a poesia de carlos drummond de andrade

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  • FACULDADE DE LETRAS

    UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    AAA PPPOOOEEESSSIIIAAA DDDEEE

    CCCAAARRRLLLOOOSSS DDDRRRUUUMMMMMMOOONNNDDD DDDEEE AAANNNDDDRRRAAADDDEEE

    EEEMMM MMMAAANNNUUUAAAIIISSS EEESSSCCCOOOLLLAAARRREEESSS

    DDDOOO EEENNNSSSIIINNNOOO MMMDDDIIIOOO NNNOOO BBBRRRAAASSSIIILLL

    Ana Carla Pereira Martins Conselho

    Coimbra, 2010

  • FACULDADE DE LETRAS

    UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    AAA PPPOOOEEESSSIIIAAA DDDEEE

    CCCAAARRRLLLOOOSSS DDDRRRUUUMMMMMMOOONNNDDD DDDEEE AAANNNDDDRRRAAADDDEEE

    EEEMMM MMMAAANNNUUUAAAIIISSS EEESSSCCCOOOLLLAAARRREEESSS DDDOOO EEENNNSSSIIINNNOOO

    MMMDDDIIIOOO NNNOOO BBBRRRAAASSSIIILLL

    Dissertao de Mestrado em Literatura de Lngua

    Portuguesa: Investigao e Ensino, apresentada

    Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,

    sob orientao da Professora Doutora Cristina

    Mello.

    Ana Carla Pereira Martins Conselho

    Coimbra, 2010

  • Ao casal amigo, Deolinda e Vasco Morgado.

    Ao meu marido, Robson Conselho.

    E aos meus filhos, Emerson e Thomas.

  • Agradecimentos

    Como cidad do Universo, agradeo vida a oportunidade de ter frequentado o

    Mestrado em Literatura de Lngua Portuguesa: Investigao e Ensino, na Faculdade de Letras

    da Universidade de Coimbra. Este curso facultou-me o acesso a conhecimentos sistematizados e

    respeitados no espao acadmico. Estes saberes conduziram-me ao encontro da poesia. Aps este

    momento de alumbramento potico, iniciei o percurso no mbito da investigao da poesia de

    Carlos Drummond de Andrade, o poeta do desconcerto da minha adolescncia. No transladar

    desse estudo, interroguei-me: por que razo o texto potico to marginalizado no Ensino

    Mdio? De que forma os manuais escolares apresentam a poesia deste autor? Qual a funo da

    poesia de Drummond na formao dos leitores? Existem alternativas para o trabalho didtico-

    pedaggico sobre os poemas drummondianos? Gradualmente, o corpo docente desse Mestrado

    mediou este processo de amadurecimento inquietante acerca destas questes, possibilitando

    assim a delimitao do corpus da presente Dissertao, que se configura como a primeira

    resposta s minhas indagaes referentes ao estudo do texto potico em manuais escolares. No

    instante de cerrar as portas deste estudo, retribuo com a minha gratido a todos aqueles que

    estiveram ao meu lado neste trabalho.

    Agradeo profundamente aos meus amigos, Maria Deolinda Morgado e Vasco

    Figueiredo Morgado, que, aqui em Portugal, representaram muito mais do que simples amigos,

    sendo na ntegra a minha famlia, a oportunidade e acolhimento dispensados em todos os

    momentos desta tragetria;

    A orientao cientfica da Doutora Cristina Mello, a quem agradeo o acompanha-

    mento, o apoio, a disponibilidade e estmulo constantes para a concretizao deste estudo;

    Ao coordenador do curso Doutor Jos Augusto Cardoso Bernardes os caminhos abertos,

    a estima e todo o auxlio nos diversos momentos;

    Fico grata aos Professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra por

    todos os saberes que adquiri e aos colegas de Mestrado o auxlio prestado a cada instante;

    A todos os meus familiares que, apesar da distncia, me ajudaram com incentivo e

    encorajamento nos momentos difceis, para que eu conseguisse finalizar este trabalho;

    Agradeo ao meu companheiro atencioso que, mesmo longe, esteve sempre presente,

    aos meus dois filhos que tantas vezes me disseram termine o curso e volte logo;

    A todos os professores que passaram pela minha vida e que deixaram os seus

    ensinamentos impregnados em mim;

    Assim, agradeo a todos, desde os funcionrios da universidade, aos amigos

    conquistados que me apoiaram, enfim, o meu muito obrigada a todos!

  • Resumo

    A leitura de um conjunto de manuais escolares de lngua portuguesa, adotados,

    atualmente, em escolas do Ensino Mdio, no Brasil, considerando o lugar do estudo da poesia, e

    mais especificamente o lugar do estudo do grande poeta Carlos Drummond de Andrade,

    possibilita-nos assegurar que a compilao da poesia de Drummond nesses manuais (associada a

    um conjunto de orientaes para o trabalho escolar) castradora da leitura e do estudo do texto

    potico neste ciclo do ensino.

    Os estudos sobre os manuais escolares tendem a desconsiderar a legitimidade deste

    recurso didtico no trabalho escolar, apesar de, em alguns casos pontuais, ponderarem a validade

    deste material didtico.

    Consideramos que o estudo do texto potico nos manuais ainda muito escasso, pelo

    que o mesmo continua a ser uma temtica pertinente na investigao no mbito da formao de

    professores de Portugus.

    Postas estas questes, admitimos que adequado um estudo alargado acerca da poesia

    de Carlos Drummond de Andrade, em manuais escolares de lngua portuguesa, incidindo sobre

    uma anlise: i) dos objetivos da sua leitura e estudo no Ensino Mdio; ii) do modo como o texto

    potico estudado na perspectiva destes recursos; iii) da forma como os professores podem

    dinamizar o estudo desse texto a partir das sugestes dos manuais.

    A articulao desta anlise tem por base alguns estudos que consideram, por um lado,

    componentes do texto literrio e, por outro lado, capacidades necessrias ao leitor no ato da

    leitura literria, de acordo com os modos literrios em que se enquadram.

    Neste sentido, apresentaremos diretrizes que esses estudos nos facultam para uma mais

    propcia e adequada escolarizao da poesia de Carlos Drummond de Andrade em manuais do

    Ensino Mdio.

    Como os pressupostos dos manuais escolares so limitativos do ponto de vista didtico-

    pedaggico, sugerimos algumas alternativas para que o estudo da potica deste autor seja

    repensado, com vista a uma leitura mais alargada e, portanto, mais pertinente para a formao

    dos alunos-leitores.

    Palavras-chave: Leitura/ Leitura na Escola/ Leitura nos Manuais, Texto Potico,

    Ensino Mdio, Manuais Escolares e Abordagem da Literatura.

  • Abstract

    The reading of a set of Portuguese language textbooks currently adopted in Brazilian

    Secondary Education, considering the place occupied by the study of poetry and, more

    specifically, the position taken by the poet Carlos Drummond de Andrade, enables us to claim

    that the compilation of Drummonds poetry in those textbooks (linked to a series of guidelines

    for school work) is emasculating the reading and the study of the poetic text in this cycle of

    education.

    Studies on textbooks tend to disregard the legitimacy of that didactic resource within

    school work, despite pondering the validity of this sort of material in some specific cases.

    We believe that the study of poetry in textbooks is still very scarce, so it remains a

    relevant thematic in what concerns investigation related to the training of Portuguese teachers.

    Faced with these issues, we admit that it is appropriate a broader study on Carlos

    Drummond de Andrades poetry in Portuguese language textbooks focusing on an analysis: i) of

    the goals of its reading and study in Secondary Education; ii) of the way the poetic text is studied

    from the perspective of these resources; iii) of how teachers can foster the study of that type of

    text from the suggestions presented in the textbooks.

    The articulation of this analysis is based on some studies that consider, on the one hand,

    the components of literary texts and, on the other hand, the necessary skills for the reader in the

    act of literary reading, according to the literary modes in which they fit.

    In this sense, we will present guidelines provided by these studies for a more suitable

    and appropriate schooling of Carlos Drummond de Andrades poetry in Secondary Education

    textbooks.

    As the assumptions of textbooks are limitative from the didactic and pedagogic point of

    view, we suggest some alternatives, so that the study of this authors poetic be rethought in order

    to reach a broader and therefore more relevant reading for the formation of student-readers.

    Keywords: Reading/ Reading at school/ Reading in textbooks, Poetic Text/Poetry,

    Secondary Education, Textbooks and Literature Approach.

  • Se procurar bem voc acaba encontrando.

    No a explicao (duvidosa) da vida,

    Mas a poesia (inexplicvel) da vida.

    Carlos Drummond de Andrade

  • ndice Geral

    INTRODUO10

    Captulo 1 O TEXTO POTICO: CONCEITOS TERICOS E ENSINO

    1.1. Uma conceptualizao do texto lrico.....................................................................................17 1.2. Finalidades da leitura do texto potico no Ensino Mdio, no Brasil, de acordo com

    orientaes curriculares da atualidade.....................................................................................24

    1.3. O texto potico em manuais escolares brasileiros de lngua portuguesa e de literatura para o Ensino Mdio..........................................................................................................................36

    1.3.1. Explicao prvia: dispositivos oficiais reguladores do uso do manual escolar...............36 1.3.2. Estratgias de leitura do texto lrico em manuais escolares...............................................39 1.3.2.1. Apresentao do corpus....................................................................................................39

    1.3.2.2. Dimenses consideradas...................................................................................................40

    1.4. Processos de leitura do modo lrico: componentes e capacidades..........................................42 1.4.1. Fatores de adeso leitura do texto lrico..........................................................................44 1.4.2. Fatores de resistncia leitura do texto lrico....................................................................49

    Captulo 2 ENQUADRAMENTO HISTRICO-LITERRIO DA POESIA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

    2.1. Histria literria do Modernismo Brasileiro...........................................................................53

    2.2. Vida e obra de Carlos Drummond de Andrade.......................................................................56

    2.2.1. A primeira fase.....................................................................................................................58

    2.2.2. A segunda fase.....................................................................................................................59

    2.2.3. A terceira fase......................................................................................................................60

    2.2.4. A ltima fase........................................................................................................................61

    2.3. Drummond: um mito tambm em Portugal............................................................................63

    2.4. O lugar do estudo da poesia de Drummond no Ensino Mdio...............................................65

    Captulo 3 A POESIA DE DRUMMOND NOS MANUAIS ESCOLARES DO ENSINO MDIO NO BRASIL

    3.1. Identificao dos dados observados nos manuais sobre a poesia de Drummond...................70

    3.2. O Drummond dos manuais.....................................................................................................71

    3.2.1. A estruturao textual dos manuais.....................................................................................72

    3.2.2. Enquadramento histrico-cultural da poesia drummondiana..............................................75

    3.2.3. As atividades propostas e o desenvolvimento das competncias........................................79

    3.2.4. Aspectos grficos e ilustraes nos manuais.....................................................................112

    3.3. Concluses desta anlise.......................................................................................................117

    CONCLUSO............................................................................................................................120

    BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................125

    ANEXOS

  • ndice dos Grficos

    Grfico A Grfico percentual dos manuais com textos poticos integrais e fragmentados....74 Grfico B Grfico das percentagens dos poemas (completos ou fragmentados) nos manuais assim configurados........................................................................................................................74 Grfico C Grfico dos textos explicativos sobre o contexto nos manuais.................................78 Grfico D Grfico percentual das atividades com os poemas nos manuais...............................79 Grfico E Grfico de todos os poemas dos manuais do corpus..................................................82 Grfico F Grfico percentual das parfrases nos manuais.........................................................84 Grfico G Grfico das percentagens das questes interpretativas sobre os temas nos manuais..89 Grfico H Grfico percentual dos manuais com enunciados sobre a retrica dos textos poticos..........................................................................................................................................94 Grfico I Grfico percentual dos manuais que abordam o aspecto lingustico nas atividades sobre os poemas.............................................................................................................................97 Grfico J Grfico percentual dos enunciados dos manuais que contemplam a dimenso imagtica dos poemas..................................................................................................................101 Grfico K Grfico de percentagens dos manuais que sugerem enunciados sobre os tipos de leituras..........................................................................................................................................102 Grfico L Grfico percentual dos manuais com questes sobre a interpretao pessoal.....105 Grfico M Grfico percentual dos manuais com enunciados sobre os debates........................106 Grfico N Grfico percentual das atividades sobre a intertextualidade nos manuais...............108 Grfico O Grfico de Percentagens das questes do ENEM e de Exames de Vestibular nos manuais........................................................................................................................................111

    ndice de Anexos

    Anexo 1- Quadros A I Descrio dos dados da pesquisa.........................................................II Anexo 2- Quadros J (A) e (B) Tipologia das imagens...............................................................XI Anexo 3- Quadros K (A) e (B) Tipologia dos textos...............................................................XIII Anexo 4- Quadro L Os poemas presentes nos manuais............................................................XV Anexo 5- Quadro M As fichas de leituras..............................................................................XVII

  • 10

    INTRODUO

    Esta abordagem nasceu da vontade de estudar, de forma mais alargada, a leitura do

    texto potico em contexto escolar, especificamente no Ensino Mdio no Brasil1 ou Secundrio

    em Portugal, atravs da anlise da poesia de Drummond em manuais escolares.

    A leitura do texto lrico constitui uma problemtica relevante nos nossos dias, j que o

    gosto e o tempo disponibilizado pelos alunos do Ensino Mdio para a leitura so praticamente

    insignificantes. Dessa forma, torna-se eficaz o estudo da problemtica acima referida, na busca

    de caminhos possveis no processo da leitura da poesia drummondiana, nessa etapa do ensino

    brasileiro.

    Importar, de acordo com a temtica dessa investigao, ver como os manuais

    configuram as atividades de leitura da poesia de Drummond, para que os discentes sejam

    envolvidos pela leitura da poesia e desenvolvam a sua competncia enquanto leitores. Assim,

    esta abordagem configura-se importante porque visvel a ampla dificuldade por parte dos

    alunos do Ensino Mdio em compreender e interpretar textos, segundo o resultado de uma

    pesquisa no ano de 2001 (INEP 2002)2, isso exige dos docentes de lngua e literatura portuguesas

    um trabalho constante para a formao de leitores. Torna-se imprescindvel que em contexto

    escolar, o trabalho incida sobre a leitura, para que os alunos desenvolvam essa competncia e

    possam concluir o Ensino Mdio sabendo interpretar e compreender textos. Nesse sentido, a

    escolha do manual escolar essencial, porque muitas vezes revela-se como o nico recurso no

    cenrio do sistema educativo brasileiro. Por isso, para escolher o manual de maneira crtica e

    ponderada, de suma importncia que os professores de portugus frequentem cursos de ps-

    1 Desde 1996, com a Lei n. 9394, de 20 de Dezembro de 1996, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional (LDB), o Ensino Mdio, no Brasil (antigamente designado segundo grau), que constitui a etapa do sistema

    de ensino equivalente ltima fase da educao bsica, tem por finalidade o aprofundamento dos conhecimentos

    adquiridos no Ensino Fundamental, bem como a formao do cidado para a vida social e para o mercado de

    trabalho, facultando as ferramentas necessrias ao ingresso do estudante no Ensino Superior. A LDB estabelece

    regulamentao especfica e uma composio curricular mnima obrigatria, porm, deixa cada um dos sistemas

    livres para construir os seus prprios curricula. No entanto, na maior parte dos sistemas de ensino, o Ensino Mdio

    composto pelo ensino de Portugus em conjunto com a Literatura Brasileira e Portuguesa; de uma lngua estrangeira

    moderna (tradicionalmente o Ingls ou o Francs e, mais recentemente, o Castelhano); das cincias naturais (Fsica,

    Qumica e Biologia); da Matemtica; das cincias humanas (Histria e Geografia primariamente, Sociologia,

    Psicologia e Filosofia, secundariamente); de Artes, de Informtica e de Educao Fsica. 2 As informaes sobre esta pesquisa foram publicadas pelo INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

    Educacionais Ansio Teixeira (2002), Geografia da Educao brasileira 2001, que apresenta os resultados dos exames avaliativos nacionais de todos os nveis do ensino brasileiro no ano de 2001. O Ensino Mdio foi avaliado

    atravs dos resultados do ENEM 2001 (Exame Nacional do Ensino Mdio, criado em 1998) nos diversos mbitos

    dos saberes. O ENEM consiste num exame individual, voluntrio, e tem como objetivo possibilitar uma referncia

    para a auto-avaliao dos estudantes do Ensino Mdio. O exame feito anualmente com uma prova interdisciplinar

    e contextualizada com 63 questes objetivas de mltipla escolha e uma redao, que avalia as competncias e

    habilidades gerais dos alunos que terminam ou terminaram o Ensino Mdio.

  • 11

    graduao especficos, nomeadamente, cursos que contemplem a problemtica da leitura nos

    manuais escolares.

    Observamos que, a Universidade de Coimbra, por exemplo, disponibiliza, todos os

    anos, cursos na rea da literatura portuguesa que contemplam as reas da investigao e do

    ensino, contribuindo para a formao de investigadores e docentes que atuam no Ensino

    Secundrio.

    Com efeito, as questes do ensino da leitura tm sido tema de inmeras investigaes,

    pesquisas e congressos3, que focam os seguintes temas: o ensino de metodologias de leitura

    (pragmtica da leitura; semitica textual) em contexto escolar; a leitura e a relao entre autor,

    texto, contexto e leitor; o professor de literatura e a formao de leitores; os programas e os

    manuais escolares e os modos como orientam a leitura; etc.. Alguns desses temas encontram-se

    expostos em diversas publicaes nas reas do ensino e da teoria da literatura, da histria

    literria, do ensino da leitura e das anlises dos manuais escolares que serviro de base ao

    presente estudo.

    *

    Esta investigao apoiar-se- em estudos sobre a problemtica da leitura da poesia em

    contexto escolar, particularmente, nos estudos que abrangem o ensino do texto potico e os

    manuais escolares. Nesse sentido, ponderaremos diversas questes, como: processos de leitura

    do texto potico; enquadradores discursivos, presentes nos manuais do nosso corpus que

    orientam a interpretao textual (questionrios, fichas de leitura, etc.); modos de estabelecer uma

    inter-relao entre as componentes do texto literrio e o desenvolvimento das capacidades dos

    leitores. Essas questes iro surgir na nossa dissertao, considerando tambm as orientaes dos

    documentos oficiais publicados pelo Ministrio da Educao, do Brasil, que, como j dissemos,

    estabelecem os parmetros curriculares para este ciclo de ensino, no que concerne rea de

    Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, em cujo mbito se encontram as orientaes para o

    ensino do Portugus, disciplina que no Brasil responde pelo nome de Lngua Portuguesa.

    Para analisarmos estes vetores, recorreremos aos estudos sobre a literatura, a leitura e,

    especificamente, sobre o texto potico, os quais sublinham a importncia deste tipo texto e

    esboam linhas orientadoras para um trabalho eficaz com o texto lrico na formao de alunos-

    leitores. Encontramos estes pressupostos nos estudos de: Candido (1996), Castro (1998), Ceia

    (2002), Dionsio e Castro (2005), Eco (1983), Giasson (1993), Gomes (2000 e 2006), Guedes

    3 Alguns desses contributos encontram-se em actas de eventos cientficos, como, por exemplo, as Jornadas

    Cientfico-Pedaggicas de Portugus, realizadas, periodicamente, na FLUC.

  • 12

    (2002), Jauss (1979), Kleiman (1995), Lajolo (2004), Mello (1998), Paiva (2005), Reis (1997),

    Silva (1973 e 1990), etc..

    Na dimenso dos estudos sobre os manuais escolares, examinaremos algumas obras que

    contemplam a anlise desses recursos didticos, a saber: Cabral (2005), Dionsio (2000), Grard

    (1998), Morgado (2004), Rangel (2005), Rodrigues (2000), entre outros.

    Com vista ao aprofundamento de todas essas dimenses e sendo vasto o universo

    bibliogrfico que consultmos, fizemos uma opo metodolgica, na medida em que

    considermos como vetores estruturadores do nosso estudo sobre a poesia de Drummond nos

    manuais escolares trs autores, com estudos basilares.

    Para a nossa fundamentao terica, ponderaremos particularmente o estudo de Jos

    Augusto Cardoso Bernardes (2010), que nos apresenta as componentes do texto literrio, a

    abordagem de Daniel Coste (1997), que defende o ensino da leitura pautado no desenvolvimento

    das capacidades do leitor, e a pesquisa de Maria de Lourdes da Trindade Dionsio (2000), que

    considera os enquadradores discursivos dos manuais escolares, uma vez que estes nos serviro

    de pilares tericos para esta anlise da poesia de Drummond nos manuais escolares do Ensino

    Mdio, no Brasil.

    Por conseguinte, com estes autores e com outros que citaremos ao longo deste trabalho,

    analisaremos os contributos dos manuais para a formao de alunos-leitores de Drummond, bem

    como do ensino da literatura por meio desse recurso para a concretizao da funo cvica e

    cultural da literatura no Ensino Mdio.

    *

    Deste modo, este trabalho tratar das questes referentes ao ensino da leitura do texto

    potico de Carlos Drummond de Andrade em manuais escolares do Ensino Mdio no Brasil,

    adotado em escolas da rede pblica e privada nas cidades de Juazeiro4, Santo Estvo

    5 e Feira de

    4 Juazeiro um municpio brasileiro do estado da Bahia, com uma rea de 6.390 km. Localizado na regio

    submdia da bacia do Rio So Francisco, na fronteira com o estado de Pernambuco, a cidade destaca-se pela

    agricultura irrigada que se estabeleceu na regio graas existncia de um caudal do Rio So Francisco. O seu nome

    teve origem nos ps de juazeiro, uma rvore tpica da regio. Segundo os dados estatsticos do IBGE/2008, possui

    uma populao de 240.627 habitantes, sendo assim a quarta maior cidade do estado. 5 Santo Estvo um municpio brasileiro do estado da Bahia. Localiza-se a uma latitude de 1225'49" sul e a uma

    longitude de 3915'05" oeste, estando a uma altitude de 242 metros acima do nvel do mar. Faz parte do Vale do

    Paraguau. Segundo dados de 2009, a sua populao de 44. 163 habitantes. Anualmente, tem vindo a revelar um impressionante crescimento da economia, devido instalao da fbrica de sapatos Dilly, em 2001, que injeta mais

    de 9 milhes de reais na economia local. Esta cidade situa-se nas imediaes da BR 116, na Microrregio de Feira

    de Santana, tem a topografia em forma de tabuleiros, tal como Feira de Santana, e um clima idntico ao do Agreste

    Baiano. Tem um bom comrcio e uma tima atividade agropecuria, com destaque para a maior produo de tabaco

    da Bahia, e de uma participao pouco significativa na indstria, atualmente, apenas com uma nica fbrica. Possui

    uma taxa de ocupao urbanstica superior a 50%.

  • 13

    Santana6 Bahia. Delimitamos como corpus um conjunto de nove manuais, sendo cinco de

    escolas pblicas e quatro de escolas particulares, publicados entre os anos de 2000 e 2007, na

    rea disciplinar de lngua e literatura portuguesas.

    Selecionaremos, como objeto de anlise, os captulos que trabalham com poemas de

    Drummond, para um estudo sobre as finalidades dessa tarefa escolar, a estruturao das fichas de

    leitura, os contedos contemplados, os tipos de atividades propostas no mbito da leitura e de

    trabalhos intertextuais. Nessa medida, conjugaremos o modo como a potica Drummondiana

    apresentada nos manuais escolares com as finalidades da leitura do texto lrico para a formao

    de leitores competentes no Ensino Mdio.

    Atravs dessa anlise, verificaremos se o trabalho escolar proposto pelos manuais no

    que se refere leitura da poesia de Drummond contribui para que sejam atingidos os objetivos

    estabelecidos pelos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (PCNEM7 e PCN+

    8)

    do Brasil, como a aquisio das competncias comunicativas e a formao de leitores ativos e

    crticos. Paralelamente aos PNCEM e PCN+, sero consideradas as Orientaes Curriculares

    para o Ensino Mdio (2006)9, um documento oficial que estabelece as bases curriculares dessa

    etapa do ensino brasileiro, por forma a que as escolas construam os seus Projetos Poltico-

    Pedaggicos (PPP) 10.

    Os PCNEM tm como finalidade instituir as diretrizes do ensino em todo o territrio

    brasileiro, estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), n. 9.394/96.

    Os PCNEM foram criados no ano 2000 e comeam a sua apresentao da seguinte forma: Este

    6 Feira de Santana um municpio brasileiro do estado da Bahia, situado a 107 km da sua capital, Salvador, qual

    se liga atravs da BR-324. Feira a segunda cidade mais populosa do estado e a maior cidade do interior nordestino.

    Segundo dados do IBGE/2009, a sua populao de 591.707 habitantes. A cidade encontra-se num dos principais

    entroncamentos de rodovias do Nordeste brasileiro. Possui, alm de um diversificado comrcio e indstrias de

    transformao, a conceituada Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), com 21 cursos, que faz de Feira

    uma cidade universitria, j que conta tambm, com sete Faculdades particulares. 7 BRASIL (2000), Parmetros Curriculares Nacionais: Ensino Mdio: Parte II - linguagens, cdigos e suas

    tecnologias, (PCNEM) Secretaria de Educao Fundamental-Braslia: MEC/SEF. Os Parmetros Curriculares

    Nacionais (PCN) so diretrizes elaboradas pelo Governo Federal que orientam a educao no Brasil e esto

    separados por disciplina e fases do ensino. Institudo pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB),

    n. 9.394/96. 8 BRASIL (2002), PCN+ Ensino Mdio: Orientaes Educacionais complementares aos Parmetros Curriculares

    Nacionais Linguagem, cdigos e suas tecnologias, Secretaria de Educao Mdia e Tecnolgica, Braslia: MEC/SEMTEC. Os PCN+ foram publicados posteriormente aos PCNEM (2000) com o objetivo de ampliarem as

    diretrizes estabelecidas pelo documento anterior. 9 BRASIL (2006), Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio, Vol. I,

    Braslia: MEC Secretaria de Educao Bsica. Este documento foi elaborado pela Secretaria de Educao Bsica, Ministrio da Educao e Cultura, com a finalidade de facilitar o dilogo entre os professores e a Escola sobre a

    prtica docente no Ensino Mdio, bem como contribuir para a elaborao do Projeto Poltico-Pedaggico (PPP) das

    escolas em todo o pais. 10

    Estes Projetos Poltico-Pedaggicos so elaborados por cada uma das escolas brasileiras para a estruturao dos

    respectivos curricula escolares, de acordo com as suas prprias caractersticas e com base nas diretrizes dos

    PCNEM e PCN+ e das Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio.

  • 14

    documento tem a finalidade de delimitar a rea de Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias,

    dentro da proposta para o Ensino Mdio, cuja directriz est registrada na Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional n. 9.394/96 e no Parecer do Conselho Nacional de

    Educao/Cmara de Educao Bsica n. 15/98. As diretrizes tm como referncia a perspectiva

    de criar uma escola mdia com identidade, que atenda s expectativas de formao escolar dos

    alunos para o mundo contemporneo. (Brasil, 2000:4).

    Assim, os PCN+ enquanto documento complementar, tambm partilham desses

    princpios estabelecidos pelos PCNEM e acrescentam que Entre seus objetivos centrais est o

    de facilitar a organizao do trabalho escolar na rea de Linguagens, Cdigos e suas

    Tecnologias. Para isso, explicita a articulao das competncias gerais que se deseja promover

    com os conhecimentos disciplinares e seus conceitos estruturantes e apresenta, ainda, um

    conjunto de sugestes de prticas educativas e de organizao dos currculos, coerentes com essa

    articulao. Alm de abrir um dilogo sobre o projeto pedaggico escolar e de apoiar o professor

    em seu trabalho nas disciplinas, o texto traz elementos para a continuidade da formao

    profissional docente na escola (Brasil, 2002:7). Nesse sentido, estes dois documentos mantm-

    se num dilogo constante e complementam-se no mbito das orientaes educacionais para o

    sistema de Ensino Mdio.

    Enquanto que os PCNEM e os PCN+ contm as diretrizes gerais, as Orientaes

    Curriculares delimitam os campos didticos especficos para o Ensino Mdio, considerando que:

    a poltica curricular deve ser entendida como expresso de uma poltica cultural, na medida em

    que seleciona contedos e prticas de uma dada cultura para serem trabalhados no interior da

    instituio escolar (Brasil, 2006:8). Assim, estes textos oficiais apontam orientaes didtico-

    pedaggicos para a organizao do ensino, principalmente, no trabalho de estruturao do

    curriculum para o Ensino Mdio.

    Para o efeito, alm destes documentos oficiais brasileiros, que nos serviro de linha de

    articulao, vamos considerar, como modelo de aplicao dessas diretrizes curriculares para o

    Ensino Mdio, trs Projetos Poltico-Pedaggicos de escolas do Ensino Mdio (PPP), das

    cidades de Juazeiro, Santo Estvo e Feira de Santana Bahia (cf. 23, 24 e 25). Esses projetos

    foram selecionados pelo fato de constiturem o documento escolar que define os contedos, as

    metodologias e as formas de avaliao das escolas brasileiras. Nesse caso particular, esses

    Projetos Poltico-Pedaggico (PPP) pertencem a trs escolas que adotaram manuais escolares do

    corpus em anlise.

    *

  • 15

    Com este conjunto de componentes tericas que apresentamos, pretendemos reunir as

    condies necessrias para estruturar critrios e proceder anlise dos nove manuais escolares

    do Ensino Mdio, adotados em escolas da Bahia Brasil, em particular, nas cidades de Juazeiro,

    Santo Estvo e Feira de Santana. Dando especial relevncia s opes estruturais dos manuais

    escolares no que se refere ao trabalho desenvolvido com a leitura do texto potico. Para esta

    anlise, elegemos a poesia de Carlos Drummond de Andrade, presente nesses manuais do Ensino

    Mdio e cujo perodo histrico literrio o da segunda fase do modernismo brasileiro.

    Nesse intuito, apresentaremos, em trs captulos, aspectos relevantes sobre essa

    temtica.

    No primeiro captulo O TEXTO POTICO: CONCEITOS TERICOS E

    ENSINO , abordaremos o texto potico na sua dimenso terica, considerando igualmente a

    sua dimenso de ensino. No primeiro ponto desse primeiro captulo, faremos uma

    conceptualizao do texto lrico, atravs da anlise dos termos: texto, texto literrio e potico,

    poema, poesia, lrico, lirismo, gneros poticos, criao potica, ato potico, linguagem potica,

    imagem, figuras de linguagem, poeticidade; no segundo ponto, abordaremos as finalidades da

    leitura do texto potico no Ensino Mdio do Brasil, de acordo com fontes oficiais da atualidade;

    no terceiro ponto, apresentaremos uma caracterizao da configurao do texto potico em atuais

    manuais escolares brasileiros de lngua portuguesa e de literatura, mediante uma explicao

    prvia sobre os dispositivos oficiais reguladores do uso do manual escolar, seguida, da exposio

    do corpus dessa investigao e das estratgias de leitura do referido texto nos manuais em

    anlise. Para terminar, exporemos os processos de leitura do texto lrico no mbito das

    facilidades e das dificuldades relacionadas com os problemas apresentados por parte dos alunos

    no processo de compreenso, interpretao e estudo textual.

    No segundo captulo da dissertao A POESIA DE CARLOS DRUMMOND DE

    ANDRADE , comearemos a focar o nosso objeto de estudo. Apresentaremos, no primeiro

    ponto, uma breve sntese da histria literria do modernismo brasileiro da segunda fase; no

    segundo ponto, faremos um enquadramento da poesia de Carlos Drummond de Andrade, no

    contexto da histria literria do modernismo brasileiro da segunda gerao, contemplando

    tambm elementos de carter biogrfico, a sua produo literria, e dando nfase s quatro fases

    da sua obra potica; no terceiro ponto, faremos uma breve reflexo sobre o lugar mtico de

    Drummond em Portugal; por ltimo, no quarto ponto, analisaremos o lugar do estudo da poesia

    drummondiana no Ensino Mdio. Esta parte do trabalho visar compreender a importncia da

    leitura de Drummond no processo de formao de leitores situados em contextos muito

    particulares. Para esta abordagem, consideraremos as bases pedaggicas estabelecidas pelos trs

  • 16

    Projetos Poltico-Pedaggicos escolhidos, os quais observam as diretrizes das fontes oficiais do

    sistema educativo mdio brasileiro.

    No terceiro captulo, onde dedicaremos um maior espao anlise do nosso corpus A

    POESIA DE DRUMMOND NOS MANUAIS ESCOLARES DO ENSINO MDIO NO

    BRASIL , trabalharemos com nove manuais escolares do Ensino Mdio, expondo e analisando

    os dados observados na poesia de Drummond contidos nesses livros. No primeiro momento

    desta abordagem, procederemos identificao dos dados observados nos manuais sobre a

    poesia de Drummond; no segundo momento, iremos deter-nos na apreciao de componentes

    que configuram o ensino da poesia de Drummond atravs desses manuais. A primeira dimenso

    a ser considerada a estruturao textual dos manuais no que poesia drummondiana se refere;

    a segunda dimenso que analisaremos o enquadramento histrico-cultural da poesia

    drummondiana, configurada pelos manuais do nosso corpus; a ltima dimenso (a mais extensa,

    neste momento de anlise) incidir na problematizao das orientaes/atividades de ensino

    sobre os poemas compilados. Sempre que julgarmos pertinente, apresentaremos sugestes de

    propostas alternativas para o trabalho a desenvolver com a poesia de Drummond no contexto

    escolar do Ensino Mdio. Estruturaremos esta anlise (no segundo momento do terceiro captulo,

    como temos vindo a referir) atravs de exemplos e comentrios das atividades que contribuem

    para um profcuo estudo da poesia de Drummond ou reduzem a sua leitura a aspectos muito

    genricos. Para esta anlise, teremos em conta dimenses fundamentais da leitura do texto

    potico, necessrio ao desenvolvimento de competncias para a formao de alunos-leitores. As

    nossas sugestes de alteraes de propostas de orientaes/atividades dos manuais tm como

    modesto objetivo contribuir para um melhor desenvolvimento das competncias dos alunos, de

    acordo com alguns estudiosos cujos contributos privilegiamos no desenvolvimento desta anlise

    crtica.

    Para terminar, no poderemos deixar de referir que no temos a pretenso de esgotar a

    anlise dos modos de configurao da poesia de Drummond em manuais escolares, mas apenas

    esperamos poder fazer uma reflexo didtico-pedaggica sobre a leitura que os manuais

    propem, mostrando aquilo que produtivo e benfico para a formao de leitores e, em

    especial, para o conhecimento da poesia de Drummond, sobretudo aquilo que possvel de ser

    objeto de reviso.

  • 17

    Captulo 1 O TEXTO POTICO: CONCEITOS TERICOS E ENSINO

    1.1. Uma conceptualizao do texto lrico

    Nos muitos estudos de teoria da literatura, facilmente encontramos diversas concepes

    sobre textos literrios, incidindo nos modos narrativo, dramtico e lrico. Centrar-nos-emos nas

    definies que circundam o texto potico, contidas em estudos mais recentes, pois existem

    muitas concepes sobre esse tipo de texto e a bibliografia incomensurvel. Nessa abordagem,

    tentaremos definir um conjunto de noes sobre: texto, texto literrio e potico, poema, poesia,

    lrico, criao potica, ato potico, gneros poticos, lirismo, linguagem potica, imagem, figuras

    de linguagem, poeticidade.

    Pensamos ser importante, primeiramente, lembrar que a anlise ou estudo do texto

    literrio e potico uma prerrogativa dos docentes das Lnguas e, neste nosso contexto, os da

    rea de Lngua Portuguesa. Dessa forma, antes de apresentarmos as concepes que

    consideramos pertinentes para o trabalho com o texto potico, frisamos que os educadores de

    outras reas, quando recorrem ao texto literrio ou potico11

    , geralmente querem aprofundar um

    determinado requisito, ou introduzir, ou concluir uma discusso temtica. No entanto, os

    professores de Lngua Portuguesa abordam o texto literrio e potico de uma maneira particular,

    ou seja, o texto consiste na sua matria-prima. E isso porque o texto fala, tanto pela expresso,

    como pelo contedo, particularmente no caso do texto potico, pois o poeta recria o mundo

    atravs das palavras. Por conseguinte, quando lemos um poema em que o que se diz to

    importante quanto o como se diz, torna-se necessrio conhecer os mltiplos recursos da

    linguagem: o uso figurado das palavras, o ritmo e a sonoridade, as sequncias por oposio ou

    simetria, as repeties expressivas de palavras ou de sons. Nesse sentido, relevante, em

    contexto escolar, que o professor a par do manual adotado, antes de qualquer trabalho, conduza

    os estudantes ao encontro das concepes bsicas dessa nomenclatura que envolve o texto

    potico.

    Uma vez que, nesta anlise, iremos abordar um gnero literrio que o modo lrico

    atravs do texto potico, vale a pena lembrar que a palavra texto um termo derivado do latim

    textus, que significa tecido, por isso se diz que o texto o entrelaar de palavras e frases.

    Porm, esta uma viso muito simplista face ao que representa o conceito de texto. Assim

    sendo, os estudos desenvolvidos a partir do sculo XX trouxeram uma definio apropriada ao

    texto, nomeadamente em que o considera como um processo sistemtico formado por palavras e

    11

    Estes textos podem estar configurados em letras de canes, poemas ou trechos de romances, contos, peas

    teatrais, drama, tragdias, etc..

  • 18

    frases que produzem sentidos, atravs da manifestao e realizao do sistema lingustico, ou

    seja, equivale a todo e qualquer processo discursivo12

    . Dessa forma, existem diversos tipos de

    textos, mas, neste trabalho, limitar-nos-emos a distinguir dois: o texto cientfico e o literrio.

    Assim, no texto cientfico empregam-se as palavras no seu sentido predominantemente

    denotativo, enquanto que, no texto literrio, se procura empregar as palavras com autonomia,

    com um sentido conotativo, figurado, de forma inovadora. Por conseguinte, o texto literrio

    aquele que pretende comover, razo pela qual, a lngua usada com uma grande liberdade

    expressiva, em que se tira proveito do sentido metafrico das palavras13

    .

    Nesse mbito, o texto potico consiste num tipo de texto que expressa o sentimento e o

    mundo subjetivo do poeta, apresentado muitas vezes em forma de versos, que fazem cantar a

    alma e os sentidos. Assim, este texto encerra trs propriedades distintas: a interiorizao, a

    subjetividade e a motivao. Segundo Reis (1997:311-314), estas propriedades so notveis nas

    mais diversas construes lricas; no entanto, as definies que circundam o texto potico so,

    por vezes, contraditrias ou alteradas com o tempo.

    Historicamente, a concepo de poesia sofreu muitas alteraes. Segundo Silva

    (1973:141-145), no princpio das produes literrias, desde as obras de Plato e de Aristteles, a

    poesia foi concebida como a imitao da natureza. O que o poeta fazia era uma mera imitao

    das coisas e dos seres existentes. Este conceito sobreviveu at segunda metade do sculo

    XVIII, quando o crtico Wordsworth define a poesia como o transbordar espontneo de

    sentimentos poderosos14 e, por isso, no pode ser entendida j como uma imitao, pois surge

    no interior do poeta carregada de um sabor nico. luz dessa dimenso esttica, a poesia afasta-

    se da imitao, exceto nos momentos em que reproduz os sons e movimentos da natureza.

    A etimologia do termo poesia advm do grego poesis e do latim, poese, que significam

    arte de escrever em verso. Esta concepo, atualmente, encontra-se um pouco ultrapassada, de

    acordo com as mltiplas formas poticas, pelo que este termo pode ser entendido de maneira

    mais ampla, num sentido mais fludo de texto potico. Nos estudos literrios, a poesia adquire

    um significado prprio, sendo entendida como a parte melodiosa e etrea do poema, pois a

    poesia pode estar presente nas diversas obras literrias e no somente no texto potico. Assim a

    concepo de poesia passou por diversas alteraes at ser compreendida como fruto de

    inspirao, produto da imaginao. Como refere Silva (1973:147), citando Novalis, a poesia o

    12

    Este conceito foi defendido pelos estudiosos do Crculo Lingustico de Copenhague, fundado em 1931, como

    expe Silva (1990) p. 185. 13

    Estas concepes esto presentes nas obras de Silva (1973 e 1990) e Reis (1997). 14

    As referidas concepes so abordadas por Silva (1973), pp. 141-150 (cf. especificamente p. 146).

  • 19

    autntico real absoluto. Isso significa que a poesia sempre uma obra indita, na medida em

    que o poeta ou artista, no momento da criao, experimenta o seu desabrochar.

    Assim, tambm a concepo etimolgica da palavra poema advm do grego poema, e

    do latim poema, que significa qualquer obra em verso, assunto ou coisa digna de ser cantada em

    verso. Este sentido de verso cantado foi constitudo na Idade Mdia, quando a literatura era

    produzida em versos cantados e os trovadores cantavam os seus versos e composies atravs

    das apresentaes dos jograis. Com o transcorrer do tempo, o poema tomou a forma de texto,

    separando-se da msica; da surgiu o conceito metafrico segundo o qual os poemas cantam,

    porm, com a forma definida atravs do texto. Posteriormente, Cohen (1987:123) admite que

    este conceito consiste numa metfora perigosa, porque se restringe ao significante sonoro.

    Neste sentido, este autor cria uma nova concepo que evidencia o significado das palavras,

    quando considera que a poesia o canto do significado, uma vez que o sentido do poema atua

    como uma melodiosa msica ao encontro do leitor, fazendo surgir, atravs da sua leitura, os seus

    mltiplos sentidos.

    Durante muito tempo, s eram aceites como poesia os poemas compostos com rima e

    ritmo e obedeciam rigorosamente s regras da mtrica. Somente no sculo XX, com a

    modernidade, que passamos a conhecer os poemas em versos livres, quando o poeta passou a

    escrever poemas sem obedecer mtrica. O que diferencia o texto potico dos outros tipos de

    textos so as suas caractersticas e formas prprias, compostas por musicalidade, criatividade,

    modo esttico, rima, ritmo e uma grande carga de subjetividade. Por isso, Cohen (1987:123)

    considera que, nos poemas, as palavras parecem animadas por uma espcie de vibrato

    interior, ou seja, este conjunto de elementos poticos forma um todo significante. Assim, o

    poema a forma textual concreta (na escrita), sendo considerado como a parte material da

    poesia.

    Nessa medida, outra concepo a do termo lrico, tambm muito ampla e, por vezes,

    contraditria, que surgiu do latim lyricu relativo a lira (um instrumento musical). Entre os

    antigos, este instrumento era utilizado no acompanhamento da poesia e dos versos cantados;

    assim, surge a designao de poesia e versos lricos, que conduziu concepo de poesia lrica

    como aquela que exprime o que se sente, ou seja, os sentimentos do prprio poeta, o qual se

    apresenta de forma subjetiva no seio do contedo potico.

    Posteriormente, os estudos de Cohen (1987:123) ampliaram este conceito ao sublinhar,

    que a poesia pode ser lrica, no porque ela exprima o eu, mas porque ela faz cantar o

    sentido, ou seja, esta poesia no constituda somente pelos sons das rimas e pelo ritmo, mas

    por todo o jogo significativo que a forma. Acrescenta ainda que as palavras so animadas,

  • 20

    agem, impem-nos a sua maneira de ser, quer dizer, expressam-se com autonomia. Por

    conseguinte, a concepo de lrico adquire uma nova roupagem lingustica, passa a ter um

    sentido com duas vertentes conceptuais, primeiro, do eu-potico, isto , de quem canta,

    segundo, do sentido ou significado do que se canta.

    Com algumas equivalncias, Reis (1997:306)15

    apresenta-nos uma concepo da

    criao potica como um processo complexo e multifacetado, que consiste num produto

    resultante da inspirao potica. Assim, este processo d origem poesia lrica, a qual com

    todas as suas faces e ante-faces, esto contidos os sentimentos do poeta e o seu sentido. Dessa

    forma, o lrico remete para toda a obra potica que evidencia uma subjetividade, emotividade e

    criatividade do eu lrico e expressa uma atemporalidade, na qual se pode ler uma poesia lrica e

    no se perceber em que poca foi produzida, mas o seu significado continua a agir dentro do

    leitor com a mesma frescura de quando saiu das mos do poeta.

    Assim, a criao potica est relacionada com o ato potico, que consiste na

    ao/atitude do poeta no momento da inspirao/criao potica. Desta forma, no ato potico, o

    artista cria imagens para narrar o que vive e o que vivido pela sua comunidade, traduzindo a

    sua prpria maneira de viver e ver o mundo e a do seu grupo, porque a imagem o que torna

    possvel a identidade enquanto expresso lrica, sendo, simultaneamente, o dizer potico. O ato

    potico marcado pela emoo da escrita, na qual se vivencia integralmente a intensidade de um

    momento sublime e mgico, onde o poeta cria, compe, constri, inventa e reinventa a

    linguagem. Assim, os poemas trazem palavras meigas, revolucionrias, amorosas, slidas,

    distantes, que se arrebatam numa gentil extraordinria cumplicidade. Por isso, o ato potico

    define-se pela liberdade e pela rebeldia apresentadas pelo poeta perante os modelos da realidade

    em que vive e da qual se mostra altamente soberano.

    No que se refere aos gneros especficos da poesia, estes permitem uma classificao

    dos poemas conforme as suas caractersticas, a considerar, temos os poemas picos, lricos ou

    dramticos. O poema pico , comummente, narrativo, de longa extenso, grandiloquente, como

    subgnero dessa forma potica destacando-se a epopeia. Em contrapartida, o poema lrico pode

    ser muito curto, podendo querer apenas retratar um momento, um instante da vida ou emocional,

    constituindo, assim, a expresso de um sentimento. Geralmente, organiza-se em versos,

    caracterizados pela escolha precisa das palavras em funo dos seus valores semnticos16

    e

    sonoros. Os seus subgneros so: o soneto, a ode, a elegia, o madrigal, as endechas, as cantigas,

    15

    Na referida obra, Reis, ao conceptualizar a criao potica, faz uma descrio sobre os efeitos produzidos no

    poema lrico. 16

    Estes valores podem ser denotativos e, especialmente, conotativos, pois a poesia utiliza frequentemente o sentido

    figurativo das palavras.

  • 21

    os epigramas, etc.. No poema dramtico, a histria contada atravs das falas das personagens.

    As peas de teatro escritas em verso constituem uma forma de poesia dramtica, fazem parte dos

    seus subgneros: a tragdia, a comdia e o drama.

    O lirismo, que se confunde muito com o lrico, outro conceito importante, pela sua

    proximidade semntica, a qual, isoladamente, constitui o carter de uma obra, cujo estilo se

    aproxima do estilo lrico, ou a inspirao e entusiasmo do poeta lrico. De acordo com esses

    parmetros, os estudos literrios e a teoria da literatura17

    tambm se norteiam por tais conceitos

    para caracterizar as obras que refletem a inspirao do eu lrico e o intrnseco significado

    potico, enquanto obra lrica, pois, diz-nos Cohen (1987:123), toda a poesia lirismo e as duas

    palavras acabam por confundir o seu sentido. Assim sendo, no que diz respeito produo lrica

    em lngua portuguesa, a histria literria portuguesa demarca o incio da produo lrica em

    Portugal, no perodo medieval, quando, os trovadores, atravs dos poemas cantados e das

    apresentaes dos jograis, deram origem ao conjunto de textos lricos medievais que

    conhecemos. A partir de ento, essa nova forma de cantar sentimentos poticos faz surgir a ideia

    de lirismo, para designar criaes poticas que contm caractersticas lricas.

    O mesmo acontece com a expresso linguagem potica, que difere radicalmente dos

    outros modos de produo da lngua, na medida em que uma linguagem livre na sua

    constituio e valoriza o requinte da prpria lngua. Por outro lado, na linguagem potica,

    verificamos construes lingusticas que apenas so possveis dentro do poema, porque, fora

    desse texto, tais expresses so apenas termos lingusticos passveis de oposio. Como admite

    Cohen (1987:113), a linguagem potica destri a estrutura opositiva na qual opera o

    semantismo da lngua, por isso, as palavras ganham mltiplas possibilidades de sentido dentro

    do texto potico. Essa vasta possibilidade de interpretao da linguagem potica faz com que

    seja considerada uma forma da lngua inesgotvel e transcendente. Considerada tambm como

    uma linguagem de sentidos totalitrios, uma vez que a poesia detm as ligaes de sentido na

    prpria estrutura interna do poema, ento, a linguagem potica torna-se rica e permite infinitas

    leituras e inumerveis interpretaes.

    Dentro dessas inumerveis formas de expresso da linguagem, encontramos as formas

    imagticas presentes nos poemas. Nesse sentido, a concepo de imagem importante para a

    poesia, como lembra Octvio Paz (1983:22), que define imagem como sendo tudo aquilo que se

    diz ou dito pela criao artstica. Uma obra de arte composta de imagens e, ao mesmo tempo,

    17

    A conceptualizao do lirismo encontra-se bem exposta no Dicionrio de literatura portuguesa, literatura

    brasileira, literatura galega, estilstica literria (1984) e na obra Teoria da Literatura (1973), nas quais surgem

    referncias sobre o lirismo.

  • 22

    compe uma imagem. A palavra, o som, o gesto e a cor so convertidos em imagem pela poesia.

    (...) son tambin como puentes que nos llevan a otra orilla, puertas que se abren a otro mundo

    de significados indecibles por el mero lenguaje. Ser ambivalente, la palabra potica es

    plenamente lo que es ritmo, color, significado y asimismo, es otra cosa: imagen. Assim, a

    definio etimolgica de imagem configura-se dentro dos conceitos de metfora, comparao,

    alegoria e smbolo, como tambm, em muitas figuras de pensamento que utilizam esta

    capacidade figurativa na produo de imagens. Por conseguinte, no campo literrio as imagens

    podem ser designadas pelas expresses: imagem metafrica ou imagem simblica, na medida em

    que uma imagem pode ser construda no sentido de metfora ou, simplesmente, no mbito dos

    smbolos. No possvel substituir os elementos da imagem sem alterar irremediavelmente o seu

    significado. Na palavra, o sentido distancia-se daquilo que designamos. J, atravs da imagem

    potica, segundo Paz (1983:14), forma y substancia son lo mismo, ou seja, com a imagem no

    possvel realizar qualquer tipo de alterao das palavras no poema. Por isso, na poesia, este

    recurso de expresso to utilizado pelos poetas para construrem efeitos singulares com o texto

    potico. Ento, podemos dizer que a imaginao potica consiste tambm numa forma de auto-

    anlise, que pode ser constituda como um espao criativo da conscincia, ou como um lugar

    dinmico, onde o poeta guarda e arruma tudo aquilo que o seu dedo artstico consegue alcanar

    imageticamente.

    Por outro lado, para a construo da linguagem potica, necessrio utilizar alguns

    recursos lingusticos, pelo que os poetas recorrem s figuras de linguagem com o objetivo de

    conferir maior expressividade mensagem e realar a beleza do ato comunicativo. Tais recursos

    so denominados tambm por figuras de estilo ou linguagem retrica, possuindo um valor

    conotativo, ou seja, uma linguagem que difere do sentido denotativo, prescrito no dicionrio18

    .

    Desta forma, o poeta institui um jogo de palavras onde aposta no emprego de acrscimos,

    supresso, repetio de termos, comparaes, metforas, etc.. Todos estes recursos so utilizados

    de maneira intencional para atingir os fins pretendidos pelo poeta. Por isso, a linguagem potica

    est reconhecida como uma forma da lngua to autnoma e indita, na medida em que cada

    poema possui uma estrutura e uma forma prprias de enunciar sentidos.

    H um outro termo, estudado por Cohen (1987:114), a que daremos ateno no elenco

    dessas concepes: refiro-me poeticidade. A sua teoria baseia-se num postulado a

    poeticidade dum poema o produto do seu sentido , na medida em que a poesia se concretiza

    na linguagem potica e, portanto, tem um significado prprio. Contudo, o autor chama a ateno

    18

    Os estudos de Silva (1973 e 1990), Reis (1997), como tambm de Candido (1996) trazem referncias sobre as

    figuras de linguagem utilizadas pelos poetas.

  • 23

    para no se cair no absurdo da traduo dos significantes do poema, isto porque a linguagem

    potica inteligvel e intraduzvel, considerada como uma potncia da lngua. Nesse

    mbito, a poeticidade constitui o conjunto de significados criados em todo o poema e

    apresenta-se de maneira nica em cada estrutura potica.

    Terminaremos com este conceito de poeticidade que considera as diversas

    possibilidades da lngua criadas pelo texto potico. E Cohen (1987:156), na construo dessa

    teoria, considera que o poema descreve sempre uma experincia vivida, atravs da sua

    linguagem prpria, tal como a poesia no do domnio do fictivo e nada deve ao imaginrio.

    Por isso, a poesia o cantar intraduzvel das palavras, capaz de expressar uma viso do mundo

    irreal que existe no mundo da realidade.

    Nesse sentido, o texto lrico encerra uma subjetividade que dificulta o entendimento,

    primeira vista, dos sentidos contidos num poema. Assim, enquanto estrutura textual torna-se

    tambm difcil delimitar os conceitos relativos a esse tipo de texto. No decorrer da histria

    literria percebemos que as formas e as estruturas poticas esto sempre a renovar-se e, nessa

    medida, ampliam-se tambm as concepes sobre o texto lrico. Desse modo, poderamos falar

    ainda dos inumerveis estudos que evocam essas concepes sobre o texto lrico, no entanto,

    consideramos que estas j suprem as necessidades trazidas por esse trabalho acerca da poesia nos

    manuais escolares.

    Assim, em contexto escolar, ao abordar estes contedos conceptuais, coloca-se perante

    os alunos os recursos necessrios para que leiam aquilo de que os autores se servem para

    produzir os textos poticos, mostrando-lhes um caminho seguro para que aprendam a criar

    hipteses interpretativas, partindo do reconhecimento dos recursos e das concepes da

    linguagem potica presentes no texto. Nas orientaes apresentadas por alguns programas

    escolares brasileiros de lngua portuguesa (PCN+, por exemplo) estas diretrizes so bem

    explcitas, quando se afirma que O conceito o elemento estrutural do pensamento. Por meio

    dos conceitos promove-se a construo dos significados do mundo concreto, circundante,

    sensorial. Por meio deles, agrupamos categorias da realidade19. Assim, postula-se a

    conceptualizao como o princpio para uma didtica do Ensino Mdio, que trabalha por meio da

    linguagem verbal e no-verbal os mecanismos da expresso e compreenso tanto oral como

    escrita. Com efeito, por meio de nomeaes, descries e concepes que consolidamos

    conhecimentos e podemos agir sobre os diferentes sentidos dos textos. Por essa razo,

    verificamos tambm que os conceitos citados neste captulo so to referidos em diversas obras e

    19

    Cf. nota 27, PCN+ (2002), p. 33.

  • 24

    manuais que abordam o estudo da poesia. De igual modo, consideramos importante descrever a

    origem etimolgica e apresentar conceitos tericos sobre o texto potico.

    1.2. Finalidades da leitura do texto potico no Ensino Mdio, no Brasil, de acordo

    com orientaes curriculares da atualidade

    Aps as consideraes sobre as concepes do texto potico, analisaremos a presena

    desse tipo de texto no Ensino Mdio do Brasil, na medida em que a poesia tem algumas funes

    essenciais: de arte literria que se manifesta atravs da lngua, de possibilitar o distanciamento

    crtico da realidade, de desenvolver a personalidade, de ampliar o entendimento e a experincia

    de mundo, de cumprir uma funo simblica e de criar novas linguagens. Neste sentido, a funo

    do texto potico inquestionvel, porque constri, de forma nica, a sua linguagem potica,

    como refere, Silva (1973:138)20, a respeito da obra literria, necessrio admitir, por

    conseguinte, que a obra literria, dentro da sua especificidade, pode desempenhar mltiplas

    funes. O prprio Roman Jakobson observa que, se em qualquer obra literria a funo potica

    da linguagem a funo nuclear, nem por isso as outras funes da linguagem, nas suas

    dimenses de informao, de apelo, de expresso, etc., deixam de estar compresentes. Dentro

    dessa viso ampla da especificidade da obra literria, procuraremos analisar os principais

    objetivos do estudo da poesia no Ensino Mdio, com base nos documentos oficiais: PCNEM,

    PCN+, Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio e suas relaes com os Projetos Poltico-

    Pedaggicos de trs escolas, que estabelecem as diretrizes do ensino brasileiro. Na sequncia

    dessa anlise, procuraremos demonstrar como as orientaes do estudo da poesia no Ensino

    Mdio no Brasil, imagem de um discurso oficial, levam ou no em conta estudos sobre o

    ensino da poesia desenvolvidos por Guedes (2002)21

    , Gomes (2000 e 2006)22

    , Coelho (1944),

    Candido (1996), Bastos (1997), entre outros.

    Por isso, interrogamo-nos: para que se estuda a poesia no Ensino Mdio? Quais as

    finalidades especficas desse estudo? Que funes so atribudas ao texto potico? Existem

    inmeros caminhos para encontrarmos respostas para estas perguntas. No entanto, no intuito de

    solidificar os argumentos relacionados com o valor do estudo do poema no Ensino Mdio,

    apresentaremos uma descrio, seguida de uma anlise terica das diretrizes fundamentais para o

    estudo da poesia neste ciclo de ensino, estabelecidas por aqueles documentos oficiais.

    20

    Este autor reflete sobre a funo da literatura, no cap. 2 Funes da literatura, da obra Teoria da Literatura. 21

    Utilizaremos duas obras dessa autora: (2002), Ensinar a poesia, assim como, (2002), Poetas difceis? Um mito. 22

    Selecionmos tambm duas obras desse autor: (2006), Avanos, recuos: Leituras de prosa e poesia em portugus,

    e tambm, (2000), Da nascente voz: contributos para uma pedagogia da leitura.

  • 25

    Nessa descrio dos documentos, comearemos por considerar a estruturao do

    sistema educativo brasileiro organizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    LDB (n. 9.394, de 20 de Dezembro, de 1996), que estabelece as diretrizes bsicas da

    educao23

    . Conforme esses princpios definidos pela LDB, o Ministrio da Educao (MEC)

    elaborou, juntamente com educadores de todo o Brasil, o perfil dos curricula escolares. O MEC

    procurou atribuir um novo significado ao conhecimento escolar, evitando a

    compartimentalizao existente no ensino por meio da contextualizao e da

    interdisciplinaridade, de modo a incentivar o raciocnio e a capacidade de aprendizagem.

    No mbito do Ensino Mdio, a partir dessa lei as finalidades educativas foram

    organizadas pelos PCNEM (2000), o que foi posteriormente melhorado pelos PCN+ (2002), que,

    recentemente, deram origem s Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (2006). Estes

    documentos foram elaborados para atender, de forma geral, a todo o sistema de ensino do pas.

    Todos visam ajudar as escolas, diretores e docentes na construo do Projeto Poltico-

    Pedaggico (PPP), responsvel por estabelecer os curricula de cada instituio escolar

    brasileira, atravs dos respectivos: objetivos, contedos, metodologias, recursos e avaliaes. Por

    isso, descreveremos as finalidades do ensino da poesia, partindo dos princpios estabelecidos

    pela LDB, at chegarmos aos demais documentos.

    Para o Ensino Mdio, a LDB prope a formao geral, em oposio formao

    especfica defendendo que o desenvolvimento da capacidade de pesquisar, de procurar

    informaes de analis-las e selecion-las e a capacidade de aprender, de criar e formular,

    desvalorizam o simples exerccio de memorizao. As quatro premissas apontadas pela Unesco

    como eixos estruturais da educao na sociedade contempornea so incorporadas como

    diretrizes gerais e orientadoras da proposta curricular24

    . Assim, o inciso III do artigo 35 da LDB,

    23 O sistema educativo brasileiro est estruturado e dividido entre a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios. A sua organizao descrita no ttulo IV da Lei Diretrizes e Bases da Educao (LDB), desde o artigo

    8. at ao 20., onde so desenvolvidas as respectivas incumbncias. O sistema educativo encontra-se legislado nesta

    lei, mas devido extenso territorial do pas, Estados, Distrito e Municpios possuem a liberdade para organizar,

    manter e desenvolver os rgos e instituies oficiais dos seus sistemas de ensino regionais. Isso gera no pas uma

    autonomia educacional em cada Estado, Distrito e Municpio. Os nveis e as modalidades da educao so

    estabelecidos no ttulo V, captulo II, desde o artigo 21. at ao 38., dividido em cinco seces referentes

    Educao Bsica, que abrange: Educao Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Mdio, Educao Profissional

    Tcnica de Nvel Mdio e Educao para Jovens e Adultos. 24

    Os quatro pilares da educao considerados pela Unesco esto presentes na LDB da seguinte forma: Aprender a

    conhecer (ressalta a importncia de uma educao geral, com possibilidade de aprofundar algumas reas de

    conhecimento, e de dominar os prprios instrumentos do conhecimento); aprender a fazer (estimula o

    desenvolvimento de novas habilidades e aptides, na medida em que as situaes esto em transformao

    permanente); aprender a viver (trata do aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento do outro e a

    percepo das interdependncias, de modo a permitir a realizao de projetos comuns ou a gesto inteligente dos

    conflitos inevitveis); aprender a ser (a educao deve estar comprometida com o desenvolvimento total da pessoa,

    com a preparao do indivduo para elaborar pensamentos autnomos e crticos e formular os seus prprios juzos

    de valor, com a construo da sua identidade).

  • 26

    de 1996, determina como uma das finalidades para o Ensino Mdio: o aprimoramento do

    educando como pessoa humana, incluindo a formao tica e o desenvolvimento da autonomia

    intelectual e do pensamento crtico25. Assim, esse inciso estabelece, como modelo de formao,

    o modelo humanstico e cvico, na medida em que determina o aprimoramento, a formao e o

    desenvolvimento dos discentes enquanto seres humanos inseridos num meio social, capazes de

    crescerem com sentido tico, crtico e intelectualmente. No campo da estrutura curricular

    nacional, somente para fins didticos, os curricula foram agrupados em trs grandes reas:

    Linguagens e Cdigos e suas Tecnologias, Cincias da Natureza e Matemtica e suas

    Tecnologias e Cincias Humanas e suas Tecnologias. Nesse sentido, o estudo da poesia foi

    includo na rea de Linguagens e Cdigos e suas Tecnologias.

    Por conseguinte, descreveremos os Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio

    (PCNEM), na rea Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, considerando as seguintes

    dimenses: a leitura literria, o contexto escolar e as metodologias, a formao do aluno-

    leitor e a formao dos professores, no intuito de verificarmos as determinaes deste

    documento orientador do ensino da lngua portuguesa no que diz respeito s finalidades para o

    estudo da poesia. Estas dimenses que referimos so princpios norteadores de todo os PCNEM

    que, em relao ao ensino de literatura, definem a importncia da contextualizao, da

    intertextualidade, da produo e da recepo de textos literrios ou no literrios.

    Na dimenso da leitura literria, configura-se que o estudo da literatura deve estar

    integrado nas aulas de leitura e considerado como um bem simblico. O objetivo fulcral das

    aulas de leitura , pois, nesses documentos, desenvolver no aluno: i) a viso crtica de mundo; ii)

    a percepo das mltiplas formas de expresso da linguagem; iii) a sua habilidade de leitor

    competente dos diversos textos representativos da nossa cultura. Tambm devem considerar-se

    como fundamentais a aquisio e o desenvolvimento de trs competncias: interativa, gramatical

    e textual.

    De acordo com a proposta dos documentos oficiais, no que se refere leitura literria, a

    lngua, enquanto base da literatura, deve ser considerada como uma linguagem, entre outras

    existentes, que constri e desconstri sentidos. Assim, considera a linguagem como, a

    capacidade humana de articular significados coletivos e compartilh-los, em sistemas arbitrrios

    de representao, que variam de acordo com as necessidades e experincias da vida em

    sociedade. A principal razo de qualquer ato de linguagem a produo de sentido (Brasil,

    2000:5).

    25 Cf. notas 1 e 55, que fazem referncia a esta Lei.

  • 27

    Na dimenso do contexto escolar e das metodologias, o ensino da literatura deve ter

    em conta o carter scio-interacionista da linguagem verbal, tendo o texto como objeto de

    trabalho, bem como os diversos gneros literrios que circulam na sociedade. Por outro lado,

    considera-se que a tradicional aula de Literatura Brasileira, com predominncia para a

    memorizao das meras listagens sobre as caractersticas de estilos de poca, dos autores e das

    obras, atualmente j no corresponde mais s necessidades educativas dos alunos. Nessa medida,

    admite-se que, Os contedos tradicionais de ensino de lngua, ou seja, nomenclatura gramatical

    e histria da literatura, so deslocados para um segundo plano. O estudo da gramtica passa a ser

    uma estratgia para compreenso/interpretao/produo de textos e a literatura integra-se rea

    de leitura (Brasil, 2000:18). Assim, insiste-se que o ensino das diversas linguagens artsticas j

    no pode abandonar quer o eixo da produo (eixo potico), quer o da recepo (eixo esttico),

    quer o da crtica. O ensino da literatura, como se depreende dessas orientaes programticas, j

    no pode reduzir-se histria literria, nem mera aquisio de repertrios textuais, e muito

    menos a um fazer por fazer, espontneo, desvinculado da reflexo e do tratamento da informao

    literria.

    Na dimenso da formao do aluno-leitor, o aluno deve ser visto como um texto que

    constri textos, ou seja, o aluno visto como sujeito participante do imaginrio coletivo, que

    procura conhec-lo e entend-lo na escola. Procura-se desenvolver tambm a concepo do

    aluno ativo no seio do processo de ensino, com capacidades crticas e com mltiplas formas de

    expresso, ou seja, O aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser

    entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano (Brasil, 2000:18).

    Nesse mbito da formao, o professor considerado como o norteador de todo este

    processo e como tal O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e

    sistematizao da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalizao da mesma e o

    domnio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais (Brasil, 2000:18). Dessa forma,

    procura chamar a ateno do docente para repensar e avaliar a forma como ensina, para que a

    formao de leitores de literatura acontea com abrangncia. Todavia, no apresenta indicaes

    mais objetivas para o trabalho efetivo do professor e da sua formao.

    Por essa razo, foram publicados os PCN+ com as Orientaes educacionais

    complementares aos parmetros curriculares nacionais, em 2002, no intuito de acrescentarem

    mais-valias aos PCNEM. Assim, este documento procurou explicitar conceitos e desenvolver a

    compreenso de trs eixos de sustentao dos PCNEM: Representao e Comunicao,

    Investigao e Compreenso, Contextualizao sociocultural.

  • 28

    Sobre a dimenso da leitura literria, os PCN+ reafirmam o que determinado pelos

    PCNEM, onde a literatura concebida no mbito das aulas de leitura, ao considerarem que A

    lngua, bem cultural e patrimnio coletivo, reflete a viso de mundo de seus falantes e possibilita

    que as trocas sociais sejam significadas e ressignificadas. No domnio desse conceito est, por

    exemplo, o estudo da histria da literatura, a compreenso do dinamismo da lngua, a questo do

    respeito s diferenas lingusticas, entre outros (Brasil, 2002:66).

    Na dimenso do contexto escolar e das metodologias, este documento tece

    consideraes mais alargadas em relao aos PCNEM, quando refere: Trata-se do

    aproveitamento satisfatrio e prazeroso de obras literrias, musicais ou artsticas, de modo geral

    bens culturais construdos pelas diferentes linguagens , depreendendo delas seu valor esttico.

    Apreender a representao simblica das experincias humanas resulta da fruio de bens

    culturais. (Brasil, 2002:67). Assim, neste documento destaca-se o valor do trabalho didtico

    atravs da literatura na formao do aluno-leitor.

    O mesmo acontece quanto dimenso da formao do aluno-leitor, porque, assim

    como os PCNEM, os PCN+ consideram que o aluno deve adquirir, atravs das aulas, habilidades

    que o ajudem ativamente ao longo da sua vida, ao ter em conta que As diversas manifestaes

    culturais da vida em sociedade so marcadas por traos que as singularizam, expressos pela

    linguagem. Espera-se que o aluno do ensino mdio consiga reconhecer e saiba respeitar produtos

    culturais to distintos quanto um soneto rcade ou um romance urbano contemporneo. (Brasil,

    2002:63). Este documento ainda considera importante motivar nos discentes a concepo

    mltipla da literatura, na medida em que refere que Entender as manifestaes do imaginrio

    coletivo e sua expresso na forma de linguagens compreender seu processo de construo, no

    qual intervm no s o trabalho individual, mas uma emergncia social historicamente datada. O

    estudo dos estilos de poca, por exemplo, em interface com o dos estilos individuais, adquire

    sentido nessa perspectiva: a de que o homem busca respostas inclusive estticas a perguntas

    latentes ou explcitas nos conflitos sociais e pessoais em que est imerso (Brasil, 2002:52).

    Na dimenso da formao do professor, os PCN+ trazem uma abordagem mais

    especfica do trabalho de formao profissional qualificada do docente, quando abordam que

    preciso reconhecer que a formao de docentes uma tarefa delicada, que hoje exige muita

    ateno tanto no que diz respeito importncia social do ofcio de ensinar quanto no que tange

    ao papel do professor de lngua portuguesa (Brasil, 2002:86). Diversas so as consideraes

    expostas quanto necessidade e s dificuldades para esta formao contnua do professor. Desse

    modo, os PCN+ apresentam e comentam dez competncias a serem desenvolvidas pelos

    docentes, com base na tese estudada por Philippe Perrenoud, para abordarem a importncia do

  • 29

    desenvolvimento de competncias e habilidades pelo prprio professor, a saber: 1. Organizar e

    dirigir situaes de aprendizagem; 2. Administrar a progresso das aprendizagens; 3. Conceber e

    fazer evoluir os dispositivos de diferenciao; 4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em

    seu trabalho; 5. Trabalhar em equipa; 6. Participar da administrao da escola; 7. Informar e

    envolver os pais; 8. Utilizar novas tecnologias; 9. Enfrentar os deveres e dilemas ticos da

    profisso; 10. Administrar sua prpria formao contnua (Brasil, 2002:86-89). Com estas

    propostas, os PCN+ terminam as suas consideraes diretivas do ensino.

    Mas, as Orientaes curriculares para o Ensino Mdio (2006), o mais recente

    documento desenvolvido pelo MEC, na sua carta ao professor, expem como foram

    desenvolvidas e quais os seus objetivos, ou seja, foram elaboradas a partir de uma discusso

    com as equipes tcnicas dos Sistemas Educacionais de Educao, professores e alunos da rede

    pblica e representantes da comunidade acadmica. O objetivo deste material contribuir para o

    dilogo entre professores e escola sobre a prtica docente. (Brasil, 2006:5). O primeiro volume

    dedicado rea de Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, composto pelos seguintes

    captulos: Conhecimentos de Lngua Portuguesa, Conhecimentos de Literatura, Conhecimentos

    de Lnguas Estrangeiras, Conhecimentos de Espanhol, Conhecimentos de Arte e Conhecimentos

    de Educao Fsica.

    A organizao desse volume j assinala uma separao entre o ensino de lngua e o de

    literatura. Com efeito, no captulo referente aos Conhecimentos de Literatura, retoma-se a

    discusso sobre a necessidade da literatura no Ensino Mdio, quando entendida sob o enfoque da

    arte ou do fazer artstico. Refora-se a ideia de que a literatura, assim como outras formas de

    expresso artstica, vital ao homem e no pode ser privilgio de alguns em detrimento de uma

    grande parte dos alunos que no tem acesso a ela em suas casas. Este captulo sobre

    Conhecimentos de Literatura constitudo pelos seguintes pontos:

    Na dimenso do contexto escolar, 1. Por que a literatura no Ensino Mdio? (Brasil,

    2006:47-60). Neste ponto, discutida a concepo de arte e do fazer artstico, relacionando-os

    com a funo da literatura no Ensino Mdio.

    Na dimenso da formao do aluno-leitor,2. A formao do leitor: do Ensino

    Fundamental ao Ensino Mdio, (Brasil, 2006:60-65). Evidencia-se a formao dos alunos-

    leitores por meio do contato textual, lingustico e esttico da obra literria, e consideram-se como

    impasses para o ensino de literatura trs tendncias, que devem ser evitadas: i) substituir a

    literatura difcil pela dita fcil; ii) reduzir o ensino a um conjunto de informaes exteriores s

    obras e aos textos; iii) substituir textos originais por simulacros.

  • 30

    Na dimenso da leitura literria, 3. A leitura literria: 3.1- A importncia do leitor;

    3.2- Que leitores somos; 3.3- Formao do leitor crtico na escola, (Brasil, 2006:65-72). Nestes

    pontos, apresentam-se algumas consideraes acerca da leitura literria pautada na sua dimenso

    dialgica e na sua pluralidade discursiva, referindo que, A palavra plural, disseminadora de

    sentidos, requer uma leitura tambm ela mltipla, no mais regulada pela busca do significado

    nico ou pela verdade interpretativa, mas atenta s relaes e s diferentes vozes que se cruzam

    nos textos literrios. (Brasil, 2006:66). Tambm enfatiza a ideia do aluno interlocutor que sabe

    decidir o que ou no literrio, o foco exclusivo na histria da literatura e a ideia de fruio

    esttica contida nas obras literrias, quando expe que Fatores lingusticos, culturais,

    ideolgicos, por exemplo, contribuem para modular a relao do leitor com o texto, num arco

    extenso que pode ir desde a rejeio ou incompreenso mais absoluta at a adeso incondicional.

    Tambm conta a familiaridade que o leitor tem com o gnero literrio, que igualmente pode

    regular o grau de exigncias e de ingenuidade, de afastamento ou aproximao. (Brasil,

    2006:68). Assim, as Orientaes Curriculares consideram fundamentais, para a formao do

    leitor, estes princpios de apreciao atravs do texto literrio.

    Na dimenso das metodologias e formao do professor, 4. Possibilidades de

    mediao: 4.1- O professor e a seleo dos textos; 4.2- O professor e o tempo; 4.3- O leitor e o

    espao, (Brasil, 2006:72-83). Considera-se que a seleo dos textos deve passar pelo crivo

    utilizado para os escritos cannicos, no mbito da intencionalidade artstica, do significado

    histrico-social, da produo de estranhamento e do prazer esttico. Alm disso, o professor

    deve conhecer e apropriar-se da histria, do estilo, da linguagem e da esttica dos textos

    literrios, tal como a escola responsvel por disponibilizar o seu espao para o conhecer

    literrio e potico, na medida em que importante, para isso, ampliar na escola o circuito de

    poemas e poetas, quem sabe buscando novas formas de circulao social de poemas, como

    jornais, revistas (impressos e digitais), e mesmo em outros meios audiovisuais, que, em

    dobradinhas com livros de poemas, permitiriam ver e entender a poesia como uma prtica social

    integrada vida cotidiana. (Brasil, 2006:75). Relativamente s metodologias, a explorao dos

    diversos recursos produzido pelo texto potico igualmente entendido como relevante, uma vez

    que A explorao dos efeitos de sentido produzidos pelos recursos fonolgicos, sintticos,

    semnticos, na leitura e na releitura de poemas poder abrir aos leitores caminhos para novas

    investidas poticas, para muito alm desse universo limitado temporal e espacialmente de

    formao. (Brasil, 2006:74).

  • 31

    O documento termina por considerar que o acesso do aluno a bibliotecas com um bom

    acervo bibliogrfico indispensvel nesse processo de formao e apresenta sugestes

    metodolgicas para o trabalho com a literatura na escola26

    .

    Passamos a apresentar os trs Projetos Poltico-Pedaggicos (PPP) que enquadram o

    ensino da poesia em trs escolas a que este trabalho faz referncia. Trata-se de escolas do Estado

    da Baa, sediadas nas cidades de Juazeiro (Colgio Modelo Lus Eduardo Magalhes), Santo

    Estvo (Colgio Modelo Lus Eduardo Magalhes) e Feira de Santana (Colgio Padre Ovdio).

    Nos trs PPP, observamos que a poesia est inserida nos contedos propostos para a

    disciplina de lngua portuguesa e as articulaes pedaggicas esto gizadas de acordo com os

    documentos oficiais.

    Assim, na dimenso da leitura literria, esses projetos consideram o estudo do texto

    potico como uma ferramenta na formao do aluno-leitor, a qual contribui para a construo

    dos conhecimentos histrico-culturais. Na dimenso das metodologias (inseridas no contexto

    escolar), apresentam os parmetros gerais respeitantes aos saberes declarativos, onde a poesia

    surge subentendida no estudo das escolas literrias e das tipologias textuais. Essas orientaes

    metodolgicas esto baseadas na construo coletiva do conhecimento, fazendo aluso

    prtica da interao entre os sujeitos e aprendizagem entendida como construo de

    significados.

    Na dimenso da formao do aluno-leitor, estes PPP propem levar o aluno a pensar,

    interpretar, experimentar e vivenciar, na busca e problematizao de informaes, nas mais

    diversificadas situaes de aprendizagem. Na dimenso da formao dos professores,

    apresentam propostas de cursos, trabalhos interativos entre os diversos docentes das variadas

    reas e incentivam a formao contnua dos professores. Estes so considerados no mbito do

    processo de ensino como mediadores na construo do conhecimento, pelo que devem provocar,

    desafiar, problematizar e criar situaes de aprendizagem durante todo o processo.

    Levando em conta todas estas consideraes produzidas por estes documentos oficiais,

    percebemos que o texto potico no possui propriamente um espao nessas abordagens, isto

    porque, nos primeiros documentos LDB e PNCEM, o texto potico no aparece claramente

    sendo necessrio verificarmos a sua presena nas entrelinhas dos textos referentes leitura do

    texto literrio. No entanto, admitimos que, no inciso III, a LDB deixa espao para uma primeira

    justificao do estudo do texto potico na escola mdia. Posteriormente, os PCNEM apresentam

    26

    Estes espaos so, normalmente, bibliotecas (ou institutos, com a funo de biblioteca), salas de informtica, salas

    de vdeo, etc.. O documento sugere tambm atividades que promovam o acesso cultura, como, por exemplo,

    passeios culturais, estudos do meio regional, permitindo assim que os alunos tambm conheam as produes

    literrias regionais.

  • 32

    diversos parmetros para o trabalho com a literatura atravs das aulas de leitura. Assim, com este

    conjunto de parmetros apresentados a partir dos PCNEM, torna-se evidente o valor e a funo

    da obra literria (potica). Entretanto, os dois ltimos documentos os PCN+ e as Orientaes

    Curriculares alargam um pouco mais essas dimenses sobre o estudo da poesia no Ensino Mdio.

    Tambm consideram que a leitura do texto potico contribui para essa formao e para o

    desenvolvimento dos estudantes nos mbitos: da autonomia intelectual, do pensamento crtico,

    do poder criador, da imaginao, da sensibilidade e do sentido esttico, segundo Guedes (2002).

    Neste elenco de dimenses sobre a finalidade do texto potico nos documentos oficiais,

    observamos algumas consideraes que assentam nos pressupostos de que a leitura da poesia

    expande as possibilidades comunicativas do leitor, bem como, o conhecimento da prpria

    cultura. Tambm Matos (1999) nos seus estudos sobre o interesse cognitivo da literatura,

    acrescenta que a leitura do texto potico pode ter uma funo distinta, ou seja, o alargamento da

    experincia individual que a esttica da recepo lhe concede27, na medida em que o poema,

    enquanto texto, amplia o lxico, desconstri, reconstri e conserva a lngua nas variadas formas

    de representao do imaginrio28

    . Nesse sentido, os documentos oficiais admitem que o poema

    desenvolve consideravelmente os diversos nveis discursivos, porque necessria uma

    abstrao elevada para se escrever ou falar sobre poesia. Alm disso, enquanto manifestao

    da linguagem influencia os leitores na construo e formao individual da lngua. Todavia, est

    exposto, nas Orientaes Curriculares, que este trabalho exige dos estudantes do Ensino Mdio

    um empenhamento considervel, ao mesmo tempo, que exige do docente o seu empenho para

    motiv-los nesse percurso, pois, como sabemos, a percepo da linguagem potica processa-se

    de forma lenta e gradativa.

    Nesse sentido, no Ensino Mdio, de acordo com as Orientaes Curriculares, que tm

    por base os estudos de Bakhtin sobre a dimenso dialgica e a pluralidade discursiva do texto

    potico, admite-se que a leitura da poesia proporciona ao estudante uma percepo intertextual e

    desempenha igualmente uma funo primordial, isto , contribuir para a formao de leitores.

    Assim, atravs do percurso de trabalho proposto pelos documentos do MEC, o aluno deve

    conseguir percepcionar o texto potico enquanto estrutura lingustica impregnada de sentidos e

    27

    Estas consideraes surgem no artigo de Maria Vitalina Leal de Matos (1999), As funes da literatura, in ROCHETA, Maria Isabel (Orgs.), Ensino da literatura: reflexes e propostas a contracorrente, pp. 37-46. A autora

    apresenta as funes da literatura tendo por base a teoria defendida por Jauss (1979), que considera que a literatura

    exerce o papel anlogo ao da decepo da expectativa relativamente a descobertas cientficas, j que permite aos leitores progredirem no conhecimento do mundo (p. 45), sendo que esta obra tambm faz parte da bibliografia deste

    trabalho. 28

    Essa uma viso de Reis, quando considera a poesia lrica como um trabalho ativamente subversivo, mostrando

    como, nalguns casos, esse trabalho constitui uma radicalizao inovadora, capaz de alterar formas e revelar sentidos

    inusi