se

admitiria tratar-se de representantes da mesma espécie. Mas essa

desigualdade não provém de suas diferenças biológicas naturais. Ela é

produto das desigualdades econômicas, da desigualdade de classes e da

diversidade consecutiva e suas relações com as aquisições que

encarnam todas as aptidões e faculdades da natureza humana, formadas

no decurso de um processo sócio-histórico (LEONTIEV, 1978, p. 274).

Quanto à Pedagogia-Histórico-Crítica, tendo em conta o limite do texto,

apresenta-se a necessidade de, por meio da escolarização, desenvolver em cada sujeito

singular, por meio da apropriação dos conteúdos curriculares, o máximo de

desenvolvimento cultural, construído coletivamente pela humanidade, esse é o conteúdo

e compromisso da Escola.

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A forma de ensinar12 está condicionada pelos sujeitos, que são históricos e

determinados, em grande medida, pelas condições sociais de existência em que estão

inseridos, e que se refere aos instrumentos mediadores disponíveis, ou seja, pelo

desenvolvimento histórico das forças produtivas e pela classe social que pertencem, de

modo geral, no caso deste estudo, referindo-se aos sujeitos do processo de ensino-

aprendizagem das escolas públicas de ensino.

Assim, o trabalho pedagógico é um trabalho de condições, de escolhas, de

compromisso e de interesse ético e político, pois a lógica empregada relaciona

dialeticamente a Educação Formal e as possibilidades de desenvolvimento do psiquismo

humano13.

A constituição da consciência “de si” e “para si” é social e mediada, vê-se como

cada vez mais necessária em tempos, cujas contradições sociais tornam-se distantes entre

os que podem ter mais e, por outro lado, os que têm menos condições de apropriações dos

conhecimentos científicos.

Tais questões são compreendidas como condicionantes para ações coletivas e

individuais, em diferentes espaços, para o trabalho e a luta pela qualidade da educação,

que promova desenvolvimento integral dos sujeitos da educação formal, sejam eles com

ou sem deficiência.

Não basta termos os alunos com deficiência entre nós (mesmo reconhecendo que

seja condição primária), é preciso que esses e todos os outros tenham aprendizado, tenham

desenvolvimento. É preciso que o próprio professor e professora sejam desenvolvidos no

processo de ensino, preferencialmente com seus pares nos estudos coletivos direcionados.

Para Santi (2006), em se tratando das Políticas Educacionais para Educação

Inclusiva, apresenta a seguinte premissa:

A analogia entre a teorização e a prática do atendimento às pessoas com

deficiência é clara. É preciso discutir sobre as bases que fundamentam

as diferenças, a exclusão e marginalização do ser humano na sociedade

moderna. Entendemos que esta discussão é apriorística e fundamental

à discussão dos limites e possibilidades da educação inclusiva do nosso

século. (SANTI, et al, Edunioeste, 2006, p. 93)

12 A respeito da história da unidade ou divergências dos conteúdos e formas de ensinar (didática), referenda-se a obra “Saber escolar, currículo e Didática: problemas

da unidade conteúdo/método no processo pedagógico”, da autora Nereide Saviani.

13 A esse tema referenda-se a obra “O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia

histórico-crítica”, da autora Lígia Márcia Martins, publicado em 2013.

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Assim, como muitos pesquisadores, entre eles Franco (2003), parte do princípio

de que a ideia de que um objeto de pesquisa interativo14 deriva de substâncias materiais

da vida dos sujeitos, bem como possibilita desenvolver estratégias de interferência na

práxis pedagógica.

Segundo Franco,

Uma ação pedagógica passível de alguma alteração na práxis dos

sujeitos é possível, à medida que o pesquisador interage com o objeto

de pesquisa também através de “[...] atitudes problematizadoras e

contextualizadoras das circunstâncias da prática; dentro de uma

perspectiva crítica sobre as ideologias presentes na prática, tendo por

objetivos a emancipação e a formação dos sujeitos da prática.

(FRANCO, 2003, p. 88)

Ora, o que de fato condiciona a vida dos sujeitos, suas ações e suas abstrações ou

representações conceituais sobre as questões permeiam o seu cotidiano? O que, de fato

determinam os seus processos educacionais formais? Entende-se que os elementos que

condicionam a vida dos sujeitos, suas ações e suas ideias resultam da relação a que este

sujeito está condicionado na produção da sua existência. Por meio do trabalho, portanto,

que é “ontológico do ser social15”, nesse sentido, as relações sociais que o homem

estabelece a partir das relações materiais de existência, são explicitadas por Marx (1976),

A forma como os indivíduos manifestam sua vida reflete muito

exatamente aquilo que são. O que são coincide, portanto com a sua

produção, isto é, tanto como aquilo que produzem como a forma cotizo

produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das

condições materiais de sua produção. Esta produção só aparece com o

aumento da população e pressupõe a existência de relações entre os

indivíduos. A forma dessas relações é por sua vez condicionada pela

produção (MARX, 1976, p. 18).

14 No sentido de que o pesquisador interagindo com o objeto de pesquisa, tenha que ser este último próprio do seu cotidiano para que haja maior possibilidade de

produtividade no sentido de transformação do objeto social analisado, para beneficio da classe trabalhadora. No objeto há o ganho imediato no que tange a maior

possibilidade da revelação aproximada da sua “essência” (relações a que está condicionado) e do pesquisador o ganho no sentido de um maior enriquecimento teórico

em relação ao objeto por meio do exercício da conceituação.

15 Este termo anunciado refere-se aos estudos realizados por Sergio Lessa (2012), que tratam das categorias que Georg Lukács (Filósofo Húngaro influenciado por

Emanuel Kant, Friederich Engels e Karl Marx). Lessa traduz estes estudos na obra “Mundo dos Homens - trabalho e ser social”. Referimo-nos, principalmente a

“Ontologia do ser social”. Lessa apresenta didaticamente como o desenvolvimento das forças produtivas condicionam, em grande medida, as relações sociais.

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Pode-se dizer que tanto o pensamento como as ações são aspectos imanentes e

dialógicos, originados na “práxis”, ou seja, o homem abstrai (ideia) daquilo que o

movimento do real (material) lhe permite captar, sendo que esta captação do real é

aprendida por nós de forma singular, e essa singularidade tem haver, em gande medida,

com o acesso ou não de cada sujeito aos bens mateiais e culturais produzidos pela

humanidade.

O que permite teorizar nosso cotidiano, buscando o que é regular, o que é

essencial, numa proposta de pesquisa transformadora da realidade, são ferramentas

conhecidas, por essa lógica de compreender a realidade objetiva, como “conceitos” e

“generalização” ou algo que do fenômeno é “substancial16”, em determinadas

contradições históricas.

Nesse sentido, compreende-se que os fundamentos dos documentos curriculares

podem estar presentes de forma alinhada ou desarticulada das múltiplas determinações

das Políticas Públicas do Estado, sendo que se faz necessário a teorização da definição do

Estado como natureza, funcionamento e limites de ações promovidas e promotoras de

materialidade (condições materiais) e ideologias.

Enquanto política social-educacional, pode-se destacar dois conceitos de Estado,

a primeira refere-se à citação do autor Friedrich Engels (2002), com um panorama

explícito da natureza e dos limites desta organização, mesmo que considerando o sufrágio

universal, e o segundo autor Faleiros (2009), com a compreensão de possibilidades de

intervenção social deste aparelho.

Segundo Engels,

O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à

sociedade de fora para dentro; tampouco é "a realidade da idéia moral",

nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. É antes um

produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de

desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa

irremediável contradição com ela própria e está dividida por

antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas, para

que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos

colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta

estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da

16 Lukács, in Lessa (2012) expressa a substancialidade dos fenômenos no seu âmbito processual indicando que “...a substancialidade (...) não é uma relação estático-

estacionária de autoconservação que se contraponha em termos rígidos e excludentes ao processo do devir, ela ao invés se conserva em sua essência, mas

processualmente...” (p. 45).

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sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos

limites da "ordem". Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima

dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS, 2002, p. 191).

Faleiros (2009), por sua vez, destaca que o Estado promove as condições para

reprodução do capital em detrimento da exploração da classe trabalhadora, com o

conjunto de organizações e instituições da superestrutura, de categorias, tais como a do

individualismo17 (cada um deve valer por si mesmo, ou do direito civil individual,

subjetivo), o que também desfavorece a união entre grupos que possam reivindicar

direitos sociais ao Estado18.

Segundo o autor, as Políticas Sociais no capitalismo, devem ser concebidas a partir

da luta de classes que, ao mesmo passo, reproduzem a manutenção das classes sociais.

Contudo, precisam conceder determinados “benefícios” a ambas as classes, conforme se

apresentam os resultados de acirramento entre estas antagônicas e irreconciliáveis classes

sociais. Por essa contradição, inerente à natureza das instituições da Superestrutura no

Estado Capitalista, o papel das ideologias humanistas, sejam progressistas ou liberais (a

serviço da classe burguesa), escamoteiam as relações de exploração, em última instância,

à classe trabalhadora.

Para que haja o equilíbrio necessário, o aparelho do Estado deve gerenciar (medir,

analisar e intervir) sobre os seguintes elementos: as forças produtivas, o mercado (oferta

e procura), relações de forças, dentro de um mesmo Poder, sob interesses de diferentes

grupos da classe dominante, na ordem também política.

O slogan ideológico comumente reconhecido, por parte do Estado liberal, é

“igualdade social de melhoramento do bem-estar e o de igualdade de oportunidades”

(Faleiros, 2009, p. 46) para os cidadãos. Essa “bandeira” liberal, em todas as suas

17 É interessante perceber que, no Brasil, a partir da Lei 13.146 de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que altera, inclusive o Código Civil brasileiro, a

Pessoa com Deficiência não é mais considerada “incapaz”, Entretanto, por essa premissa também deixa de ser assegurado, para a maioria dos casos, o seu provimento

básico (benefícios sociais específicos). Ou seja, deixa de ser compreendido como “desgraçado” místico ou “desfavorecido” social e historicamente, logo, pela lógica

liberal do direito passa a ser somente “responsável pelo seu fracasso”, com mérito ou demérito individual, ou seja, um legítimo “cidadão”.

18 A título de exemplo, a “institucionalização dos conflitos”, por meio das legislações que regulamentam inclusive o “direito” à greve. Assim também

individualmente os pais dos alunos com deficiência previsão requerer seus direitos, em processos de instâncias jurídicas determinadas, quando estes direitos lhes são

negados materialmente.

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atualizações vem, ao longo dos anos, sob o apoio da “tolerância religiosa19”,

reorganizando a superestrutura, por meio também de concessões às diferentes e

antagônicas classes sociais, sob o viés de determinadas Políticas Públicas.

De acordo com o autor, o Estado capitalista intervém, por meio da Política

Pública, para garantir renda mínima (auxílio social) ou “o mínimo” para que se mantenha

o trabalhador vivo para o trabalho (no molde de organização do trabalho capitalista), para

que seja garantido o consumo, e, por vezes, são aceitáveis financiamentos públicos para

o incremento a determinados setores da indústria, do comércio e dos serviços privados.

Isso “faz a roda da economia girar”, ou seja, tem-se a reprodução da sociedade, com

condições divergentes, equitativamente díspares de condições objetivas de existência e

de desenvolvimento.

Contraditoriamente, é preciso reconhecer que as Políticas Sociais possibilitam o

trabalhador “estar vivo para fazer história”, ou seja, as Políticas Sociais representam uma

redistribuição da riqueza, mesmo que se reconheça como desproporcional.

Assim, como o salário corresponde à força de trabalho vendido, mas o salário não

é suficiente para o provimento, garantido pelo direito de Estado burguês. Por essas

questões primárias de existência humana, a classe trabalhadora vem lutando pelo aumento

do salário mínimo, como ordem, e por políticas públicas mínimas de “cotas”, como

visualização de possibilidades únicas, em função do que conseguem perceber como

condições objetivas para a ação.

A correlação de forças entre as diferentes frações da burguesia e das classes

subordinadas exigem do Estado20 determinadas concessões para manter a reprodução das

classes, ou seja, há concessões também aos diferentes movimentos sociais da classe

trabalhadora, na medida da organização e visibilidade destas. Mas, em última instância,

as mudanças evidenciadas em relação a “Políticas Sociais”, ocorrem na história, dentro

19 Menção a obra de John Locke “A carta sobre a tolerância”, que foi originalmente publicada em 1689. Segundo o autor James H. Tully, o texto foi produzido com

a intenção de ser uma carta a um sujeito de pseudônimo “Sr. Honrado”, em um contexto que o catolicismo avançava sobre a Inglaterra e, que se não fossem tomadas

devidas precauções, ou seja “tolerância religiosa” ela poderia corresponder a um “problema” entre as forças superestruturais do “Estado”.

20 A respeito da origem e função do Estado no Capitalismo referenda-se do capítulo I “As Classes Sociais e O Estado” da obra “O Estado e a Revolução” do autor

Vladimir Ilitch Lenine (ou Lênin), escrito em 1917, quando discute sobre os limites do Estado no Capital, com o que o autor chamava de “sociais-patriotas” ou

“oportunistas”. Lenine estava resgata, para tanto, os escritos Marxianos de Engels na obra “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado”, sobretudo do

subtítulo “Barbárie e Civilização” cuja primeira publicação foi no ano de 1884.

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dos limites do conservadorismo. Nesse sentido, não se nega a força dos movimentos das

classes subordinadas, mas resgata-se a arraia dessas Políticas Sociais.

Nesse ensejo, as Políticas de Acessibilidade, por exemplo, engendram-se mais no

plano ideológico do que promotora da universalização dos direitos universais. Os direitos

sociais limitam-se, no caso da PCD para “quebrar barreiras” de aspectos: urbanísticos,

arquitetônicos, de transportes, das comunicações e das informações, atitudinais e

tecnológicas, como se, fossem suficientes, tais questões, para o pleno desenvolvimento

humano e da efetiva apropriação dos bens, culturalmente construídos socialmente, e em

seus níveis mais desenvolvidos, tanto para as pessoas com deficiência, como para

qualquer trabalhador.

Ressalta-se que, ao aplicar a possibilidade de benefícios sociais a cada vez mais

escassa população de “incompetentes sociais”, dado que a liberdade e oportunidades de

adquirir propriedade são iguais para todos. O próprio Estado, sob determinada anuência

da maioria dos trabalhadores, instituem a desigualdade em relação aos rendimentos,

possibilidade de acesso aos bens culturais sociais, à justiça, entre outros.

Porque, a garantia da política social deve ser de “o mínimo”, como “cobertura dos

riscos sociais”, individuais e de determinados grupos, principalmente, neste caso, os

sujeitos à vulnerabilidade de “interrupção ou perda de renda”, sendo estes resultantes da

forma de organização da produção social e da forma de distribuição dos seus bens.

Considerando que ao tratar de “mínimo” nesta lógica, estamos também tratando

como “máximo”, mesmo porque, as Políticas Sociais tendem a não beneficiar a

possibilidade de acúmulo de benefícios.

Sem que haja um entendimento puramente maquiavélico21 ou fatídico do Estado,

enquanto “árbitro justaposto a serviço da burguesia”, destaca-se, segundo Faleiros (2009)

outro aspecto de compreensão do Estado capitalista.

O Estado não é um árbitro neutro, nem um juiz de bem-estar dos

cidadãos. Nem é um instrumento, uma ferramenta nas mãos das classes

dominantes, para realizar seus interesses. O Estado é uma relação

social. Neste sentido é um campo de batalha, onde as diferentes

frações da burguesia e certos interesses do grupo no poder se defrontam

e se conciliam com certos interesses das classes dominadas.

21 Referência a Nicolau Maquiavel (1469- 1527) e sua obra mais conhecida “O príncipe”, escrita em 1513, e que, ao analisar os diferentes líderes políticos na

história, apresenta um ideal liberal, para sua época de “Estado” e de “governo/governabilidade”, sob o prisma de centralidade política.

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Se não se considera o Estado como o resultado de um consenso social

para evitar a “guerra de todos contra todos”, então é preciso situá-lo no

contexto global da sociedade. O Estado é, ao mesmo tempo, lugar do

poder político, um aparelho coercitivo e de integração, uma organização

burocrática, uma instância de mediação para a práxis social capaz de

organizar o que aparece num determinado território como o interesse

geral (FALEIROS, 2009, p. 52 – grifos nossos).

Ora, se há a compreensão de que a natureza do Estado é contraditória, compondo

a relação das organizações estruturais e superestruturais de engrenagem íntima, sistêmica

e dialética, o Estado pode apresentar “autonomia relativa”.

Segundo Faleiros (2009), “O Estado resume, condensa e mediatiza as relações

sociais, segundo as correlações de força da Sociedade Civil Organizada. O aparelho

estatal não está somente em função dos interesses da classe dominante (...) o Estado é

hegemonia e dominação”, (p. 52)

Nesse contexto epistemológico, o Estado Liberal democrático é apresentado como

o que dependendo da força ou fraqueza das organizações da sociedade civil, irá reagir de

forma violenta (ou ditatorial), pela “segurança nacional” ou “resolução de conflitos”

(assegurando a propriedade privada). Ou pode manter uma coalisão política, por meio do

que se conhece como “coligações partidárias22”, como exemplo, mas que não se resume

ou restringe a este aspecto.

Segundo o autor,

Para se legitimar junto às classes dominadas, num sistema liberal

eletivo, o grupo do poder deve afastar a ameaça de perder o controle do

Estado perante um movimento ou partido concorrente das classes

dominadas e ao mesmo tempo procurar a lealdade destas classes para

obter o apoio popular à sua política. (FALEIROS, 2009, p. 53)

Essas balizas permitem o avanço na compreensão e intervenção mais consciente

dos instrumentos, que podem ser de luta da classe trabalhadora, independentemente das

suas modalidades de representação, no caso da defesa por direito à educação da Pessoa

com Deficiência.

22 As coligações partidárias são legitimadas jurisprudencialmente, mas não se limitam às condições de maior possibilidade de eleger determinados partidos políticos,

isso vai muito além da aparência, em grade parte do que se conhece como representantes políticos. No Brasil, enquanto contexto nacional, por exemplo, os

representantes com maior número de votos para o senado, podem ser concebidas como “figuras folclóricas” ou “figuras populares de habilidades específicas”, que

não, necessariamente, ligadas ao conhecimento sistematizado. Também é possível presumir que não são, necessariamente, tais figuras que propõe e votam projetos

políticos sociais, formalmente conferidos aos cargos eleitos. Já o que podem ser considerados como das “classes trabalhadoras” e com “consciência de classe”, no

sistema imposto precisam “negociar” espaços e condições materiais para participar do “poder político”.

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Por sua vez os Conselhos populares congêneres à defesa dos direitos sociais, são

constituídos operacionalmente por atividades de níveis diferentes (comissões e

inquéritos) que são, em última instância, gerenciadores de conflitos sociais, cujo

propósito máximo, por parte do Estado, ao constituí-lo e organizá-los é de manter o

controle, ou seja, anuência da população às Políticas Públicas, sobretudo às Políticas

Sociais.

Sabedores dessas questões, os sujeitos que fazem parte destas instituições podem

intervir educacionalmente entre seus pares e sobre as Políticas Públicas, mesmo que,

contraditoriamente, podem tencionar as relações entre as classes por meio da luta, pela

garantia dos direitos reservados pelo próprio “Estado de Direito”.

O que é insuficiente para os objetivos de se propõe a classe trabalhadora

consciente, mas é caminho para evidenciar e socializar os limites desta forma de

organização da produção da vida, da cultura e da distribuição dos seus resultados.

Pelos instrumentos do próprio Estado é possível revelar as causas dos fenômenos

sociais aparentes do que realmente fundamenta às diferenças que promovem

subalternidade ou “menos valia” dos sujeitos, na história da comunidade local às

comunidades globais.

Não se trata, no entanto, apenas de “minorias” em quantificação, dado que seja

maioria da população, sob o aspecto quantitativo, menos ainda atrelar a um racionalismo

idealista, a questões metafísicas ou ainda místicas, mas sim, pelo viés da materialidade e

contradições, das relações que produzem socialmente as condições de vida e

desenvolvimento humano, na história passada e na história atual.

Ou seja, a divisão social do trabalho, no modo de produção capitalista reproduz

extremos dicotômicos que vão desde a extrema miséria (como possibilidade para a

maioria - na sua condição de mobilidade social), em detrimento da extrema abundância

ou riqueza, para uma minoria concentrada e historicamente hegemônica.

E sendo essa condição, promotora de todas as outras, é aceitável que também se

reproduzam, em polos dicotômicos e até maniqueístas, nos sujeitos históricos, na sua

condição de vida e de desenvolvimento do pensamento, da forma como pode se conceber

a si mesmo e conceber e interagir ou não com o outro.

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Nesse sentido, é possível produzir a barbárie e a bondade, a cura e a doença, a luz

e a escuridão, o saber sistematizado e o saber cotidiano (na educação formal), a opressão

e a libertinagem, a segurança e a violência. Essas se tornam como que condições

necessárias para a manutenção do status quo, e que, portanto, pleiteia-se a sua

“naturalização”.

A partir destas questões se destacam alguns pontos fundamentais da análise sobre

os documentos referenciais da Política Pública atual para o Atendimento Educacional da

PCD.

Breve análise dos referenciais curriculares

O Plano Decenal Educação – PNE - (2014-2024) estabelece, na Meta nº 4, a

premissa de universalização do atendimento educacional à população (de quatro a

dezessete anos de idade) com Deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento e

Altas Habilidades ou Superdotação. O Atendimento Educacional é compreendido como

forma de acesso ao sistema educacional inclusivo pelos serviços de apoio educacional.

O Plano objetiva manter a preferência, mas não exclusividade, desses alunos, na

rede regular de ensino, porque propõe a continuidade e, de certo modo, a ampliação das

instituições, de direito privado, conveniadas (sobretudo às instituições filantrópicas23).

O PNE garante o direito do acesso ao Sistema Inclusivo, trata dos espaços, dos

materiais dos serviços de apoio, sobretudo de contraturno escolar, como complementar

ou suplementar, da necessidade de ampliação do número e Formação Continuada para

profissionais da educação, do Sistema Inclusivo. Para a Formação Continuada dos

profissionais da educação e demais Políticas Públicas locais, apresenta uma série de

modalidades de parceiras, que vão desde as instituições públicas às privadas-conveniadas,

até a “participação incisiva” da comunidade escolar.

O documento “Política Nacional para Educação Especial, na perspectiva da

Educação Inclusiva”, do ano de 2008, foi apresentado com um conjunto de legislação,

23 Constituindo-se como um elemento de destaque o apresentado, na estratégia nº 4.8, (ratificada, no ano de 2015, pela Lei nº 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com

Deficiência) quando garante o direito da PCD a oferta de educação inclusiva, vedando a exclusão do ensino regular, sob a alegação de deficiência.

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normatizações e acervo literário técnico, além de um “pacote” inicial de Formação

Continuada para professores, que trabalhariam na função de professores das Salas de

Recursos Multifuncional.

Tal proposta de formação foi implantada e implementada, via parceria do

Ministério da Educação com algumas Universidades públicas, com a contratação

específica de professores para os cursos, com maior ênfase nos anos de 2010 a 2013. Após

esse período, os cursos foram oferecidos em menor carga horária e com menos conteúdo

teórico e, muitas vezes, no formato a distância.

Importante ressaltar que, a relação entre quadros estatísticos apresentados no

documento, sobre o número anunciado e a projeção de crescimento em relação ao número

de alunos matriculados nas instituições de ensino públicas regulares, revelam que à oferta

de cursos de Formação Continuada, do provimento de profissionais e dos materiais que

efetivamente foram encaminhados às Salas de Recursos Multifuncionais, são

contraditoriamente díspares à proposta curricular. Tais estudos são importantes e

demandaria apresentação específica sobre a matéria.

O documento Programa “Educação Inclusiva: Direito à Diversidade24”, do ano de

2006, anuncia-se no portal do Ministério da Educação como sendo uma expressão popular

dos profissionais que fazem a inclusão educacional, de que já é possível “a Educação

Inclusiva”, mesmo antes da Política Pública específica, ocorrendo por iniciativas

individuais, locais.

De fato, trata-se de um conjunto de textos que apresentam experiências de

inclusão educacional, sendo o propósito motivacional, mais do que estruturante quanto às

condições para a materialização do desenvolvimento dos alunos com deficiência. Ou seja,

configura a lógica do “aprender fazendo25”, quase que num empirismo desqualificado e

imediatista. No que se refere à prática docente, focaliza-se na resolução de problemas do

cotidiano escolar, principalmente relacionados a “preconceitos”.

Tais elementos situacionais do cotidiano escolar fazem parte das atividades dos

profissionais da educação, mas a qualidade da inclusão educacional dos alunos com

24 Para aprofundar os estudos sobre o Programa referenda-se a dissertação de mestrado da autora Neide da Silveira Duarte de Matos, pela UNIOESTE, campus de

Cascavel, do ano de 2011.

25 A respeito da contraposição de Formação de professores, de modo geral, referenda-se na obra “Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas

necessárias”, que condensa textos diversos sobre o tema, organizados por Newton Duarte e Lígia Marcia Martins, publicado no ano de 2010.

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deficiência não se limita a resolução de problemas situacionais, ou a este aspecto de

militância, como a única ou mais privilegiada forma de promoção da apropriação dos

conhecimentos, culturalmente constituídos pela humanidade.

Aliás, a ação docente, menos endossada teoricamente, tem contribuído para a

promoção do que alguns autores, tais como Facci e Tuleski (2012), sob o título “exclusão

dos incluídos”, ao marginaliza-los dos processos de aprendizagem referentes aos

conteúdos curriculares, a patologização e a medicalização, de um quantitativo cada vez

maior de alunos nas escolas, tanto público, como da iniciativa privada, conveniadas para

o atendimento à Educação, dita inclusiva.

Esse é o reflexo de projeto educacional que prima pela formação unilateral, de um

projeto de condição social e formação humana e de sociedade, dado pelo resultado da

correlação de forças da sociedade, e não é resultado oriundo da “vontade” dos alunos ou

das famílias, dos professores, muito menos, fruto de questões puramente biológicas,

conforme os autores pontam:

Se as circunstâncias em que este indivíduo evoluiu só lhe permitem um

desenvolvimento unilateral, de uma qualidade em detrimento de outras,

se estas circunstâncias apenas lhe fornecem os elementos materiais e o

tempo propícios ao desenvolvimento desta única qualidade, este

indivíduo só conseguirá alcançar um desenvolvimento unilateral e

mutilado (MARX; ENGELS, 1992, p. 28)

Evidencia-se, nesse sentido, que a proposta de Política Educacional para a

Diversidade não se propõe à identificação da natureza do fenômeno da exclusão social ou

educacional, por um método que possibilite, com mais propriedade apreender a realidade

em seus elementos contraditórios, pelo contrário, mais tende pelo escamoteamento destas

múltiplas e históricas relações sociais presentes nos pré-conceitos e na exclusão da pessoa

com deficiência26.

Ou seja, a inclusão da PCD está apregoada numa dependência significativa da

“boa vontade”, do interesse, do direito individual, de múltiplos esforços individuais dos

sujeitos envolvidos nos processos e situações locais.

26 A respeito do tema, referendam-se os estudos de Alfredo Roberto de Carvalho (2009) e os estudos deste autor em conjunto com Jomar Vieira da Rocha e Vera

Lúcia Ruiz Rodrigues da Silva (2006).

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Portanto, a proposta de educabilidade para a PCD, segundo a Política Pública de

Educação Inclusiva, condiciona a sua realização, quase que exclusivamente, na ação do

professor, não sendo garantidas as condições de trabalho adequadas, muito menos as

condições de desenvolvimento pleno dos alunos com deficiência, que, aliás, não se

limitam ao Atendimento Educacional inclusivo.

Contraditoriamente, a legislação assegura no plano ideal, os serviços múltiplos

para o desenvolvimento integral da PCD, ao mesmo tempo em que favorece o

atendimento preferencial nas instituições públicas inclusivas. Cabe, nesse aspecto, a luta

pela exposição das condições objetivas existentes para materialização dos Dispositivos

Legais e a provocação pela sua execução, tanto nas instâncias públicas como privadas de

serviço, conveniadas ao poder público, que atendem a Pessoa com Deficiência.

Algumas considerações

O resgate conceitual foi realizado neste trabalho de forma não furtuita, opõe-se ao

“recuo da teoria” ou à “naturalização” dos fenômenos sociais como proposição do estudo

dos fenômenos, por si mesmo, ou em si mesmo, ou no máximo das relações entre os

fenômenos, sem o estudo sintético de suas múltiplas causas e consequências.

A apresentação sobre a natureza e função do Estado republicano, democrático e

representativo, no recorte realizado sobre os Conselhos, Sistemas “próprios”, as Políticas

Sociais-Educacionais e de Currículo Educacional, não tem como propósito desqualificar

a luta dos movimentos sociais, de causas específicas ou de sujeitos sociais específicos.

As questões basilares apresentadas, quando trata de concessões, em função da sua

condição de resultado da Luta de Classes, por meio de determinadas Políticas Sociais

(focalizadas e restritivas) objetiva-se não tratar as relações sociais com o Estado, em um

dado contexto histórico, pelo viés da superficialidade. Compreendendo as concessões

negociadas como “para” e “até” que garanta, em última instância, o “clima social

necessário” à propriedade privada e a acumulação do capital.

Nesse contexto são apresentadas as Políticas Sociais-Educacionais, desta

sistematização de estudos preliminares, em destaque as Políticas Educacionais de

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eliminação de discriminação social, pelo acesso à escolarização, do que se tipifica como

“minorias27”, no caso, do acesso da Pessoa com Deficiência na Escola Comum.

Entretanto, é preciso reconhecer o perigo da divisão das organizações sociais em

“aspectos” ou “temas”, como forma de esvaziar substancialmente a possiblidade de

consciência e de organização, a partir da “classe trabalhadora. Ou seja, a possibilidade de

fracionar, deliberadamente, a Luta da Classe, que será mais prolífica, quanto mais

identificada a razão fundamental que não permite a universalização dos direitos

fundamentais.

Pelo exposto, se reconhece da importância dos movimentos sociais, mesmo que

seja pelo viés da Política Pública para Educação Inclusiva (no caso), pelo seu potencial

de instrumento reivindicatório, provocativo de ampliação universal aos bens culturais,

calcados, pela condição de conhecimento teórico-metodológico. Também, pela

identificação do que une os sujeitos sociais marginalizados dos bens culturais, às

possiblidades de melhoria da qualidade da educação e desenvolvimento humano, não

somente para a Pessoa com Deficiência, mas para todos os trabalhadores, trabalhadoras e

seus filhos e filhas.

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Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006.

27 Compreende-se por minorias, além das Pessoas com Deficiência e outros atrelados à condição física ou psíquica; os afrodescendentes e os povos indígenas

(étnicas), os mais pobres, minorias religiosas, minorias de identidade sexual diferenciada (gênero), idosos e de crianças (idade), entre outros que possam estar em

condição de inferioridade numérica e situação de subordinação social e econômica, política ou cultural, em relação a grupos hegemônicos, de modelo referencial.

Sendo que o posicionamento declarado é que todas as minorias devem estar na escola pública, gratuita, como condição primária, para a apropriação da cultura

universal.

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