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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, na Universidade do Vale de Itajaí, Centro de Educação São José. Acadêmica: Gabrielle Pereira Bandeira São José (SC), maio de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS

CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Monografia apresentada como requisito

parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Direito, na Universidade do

Vale de Itajaí, Centro de Educação São

José.

Acadêmica: Gabrielle Pereira Bandeira

São José (SC), maio de 2008.

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GABRIELLE PEREIRA BANDEIRA

A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Monografia apresentada como requisito

parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Direito, na Universidade do

Vale de Itajaí, Centro de Educação São

José, sob a orientação do Prof. Msc.

Rodrigo Mioto dos Santos.

São José (SC), maio de 2008.

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GABRIELLE PEREIRA BANDEIRA

A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí.

São José, 20 de junho de 2008.

______________________________________________________ Professor e orientador Mestre Rodrigo Mioto dos Santos

Universidade do Vale do Itajaí

______________________________________________________ Professor Mestre Juliano Keller do Valle

Universidade do Vale do Itajaí

______________________________________________________ Mestrando Diego Nunes

Universidade Federal do Estado de Santa Catarina

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"O bem que praticares, em algum lugar, é teu advogado em toda

parte."

Chico Xavier

"Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo. Aquilo que colocarmos

nela, corre por nossa conta."

Chico Xavier

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AGRADECIMENTOS

A minha família e, em especial, a minha mãe, que não mediu

esforços para que eu chegasse à conclusão desta monografia.

Ao meu professor e orientador, Rodrigo Mioto dos Santos, pela

paciência e dedicação na orientação deste trabalho.

Ao meu namorado, pelo apoio e sugestões.

Aos meus amigos, pelos incentivos constantes.

Muito obrigada!

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RESUMO

O princípio da insignificância surgiu da necessidade de se excluir do âmbito penal aquelas condutas que, embora formalmente típicas, carecem de tipicidade material, uma vez que não chegam a ofender os bens jurídicos tutelados. Partindo-se deste conceito de princípio da insignificância como sendo uma excludente de tipicidade, este trabalho tem como objetivo verificar a possibilidade de sua aplicação pela Polícia Judiciária, tendo em vista ser este o primeiro órgão receptor do caso em concreto. Assim, desnecessário seria todo o labor policial, bem como, o moroso processo penal, a fim de ver reconhecida a atipicidade da conduta em razão do princípio da insignificância. Para isto, apresenta, com fulcro na doutrina, a conceituação, origem histórica e delimitação do referido princípio. Após, analisa o entendimento jurisprudencial de alguns tribunais pátrios, quanto à utilização do referido princípio em sede de recursos criminais. A seguir, passa a estudar a polícia judiciária, iniciando com um breve histórico, até chegar as suas atuais funções. Apresentada a base teórica do estudo, passa a monografia a verificar a efetiva possibilidade de aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia, com fundamento no poder discricionário inerente à atividade da autoridade policial. Algumas críticas ao tema também são expostas. Por fim, é constatada que a hipótese de aplicação do citado princípio no início da persecução penal, ainda em fase administrativa, é plenamente possível, através de uma sistemática simplificada, que seria levada ao conhecimento do Ministério Público e do Poder Judiciário, requerendo-se o arquivamento da notícia-crime, ante a ausência de tipicidade material do fato, sem a instauração de procedimento policial. Palavras-chave: princípio da insignificância; polícia judiciária; poder de polícia; delegado de polícia; discricionariedade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7 1 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ....................................................................... 10

1.1 Origem e razões do princípio da insignificância .............................................. 10 1.2 Caracterização ................................................................................................ 14

1.2.1 Tipicidade formal ...................................................................................... 14 1.2.2 Tipicidade material ................................................................................... 15 1.2.3 Bem jurídico.............................................................................................. 16 1.2.4 Conceito e caracterização do princípio da insignificância ........................ 17 1.2.5 O princípio da insignificância quanto à natureza jurídico-penal................ 19

1.3 Posição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ...................................................................................................... 20

1.3.1 Posição do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça 20 1.3.2 Posição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região ................................ 25 1.3.3 Posição do Tribunal de Justiça de Santa Catarina ................................... 27

2 POLÍCIA JUDICIÁRIA............................................................................................ 31 2.1 A polícia na história......................................................................................... 31

2.1.1 A polícia na antigüidade ........................................................................... 31 2.1.2 A polícia na idade média .......................................................................... 33 2.1.3 A polícia na era moderna e contemporânea............................................. 34 2.1.4 A polícia judiciária no Brasil...................................................................... 35

2.2 PODER DE POLÍCIA ...................................................................................... 38 2.2.1 Atributos do poder de polícia .................................................................... 40

3 A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA......................... 44 3.1 Poder discricionário......................................................................................... 45

3.1.1 O poder discricionário do Delegado de Polícia......................................... 48 3.2 A polícia judiciária e o princípio da insignificância........................................... 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 60

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INTRODUÇÃO

Há muito tempo, uma grande parte de doutrinadores vêm

analisando criticamente o direito penal, sob uma ótica mais humanista, tentando

afastar desta ciência as manifestações de vingança de outrora, para efetivamente

torná-lo um instrumento estatal de intervenção a delimitados fins, que não puderam

ser alcançados pelos demais ramos do direito.

Não obstante, o ius puniendi consagrou-se como forma de garantir

a manutenção da ordem pública e da paz social entre os cidadãos. No entanto, essa

associação de bem estar comum com punição, acabou por tornar a pena a principal

resposta às condutas desviadas, impondo ao Estado, único detentor do poder de

punir, a obrigação de aplicá-la, mesmo naqueles delitos mais insignificantes,

relegando outras maneiras de compor os litígios, tais como as sanções civis

(indenizações, advertências, etc.), retirando da vítima o papel de transigir, de decidir

ou de perdoar. Assim, a punição tornou-se a regra geral e a exemplaridade, uma

necessidade social. (SICA, 2002, p. 26)

Entretanto, desde Beccaria, a dogmática penal não pode ficar

indiferente às tentativas de redução e humanização da aplicação da pena, pois,

conforme o autor da consagrada obra “Dos Delitos e das Penas”:

É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.

Percebe-se, portanto, que embora o original tenha sido escrito no

ano de 1764, sob o título Dei Delitti e Delle Pene, seu conteúdo permanece atual, eis

que já mencionava os princípios da legalidade e da proporcionalidade, os quais, ao

lado dos princípios da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da

razoabilidade, da intervenção mínima e da insignificância, devem nortear o direito

penal de um Estado que se diz democrático.

Neste sentido, defendemos que a tutela penal deve ser invocada

como ultima ratio, ou seja, tão-somente quando outros ramos do direito não puderem

proteger de forma satisfatória o bem jurídico tutelado, é que o direito penal poderia

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criminalizar determinadas condutas, cujos limites encontrar-se-iam nas garantias

fundamentais já consagradas.

E, é neste contexto de mínima intervenção, fruto de um direito penal

garantidor, que se apresenta o princípio da insignificância, verdadeiro princípio penal

implícito, cuja função é a de excluir do âmbito penal aquelas condutas que, embora,

formalmente se amoldem ao tipo penal, não chegam a afetar materialmente o bem

jurídico tutelado, não merecendo a insurgência punitiva.

A invocação do princípio da insignificância nos delitos

materialmente atípicos, traduz-se em respeito ao princípio da dignidade humana,

pois não permite que fatos desprovidos de reprobalidade se transformem em

estigmas de criminalidade para seus autores. É, portanto, também, uma forma de

conter o caráter seletivo do direito penal.

Ademais, contribui para dessabarrotar os órgãos encarregados da

persecução penal, propiciando que se ocupem de delitos que realmente precisam

ser punidos, em razão de sua ofensividade.

Todavia, sendo a polícia judiciária, via de regra, o primeiro órgão

estatal a tomar contato com o delito e a responsável pela primeira resposta à

sociedade, visa esta monografia verificar a possibilidade da aplicação deste

importante princípio ainda em sede de Delegacia de Polícia, evitando todo o trâmite

dos procedimentos policias, bem como, os morosos e caros processos penais.

Para tanto, o presente trabalho está dividido em três capítulos. O

primeiro, destina-se a conceituar o princípio da insignificância, verificar seu

surgimento, sua natureza jurídico-penal e sua aplicação prática por alguns tribunais

pátrios, bem como, a apresentar uma análise crítica de alguns julgados que,

tomando uma tendência temerosa, deixam de aplicar o referido princípio em

condutas materialmente atípicas, por levarem com consideração circunstâncias

alheias ao tipo penal.

A segunda parte desta monografia, destina-se ao estudo da polícia

judiciária, desde seu surgimento até a sua função nos dias de hoje, fazendo uma

distinção entre aquela e a polícia administrativa.

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Por fim, o terceiro e último capítulo expõe justamente o objetivo

central deste trabalho, qual seja, verificar a possibilidade de aplicação do princípio

da insignificância pela autoridade policial, com fulcro em seu poder discricionário.

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1 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Este primeiro capítulo, denominado princípio da insignificância, está

dividido em três grandes tópicos, com alguns subitens, para melhor explanação.

O primeiro tópico refere-se à origem e razões para utilização do

princípio da insignificância, sob o enfoque de um direito penal mínimo, que deve ser

invocado como ultima ratio, apenas quando os demais ramos do direito se

mostrarem ineficientes.

Num segundo momento, temos a caracterização do referido

princípio através de definições doutrinárias, abordando-se ainda os itens que

compõem a estrutura do delito, o conceito de bem jurídico e as correntes relativas à

posição jurídico-penal do princípio da insignificância.

Por fim, encerra-se o capítulo com ementários e trechos de

jurisprudências selecionadas das Cortes Superiores (STJ e STF), do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal de Justiça do Estado de Santa

Catarina, objetivando averiguar o entendimento desses Tribunais quanto à aplicação

do princípio da insignificância, a fim de estabelecermos o parâmetro utilizado por

estes, ao menos no que concerne aos delitos contra o patrimônio e contra a ordem

tributária.

1.1 Origem e razões do princípio da insignificância

Referente à origem do princípio da insignificância, há divergências

doutrinárias, pois, uma corrente de doutrinadores afirma que o citado princípio vem

do Direito Romano, decorrendo da máxima minimis non curat praetor, ou seja, o

pretor não cuida de ninharias, significando que o magistrado deveria abster-se de

casos insignificantes para se ater às questões realmente importantes. (ACKEL

FILHO, 1988, p. 73 apud LOPES, 2000, p. 41)

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Todavia, atribui-se a sua restauração ao doutrinador alemão Claux

Roxin, o qual, a partir do brocardo romano supracitado, propôs a interpretação

restritiva do tipo penal, que exclui do âmbito do direito penal os danos de pequena

monta, os quais não chegam a ofender o bem jurídico tutelado. (SILVA, 2006, p. 87)

Para outra corrente, especialmente Maurício A. Ribeiro Lopes

(2000, p. 41-43) que se insurge contra a origem romana do princípio da

insignificância, alegando que o direito romano desenvolveu-se sob a ótica do direito

privado, e que o referido brocardo não passava de um mero aforismo, muito embora

pudesse ser aplicado vez ou outra ao direito penal, o princípio da insignificância

surgiu na Europa, na primeira metade do século XX, após a primeira Guerra

Mundial, mormente na Alemanha, quando a população iniciou pequenos furtos,

chamados pelos doutrinadores alemães de "criminalidade de bagatela"

(Bagatelledelikte). Todavia, naquela época, seu caráter era basicamente patrimonial,

devido ao abalo econômico sofrido em virtude da guerra. Igualmente, como boa

parte da doutrina, este autor também atribui a Claux Roxin a primeira menção à

teoria da insignificância como princípio.

Ainda, conforme Lopes (2000, p. 74), o princípio da insignificância

na legislação pátria decorre basicamente do princípio da legalidade, pois:

Um Direito Penal que se pretenda moderno e que viceje no interior de um espírito típico de um Estado Democrático de Direito não se contenta com uma garantia da legalidade que se limite ao plano formal, qual fosse o princípio, na verdade e na essência, uma reles projeção da anterioridade da lei penal. Impõem-se a descrição de condutas marcadas de um sentido de rigidez definidora dos padrões e de conduta eleitos com a carga da ilicitude.

Já para Silva (2006, p. 173), o princípio da insignificância no direito

brasileiro encontra-se inserido dentre os princípios penais implícitos, ou seja,

aqueles que não estão expressamente previstos em nossa Constituição e

complementa-se por dois princípios fundamentais explícitos, conforme o parágrafo a

seguir:

Seu reconhecimento pode ser realizado ao complementar-se o Princípio da Dignidade da pessoa humana e o Princípio da Legalidade, no sentido de alcançar-se a justificação para a aplicação da pena criminal. Assim, a conjugação desses princípios na determinação da justificação e proporcionalidade da sanção punitiva

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revela o Princípio da Insignificância em matéria criminal, que vem a lume para afastar do âmbito do Direito Penal as condutas penalmente insignificantes como meio de proteger o direito de liberdade e igualdade na Constituição vigente.

De acordo com Bitencourt (2007, p. 10-24) o princípio da

insignificância, juntamente com os princípios da legalidade, da intervenção mínima,

da culpabilidade, da humanidade, da irretroatividade da lei penal, da adequação

social, da ofensividade e da proporcionalidade funcionam como limitadores do poder

punitivo e repressivo estatal. Salienta o referido autor que:

A onipotência jurídico-penal do Estado deve contar, necessariamente, com freios ou limites que resguardem os invioláveis direitos fundamentais do cidadão. Este seria o sinal que caracteriza o Direito Penal de um Estado pluralista e democrático. (BITENCOURT, 2007, p. 9)

Porém, contrariando os pressupostos de um Estado Democrático

de Direito, vivemos num momento de máxima intervenção penal, onde, ora a

imprecisão legislativa, ora a interpretação literal da lei, acabam por criminalizar

condutas com ínfimo poder ofensivo, as quais não justificam a intervenção do direito

penal. (SILVA, 2006, p. 15)

Nesse contexto, como forma de proteger os direitos fundamentais

consagrados na Carta Magna frente à força coercitiva do direito penal, como

verdadeiro freio a intervenção punitiva do Estado, naqueles delitos que não chegam

a ofender o bem jurídico tutelado, invoca-se o princípio da insignificância.

Assim, com a modernização da Justiça Criminal, tornou-se

indiscutível que aquele que provocar lesão a um bem jurídico só deve ser submetido

à sanção criminal quando esta se mostrar indispensável à adequação da justiça e à

segurança dos valores da sociedade, pois, a menor pena aplicada poderia ser

desproporcional ao dano. (MIRABETE, 2004, p. 118)

Conquanto o princípio da insignificância não se encontre previsto

em nossa legislação vigente, com algumas exceções, tais como, no Código Penal

Militar, em seu artigo 209, § 6º1, é amplamente utilizado pela doutrina e

jurisprudência de nossos tribunais. E, ainda que vários doutrinadores não

1 Lesão levíssima autoriza que o juiz considere o fato como infração disciplinar.

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concordem com a elevação da teoria da insignificância à categoria de princípio,

entendemos ser correta a posição de Lopes (2000, p. 38), para quem:

[...] o princípio da insignificância é princípio também porque determina, inspirado nos valores maiores do Estado Democrático – proteção da vida e da liberdade humanas – a validade da lei penal diante de seus métodos de aplicação ordinários, como que exigindo uma extraordinariedade fática para a incidência da lei penal em sentido concreto, qual seja, um significado juridicamente relevante para legitimá-la.

Neste propósito de Estado Democrático de Direito é que se funda o

direito penal do fato e não mais o direito penal do autor, como ocorre nos regimes

totalitários e, é justamente sobre o fato típico e antijurídico que incide o princípio da

insignificância, pois, conforme Silva (2006, p. 151), alcança a estrutura interna do

delito, a fim de excluir-lhe a tipicidade ou a antijuridicidade, como adiante veremos.

No mesmo sentido, salienta Lopes (2000, p. 55) que:

O princípio da insignificância se ajusta à eqüidade e correta interpretação do Direito. Por aquela acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes em uma sociedade, liberando-se o agente, cuja ação, por sua inexpressividade, não chega a atentar contra os valores tutelados pelo Direito Penal. Por esta, se exige uma hermenêutica mais condizente do Direito, que não pode se ater a critérios inflexíveis de exegeses, sob pena de se desvirtuar o sentido da própria norma e conduzir a graves injustiças.

Por fim, para aqueles que se opõem a utilização do princípio da

insignificância argumentando que acarretaria na insegurança jurídica ou até mesmo

na impunidade, trazemos a lume o ensinamento de Silva (2006, p. 109) de que a

função do referido princípio não é deixar de aplicar a lei penal, mas interpretá-la com

eqüidade e critérios de razoabilidade, de forma a alcançar o sentido material de

Justiça. Portanto, onde não houver os pressupostos da insignificância, quais sejam,

o desvalor da ação ou do resultado, tal princípio não deve ser invocado.

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1.2 Caracterização

Antes de adentrarmos na caracterização e conceituação do

princípio da insignificância propriamente ditos, faz-se necessário, embora

sucintamente, que apresentemos a distinção entre tipicidade formal e material, ainda

que existam outras várias classificações doutrinárias relativas à tipicidade.

Também, é igualmente indispensável que apresentemos a definição

de bem jurídico, haja vista tratar-se do objeto tutelado pelo direito penal, sobre o

qual recai diretamente o princípio da insignificância.

1.2.1 Tipicidade formal

Por tipicidade formal entende-se a simples adequação do fato

ocorrido à descrição do tipo penal, pois, sem essa correspondência, a conduta

humana será atípica. Assim, se alguém subtrair coisa alheia móvel para si ou para

outrem, formalmente praticou o tipo penal chamado furto, uma vez que de um lado

existe a conduta da vida real e de outro, o tipo legal de um crime, previamente

existente na legislação penal. Portanto, um fato da vida real só será típico, a medida

que apresente características que coincidam com as de algum tipo constante na lei

penal. (TOLEDO, 1999, p. 125)

Esta adequação da conduta à formulação legal do tipo, é chamada

por Zaffaroni e Pierangeli (2006, p. 394) de tipicidade legal. Para os referidos

autores, trata-se da “[...] individualização que a lei faz da conduta, mediante o

conjunto dos elementos descritivos e valorativos (normativos) de que se vale o tipo

legal.”

Todavia, para que uma conduta seja considerada crime, faz-se

necessária, além da adequação formal a um tipo penal, que haja uma ofensa de

certa magnitude a um bem jurídico protegido pelo Direito Penal. Neste sentido é

ensinamento de Silva (2006, p. 81):

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[...] o juízo de tipicidade penal, em razão da concepção material do tipo, apenas considerará típica a conduta que concretamente lesionar o bem jurídico-penal tutelado, não sendo suficiente para configurar o delito a simples tipicidade formal, que consiste na mera adequação do fato realizado com a descrição abstratamente prevista.

Na mesma esteira, assinala Leal (2004, p. 238):

[...] que a tipicidade não deve ser vista como um conceito meramente formal. Isto porque não se pode conceber o tipo penal desprovido do conteúdo material que deu origem ao juízo de valoração desenvolvido no momento de sua positivação legal, como também no momento de se constatar a conformidade do fato com o modelo abstrato descrito na lei.

Assim, passamos então ao estudo da tipicidade material.

1.2.2 Tipicidade material

Para ocorrência do delito, como visto acima, não basta que o

comportamento esteja tipificado como crime, pois é imperioso que a conduta atinja a

tipicidade material, ou seja, que provoque uma concreta lesão ao bem jurídico

tutelado. Sendo assim, se alguém subtraiu uma pedra preciosa de outra pessoa,

atingiu o patrimônio daquela, pois no caso do furto, o bem juridicamente protegido é

o patrimônio, todavia, se a mesma pessoa subtraiu um lápis de alguém, este fato

não pode ser considerado crime, uma vez que não atingiu suficientemente o

patrimônio de outrem, portanto, desnecessária a invocação do direito penal, haja

vista que o fato, embora possa ser considerado formalmente típico, carece de

tipicidade material.

Corroborando com este entendimento, trazemos a lição de

Francisco de Assis Toledo (1999, p. 131):

Assim, a conduta, para ser crime, precisa ser típica, precisa ajustar-se formalmente a um tipo legal de delito (nullum crimen sine lege). Não obstante, não se pode falar ainda em tipicidade, sem que a

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conduta seja, a um só tempo, materialmente lesiva a bens jurídicos, ou ética e socialmente reprovável.

Conforme Mirabete (2004, p. 118), por fim, “[...] é indispensável que

o fato tenha acarretado uma ofensa de certa magnitude ao bem jurídico protegido

para que se possa concluir por um juízo positivo de tipicidade”.

Por esta razão, salientam Zaffaroni e Pierangeli (2006, p. 396-397),

que não se pode conceber a existência de uma conduta típica que não afete um

bem jurídico, pois os tipos penais são tão-somente manifestações da tutela jurídica

desses bens. Assim, a lesão a um bem jurídico é indispensável para configurar a

tipicidade material.

1.2.3 Bem jurídico

A função do direito penal é proporcionar o convívio pacífico dentre

os cidadãos, através da proteção dos bens jurídicos considerados fundamentais

para esta convivência, razão pela qual é imprescindível conceituá-los.

Claux Roxin (2006, p. 16) define os bens jurídicos como:

[...] circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta todos os direitos humanos e civis de cada uma na sociedade ou para ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos.

Francisco de Assis Toledo (1999, p. 17) caracteriza, sob o ângulo

penalístico, o bem jurídico como sendo:

[...] aquele que esteja a exigir uma proteção especial, no âmbito das normas de direito penal, por se revelarem insuficientes, em relação a ele, as garantias oferecidas pelo ordenamento jurídico, em outras áreas extrapenais.

Todavia, assevera o referido doutrinador, que face ao caráter

limitado do direito penal, não se pode supor que essa proteção especial refere-se a

todos os tipos possíveis de lesões, eis que viver é um risco permanente, restando

impossível afastar de modo completo todos os riscos. Em suma, protegem-se

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penalmente alguns bens jurídicos contra certas agressões. Assim, a criação de

figuras delitivas que não causem efetiva ou potencial lesão aos bens jurídicos,

implica na aceitação de um sistema penal que visa punir o agente pelo seu modo de

viver ou de pensar, como ocorre nos Estados totalitários. (TOLEDO, 1999, p. 17-19)

De tudo isso decorre a idéia de que o direito penal deve apenas

tutelar os bens jurídicos concretos e nunca as concepções religiosas, ideológicas ou

políticas, tampouco o comportamento moral dos cidadãos. Neste sentido, citamos

Zaffaroni e Pierangeli (2006, p. 399), para os quais:

Sob nenhum ponto de vista a moral em sentido estrito pode ser considerada um bem jurídico. A “moral pública” é um sentimento de pudor, que se supõe ter o direito de tê-la, e que é bom que a população a tenha, mas se alguém carece de tal sentimento, não se pode obrigar a que o tenha, nem que se comporte como se o tivesse, na medida em que não lesionem o sentimento daqueles que o têm.

Conclui-se, portanto, que o bem jurídico tem função limitadora da

intervenção estatal, especialmente em relação a interpretação dos concretos tipos

penais previstos pelo legislador. (LOPES, 2000, p. 128)

1.2.4 Conceito e caracterização do princípio da insignificância

A falta de previsão, conceituação e delimitação legal, têm sido as

maiores dificuldades na aceitação do princípio da insignificância por parte de alguns

operadores do direito. Mas, embora não haja em nossa legislação uma definição

legal para o referido princípio, a doutrina e a jurisprudência vêm-lhe caracterizando

com muita propriedade. Assim, trazemos a lição de Silva (2006, p. 95), o qual

descreve o princípio da insignificância

[...] como aquele que interpreta restritivamente o tipo penal, aferindo qualitativa e quantitativamente o grau de lesividade da conduta, para excluir da incidência penal os fatos de poder ofensivo insignificante aos bens jurídicos penalmente protegidos.

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Diversos autores, no Brasil, utilizam como sinônimas as expressões

crime de bagatela, princípio da bagatela e princípio da insignificância. Entretanto,

Ackel Filho citado por Silva (1988, p. 76 apud 2006, p. 85) bem salienta a distinção:

O princípio da insignificância pertine aos delitos de bagatela, permitindo sua consideração pela jurisdição penal como fatos atípicos, posto que destituídos de qualquer valoração a merecer tutela e, portanto, irrelevantes.

Desta forma, entendemos que a insignificância refere-se ao

princípio que se aplica aos casos de crimes de bagatela, visto que objetiva retirar o

caráter típico daquelas infrações penais que não tem o condão de por em risco o

bem jurídico tutelado, chamadas de infrações bagatelares.

Para o reconhecimento da conduta penalmente insignificante deve

ser levado em conta o desvalor da ação, bem como o desvalor do resultado, a fim de

verificar-se o grau quantitativo-qualitativo de sua lesividade em relação ao bem

jurídico tutelado. (SILVA, 2006, p. 150)

No mesmo sentido, Bitencourt (2007, p. 21) lembra que

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico.

Explicitando o conceito, Silva (2006, p. 79) afirma que:

A imprecisão legislativa e o caráter abstrato do tipo penal atribuem à descrição da conduta incriminada uma amplitude maior que a necessária para a proteção do bem jurídico penalmente tutelado, já que algumas condutas sem significação jurídica para o Direito Penal poderão ser alcançadas pela descrição típica.

Assim, fundamenta-se o princípio da insignificância na própria

essência fragmentária e subsidiária do direito penal, atuando como verdadeiro

instrumento de interpretação restritiva, a fim de descriminalizar condutas

formalmente típicas que, todavia, não chegam ofender os bens jurídicos penalmente

tutelados, pois o legislador, ao elaborar os tipos penais abstratos, não consegue

prever as diversas extensões dos resultados advindos do ilícito. Daí decorre a

importância da invocação do referido princípio. (BARBOSA JÚNIOR; FRANZOI;

MORGADO, 2007, p. 36)

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1.2.5 O princípio da insignificância quanto à natureza jurídico-penal

Partindo-se do conceito de crime como sendo a conduta típica,

antijurídica e culpável, encontramos três correntes distintas quanto à localização na

teoria do delito e à natureza jurídico-penal do princípio da insignificância, a saber: a)

excludente de tipicidade; b) excludente de antijuridicidade; e c) excludente de

culpabilidade. (SILVA, 2006, p. 157)

A primeira corrente, que aplica o princípio da insignificância como

excludente da tipicidade, é a majoritária no direito penal pátrio, sendo que, segundo

os juristas que corroboram deste entendimento, as condutas causadoras de uma

afetação insignificante ao bem jurídico tutelado são atípicas. (SILVA, 2006, p. 157)

De acordo com Bitencourt (2007, p. 21), – como já visto acima –

existem condutas que perfeitamente se encaixam em determinados tipos penais, sob

o ponto de vista formal, entretanto, não apresentam qualquer relevância material.

Nesses casos, afasta-se liminarmente a tipicidade penal, pois o bem jurídico não

chegou a ser lesionado.

Uma segunda corrente considera que o referido princípio atua como

excludente de antijuridicidade.

Por antijuridicidade entende-se “[...] a relação de contrariedade

entre o fato típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal

incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada

lícita.” (JESUS, 1998, p. 153)

Para Silva (2006, p. 163), o princípio da insignificância ora atua

como excludente da tipicidade, ora como excludente da antijuridicidade, pois incide

sobre a estrutura interna do delito, formada tanto pela tipicidade quanto pela

antijuridicidade.

A terceira corrente, que situa o princípio da insignificância no campo

da culpabilidade, como sendo uma eximente de pena, é a que possui menos

adeptos. (SILVA, 2006, p. 162)

Silva (2006, p. 151) entende que a culpabilidade não é elemento do

crime, apenas pressuposto da pena, portanto não deve integrar o critério para

configuração da conduta insignificante para o direito penal, pois, o princípio da

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insignificância atua sobre os elementos que compõem a estrutura interna do delito

(tipicidade e antijuridicidade).

Também para Jesus (1998, p. 452), “[...] a culpabilidade não é

requisito do crime, que apresenta duas facetas: fato típico e ilicitude. Ela funciona

como condição da resposta penal.” Para o autor, a culpabilidade determina a

quantidade da pena, pois, quanto mais culpável o agente, maior deverá ser a

quantidade da pena imposta. (1998, p. 453)

1.3 Posição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do

Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal de Justiça do Estado de

Santa Catarina

Trazemos algumas decisões de tribunais pátrios, com objetivo de

averiguarmos o entendimento do que estes consideram insignificante para a

exclusão da tipicidade penal. Iniciamos com a posição adota pelas Cortes

Superiores.

1.3.1 Posição do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça

Com relação ao delito de furto, corroborando as considerações

feitas até o momento, trazemos a seguinte decisão do STF:

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA - "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 5,26% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão

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com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (STF, HC 92463, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, pub. DJ 31.10.2007)

Muito embora a conduta em tela [tentativa de subtração de coisa

alheia móvel] tenha caracterizado formalmente o delito de furto, estava carente de

tipicidade material, visto que nos casos de furto, o bem juridicamente tutelado, qual

seja, o patrimônio alheio, deve ser atingido significativamente, a fim de ensejar a

tutela penal.

Com relação ao valor monetário auferido como insignificante, o

entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que este não pode ser superior

ao valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, conforme se depreende do

julgado a seguir:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. (1) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SUBTRAÇÃO DE BEM AVALIADO EM MAIS DE UM SALÁRIO MÍNIMO. INAPLICABILIDADE. (2) SURSIS PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PROPOSTA. RÉU JÁ BENEFICIADO ANTERIORMENTE PELA SUSPENSÃO. CONSTRANGIMENTO. INEXISTÊNCIA. (3) SUBSTITUIÇÃO DE PENA. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. 1. Para que se aplique o princípio da insignificância é necessário que se atenda a critério dual: valor de pequena monta e seu caráter

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ínfimo para a vítima. Na hipótese, o valor da res ultrapassou o do salário mínimo vigente à época, não sendo possível, pois, falar-se em crime de bagatela. 2. Para a concessão do sursis processual, deve o magistrado verificar se o réu está sendo processado, bem como atentar para as condicionantes previstas no art. 77 do Código Penal, a fim de verificar se a medida despenalizadora será adequada para o caso concreto. 3. Para que faça jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, deve o condenado preencher os requisitos todos do art. 44 do Código Penal. 4. Ordem denegada. (STJ, HC 53139, 6ª Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, pub. DJ 26.11.2007, p. 249)

Na mesma esteira, relativamente ao valor monetário da res furtiva

considerado como insignificante, temos a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal

Federal, no Habeas Corpus nº 884412, (Processo-crime nº 238/2000 - 1ª Vara

Criminal da Comarca de Barretos/SP), tendo como Relator o Min. Celso de Mello,

cujo acórdão foi publicado no DJ 19.11.2004, p. 00037. No caso em tela, tratando-se

de furto no valor de R$ 25,00 (equivalente a 9,61% do salário mínimo vigente à

época), a e. Turma, por votação unânime, deferiu o pedido, para, com fundamento

no princípio da insignificância, invalidar a condenação penal imposta, determinando

a extinção definitiva do procedimento.

Com o mesmo entendimento, a decisão da 6ª Turma do Superior

Tribunal de Justiça, referente a um furto tentado, cuja res furtiva foi avaliada em R$

30,00 (trinta reais), sendo determinado o trancamento da ação penal, por falta de

justa causa:

PENAL - HABEAS CORPUS - TENTATIVA DE FURTO DE UMA BIJUTERIA CUJO VALOR NÃO ULTRAPASSA R$ 30,00 – NEGATIVA DA SUBSTITUIÇÃO E DO SURSIS - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA – POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSARIEDADE DA PENA. SUPERADAS AS DEMAIS PRETENSÕES REFERENTES AO RECONHECIMENTO DE NULIDADES, MAS CONCEDIDA ORDEM DE OFÍCIO PARA RECONHECER A ATIPICIDADE DA CONDUTA E DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. 1- Se o bem tutelado nem mesmo chegou a ser ofendido, nem há relevância na conduta praticada, o princípio da insignificância deve ser aplicado, afastando-se a tipicidade. 2- A aplicação dos princípios da necessariedade e da suficiência da punição afasta a aplicação de pena que se mostra excessiva para reprimir conduta irrelevante.

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3- Superados os argumentos da impetração, foi concedida ordem de ofício, para reconhecer a atipicidade da conduta e determinar o trancamento da ação penal por falta de justa causa. (STJ, HC 90555 / MG, 6ª Turma, Rel. Min. Jane Silva, DJ 14.04.2008 p. 1) (grifo nosso)

Contudo, asseveram Barbosa Jr.; Franzoi e Morgado (2007, p. 30)

o surgimento de forte corrente jurisprudencial, desvirtuando o princípio da

insignificância de sua função precípua, qual seja, atuar como excludente da

tipicidade. Os referidos autores advertem que analisar o princípio considerando as

circunstâncias alheias ao conceito de tipo, dificulta a admissão desse vetor

interpretativo e limitador do abuso estatal.

Como exemplo ao citado posicionamento jurisprudencial,

transcrevemos o julgado a seguir:

HABEAS CORPUS. PENAL. DESCAMINHO (ARTIGO 334 DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. MAUS ANTECEDENTES. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância, como derivação necessária do princípio da intervenção mínima do direito penal, busca afastar desta seara as condutas que, embora típicas, não produzam efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora; 2. Inobstante o montante de tributos devido ser ínfimo, percebe-se que o paciente ostenta maus antecedentes específicos quanto à prática delituosa, tornando ausente requisito subjetivo necessário para a aplicação do princípio da insignificância. 3. Ordem denegada. (STJ, HC 54772, 6ª Turma, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, pub. DJ 26.06.2006, p. 219) (grifo nosso)

Discordamos veementemente do entendimento acima, pois

entendemos que os maus antecedentes fazem parte das circunstâncias do artigo 59

do Código Penal, que são analisadas pelo juiz quando da aplicação da pena. A este

respeito, trazemos a lume o comentário de Luiz Luisi citado por Barbosa Jr., Franzoi

e Morgado (1988, p. 277 apud 2007, p. 30):

[...] é por demais sabido que, se inexiste a tipicidade, as circunstâncias presentes no contexto fático, e a vida pregressa do indiciado, não têm o condão de dar matiz criminal ao fato. Uma lesão insignificante a um bem jurídico, mesmo que seja de autoria de um celerado, reincidente na prática dos mais graves delitos, não faz com que ao mesmo se possa atribuir a prática de crime. A vida pregressa, os antecedentes, por mais ´hediondos` que sejam, não podem levar à tipificação criminal de uma conduta, que, por ter

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causado insignificante dano a um bem jurídico tutelado, não lhe causou uma lesão relevante. Somente após se entender tipificado o fato, é que se podem considerar as circunstâncias que o cercaram e a vida pregressa de seu autor, para efeito de se aferir sua culpabilidade, e a conseqüência dosagem da pena.

Contrariamente ao posicionamento acima criticado, trazemos um

caso de tentativa de furto de uma lata de cola de sapateiro, avaliada em R$ 4,15

(quatro reais e quinze centavos), tendo sido o agente condenado como incurso nas

sanções do art. 155, caput, c• c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, à pena de 5

(cinco) meses de reclusão, no regime semi-aberto, bem como, ao pagamento de 9

(nove) dias-multa. A defesa, por sua vez, apelou e a c. Quarta Câmara Criminal do

e. Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por maioria de votos, deu provimento ao

recurso e concedeu habeas corpus de ofício, a fim de expedir o respectivo alvará de

soltura, conforme a ementa do julgado:

Apelação Criminal. Furto simples. Tentativa. Lata de cola de sapateiro. Princípio da Insignificância. Crime de Bagatela. Recurso provido. Habeas corpus concedido de ofício. 1 - A tentativa de furto de uma lata de cola de sapateiro, avaliada em R$ 4,15 (quatro reais e quinze centavos) e exposta à venda sem qualquer precaução, não é passível de incidência da lei penal, em virtude da insignificância do caso em tela. 2 - Os maus antecedentes dos réus não constituem óbice para o reconhecimento do Princípio da Insignificância, já que o que é levado em consideração é a inexpressiva periculosidade do ato e não a condição pessoal do agente. 3 - Recurso provido, por maioria. (TA/PR, Apelação Criminal 238.774-0, Acordão 10495, 4ª Câmara Criminal, Rel. Tufi Maron Filho, pub. DJ 6606) (grifo nosso)

Todavia, foi interposto recurso especial pelo Parquet, em face do

acórdão prolatado, argumentando, a par de divergência jurisprudencial, violação ao

art. 155, § 2º, do Código Penal, sustentando, em suma, que no presente caso não

poderia ter sido aplicado o princípio da insignificância, que não tem previsão legal,

tendo em vista o desvalor da ação, a previsão legal do furto privilegiado, o fato de o

paciente ser reincidente e a controvérsia acerca do valor do bem subtraído ser

irrisório, desprezível ou apenas de pequeno valor. Requereu o Ministério Público,

provimento ao recurso para restabelecer a sentença condenatória de primeiro grau,

que, no entanto foi-lhe negado, tendo em vista entender o Relator, que a decisão

deve voltar-se ao fato e não à pessoa do autor, conforme colhe-se de seu voto:

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Está claro, de pronto, para evitar temerária e inaceitável incerteza denotativa, que a aplicação do princípio da insignificância deve sempre ser feita através de interpretação referida ao bem jurídico (e não mera tabela de valores), atendendo ao tipo de injusto. Não se deve, no entanto, atingir deliberada e gravemente a segurança jurídica (cf. preocupação revelada por L. Régis Prado in "Curso de Direito Penal Brasileiro", vol. I, RT, 3ª ed., p. 124). Não obstante, tenho que na espécie (tentativa de furto de uma lata de cola de sapateiro, de estabelecimento comercial, avaliada em R$ 4,15), o valor da res furtiva equivale a uma esmola, configurando, portanto, um delito de bagatela. Por outro lado, a meu ver, ao menos tecnicamente, circunstâncias de caráter eminentemente pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não interferem no reconhecimento do princípio da insignificância, pois, este, também, está estritamente relacionado com o bem jurídico tutelado e com o tipo de injusto, tudo isto, sem contar certos aspectos que denotam por parte do Estado o desinteresse jurídico-penal. A ingerência de dados pessoais, levando à denominada relevância ou irrelevância (conforme o caso) penal, é aplicação - inaceitável - do criticado Direito Penal de Autor (e não de Ato) em que a decisão não está voltada ao fato (aí, mero referencial) mas, isto sim, à pessoa (pelo que ela é). Vale dizer: o que seria insignificante passa a ser penalmente relevante diante dos maus antecedentes; e, o que seria penalmente relevante pode deixar de ser pelos louváveis antecedentes (ou condição social). Isto, data venia, é incompatível com o Estado de Direito Democrático. Anto o exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto. (grifos do autor)

Assim, conclui-se, que circunstâncias de caráter pessoal não

podem ser levadas em consideração quando da aplicação do princípio da

insignificância, visto que este trata de excludente da tipicidade e não da

culpabilidade penal.

1.3.2 Posição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Referente ao âmbito tributário federal, o critério para aferir-se a

insignificância em matéria penal é o valor mínimo exigido para que se interponha

uma execução fiscal, pois, entende a jurisprudência de que se o valor tem escassa

lesividade aos cofres públicos, muito mais escassa é a lesividade criminal. Assim,

firmou-se o entendimento jurisprudencial de aplicar-se o princípio da insignificância

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para trancamento da ação penal em relação aos impostos inferiores a R$ 2.500,00

(dois mil e quinhentos reais). (GOMES, 2005, p. 14)

Neste sentido, posiciona-se o TRF da 4ª Região:

PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. JULGAMENTO ANTECIPADO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AMPLA DEFESA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ELEMENTO OBJETIVO ATENDIDO. ANTECEDENTES NA CONDUTA. APLICABILIDADE. 1. É defeso ao juiz, depois de recebida a denúncia, prolatar sentença sem a regular instrução criminal. O ato decisório proferido nestas condições é nulo. Precedentes. 2. Para o reconhecimento do crime de bagatela, deve se considerar tão-somente o valor da afetação ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, apresentando-se irrelevantes circunstâncias de caráter eminentemente subjetivo, especialmente àquelas relacionadas à vida pregressa e ao comportamento social do agente. Precedentes do STF, STJ e 4ª Seção do TRF4R. 3. De acordo com a orientação adotada pela 4ª Seção desta Corte, aplica-se o princípio da insignificância quando o valor do tributo iludido não exceder a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). (TRF4, RSE 2006.71.18.001003-2, Oitava Turma, Relator do Acórdão Cláudia Cristina Cristofani, D.E. 20/02/2008) (grifo nosso)

Com relação ao crime de furto, verificamos no julgado a seguir, que

o parâmetro utilizado para a aplicação do princípio da insignificância quanto ao valor

da res furtiva, é o valor do salário mínimo nacional. Todavia, este nunca deve ser o

único critério para aferição do referido princípio, pois, conforme debatido ao longo

deste trabalho, há sempre que se levar em conta o desvalor da ação, bem como o

desvalor do resultado.

PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 155, PAR. 4º, INCISO II. ART. 14, INCISO II. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O réu que, a pretexto de buscar cartão previdenciário de sua genitora, consegue afastar momentaneamente a funcionária do caixa bancário, passando a subtrair valores depositados no referido guichê, sendo pego em flagrante delito enquanto ainda estava com a mão segurando o dinheiro dentro do caixa, pratica o crime de furto qualificado pelo emprego de fraude (art. 155, §4º, inc. II do CP), na forma tentada (art. 14, inc. II, do CP). 2. Inoportuna a aplicação do denominado princípio da insignificância quando o valor da res furtiva ultrapassa o valor reconhecido pela Corte (inferior a um salário mínimo) como sendo valor ínfimo. (TRF4, ACR 2006.70.01.000634-9, Oitava Turma, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, D.E. 17/10/2007)

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1.3.3 Posição do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

É pacífico o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, relativo ao quantum pode ser considerado insignificante nos crimes contra

o patrimônio, ou seja, o valor da res furtiva não pode ultrapassar a um salário

mínimo vigente na época do delito, parâmetro este também utilizado pelas Cortes

Superiores de Justiça do país. Ainda, conforme verificado na jurisprudência deste

Tribunal, não basta o valor do produto subtraído ser de pequena monta, pois, para

incidência do princípio da insignificância devem estar presentes os demais requisitos

que justificam sua utilização, quais sejam, a escassa lesividade da conduta e a

mínima ofensa ao bem jurídico tutelado, de acordo com a ementa e parte de

acórdão que se transcreve a seguir:

Crime contra o patrimônio. Furto. Aplicação do princípio da insignificância. Recurso ministerial objetivando a condenação em face da existência de elementos probatórios a indicar a autoria e materialidade. Subtração de gêneros alimentícios e produtos de higiene pessoal. Res furtiva de pouco valor, avaliada em R$ 27,07. Princípio da insignificância. Atipicidade da conduta. Precedentes jurisprudenciais. Absolvição mantida. [...]

Todavia, é de se ressaltar que na órbita patrimonial, dano de monta não sofreu a vítima já que praticamente todos os produtos subtraídos lhe foram devolvidos, consoante se vê do Termo de Reconhecimento e Entrega de fl. 15 e pelas próprias declarações [...]. As circunstâncias singulares do caso em análise, impunham fosse reconhecida a insignificância da conduta por falta de gravidade e de lesividade.

[...] Em decorrência, a subtração de gêneros alimentícios e

produtos de limpeza e higiene, por sua irrelevância e escassa gravidade, não deve merecer significação especial, haja vista que esta conduta, muito embora se ajuste, formalmente, ao tipo legal do delito de furto, não lesionou ou ameaçou o bem jurídico protegido pela lei, de modo a justificar a necessidade de invocar-se a proteção penal, situação esta que determina o reconhecimento da improcedência da denúncia. (TJ/SC, Apelação Criminal nº 2005.007382-6, Rel. Des. Maurílio Moreira Leite, data da decisão 19.04.2005)

Todavia, com relação ao crime de roubo, salienta-se que este não

comporta a incidência do princípio da insignificância, mesmo que ínfimo o valor do

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material subtraído, pois, trata-se de crime complexo, que não visa apenas proteger o

patrimônio, mas também a integridade física. Conquanto tenha sido roubado produto

avaliado em pequeno valor, o delito em questão sempre é cometido mediante

violência ou grave ameaça, tornando a conduta lesiva e reprovável, expondo a

grande risco os bens jurídicos protegidos.

Neste sentido, o julgado a seguir:

ROUBO - CONCURSO DE AGENTES E EMPREGO DE ARMA - ABSOLVIÇÃO DECRETADA COM FUNDAMENTO NO ART. 17 DO CÓDIGO PENAL - VÍTIMA QUE NÃO POSSUÍA O DINHEIRO VISADO - AGENTES QUE, APROVEITANDO A RENDIÇÃO DA VÍTIMA, SUBTRAEM-LHE UM PÉ DE CHINELO E A CARTEIRA DE IDENTIDADE - CRIME CONFIGURADO - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. Para a configuração do crime de roubo, é irrelevante se o objeto efetivamente subtraído era aquele originalmente visado pelo criminoso. Precedentes. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - CRIME PRATICADO COM VIOLÊNCIA - PERTURBAÇÃO PENALMENTE RELEVANTE DE BEM JURÍDICO ALHEIO. “Inviável, diante da violência praticada, se exclua o delito sob a invocação da inexistência de prejuízo, ou da aplicação do chamado 'princípio da insignificância'" (STJ). (TJ/SC, Apelação Criminal 2003.026905-3, Rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, data da decisão 29/06/2004) (grifo nosso)

Muito embora, através da jurisprudência analisada, cheguemos a

conclusão de que o princípio da insignificância é amplamente aceito e utilizado pelo

Tribunal de Justiça Catarinense, verificou-se que é praticamente unânime o

entendimento dos doutos Desembargadores, de que o referido princípio somente

aplica-se aos réus que não possuem “maus antecedentes”. Como exemplo,

trazemos trechos de um acórdão que negou provimento ao Recurso de Apelação nº

2006.008742-6 (Réu Preso), mantendo a sua condenação em “01 (um) ano, 09

(nove) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, em regime fechado (CP, art. 33 §§

2º e 3º), e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do

salário mínimo vigente à época dos fatos, nos termos da denúncia, negando-se-lhe

qualquer substituição”:

CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, CAPUT) - ABSOLVIÇÃO ANTE A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, DADO O PEQUENO VALOR DA RES FURTIVA E A FALTA DE PREJUÍZO À VÍTIMA - IMPOSSIBILIDADE - AGENTE REINCIDENTE - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO

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[...]

Ora, ainda que os produtos alimentícios não excedessem, à época dos fatos, o valor de um salário mínimo, pois foram avaliados em R$ 15,49 (quinze reais e quarenta e nove centavos - fls. 08) e a ausência de prejuízo causado à vítima, não poderia ser aplicado o pretendido princípio da insignificância, na medida em que consta dos autos que o acusado possui duas condenações anteriores com o trânsito em julgado por crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e desacato, sendo, inclusive, reincidente (fls. 22 e 117), o que aponta para a prática contumaz no cometimento de delitos. (TJ/SC, Apelação Criminal 2006.008742-6, Rel. Des. Irineu João da Silva, data da decisão 18.04.2006)

Discordamos deste entendimento, conforme já dito reiteradamente,

eis que o princípio da insignificância atua exclusivamente na estrutura do delito,

tornando atípicas aquelas condutas que, embora se enquadrem no tipo penal,

causam apenas lesão inexpressiva ao bem jurídico tutelado. A adequação típica da

conduta nada tem a ver com as condições pessoais do agente, sendo que estas

devem ser consideradas somente quando aplicação da pena.

De todo exposto, conclui-se que lesões insignificantes dispensam a

insurgência punitiva – ultima ratio da interferência controladora estatal, conforme

colhe-se da fundamentação do Desembargador Amilton Bueno de Carvalho, em voto

proferido no julgamento da Apelação Criminal nº 70020764080/2007, da 5ª Câmara

Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em caso de furto

tentado, cuja res furtiva foi avaliada em cerca de um quarto do salário mínimo à

época dos fatos:

Não há justificativa para a movimentação de uma máquina cara, cansativa, abarrotada, cruel, como o Judiciário. A banalização do litígio – leia-se atuação sem maior interesse social – o torna moroso e desacreditado, pois situações que realmente interessam ficam em segundo plano ou concorrem com as inúteis, o que inviabiliza a realização do papel transformador atribuído ao Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito.

Trata-se do caso acima, de tentativa de furto de duas luminárias,

avaliadas em R$ 100,00, as quais foram restituídas às vítimas, sendo que um dos

autores foi autuado em flagrante, e o outro, que logrou êxito em fugir, respondeu

inquérito policial.

Após o procedimento policial, restaram os autores denunciados

pelo Ministério Público e, acatada a denúncia, iniciou-se a ação penal, culminando

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na condenação de ambos. Portanto, percebe-se que além da máquina judiciária, a

polícia civil e o Parquet estadual foram acionados, sem a devida justa causa.

Assim, entendemos que diante de delitos desprovidos de tipicidade

material, como no caso em tela, não deve ser iniciado pelo Estado, qualquer ato

relativo à persecução penal. Por esta razão, a partir do capítulo seguinte, iniciamos o

estudo da polícia judiciária e do poder de polícia, para, verificarmos, por fim, a

possibilidade da aplicação do princípio da insignificância ainda na Delegacia de

Polícia, pela autoridade policial, a fim de evitar a movimentação de toda a máquina

estatal.

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2 POLÍCIA JUDICIÁRIA

O segundo capítulo, intitulado Polícia Judiciária, divide-se em três

grandes tópicos, quais sejam, a Polícia Judiciária, o Poder de Polícia e as Diferenças

entre a Polícia Administrativa e a Polícia Judiciária.

O primeiro tópico, que traz o mesmo nome do capítulo, refere-se à

origem histórica da polícia, muito embora, não tenhamos encontrado consenso entre

os doutrinadores relativamente ao surgimento e desenvolvimento da polícia ao longo

do tempo, faz-se necessária uma breve visão da evolução deste órgão, para que

passemos ao estudo da polícia judiciária brasileira na atualidade.

O segundo tópico aborda o Poder de Polícia (de forma ampla)

atinente a atividade administrativa do Estado de intervir nas atividades particulares

que possam vir a prejudicar a coletividade.

Por fim, verifica-se que a atividade policial brasileira é de cunho

eminentemente administrativo, todavia, divide-se em polícia administrativa e polícia

judiciária, razão pela qual apresentamos as diferenças entre estes dois órgãos.

2.1 A polícia na história

2.1.1 A polícia na antigüidade

O vocábulo polícia vem do latim politia, que procede das Cidades-

Estado da Grécia Antiga, onde as atividades do governo eram chamadas de politeia,

palavra originária de polis, que significa cidade. (GUIMARÃES, 2006, p. 21)

De acordo com Carlin (2005, p. 224):

[...] a acepção etimológica da palavra polícia evoca, amplamente, a organização política do Estado, encarregada da ordem e da segurança, donde o agente policial representar a encarnação

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familiar da segurança. Sob esses aspectos, o termo polícia denota a idéia constante de ordem pública. Para assegurar essa ordem, a polícia recorre a seu poder de supervisão, indo até a injunção e a repressão. Em sua atividade, a polícia deve buscar o equilíbrio real entre a autoridade do Estado e as liberdades individuais.

Encontramos a função policial nos povos antigos que alcançaram o

maior grau de civilização na fase primaveril da história da humanidade, quais sejam,

os egípcios e os hebreus, de acordo com Silva (2002, p. 27). Todavia, naquela

época, a polícia estava muito mais relacionada às idéias de governo e de

administração das cidades.

O faraó Menés, primeiro rei do Egito, dizia se tratar a polícia do

principal e maior bem de um povo. Já os hebreus, dividiram a cidade de Jerusalém

em quatro partes, as quais chamavam de “quarteirões”, designando um intendente

de polícia para cuidar de cada um deles. (GUIMARÃES, 2006, p. 22)

Os antigos gregos, conforme Thomé (1997, p. 10), contavam com

“um processo onde havia um direito popular de acusação ao magistrado que pedia

indícios e testemunhas dos fatos, impondo caução para que o acusador não

desistisse do feito”. Este povo já utilizava os institutos da prisão preventiva e da

liberdade provisória e restringiam o direito de acusação àquelas infrações que

lesavam mais a sociedade do que ao interesse particular.

Também na Grécia, em sua capital Atenas, de acordo com Silva

(2002, p. 28), havia 04 (quatro) jurisdições criminais, a saber:

1. Assembléia do Povo, onde se faziam presentes os senadores (Gerontes) e os magistrados populares (Éforos), para os crimes mais graves;

2. Aerópago, com 51 magistrados no máximo, inicialmente para os crimes em geral, e, mais tarde, para os crimes de morte;

3. Os Efetas com juízes escolhidos pelo Senado, para os crimes menores;

4. E os Heliastas com jurisdição comum. O Intendente de Polícia/Prefeito da cidade era o responsável pela ordem pública e pela observância das leis policiais. Em cada bairro, em seu nome, tinha um nomofulaxe (defensor de leis), nomeado pelos Arcontes (magistrados) e auxiliados pelos curadores e os ébrios às suas residências. Uma das mais altas dignidades, o exercício da atividade policial, teve, entre os seus grandes nomes, o de Platão, Aristóteles, Demóstenes, Epaminondas, Plutarco etc.

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No entanto, salienta Guimarães (2006, p. 22), que foram os

romanos que adotaram o termo politia no sentido de manter a ordem pública, a

tranqüilidade e a ordem interna.

A polícia romana evoluiu de uma ordem sem qualquer organização

para uma força repressiva de forma solene. Entretanto, foi no reinado de Augusto

que surgem o proefectus vigilum e o proefectus urbi, que cuidavam dos crimes que

não eram punidos com pena capital e eram assistidos por 14 curadores.

Subordinados aos curadores, vinham os agentes policiais, responsáveis por

investigar os crimes e prender seus autores, bem como, realizar os interrogatórios e

buscas e apreensões, formalizando tudo por escrito, a fim de remeter os autos à

autoridade competente. (THOMÉ, 1997, p. 10-11)

2.1.2 A polícia na idade média

Conforme Guimarães (2006, p. 22-23), na idade média a polícia

ganha nova concepção, pois, o poder que tinha o Príncipe de arrecadar tributos era

chamado de ius policei, buscando a boa ordem da coisa pública.

Na Espanha, no século XI, a polícia já se encontrava organizada

através das “hermandades”, as quais se destinavam a perseguir os criminosos. Já

na Inglaterra do século XII, a polícia atuava através dos “constables” (THOMÉ, 1997,

p. 11).

Em Portugal, no ano de 1.020, já se identifica a organização

policial, com base no documento conhecido por “Fuero de Leon”, onde D. Afonso V,

estabeleceu dentre outras coisas, regras de administração policial a serem

cumpridas na cidade de Leão, mas que foram observadas em outras vilas e lugares.

Em 1.279, D. Diniz ordenou a Lei das Pontarias, onda constava que os malfeitores

deveriam ser presos por Juízes, Alcaides, Alvazis, Comendadores e Meirinhos. Já

em 1383, o Rei Fernando I criou o “Regimento dos Quadrilheiros”, a fim de conter os

assaltos nas estradas. (THOMÉ, 1997, p. 12)

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Entretanto, salienta Guimarães (2006, p. 23), foi somente no século

XIV que o termo “polícia” passou a ser adotado na França e na Alemanha, a fim de

designar a atividade estatal, nos mesmos moldes da Grécia Antiga. Todavia, os

alemães vão um pouco mais além na utilização do referido termo e passam também

a utilizar a expressão “Estado de Polícia”, porém, naquela época, o Poder de Polícia

ou Poder do Estado, concentrava-se nas mãos do Príncipe, o qual, considerando-se

representante divino, ignorava os direitos dos homens, tomando as decisões

relativas aos seus destinos. O sistema processual era puramente inquisitivo, tendo

um único órgão as atribuições de investigação e julgamento.

2.1.3 A polícia na era moderna e contemporânea

Com o surgimento do Estado liberal, o indivíduo passa a ser sujeito

de direitos e a polícia volta a ser entendida como sinônimo de manutenção da

segurança e ordem pública, passando o Estado somente a intervir nos casos de

ameaça à ordem da coletividade. (Guimarães, 2006, p. 23)

Na França, em 1789, é promulgada a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão e em 1791, a Assembléia Nacional Francesa define a missão

da polícia: “Considerada em suas relações com a segurança pública, a polícia deve

preceder a ação da justiça; a vigilância deve ser o seu principal caráter; e a

sociedade, considerada em massa, o objetivo essencial da solicitude”. (SILVA, 2002,

p. 30).

Ainda na França, em 1794, a polícia foi subdividida em

administrativa e judiciária. Os artigos 19 e 20 do Código de Brumário, do ano IV,

assim preceituavam:

A polícia administrativa tem por objeto a manutenção habitual da ordem pública, em cada lugar e em cada divisão da administração geral. Seu fim principal é o de prevenir os delitos, fazer executar as leis, ordens e regulamentos de ordem pública vigentes. À polícia judiciária cabe a investigação dos crimes, delitos e contravenções que a polícia administrativa não pode impedir fossem cometidos, colige as provas e entrega seus autores aos tribunais incumbidos de puni-los (SILVA, 2002, p. 30)

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Percebe-se que a polícia brasileira atual segue os moldes

franceses, estando dividida em administrativa e judiciária, conforme pode se verificar

no decorrer deste capítulo, mormente no item 2.3 (Diferenças entre a polícia

administrativa e a polícia judiciária). Ainda, nos moldes do sistema jurídico francês, a

polícia administrativa no Brasil tem caráter preventivo, enquanto que a judiciária,

atua basicamente na repressão e investigação dos delitos, reunindo provas e

buscando a sua autoria, a fim de subsidiar o Poder Judiciário no processo penal.

Guimarães (2006, p. 24) salienta que o conceito de polícia sofreu

profundas transformações, podendo ser definido atualmente como a função

administrativa estatal que tem por objetivo a manutenção da ordem pública, para

que os homens possam viver em sociedade de forma harmoniosa, atuando tanto de

forma preventiva quanto de forma repressiva, a fim de combater os desvios de

conduta dos cidadãos.

A polícia judiciária, nos dias atuais, exerce a função de auxiliar da

justiça, destinada a consecução do primeiro momento da atividade repressiva do

Estado. Tem por objetivo elucidar os delitos, apontando suas respectivas autorias,

para servir de base à ação penal ou as providências cautelares. (CAPEZ, 2006, p.

73-75)

2.1.4 A polícia judiciária no Brasil

As primeiras manifestações de polícia no Brasil foram trazidas por

Portugal, sendo que na época vigiam naquele país as chamadas Ordenações

Afonsinas, tratando a polícia e a magistratura de forma unitária. Em 1521 vieram as

Ordenações Manoelinas, porém, no Brasil, apesar de todo o poder ser exercido em

nome do rei de Portugal, na prática, os governadores das cidades eram quem

acumulavam o poder de polícia, acusação e julgamento, de acordo com o sistema

inquisitório da época. (GUIMARÃES, 2006, p. 24)

Em 1760, o Alvará do Rei de Portugal regulou a atividade policial

em preventiva e repressiva, utilizando as expressões “Delegados de Província”,

“comissários constituídos nas cabeças de Comarcas”, “réus de delito”. Foi, no

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entanto, em 1.808, com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, que Dom

João VI, também através de alvará, criou a Intendência Geral da Corte e do Estado

do Brasil. (THOMÉ, 1997, p. 15)

Conforme Guimarães (2006, p. 26-27), após a proclamação da

independência, surgiu a figura semelhante a do Delegado de Polícia, que,

entretanto, era exercida por juízes de paz, pois a polícia e a magistratura

confundiam-se num único órgão.

Em 1891, com a queda do império e a promulgação da Constituição

Republicana, os Estados-membros passaram a ter administração própria e

autônoma, o que resultou nas organizações policiais nos estados, porém, em 1902 a

polícia foi novamente reformulada, surgindo a polícia civil e a militar, que, muito

embora, várias alterações na legislação, continuam presentes nos dias de hoje,

como assevera Guimarães (2006, p. 28-29).

Na atualidade, a polícia judiciária é exercida no âmbito da União,

exclusivamente pela Polícia Federal, de acordo com o artigo 144, §1º, inc. IV da

Constituição Federal de 1988. Já no âmbito estadual, o exercício de polícia judiciária

compete às polícias civis de cada Estado, conforme disciplina o artigo supra citado,

em seu §4º, in verbis:

Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as Militares. (grifo nosso)

O artigo 4º do Código de Processo Penal, disciplina a função da

polícia judiciária, determinando que “será exercida pelas autoridades policiais no

território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações

penais e da sua autoria.”

As polícias civis dos Estados são regidas por suas leis orgânicas e

administradas pelas respectivas Secretarias de Segurança Pública, cujos titulares,

os Secretários da Segurança Pública são nomeados pelos Governadores de Estado.

O chefe da Polícia Civil é nomeado pelo Poder Executivo. A carreira hierarquizada é

preenchida por meio de concurso público, com determinados requisitos, sendo a

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última etapa do processo seletivo, o curso de formação na Academia de Polícia.

(CHOUKR, 2004, p. 4-11)

Para o cargo de Delegado de Polícia, é requisito indispensável o

bacharelado em Direito, além da aprovação no respectivo concurso que versa sobre

matérias jurídicas, bem como a aprovação no Curso de Formação da Academia de

Polícia.

Em nosso ordenamento jurídico, a “autoridade policial” é o

Delegado de Polícia de carreira. Os agentes da autoridade policial, por sua vez, são

todos aqueles que agem em comunhão com a mesma, nos assuntos e negócios da

segurança pública, como por exemplo, os demais policiais civis, denominados

inspetores, escrivães, comissários, investigadores, etc., visto que estas

nomenclaturas e respectivas funções, variam em cada estado, quando se trata da

polícia civil. Também agem muitas vezes com a autoridade policial, policiais militares

e guardas municipais, quando autuam repressivamente no combate à criminalidade.

Todavia, o órgão que congrega o Delegado de Polícia e seus agentes é a polícia

judiciária. (THOMÉ, 1997, p. 25-27)

A missão da polícia judiciária é atuar como órgão auxiliar da justiça,

fornecendo-lhe os elementos vitais para a propositura da ação penal, através das

diligências empreendidas na elucidação dos delitos, tais como, relatórios de

investigações, depoimentos, coleta de provas, laudos periciais, termos de apreensão

e entrega, seja em forma de Inquérito Policial, Auto de Prisão em Flagrante, Termo

Circunstanciado, Boletim de Ocorrência Circunstanciado, Auto de Apreensão de

Adolescente ou Auto de Investigação de Ato Infracional.

Conforme Silva (2002, p. 37-38), a polícia judiciária tem o dever de

agir imediatamente ao tomar conhecimento da prática de um delito, investigando

suas causas e conseqüências, desvendando o crime e apurando sua autoria. A

polícia civil é eminentemente judiciária, pois autua após o crime ter acontecido, a fim

de fornecer ao Poder Judiciário todos os elementos que possam provar a

materialidade e autoria do delito. Conclui-se então, que para tão importante missão,

necessita estar aparelhada, organizada em bases científicas, cercada de garantias e

afastada de influências partidárias, tendo em vista ser peça fundamental da justiça

penal.

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2.2 PODER DE POLÍCIA

Seria impossível vivermos em uma sociedade onde não houvesse

limites, pois o direito de cada cidadão acaba quando inicia o direito de outrem. E é

por esta razão que o Estado intervém nas relações privadas, no intuito de preservar

o bem-estar social e a convivência harmônica entre seus indivíduos, impedindo que

o interesse do particular se sobreponha ao da coletividade.

Para que isto ocorra, o Estado coloca limites ao exercício da

liberdade e da propriedade individuais, através de seu poder administrativo, o qual

se expande por toda a Administração e é exercido pelos órgãos públicos, a fim de

garantir que interesses individuais não venham a ferir o interesse público, sem,

entretanto, ferir qualquer direito dos cidadãos, que lhe são assegurados pela

Constituição Federal, “e sendo sempre questionável perante o Judiciário,

notadamente nas hipóteses de desvio de finalidade, abuso ou excesso de poder.”

(ROSA, 2006, p. 90)

A este poder do Estado, de intervir nas relações particulares,

chamamos de “poder de polícia”, o qual decorre da supremacia do interesse coletivo

sobre o particular e é o resultado de princípios que impõem respeito ao cumprimento

de leis e regulamentos a fim de que se mantenha a ordem pública, estabelecendo

restrições aos direitos individuais, para o bem da coletividade (SILVA, 2002, p. 33).

Como bem salienta Tácito (2001, p. 19):

No equilíbrio entre princípios – de certa forma antagônicos – da liberdade e da autoridade, o poder de polícia se coloca como uma das faculdades discricionárias do poder público, visando à proteção da ordem, da paz e do bem-estar social.

Di Pietro (2001, p.110) ensina que “Pelo conceito moderno, adotado

no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em

limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.

(grifo da autora)

A livre atividade do indivíduo não pode ser prejudicial à sociedade,

portanto, deve a Administração Pública, através do poder de polícia que lhe é

conferido, regulamentar e controlar tais atividades, preventiva ou repressivamente,

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mas sempre nos limites da lei, para que o ato administrativo não se torna viciado em

seu requisito mais importante: a legalidade.

Mello (2005, p. 751-752) divide o poder de polícia em sentido amplo

e sentido restrito. Em sentido amplo, significa à atividade estatal de condicionar a

liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos; abrange atos do

Legislativo e do Executivo. Já, em sentido mais restrito, abrange as intervenções,

tanto gerais quanto abstratas, como regulamentos, quer concretas e específicas (tais

como as autorizações, as licenças, as injunções) do Poder Executivo, voltadas a

alcançar o mesmo fim, qual seja, de prevenir e obstar o desenvolvimento de

atividades particulares que contrastem com os interesses sociais.

Conforme Carlin (2005, p. 217), outras expressões também são

utilizadas para designar essa atividade do poder público:

[...] poder regulador, poder ordenador, atividade interventora, autorizando a concluir que o fundamento do poder de polícia é a adoção da regra da prevalência do interesse público sobre o particular e que fornece à Administração posição privilegiada de supremacia sobre os administrados.

O conceito legal de poder de polícia pode ser extraído do artigo 78

do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Exemplificando algumas restrições provenientes do poder de

polícia, Gasparini (1993, p. 115) cita:

A proibição de construir acima de certa altura, a obrigatoriedade de observar determinado recuo de construção, o dever de denunciar doença contagiosa, a vedação de manter certos animais na zona urbana ou de, nessa zona, promover certa lavoura [...].

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Portanto, o poder de polícia é o meio pelo qual o Estado garante a

manutenção da ordem pública, relativamente à segurança, higiene, meio-ambiente,

saúde, patrimônio cultural, propriedade, dentre outros setores da sociedade.

Quanto a atuação do poder de polícia, Lazzarini (2000, p. 89)

esclarece que:

[...] será sempre de ordem administrativa, seja qual for o órgão público que o exerça, isto é, qualquer dos poderes estatais. É, pois, um pleonasmo dizer polícia administrativa, porque, a polícia judiciária é exercida por órgão administrativo, que auxilia a justiça criminal na repressão criminal.

Lazzarini (2000, p. 120), salienta esta dicotomia na concretização

do poder de polícia, tendo em vista a existência de uma atividade denominada

polícia administrativa e de outra denominada polícia judiciária. Muito embora,

assevera o autor, ambas as atividades tratem de típica manifestação administrativa,

conquanto uma delas tenha o qualificativo de judiciária, não se confunde com a

manifestação judiciária do Poder Judiciário, visto que não se integra a este como

órgão.

2.2.1 Atributos do poder de polícia

Os atributos do poder de polícia, conforme Meirelles (2005, p. 136),

são próprios e peculiares ao seu exercício, sendo eles a auto-executoriedade, a

coercibilidade e a discricionariedade, adiante descritos.

A auto-executoriedade (chamada no direito francês somente de

executoriedade), refere-se ao poder da Administração de executar suas decisões por

meios próprios meios, sem necessitar recorrer previamente a outros órgãos,

tampouco ao Judiciário. No entanto, cabe aos particulares que se sentirem

ameaçados ou lesados em seus direitos, entendendo que a Administração tenha

agido em confronto com lei, recorrer à via jurisdicional pelos meios cabíveis, tais

como o habeas corpus e o mandado de segurança.

Lazzarini (2000, p. 90-91) lembra

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[...] que o poder de polícia objetiva conter os excessos, a atividade anti-social, razão de não ser possível condicionar os atos de polícia à prévia aprovação de qualquer outro órgão, que não o competente, ou Poder estranho à Administração Pública.

Todavia, salienta Carlin (2005, p. 221), que ao lançar mão de meios

próprios, o administrador deve sempre levar em conta a proporcionalidade entre o

direito individual e o prejuízo que se pretende evitar em prol do benefício social.

Exemplificando a auto-executoriedade, Meirelles (2005, p. 137) cita

um caso onde a Prefeitura encontra uma obra irregular ou que ofereça perigo à

coletividade, e então ela própria embarga a referida edificação, promovendo sua

demolição, sem recorrer previamente ao Judiciário para que lhe forneça autorização.

Por coercibilidade, tem-se que os atos de polícia são imperativos e

não facultativos aos particulares, não podendo, portanto, o administrado negar-se a

cumpri-los, pois são dotados da presunção de legitimidade. (CARLIN, 2005, p. 221)

No caso da negativa de cumprimento do ato determinado, pode a

Administração recorrer à força física, dentro dos limites legais, sem excesso ou

abuso de poder.

Salienta Di Pietro (2001, p. 114) que “A coercibilidade é

indissociável da auto-executoriedade. O ato de polícia só é auto-executório porque

dotado de força coercitiva.” (grifo da autora).

Já a discricionariedade é o poder que tem a Administração de

decidir o momento oportuno e a forma de agir, respeitando os limites legais.

Muito embora na maioria dos casos o administrador encontre certa

margem de liberdade para exercer o poder de polícia, há ocasiões onde o ato não é

discricionário, pois se encontra vinculado a uma norma ou regulamento que lhe dita

a forma e o meio de agir. Temos então o chamado ato vinculado.

2.3 DIFERENÇAS ENTRE A POLÍCIA ADMINISTRATIVA E A POLÍCIA

JUDICIÁRIA

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Conforme Silva (2002, p. 34-35), a polícia, em seu conjunto,

significa a vigilância empreendida pela autoridade competente, a fim de manter a

ordem e o bem-estar público em todos os ramos e serviços atinentes ao Estado.

Todavia, a instituição policial brasileira divide-se em administrativa e judiciária.

Uma das diferenças significativas entre a polícia administrativa e a

polícia judiciária, apontada por vários autores, é que aquela atua preventivamente,

enquanto que esta, repressivamente.2

Entretanto, frisa Di Pietro (2001, p. 111), que esta diferença não é

absoluta, uma vez que a polícia administrativa pode também agir repressivamente,

quando, por exemplo, apreende a licença de um motorista infrator, porém, embora o

caráter repressivo do ato, está agindo de forma a impedir que ocorra um dano maior

à sociedade (caráter preventivo). Por outro lado, a polícia judiciária quando atua na

repressão dos ilícitos penais, também atua de forma preventiva, pois seu intuito,

além de punir o delito, é o de coibir a reincidência do infrator.

Contrário à utilização do caráter preventivo/repressivo como critério

de distinção entre as duas polícias, Rolland citado por Bandeira de Mello (2005, p.

763), afirma que polícia judiciária não reprime, mas sim, ajuda o Poder Judiciário a

reprimir, enquanto que a polícia administrativa, utilizando-se de regulamentos e

interdições para prevenir, também atua repressivamente, pois emprega a força para

assegurar o cumprimento de suas ordens, sem a necessidade prévia de recorrer às

vias judiciais.

Gasparini (1993, p. 118), apontando demais diferenças dentre as

duas polícias, lembra que:

O exercício da polícia administrativa está disseminado pelos órgãos e agentes da Administração Pública, ao passo que o da polícia judiciária é privativo de certo e determinado órgão (Secretaria de Segurança). O objeto da polícia administrativa é a propriedade e a liberdade, enquanto o da polícia judiciária é a pessoa, na medida em que lhe cabe apurar as infrações penais, exceto as militares (art. 144, § 4.º, da CF). A polícia administrativa predispõe-se a impedir ou paralisar atividades anti-sociais; a polícia judiciária preordena-se a descobrir e conduzir ao Judiciário os infratores da ordem jurídica penal [...].

2 Gasparini (1993, p. 118), Lazzarini (2000, p. 123), Mello (2005, p. 762) dentre outros.

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Silva (2002, p. 35), difere as duas polícias, esclarecendo que a

polícia administrativa tem por finalidade prevenir crimes, evitar perigos, proteger a

coletividade, mantendo a ordem e o bem-estar públicos, sendo que a sua ação

antecede a infração da lei penal e por isso também é chamada de polícia preventiva,

enquanto que a polícia judiciária destina-se a investigar os crimes que não puderam

ser prevenidos, apontando seus autores e reunindo provas e indícios contra estes,

no sentido de levá-los a juízo e, por esta razão, sua atividade se dá após a

consumação do fato delituoso, pelo que é chamada também de polícia repressiva.

No mesmo sentido, Gasparini (1993, p. 116) salienta que a polícia

administrativa destina-se a prevenir o surgimento de atividades particulares lesivas

aos interesses da coletividade ou a obstar o seu desenvolvimento. Diferentemente, a

polícia judiciária destina-se a investigar os delitos, apontando a sua autoria, a fim de

levar ao conhecimento do Poder Judiciário.

Relativamente à polícia judiciária, Lazzarini (2000, p. 123) esclarece

que:

[...] é repressiva, exercendo uma atividade tipicamente administrativa de auxiliar a repressão criminal (a repressão criminal é exercida pelo órgão competente do Poder Judiciário, que detém o monopólio da jurisdição), motivo pelo qual, embora manifestação de atividade administrativa do Estado, a Polícia Judiciária é regida pelas normas e princípios jurídicos do Direito Processual Penal.

Todavia, entendemos que a maior diferença entre as duas polícias

reside no fato de que a polícia administrativa rege-se pelo direito administrativo,

atuando tanto em ilícitos administrativos, como em atividades lícitas, mas que

necessitem da intervenção e/ou fiscalização da Administração Pública, enquanto

que a polícia judiciária rege-se pelo direito processual penal, atuando somente em

infrações penais.

Assim, as vastas atribuições da polícia administrativa são

disciplinadas por leis, decretos, regulamentos e portarias (SILVA, 2002, p. 35). Já as

atividades da polícia judiciária, encontram-se disciplinadas na Constituição Federal,

nas Constituições estaduais, no Código Processual Penal e, em suas leis orgânicas.

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3 A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O terceiro e último capítulo aborda inicialmente o poder

discricionário inerente aos administradores públicos e tem por finalidade a

averiguação de quanto é dotada de discricionariedade a atividade da polícia

judiciária, mormente o labor da autoridade policial, cujo tema é aprofundando no

item “3.1.1 O poder discricionário do Delegado de Polícia”.

A partir daí, aborda-se a possibilidade da aplicação do princípio da

insignificância já na Delegacia de Polícia, onde, na maioria das vezes, é o primeiro

local em que o Estado tem conhecimento do delito.

Justifica-se a aplicação do referido princípio na sede da polícia

judiciária, haja vista que, quando notória a ausência de tipicidade a ensejar qualquer

tipo de condenação, não se vê razão para o laborioso trabalho policial, bem como,

para o trabalho dos demais órgãos envolvidos na persecução penal, já tão

abarrotados de serviço e carentes de recursos humanos e materiais.

A aplicação do princípio da insignificância em Delegacia de Polícia,

acarretaria em agilidade na apuração daqueles ilícitos que compõem a chamada

“criminalidade violenta”, os quais, conforme Pires (2001, p. 36), significam aqueles

crimes que assustam, atemorizam e são capazes de mudar os hábitos cotidianos

dos cidadãos brasileiros, pois os órgãos encarregados da segurança pública

encontram-se saturados de procedimentos, porém, muitos deles, referentes a delitos

desprovidos de qualquer reprobabilidade. Portanto, não pode a polícia judiciária

ocupar-se com delitos ausentes de tipicidade material, que não oferecem lesões

significativas aos bens jurídicos tutelados, em prejuízo de crimes graves e violentos,

os quais, efetivamente, colocam em risco a ordem pública.

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3.1 Poder discricionário

Muito embora a palavra “poder” passe a impressão de faculdade

inerente à Administração, no âmbito do poder público, trata-se na realidade de um

“poder-dever”, pois deve ser utilizado em prol da coletividade. Neste contexto,

encontra-se inserido o poder discricionário, que significa a liberdade a ser exercida

nos limites fixados pela lei. (DI PIETRO, 2001, p. 86)

Diferentes expressões são utilizadas para referir-se à matéria, quais

sejam, discricionariedade, poder discricionário e atividade discricionária. A primeira

significa a possibilidade de escolha, a segunda, o poder de escolha conferido ao

administrador, enquanto que a terceira, trata-se do exercício de funções utilizando o

poder discricionário. (MEDAUAR, 2007, p. 107)

Conforme extraído do Dicionário Compacto Jurídico (2007, p. 148),

o poder discricionário é definido como:

Margem de liberdade concedida pela lei à Administração Pública para, em cada caso, decidir conforme a convicção do agente e as circunstâncias do fato. É a liberdade concedida aos órgãos administrativos quanto à conveniência e a oportunidade dos atos administrativos. Estando limitado pela lei, o poder discricionário não se confunde com arbitrariedade ofensiva à legalidade.

Assim, o poder discricionário trata-se de uma faculdade conferida

ao administrador público, para escolher dentre os atos a serem praticados, o que

melhor atende ao interesse coletivo. É a margem de escolha dentro do limite legal.

O Professor Hely Lopes Meirelles (2005, p. 118) define o poder

discricionário como sendo aquele que o Direito concede à Administração, de forma

implícita ou explícita, “para a prática de atos administrativos com liberdade na

escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo”.

Para Bacellar Filho (2005, p. 54), representa a discricionariedade

“um espaço ou margem de atuação, não coberto pela especificidade da norma, mas

confiado ao tirocínio do administrador público para um agir lastreado em

conveniência e oportunidade”. Todavia, o referido autor salienta que “as coisas não

se passam com a simplicidade que o vocábulo latino, em sua concepção

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etimológica, quer repassar”, portanto, para facilitar o entendimento do termo, faz a

seguinte comparação:

A atividade discricionária assemelha-se a uma viagem empreendida por uma composição ferroviária, em que a Administração seria a locomotiva com os respectivos vagões, sendo o maquinista o Administrador Público. Os trilhos correspondem à lei. O itinerário seguirá tranqüilo e previsível, pois submisso ao princípio da legalidade o administrador deverá traçá-lo sempre em cima dos trilhos, sob pena de descarrilamento da composição. Haverá de chegar um momento, contudo – uma encruzilhada com várias vertentes –, em que a lei não o informará qual a direção a ser seguida. Incumbirá ao maquinista, administrador público, sem se afastar dos trilhos da lei, aferir a oportunidade e a conveniência da escolha do caminho ou da vertente apropriada. (BACELLAR FILHO, 2005, p. 54)

Percebe-se, portanto, que o poder discricionário justifica-se no fato

do legislador não poder prever todas as circunstâncias da vida real, que ensejem

atos administrativos, deixando a cargo do administrador público, certa margem de

escolha, consubstanciada nos limites da lei.

Medauar (2007, p. 110) argumenta esse poder de escolha conferido

à autoridade administrativa, na resolução de assuntos de sua competência, no fato

do Estado contemporâneo, de grande complexibilidade e com diversas funções,

necessitar atuar com flexibilidade e rapidez, numa época de rápidas mudanças,

grandes cidades, catástrofes e problemas sociais, que exigem certa margem de

maleabilidade por parte da Administração, a fim de atender a necessidade

institucional.

Corroborando o exposto, citamos Meirelles (2005, p. 120):

Essa liberdade funda-se na consideração de que só o administrador, em contato com a realidade, está em condições de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência da prática de certos atos, que seria impossível ao legislador, dispondo na regra jurídica – lei – de maneira geral e abstrata, prover com justiça e acerto. Só os órgãos executivos é que estão, em muitos casos, em condições de sentir e decidir administrativamente o que convém e o que não convém ao interesse coletivo. Em tal hipótese, executa a lei vinculadamente, quanto aos elementos que ela discrimina, e discricionariamente, quanto aos aspectos em que a lei admite opção.

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O poder discricionário e o poder vinculado norteiam os atos da

administração, sendo raros os momentos em que o ato seja totalmente

discricionário, bem como, raras as ocasiões em que o ato seja totalmente vinculado.

Todavia, ambos devem estar informados pelo princípio da legalidade, pois caso

contrário, significa arbitrariedade.

Para Gasparini (1993, p. 119), a atividade de polícia, em dados

momentos é discricionária, e em outros é vinculada. Por exemplo, quando a polícia

concede porte de arma a algum particular, está agindo discricionariamente, pois o

administrador tem a faculdade de aceitar ou não a justificativa do cidadão quanto à

necessidade do mesmo em portar arma de fogo, todavia, quando expede alvará

para construção, age nos moldes vinculados, visto que para este tipo de licença

devem ser preenchidos todos os requisitos pré-determinados na legislação

competente.

Com efeito, assevera Brutti (2005, p. 22), que a discricionariedade

aqui destacada, significa a livre escolha pelo Administrador, relativamente a

conveniência e a oportunidade de se exercer o poder de polícia, aplicando as

respectivas sanções e empregando os meios que conduzem ao fim concreto, qual

seja, a proteção de determinado interesse público. Desta forma, se a autoridade se

mantiver na faixa de opções que lhe são conferidas e se o ato de polícia

administrativa estiver contido nos limites legais, a discricionariedade é legítima. No

entanto, se a função for exercida por interesse distinto, torna-se um comportamento

ilegítimo, denominado “desvio de poder”.

Neste sentido, adverte Meirelles (2005, p. 118-119) que o poder

discricionário não poder ser confundido com o poder arbitrário, pois

discricionariedade significa a liberdade de ação administrativa, dentro dos limites

conferidos pela lei, enquanto que o arbítrio é ação contrária ou excedente da lei.

Para que não atue com arbítrio, a autoridade, ao exercer o poder

discricionário, deve ater-se ao interesse público da atividade que lhe foi conferida,

razão pela qual, necessita agir com prudência, cautela e total imparcialidade,

levando em consideração os ditames legais.

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3.1.1 O poder discricionário do Delegado de Polícia

O encarceramento de alguém sem sentença condenatória

transitada em julgado é uma violência, que somente situações especialíssimas

devem ensejar, razão pela qual, medida tão drástica deve ser reservada somente

aos casos excepcionais, porquanto, num Estado Democrático de Direito, a liberdade

deve ser a regra, enquanto que a prisão, a exceção, pois do contrário, ainda

estaríamos sob a égide de um estado totalitário.

Todavia, a atividade da polícia judiciária, especialmente a do

Delegado de Polícia, pode atingir diretamente a liberdade individual, razão pela qual

deve ser dotada de uma margem de discricionariedade, a fim de que não se

cometam injustiças, uma vez que a prisão, mesmo de forma cautelar, pode trazer

irreparáveis prejuízos à pessoa.

Sabe-se que a polícia judiciária, na maioria das vezes, é a primeira

receptora do caso em concreto. No entanto, assevera Brutti (2007, p. 17-18), que a

letra fria da lei, obscurece o labor do delegado de polícia de apreciar com a cautela e

prudência necessárias o direito à liberdade do indivíduo, naquelas hipóteses que

determinam a sua restrição. Assim, a atividade da autoridade policial, se estiver

ausente de interpretação mais acurada, distante da lógica e do bom senso, pode

resultar em graves abusos.

Conforme Toledo Neto (2003, p. 1), o delegado de polícia, que

possui a mesma formação jurídica do promotor público e do juiz de direito, do

defensor público (porém cada carreira com as suas próprias competências), e que

também é imbuído de um munus público, tem a atribuição, dentre outras, de verificar

o aspecto legal e jurídico daquilo que lhe é narrado através de Boletim de

Ocorrência, Ficha de Ocorrência da Polícia Militar, informação da imprensa ou

requerimento do ofendido, para, discricionariamente, instaurar ou não Inquérito

Policial, lavrar ou não Termo Circunstanciado ou Auto de Prisão em Flagrante,

promover ou não atos preliminares de uma investigação, pois, muitas vezes, o

conteúdo da notícia crime é desprovido de tipicidade.

No entanto, a discricionariedade conferida à autoridade policial é

contestada por aqueles extremamente apegados a interpretação gramatical da lei,

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desprovida de qualquer juízo de valor, especialmente no que tange ao princípio da

proporcionalidade. Para exemplificar, trazemos um caso de furto de duas barras de

chocolates, onde esteja o agente em situação de flagrância, todavia, após análise

mais acurada, verifica-se, à luz do princípio da proporcionalidade, da razoabilidade,

da dignidade da pessoa humana, da liberdade, dentre outros, que é medida

extremada o encarceramento de indivíduo que, embora formalmente tenha praticado

um crime, sua conduta foi escassa de lesividade ao bem jurídico tutelado, qual seja,

o patrimônio alheio.

Neste sentido, é o entendimento de Brutti (2007, p. 18):

Toda a atividade policial, por sua natureza, em tese, possui o condão de tolher o direito à liberdade do indivíduo. Esse direito fundamental é, de fato, princípio constitucional, compreendendo ele uma das chaves de todo o sistema normativo. Por isso, precisa ser visto como critério Mario, mormente no campo penal. Se é pacífico que o próprio Estado-juiz não pode olvidar de observar com a máxima cautela esse direito constitucional, também o deve ser pela Autoridade Policial, pois não é fadado a esta cometer abusos manifestos contra os direitos da pessoa humana, sob o argumento de que não lhe é conferido pela norma competência para se levar a efeito, de acordo com o seu discernimento, a medida mais adequada ao caso concreto.

Portanto, o Delegado de Polícia, ao tomar contato com o caso

concreto, deve agir com cautela, dentro dos princípios da legalidade; todavia,

também com fundamento nos demais princípios que informam o direito

administrativo, o direito penal, o direito processual penal e, especialmente, o direito

constitucional. Desta forma, é mister agir com discricionariedade, a fim de avaliar as

formas mais adequadas para resolução de cada caso, dentro de um juízo de valor

jurídico.

Corroborando o exposto, trazemos um trecho de uma decisão do

douto Juiz Júlio Osmany Barbin, da Comarca de Rio Claro/SP, citado por Toledo

Neto (2003, p. 5):

Sempre que tiver conhecimento de uma infração penal, o Delegado de Polícia (autoridade policial por excelência) deve fazer uma avaliação, a fim de visualizar se cuida de fato típico, como se espelha a teoria da tipicidade, TATBESTAND, do direito alemão, ou não, daí procedendo de acordo com o que a lei regrar.

Do mesmo modo, concluindo que se cuida de “fato típico”, incumbe ao Delegado de Polícia, por via da formulação de um juízo de valor,

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decidir se trata de prisão em flagrante, em quase-flagrante (flagrante próprio ou impróprio), flagrante preparado, ou, se efetivamente, não houver flagrante.

A formulação deste juízo de valor não tem regra matemática a ser seguida. Cuida-se de uma avaliação subjetiva, realizada com os supedâneos do conhecimento jurídico e da experiência amealhada ao longo da carreira policial.

Muito embora, na atividade policial, em caso de dúvidas, deva-se

proceder em favor da sociedade (in dubio pro societate), esta regra não pode ser

levada a efeito sem a devida cautela, pois não se aplica aos casos de prisão em

flagrante ou aos demais casos que ensejem na restrição da liberdade, pois,

conforme dito anteriormente, a liberdade deve ser a regra e a prisão, a exceção.

Desta forma, quando pairarem dúvidas sobre a autoria, não deve ser o agente preso

em flagrante delito e sim, investigado através do competente procedimento policial,

do mesmo modo que, quando ausente a tipicidade ou extinta a punibilidade, nenhum

procedimento deve ser instaurado, com base na discricionariedade do delegado de

polícia.

Enfatiza Brutti (s.d., p. 1), que a discricionariedade sustentada na

atividade policial diz respeito a interpretações sempre favoráveis à pessoa, jamais

em seu prejuízo. Assim, da mesma forma que os penalistas utilizam a analogia em

benefício do agente, ou seja, in bonam partem, devem os delegados de polícia

também utilizá-la na análise do caso concreto, com a finalidade de não cometerem

injustiças.

Todavia, a discricionariedade sempre dever ser fundamentada,

conforme Toleto Neto (2003, p. 4):

O Delegado de Polícia pode arquivar BOPM, não instaurar diligências requeridas, avaliar fatos que insurgem em flagrância ou não, enfim, agir com discricionariedade administrativa e jurídica em seus atos. Pode ainda, o Delegado de Polícia negar REQUISIÇÃO ministerial ou judicial, desde que, fundamentadamente justificado, observar ilegalidade ou abuso de poder do requisitante. (grifo nosso)

Com efeito, afirma Brutti (2007, p. 18-19) que o ato do delegado de

polícia só será legitimo se estiverem evidenciados os elementos de seu

convencimento, “consoante sua apreciação daquilo que for, diante do caso em

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concreto, o mais conveniente e o mais oportuno”, razão pela qual deve ser sempre

fundamentado.

Corroborando o entendimento acima, Toleto Neto (2003, p. 2),

afirma que o “Delegado de Polícia tem juízo de valoração jurídica, podendo ou não

iniciar atos de investigação através da avaliação da chamada JUSTA CAUSA”.

3.2 A polícia judiciária e o princípio da insignificância

A polícia judiciária, na maioria das vezes, é o primeiro órgão

receptor do caso em concreto, bem como, é a responsável pela quase totalidade dos

procedimentos criminais levados ao conhecimento do Ministério Público e,

conseqüentemente, do Poder Judiciário.

Como é público e notório, os órgãos policiais encontram-se

abarrotados de procedimentos, da mesma forma em que se encontram os gabinetes

dos Juízes de Direito e dos Promotores de Justiça. Todavia, lembra Brutti (2007, p.

24) que:

Falar-se em acréscimo de efetivo ou de melhoria nas condições materiais de nossas Polícias é apenas proferir verbos de conteúdo vazio e inócuo, até mesmo porque isso jamais seria suportado, nem de longe, por qualquer cofre público.

Some-se a isto, o ínfimo tempo concedido pelo Código de Processo

Penal para a conclusão dos procedimentos policiais, haja vista, que a legislação não

tem acompanhado a crescente demanda das Delegacias de Polícia, mormente nos

grandes centros, onde muitos delitos acabam por prescrever ainda na fase

administrativa. Ademais, outros tantos procedimentos enviados pela polícia ao Poder

Judiciário acabam prescrevendo, pois não é diferente a situação daquele Órgão,

relativamente à escassez de recursos materiais e defasagem de pessoal.

Corroborando o exposto, trazemos a constatação feita pelo do

Exmo. Juiz de Direito, Edison Aparecido Brandão (1994, p. 391) há mais de 10 anos,

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mas, que se encaixa perfeitamente aos dias de hoje, face ao aumento da população

e, conseqüentemente das ocorrências de infrações penais:

Por força do excessivo formalismo do nosso Código de Processo Penal, cada vez mais comum é a situação de processos que ao serem sentenciados apenas concretizam pena que será fulminada pela prescrição.

[...]

Muito comum ainda, e cada vez mais, está a ocorrer a situação em que processos que mesmo antes de findar já indicam a inequívoca existência futura de prescrição.

Entende o referido magistrado que, nestes casos, é esforço inútil

dar continuidade ao processo, dispendendo esforços em prejuízo de outros feitos,

que em razão disto também fatalmente irão se deparar com a prescrição.

(BRANDÃO, 1994, p. 391)

O mesmo acontece nas Delegacias de Polícia, especialmente nas

grandes cidades, onde, face as problemáticas sociais, a criminalidade violenta

aumenta a cada dia. Assim, os delegados de polícia deparam-se com uma infinita

gama de ocorrências policiais, tornando-se impossível dar conta de todos os

procedimentos, mormente nos prazos estabelecidos pelo Código de Processo Penal.

Desta forma, a autoridade policial vê-se forçada, em determinadas

situações, a selecionar dentre os procedimentos, aqueles de maior gravidade, que

demandam mais atenção e celeridade. É uma decisão que se impõem, perante a

problemática atual. (BRUTTI, 2007, p. 22)

Assim, urge a necessidade de procedimentos processuais penais

mais adequados à realidade social, com a finalidade de punir aqueles delitos que

lesam efetivamente o bem jurídico, deixando-se de lado os fatos que, embora

amoldem-se formalmente ao tipo penal, são materialmente atípicos, totalmente

incapazes de abalar a segurança social. Trata-se de uma seleção necessária em

relação à urgência de determinados feitos e diante da grande demanda, que não é

mais suportada pelo aparato policial, tampouco pelo Poder Judiciário.

Esclarecemos aqui, que não se trata de arquivamento de inquéritos

policiais ou de quaisquer outros procedimentos instaurados nas Delegacias de

Polícia, pois, não concordamos com o que acontece nas Delegacias de Polícia Civil

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de São Paulo, onde, segundo Queiroz (1994, p. 390), apesar do artigo 17 do Código

de Processo Penal, proibir a autoridade policial de arquivar autos de inquérito

policial, os Delegados de Polícia vêm aplicando nos procedimentos policiais o

princípio da insignificância, como se fossem juízes de primeira e última instância,

através do que convencionaram, interna corporis, de autuações provisórias ou

sumárias, com a concordância dos membros do Ministério Público e da Magistratura.

Nesta esteira, anota Silva (2006, p. 145-146), que pertence ao

Ministério Público e não à autoridade policial a titularidade da ação penal, tampouco

não lhe pertence a função jurisdicional, para apreciação da aplicação da pena

criminal. Para o autor, nestes casos, acontece uma concretização administrativa

equivocada do princípio da insignificância, uma vez que o Delegado de Polícia não

tem atribuição para fazê-lo, pois o art. 17 CPP é claro ao vedar à autoridade policial

o arquivamento de inquérito policial.

Relativamente ao arquivamento do inquérito policial, Capez (2006,

p. 101-102) esclarece que tal ato pertence exclusivamente ao juiz, a requerimento

do Ministério Público, nos termos do artigo 28 do Código de Processo Penal, tendo

em vista ser este o titular da ação penal, de acordo com o disposto na Constituição

Federal de 1988, em seu artigo 129, I. Todavia, inexistindo justa causa para

instauração do referido caderno indiciário, deve a autoridade policial deixar de

instaurá-lo, mas uma vez feito, o arquivamento só pode ocorrer através de decisão

judicial, provocada pelo Parquet, sempre de forma fundamentada, em razão do

princípio da obrigatoriedade da ação penal, disposto no mencionado art. 28 do CPP.

As mesmas disposições referentes ao arquivamento se aplicam aos

outros procedimentos policiais a cargo da Polícia Judiciária, quais sejam, Termo

Circunstanciado, Boletim de Ocorrência Circunstanciado, Auto de Apreensão de

Adolescente e Auto de Investigação de Ato Infracional.

Contra o ato da autoridade policial que instaura inquérito ou outro

procedimento policial sem a devida justa causa, é cabível habeas corpus com o

objetivo de trancar a atividade persecutória do Estado.

Nucci (2007, p. 162) esclarece que o “inquérito é um mecanismo de

exercício de poder estatal, valendo-se de inúmeros instrumentos que certamente

podem constranger quem não mereça ser investigado”. Salienta o autor, que o

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indiciamento traz graves conseqüências, uma vez que faz anotar na folha de

antecedentes, de forma definitiva, a suspeita de ter o indivíduo cometido um delito.

No entanto, esclarece que investigar trata-se de atividade regular da polícia,

portanto, coíbe-se o abuso e não a atividade investigativa inerente à função policial,

quando fundada em justa causa.

Exemplificando a instauração de procedimento sem justa causa,

tem-se a abertura de inquérito policial por fato atípico, que não configura crime.

Nestes casos, tem-se claramente um constrangimento ilegal, passível da

trancamento por meio de habeas corpus.

Todavia, hipótese diferente do arquivamento pelo Delegado de

Polícia, vem ocorrendo nas Delegacias, face a problemática já abordada, de se levar

a efeito à totalidade das notícias crimes que chegam diariamente às órgãos policiais,

conforme relata Brutti (2007, p. 21):

De tempos em tempos, e esta tem sido a prática, ao atingir-se número considerável de feitos prescritos em um Distrito Policial, convenciona-se determinado acordo entre delegado de polícia e Promotor de Justiça locais e remetem-se citados cadernos apuratórios, em lotes, à apreciação do Parquet, a fim de que este requeira seu arquivamento ao Juízo competente. Incontáveis procedimentos, instaurados ou não, já prescritos, encontram esse destino em nossa Administração Pública.

Por todas as razões expostas, em prol da apuração de ilícitos

graves, que demandam complexa e demorada investigação, tais como, latrocínio,

homicídio, tráfico de drogas, seqüestro, estupro, tráfico de pessoas, dentre outros,

chamados de criminalidade violenta, bem como, em prol de delitos que, embora

desprovidos de violência física, lesam significante a coletividade, como o estelionato,

os crimes de colarinho branco e a corrupção em geral, propõe-se o que Brutti (2007,

p. 22-23) entende por “sistemática processual” extremamente simples e rápida, a ser

utilizada naqueles fatos que a autoridade policial vislumbra serem materialmente

atípicos, embora se amoldem formalmente à norma penal, como por exemplo,

lesões corporais insignificantes, cheques sem fundo de pequeno valor, pequenos

danos, calúnia, injúria e difamação que não chegam a afetar significativamente a

honra e a dignidade, descaminho cuja lesão tributária não atinja o valor mínimo para

a interposição de execução fiscal, furtos de pequena monta e todos os demais

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abrangidos pelo princípio da insignificância. Tal sistemática proposta pelo referido

autor, que é Delegado de Polícia Civil no Estado do Rio Grande do Sul, consiste em

remeter-se à apreciação do Parquet, tão-somente os registros de ocorrência, sem a

necessidade de instauração de procedimento, sendo que na hipótese de

discordância do critério seletivo adotado pela autoridade policial, restituiriam a

notícia-crime à Delegacia, para ser instaurado o competente procedimento.

Entendemos, no entanto, que além do registro da ocorrência,

devem ser remetidos os respectivos termo de apreensão e de entrega dos materiais,

com sucinta fundamentação da autoridade policial, a respeito da não instauração do

procedimento com fulcro no princípio da insignificância, tendo em vista que,

conforme verificado no início deste capítulo, o ato discricionário, para ser legítimo,

deve ser fundamentado. Entendemos ainda, que o arquivamento da notícia-crime

deve ser feito por decisão judicial, devendo o representante do Ministério Público

requerê-lo ao Magistrado, o qual, ciente de que a condenação por delitos

materialmente atípicos será fatalmente reformada em sede de recurso, conforme se

verificou pela jurisprudência dominante trazida no capítulo 1, fatalmente decidirá

pela não instauração de qualquer procedimento e, poderá vislumbrar maior

celeridade no trâmite dos processos de delitos penalmente relevantes.

No sentido entende Mirabete (2004, p. 119) que:

Com as cautelas necessárias, reconhecendo caber induvidosamente na hipótese examinada o princípio da insignificância, não deve o delegado instaurar o inquérito policial, o promotor de justiça oferecer denúncia, o juiz recebê-la ou, após a instrução, condenar o acusado. Há no caso exclusão da tipicidade do fato e, portanto, não há crime a ser apurado.

Trata-se da proposta aqui defendida, de notório benefício à

sociedade, visto que, a partir da celeridade policial e processual, poderá vislumbrar-

se maior possibilidade de justiça. Afinal, nos dizeres de Caon (2004, p. 16-17), “às

vezes, a justiça tarda e falha. E falha exatamente porque tarda [...]”

Desta forma, enquanto não vemos incluída na legislação brasileira,

alguma norma que conceda legitimidade à autoridade policial para, efetivamente

selecionar aquilo que não deve culminar em procedimento, baseada em seus

conhecimentos jurídicos e no contato direto com a realidade social, utilizando-se do

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poder discricionário conferido aos administradores públicos, deve-se utilizar a

sistemática aqui fundamentada, por significar verdadeiro respeito à sociedade, que

clama por justiça diante dos delitos de maior gravidade.

Neste sentido, trazemos a lição da Ministra do Supremo Tribunal

Federal, Carmem Lúcia Antunes Rocha, citada por Caon (2004, p. 17), “[...] não se

quer a justiça do amanhã. Quer-se a justiça hoje. Logo, a presteza da resposta

jurisdicional pleiteada contém-se no próprio conceito de garantia que a jurisdição

representa”.

Corroborando o exposto, assevera Brutti (2007, p. 23):

Dessarte, pela sistemática aqui defendida, dizer-se que se estaria valorizando o tempo da nossa Polícia Judiciária seria, a bem da verdade, uma afirmação inverídica. Estar-se-ia, isto sim, valorizando o ínfimo lapso temporal que a própria sociedade dispõe para a persecução dos casos graves, pois aquela só existe pela razão desta.

Assim, de forma tão simples e prática, vários procedimentos que

jamais acarretariam em qualquer tipo de condenação, face a ausência de tipicidade

material, deixariam de ser instaurados, trazendo benefícios à justiça penal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio da insignificância constitui-se em importantíssimo

instrumento de interpretação, face a imprecisão legislativa, que acaba por abarcar

condutas irrelevantes ao direito penal, sob o ponto de vista material, levando

aqueles operadores jurídicos que se atem à letra fria da lei, a cometerem graves

injustiças.

Da mesma forma, referido princípio contribui de forma eficaz para a

humanização do direito penal, descriminalizando condutas formalmente típicas, mas

que não oferecem qualquer risco ao bem jurídico tutelado. Assim, se coaduna com

os princípios da proporcionalidade e da dignidade humana, evitando que a pena seja

superior a conduta praticada.

Neste mesmo sentido, Lopes (2000), apresentando a sua obra

sobre o princípio da insignificância, o conceitua como sendo “a válvula de resgate da

legitimidade do Direito Penal, com o adensamento de seu significado axiológico

proporcional à qualidade de fatos que visa abstrata e concretamente reprimir.”

Conquanto não esteja previsto formalmente em nossa legislação, é

amplamente aceito pela doutrina e utilizado pelos tribunais brasileiros, conforme

pôde se verificar através da pesquisa jurisprudencial.

Todavia, encontrou-se em alguns julgados, forte tendência de

descaracterização do princípio da insignificância, quando analisado além da

estrutura interna do delito (tipicidade e antijuridicidade), condicionando a sua

aplicação às circunstâncias pessoais do agente, as quais devem ser levadas em

consideração tão-somente no momento da aplicação da pena, consoante o art. 59

do Código Penal.

A fixação dos limites do princípio da insignificância devem atender

ao desvalor da ação, ao desvalor do resultado e ao grau de lesividade ao bem

jurídico penalmente tutelado, portanto, devem se ater ao fato em si e não a pessoa

do agente.

Se assim utilizado, auxilia também na redefinição do sistema

punitivo, contribuindo para diminuir a seletividade do direito penal, visto que ameniza

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os efeitos dos antecedentes e da reincidência relativa aos indivíduos criminalizados

por condutas irrelevantes.

Portanto, conclui-se que deixar de fora do âmbito da persecução

penal a criminalidade de bagatela, estar-se-ia voltando o sistema punitivo para

aqueles delitos que, de acordo com Sica (2002, p. 53):

[...] se não ficam de fora, ficam mais distantes dos mecanismos penais. Contudo, afligem com gravidade a sociedade [...], cujas vítimas, em geral, são o Estado, a comunidade ou uma parcela desta, delitos que no mundo inteiro geram imensa preocupação por causa da alta lesividade.

Para atingir estes fins supra mencionados, deve o princípio da

insignificância ser utilizado por todos os operadores do direito penal, ou seja, por

delegados de polícia, promotores de justiça e juízes de direito, nos limites de suas

competências funcionais.

Assim, pode e deve o princípio da insignificância ser invocado

desde o início da persecução penal, pois, sendo a polícia judiciária, na maioria das

vezes, o primeiro órgão a tomar contato com o delito, estará agindo em confronto

com os princípios fundamentais, ao instaurar procedimentos por fatos atípicos

materialmente.

Ademais, por ter a polícia judiciária a importante missão de auxiliar

na manutenção e a garantia da paz social, estará desvirtuando-se de sua função, ao

se ater àquelas condutas que se relevam atípicas e sem importância para o direito

penal, por não são capazes de provocar qualquer abalo a ordem pública.

Por estas razões, apresentou-se nesta monografia uma proposta

simples e prática, sugerida por Brutti (2007, p. 22-23), a ser utilizada naqueles fatos

que a autoridade policial percebe serem materialmente atípicos, embora se amoldem

formalmente à norma penal.

Por fim, trazemos a conclusão de Sica (2002, p. 207), referente ao

direito penal de emergência, que se coaduna com todo o exposto:

[...] a relegitimação do sistema penal por meio de uma reforma humanista passa por uma redefinição dos fins perseguidos e pela escolha dos instrumentos mais apropriados para efetivá-los, sem

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abrir mão de valores e princípios sedimentados ao longo da lenta evolução do pensamento humano.

Assim, concluímos que a aplicação do princípio da insignificância é

um dos instrumentos a ser utilizado para o resgate da legitimação do direito penal.

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