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A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A SEXUALIDADE: NA DIFERENÇA O EMBARAÇO DE EXISTIR COMO CIDADÃ Maria José Belém Cordeiro Psicóloga/Mestre em Educação Especialista em Educação Especial Especialista em Educação Sexual A sexualidade vista como sendo o conjunto de relações e ações das pessoas consigo mesma e com o outro, torna-se um instrumento relacional importante pelo seu caráter biopsico- sociocultural e espiritual. Claro que nela está contida a genitalidade, entretanto a supera e transcende, denotando um universo mais amplo de valores. A sexualidade é constituída a partir de quatro elementos primordiais o potencial biológico, o processo de socialização, a capacidade psico-emocional e a dimensão integradora espiritual. Elementos que estão intrinsecamente relacionados, embora entre os mesmos, dinamicamente, ocorram conflitos decorrentes de forças antagônicas que são as necessidades sexuais básicas e as adequações às regras de convivência que a cultura dominante impõem e vão transformar-se em concepções de vida mais ou menos aceitas. Devemos lembrar que a sexualidade é forma de comunicação e pode ser aprendida, controlada e dominada pela consciência, pela vontade, assim como pela liberdade das pessoas, por isso, se constitui na linguagem de entendimento do ser humano, na interação de acasalamento e têm múltiplas formas de manifestação, segundo a idade, sexo, etnias, costumes, valores e normas existentes em cada sociedade. Portanto, comprometida com o conjunto de elementos culturais, dentro de um contexto sócio-histórico e econômico. O assumir-se como sujeito e o grau de inserção no processo histórico e cultural independem do fato da pessoa enxergar ou não, ouvir ou não, andar ou não, da maior ou menor capacidade cognitiva. O essencial não está no instrumento, mas no modo como se dá a inserção do sujeito no contexto social (Marques, 1997, apud Costa, 2000, p.53). Estamos vivendo um momento universal de busca da felicidade. O impulso que gera a necessidade direcionada ao desejo de ser feliz e ao prazer proporcionado pelo acasalamento se apresenta como objetivo da vida de quase todas as pessoas, ou seja, é o homem e a mulher em busca de sua auto-realização, através do amor, do bem estar na vida privada. Busca que existe e não poderá deixar de existir, mesmo quando surge na vida da pessoa a condição de ter uma deficiência, embora pais, professores, técnicos e demais pessoas envolvidas com a educação e tratamento queiram imputar as mesmas a condição de assexuadas, por ser essa uma área que concentra, historicamente, preconceitos, tabus, mitos e estereótipos, gerando um campo de conflito difícil de ser trabalhado, tanto pelos profissionais e familiares como pelas pessoas com deficiência. Essa situação acontece em todos as culturas e no Brasil não é diferente, uma vez que a sexualidade tem sido considerada tabu e é envolvida pelo preconceito. O preconceito aparece ainda mais arraigado em relação à sexualidade das pessoas com deficiência o que é demonstrado, através da negação e do pouco caso sobre a mesma. O desafio que se apresenta para a pessoa com deficiência é superar o estereótipo de que ela é “incapaz de aprender normas como as outras pessoas”. Essas atitudes são fortalecidas para que não haja o enfrentamento público das necessidades e dos direitos de expressarem e viverem sua afetividade e sexualidade, como as pessoas comuns já o fazem. Neste contexto o que se evidencia são os conflitos nas pessoas com deficiência e nas pessoas de seu convívio (pais, professores, técnicos, amigos e instituições), justamente por fazer parte de uma minoria de pessoas (seres humanos) que não se incluem de forma integral nos anseios

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A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A SEXUALIDADE:NA DIFERENÇA O EMBARAÇO DE EXISTIR COMO CIDADÃ

Maria José Belém CordeiroPsicóloga/Mestre em Educação

Especialista em Educação EspecialEspecialista em Educação Sexual

A sexualidade vista como sendo o conjunto de relações e ações das pessoas consigo mesmae com o outro, torna-se um instrumento relacional importante pelo seu caráter biopsico-sociocultural e espiritual. Claro que nela está contida a genitalidade, entretanto a supera etranscende, denotando um universo mais amplo de valores.

A sexualidade é constituída a partir de quatro elementos primordiais o potencial biológico, oprocesso de socialização, a capacidade psico-emocional e a dimensão integradora espiritual.Elementos que estão intrinsecamente relacionados, embora entre os mesmos, dinamicamente,ocorram conflitos decorrentes de forças antagônicas que são as necessidades sexuais básicas e asadequações às regras de convivência que a cultura dominante impõem e vão transformar-se emconcepções de vida mais ou menos aceitas.

Devemos lembrar que a sexualidade é forma de comunicação e pode ser aprendida,controlada e dominada pela consciência, pela vontade, assim como pela liberdade das pessoas, porisso, se constitui na linguagem de entendimento do ser humano, na interação de acasalamento e têmmúltiplas formas de manifestação, segundo a idade, sexo, etnias, costumes, valores e normasexistentes em cada sociedade. Portanto, comprometida com o conjunto de elementos culturais,dentro de um contexto sócio-histórico e econômico.

O assumir-se como sujeito e o grau de inserção no processo histórico e culturalindependem do fato da pessoa enxergar ou não, ouvir ou não, andar ou não, da maiorou menor capacidade cognitiva. O essencial não está no instrumento, mas no modocomo se dá a inserção do sujeito no contexto social (Marques, 1997, apud Costa, 2000,p.53).

Estamos vivendo um momento universal de busca da felicidade. O impulso que gera anecessidade direcionada ao desejo de ser feliz e ao prazer proporcionado pelo acasalamento seapresenta como objetivo da vida de quase todas as pessoas, ou seja, é o homem e a mulher em buscade sua auto-realização, através do amor, do bem estar na vida privada.

Busca que existe e não poderá deixar de existir, mesmo quando surge na vida da pessoa acondição de ter uma deficiência, embora pais, professores, técnicos e demais pessoas envolvidascom a educação e tratamento queiram imputar as mesmas a condição de assexuadas, por ser essauma área que concentra, historicamente, preconceitos, tabus, mitos e estereótipos, gerando umcampo de conflito difícil de ser trabalhado, tanto pelos profissionais e familiares como pelaspessoas com deficiência. Essa situação acontece em todos as culturas e no Brasil não é diferente,uma vez que a sexualidade tem sido considerada tabu e é envolvida pelo preconceito.

O preconceito aparece ainda mais arraigado em relação à sexualidade das pessoas comdeficiência o que é demonstrado, através da negação e do pouco caso sobre a mesma. O desafio quese apresenta para a pessoa com deficiência é superar o estereótipo de que ela é “incapaz de aprendernormas como as outras pessoas”. Essas atitudes são fortalecidas para que não haja o enfrentamentopúblico das necessidades e dos direitos de expressarem e viverem sua afetividade e sexualidade,como as pessoas comuns já o fazem.

Neste contexto o que se evidencia são os conflitos nas pessoas com deficiência e nas pessoasde seu convívio (pais, professores, técnicos, amigos e instituições), justamente por fazer parte deuma minoria de pessoas (seres humanos) que não se incluem de forma integral nos anseios

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apregoados pela sociedade de busca da felicidade, e dessa forma acaba discriminado ao lado deoutros que, também, apresentam diferenças no campo biopsicossociocultural , como se fora de umaespécie animal diferente: a dos deficientes mentais, auditivos, físicos, visuais, meninos de rua,indigentes, prostitutas, etc.

Sabemos que todos os inseridos nessas minorias são seres humanos com especificidades queforam estudadas, explicadas, conceituadas e classificadas, no desenrolar da história da humanidade.As questões da deficiência mental, por exemplo, transitou, historicamente, por concepçõesnaturalistas, sobrenaturais (divino-sagrado), religiosas (filhos de deuses) e dignos da caridade deasilos e igrejas que admitiam que o deficiente era possuído pelo demônio nos tempos mais remotos.

Na era medieval as concepções sobre a pessoa com deficiência eram de ambivalênciacaridade-castigo. Essa atitude toma forma e encontra apoio, porque quando o adulto encontra-seface a um semelhante, que não corresponde à imagem do que ele crê poder esperar, oscila entre arejeição e caridade. Queira ele mal ou bem ao outro ... (Mannoni, 1999, p.196). Por isso nesseperíodo as pessoas com deficiência estavam entre aquelas atingidas pela Santa Inquisição, pelaReforma e pela superstição que reinava absoluta, apesar da teologia bem desenvolvida. Segue-se atudo isso a concepção médica, inicialmente, com uma visão organicista, indo na direção doatendimento educacional.

Mesmo assim, como contraponto a história nos mostra que o Século XVII e XVII representaum retrocesso ao dá a deficiência mental um caráter fatalista hereditário. E em pleno Século XX adeficiência mental é atribuída a degenerescência da raça humana e a causas ambientais. ODictionaire médico (1818), já apresenta categorias de deficiência mental, em decorrência de umaanálise sutil do conceito de deficiência mental feita por Esquirol, que diagnosticou,

diferencialmente,na confusão mental passageira e de incidência mais ou menos geral, aloucura caracterizada como perda irreversível da razão e suas funções, e a idiotiadefinida como ausência de desenvolvimento intelectual desde a infância e devida acarências infantis ou condições pré-natais ou perinatais (Pessoti, 1984, p.88).

Com o avanço da psicologia científica, os pesquisadores já no Século XX, buscam as causasda deficiência mental para compreender, por que todo ser humano por seu estado, torna impossíveiscertas projeções provoca no outro mal estar – mal estar negado ... (Mannoni, 1999, p.197). Nasúltimas décadas do Século XX a postura eugenista cai no esquecimento em função do avanço dabioquímica, da genética, da obstetrícia, do diagnóstico médico e do desenvolvimento da psicologiainfantil.

Em síntese foram muitas as denominações que, ao longo dos tempos foram atribuídas àspessoas com deficiência mental: demente, idiota, oligofrênico, subnormal, incapacitado, diminuído,deficiente psíquico, cego, surdo mudo, paraplégico, lesado medular,deficientes motores, pessoascom necessidades educacionais especiais... E muitas outras. Acreditamos que o importante não é aetiqueta ou rótulo que se impõe às pessoas com deficiência, que estigmatizam sem nenhumacerimônia. Elas pouco nos servem para a compreensão de suas necessidades, possibilidades,dificuldades, principalmente, do que sabem e não sabem fazer e de como vêem e sentem o mundo asua volta.

Esses estereótipos por sua vez são fruto de preconceitos (que como o próprio nome dizsão conceitos pré-existentes, portanto desvinculados de uma experiência concreta).Pode-se dizer que a matéria-prima do preconceito é o desconhecimento. Edesconhecimento da deficiência é o que não falta à sociedade como um todo e a cadaum dos indivíduos que a compõem (Amaral, 1994, p.37).

Mesmo estando vivendo os primeiros momentos do terceiro milênio a concepção acerca dapessoa com deficiência parece não ter avançado tanto, ainda prevalece à concepção de que “não éuma pessoa completa” e nesse caso passível de ser segregada do meio social sem o direito de viver

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e apenas sobreviver, sem o espaço e a chance na sociedade de experimentar o prazer e acriatividade.

O modo particular de se relacionar com tudo e todos que as rodeiam, nos mostra que acultura que as cerca fornece os mesmos referenciais de apoios imaginários à vida prática dos demaise se efetuam, segundo trocas mentais de projeção e identificação polarizadas nos símbolos, mitos eimagens dessa mesma cultura, e como as demais pessoas absorvem os mesmos valores, emborasejam a todo o momento sabotados nas suas qualidades, potencialidades e natureza humana,contrariando sua necessidade de materializar sua inserção social.

O mais ligeiro sinal de reconhecimento do outro confirma pelo menos a presença dapessoa em seu mundo... Escreveu certa vez William James, não se poderia imaginarpior castigo do que ser jogado à solta na sociedade e permanecer absolutamentedespercebido por todos os seu membros (Laing, 1986, p.95).

Hoje aparentemente libertados de seus grilhões, vivem sob um processo moral que osenvolvem num estado de alienação de seu ser, que deveria ser redimensionado no todo dasociedade, conferindo-lhe as mesmas condições de realização e de aprendizagem sócio-cultural,independentemente, das condições, limitações ou dificuldades que o ser humano manifeste(Fonseca, 1995, p.9).

A afirmação de que as pessoas deficientes , também são sexuadas vem denotar dúvidassobre essa possibilidade, conforme literatura específica na área, a exemplo de Lipp (1988),Gerpelle(1995), Gordon (apud, Buscaglia, 1993), entre outros. E a questão nos leva a encarar opreconceito da sociedade em relação à sexualidade da pessoa com deficiência e o preconceito que aprópria pessoa lança contra si mesmo, encobrindo sentimentos, desejos e prazeres sexuaisrelevantes para o ser humano, em função de sua condição de “diferente”. Fierro aponta para essaquestão, quando afirma,

...o adolescente e o adulto com atraso mental não são, de forma alguma, seresassexuados. Tampouco, são indivíduos com uma sexualidade incontrolada, por nãoterem o controle que se supõe existir nas pessoas inteligentes. A sexualidade dosatrasados mentais é muito semelhante a das pessoas consideradas normais: eles têm asmesmas necessidades afetivas, salvo problemas orgânicos específicos a mesmacapacidade e o mesmo desejo sexual; são capazes de realizar a escolha clara de umapessoa querida e de manter relações relativamente estáveis (apud Coll, 1995, p.237).

No entanto, para a pessoa com deficiência aprender a amar a si mesmo e a seu própriocorpo, sem se importar com os padrões ideais trazidos pelo cinema, moda, televisão, leva tempo.Ela faz e refaz um caminho longo, que envolve um processo complexo de auto-aceitação dadeficiência. Processo que se apresenta em dois níveis: o reconhecimento do fato ou condição dadeficiência e aceitação das implicações e acrescenta-se um terceiro nível a acolhida da experiência.Mas antes de tudo, naturalmente, existe um período de tempo, onde negação e reconhecimento sealternam no consciente e abaixo dele ao longo de toda vida da maioria das pessoas deficientes(Vash, 1988, p.148).

Essa realidade com vieses específicos respondem o “porquê” do estudo da sexualidade dapessoa com deficiência só agora, nos últimos 10 anos, procurando focalizar de início adesmitificação do caráter assexual. Mesmo profissionais envolvidos com a educação, saúde ereabilitação, sentem-se embaraçados ao abordar e desenvolver temas sobre sexualidade eafetividade direcionados a essa clientela. Porém em essência, o que é necessário na abordagem dasexualidade da pessoa com deficiência é que todos comecem a mostrar honestidade, coragem eintegridade ao enfrentar com franqueza as questões da sexualidade humana, pois – aceitem ou nãoeste fato – os deficientes também são sexuados (Buscaglia, 1993, p.371).

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Atualmente, estudos publicados nessa área, referem-se em sua maioria às disfunções sexuaisdos homens com lesão raqui-medular, existindo raras publicações sobre as demais deficiências(sensoriais, mentais e múltiplas). Isso mostra que apesar do silêncio estar sendo quebrado mais peladiscussão e bate papos do que pelo clamor natural, para se aceitar a diferença, este é um primeiropasso, e podem acontecer vitórias mais significativas.

Em todos os níveis da sociedade humana, as pessoas confirmam mutuamente, naprática, até certo ponto, suas qualidades e talentos pessoais, e uma sociedade échamada humana na medida em que seus membros confirmam uns aos outros (Buber,1957a, apud Laing, 1986, p.94).

No Brasil, a partir do Ano Internacional da Pessoa Deficiente (1981), houve uma ampliaçãodo movimento de luta pelos direitos das pessoas com deficiência, inclusive o de expressão daafetividade e sexualidade. Importante contribuição tem sido oferecida pelos livros autobiográficosde pessoas com deficiência, porém registramos a ausência de publicações, mesmo autobiográficasou de pesquisa, referentes à vida de mulheres com deficiência.

A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo’ 94), defende umprograma de ação, no qual os governos devem considerar as necessidades de pessoas portadoras dedeficiência em sua dimensão ética e de direitos humanos ... Onde se incluem o direito a saúdereprodutiva e sexual, o HIV / AIDS, informação, a educação e a comunicação (CIPD, 1994).

É preciso compreender que estamos em todo relacionamento indivíduo-comunidade,vivenciando uma relação paralela, na qual a sociedade não cultiva uma boa imagem da pessoa comdeficiência e não as tratam com igualdade, como conseqüência a pessoa com deficiência nãoconstruirá uma imagem positiva de si mesma. Segundo Stainback e Stainback (1999, p.29), o valorsocial da igualdade é consistente com o motivo de ajudar os outros e com a prática do ensinoinclusivo.

Essa afirmativa é corroborada por Mantoan (1997, p.53), quando afirma que, as escolasinclusivas propõem um modo de se constituir o sistema educacional que considera as necessidadesde todos os alunos e que é estruturado em virtude dessas necessidades.

A sociedade que realizar estas condições de vida, incluindo, acolhendo e aceitando no seuseio a todos sem discriminação e preconceito apresentará como resultado maior interação deigualdade entre as pessoas, favorecendo o processo inclusivo, a partir da família, da comunidade e,especialmente, da escola o que trará dividendos positivos no futuro em termos de humanização ecidadania.

A mudança na forma de abordagem da sexualidade e da afetividade da pessoa comdeficiência , implica em resultados extremamente significativos no sentido de ser pessoa passiva decidadania, uma vez que parece ser um desejo humano universal ocupar um lugar no mundo dealguém ... e a freqüente observação de que cada qual procura não só um outro para amar e seramado, mas também alguém que se sinta gratificado por esse amor (Laing, 1986, p. 129).

Não é uma tarefa fácil, nem simples de assumir, uma vez que todos os sujeitos sãoconstituídos socialmente, principalmente, porque a diferença é uma construção socio-histórica e nosleva a crer que a norma deve ser uma questão a discutir e duvidar.

Essa postura e atitude levam ao redimensionamento, diante dos novos desafios da sociedadeglobalizada. Desafio que começa a ser enfrentado, quando questionamos nosso própriocomportamento e nossas próprias certezas, mobilizando e conduzindo a transformação, através dadecisão de buscar informações, trocar idéias e ouvir aqueles e aquelas que, histórica e socialmente,foram instituídos como “outros”.

Ainda existe um caminho muito longo a percorrer, até que a sociedade organizada caminhena direção da desconstrução dos preconceitos e tabus direcionados a pessoa com deficiência elegitime o seu direito de expressar sua sexualidade e afetividade, e que sejam aceitas a diversidadede cada um e todos para que a diferença não se constitua, um embaraço no sentido de existir comocidadãs.

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Nessa caminhada, todos desempenhamos um papel, temos um lugar, porém a família ocupaum lugar de destaque no desenvolvimento da pessoa com deficiência ou não. Em todas as situaçõesparece imprescindível a sensibilização, mobilização e participação da comunidade para que asnecessidades das pessoas nela inseridas sejam contempladas e legitimadas.

A escola será, indiscutivelmente, um dos veículos por excelência para viabilizar a inclusãode todos e reconstruir a visão que se tem, de que tudo que é diferente e foge da norma não deve seraceito, ou seja, buscar na imagem do caleidoscópio a inspiração da participação de todos os pedaçosque compõem a sociedade, pois se faltar um pedaço dela, sua estrutura se torna menos completa,menos rica e deixa de representar sua totalidade.

A saída desse embaraço reside na aceitação das limitações que a deficiência impõe àspessoas que são afetadas diretamente por elas e às pessoas que convivem com as mesmas, assimteremos competência não somente para lutar, mas também, para buscar ressignificar a diferençacomo algo inerente à condição humana e distanciar no tempo o sentimento de ficar pouco à vontadenas situações e vivências em que um fica diante do outro. Segundo Lajonquière (1992, p. 185),

embora as aprendizagens resultem possíveis porque há um “outro” que demanda talcoisa, elas também se tornam impossíveis, quando esse “outro” o fazinadequadamente... Esse “outro” pode ser a mãe, a professora, o psicopedagogo,etc.(1992, p. 185).

Para que o processo de exclusão seja trabalhado e combatido é imprescindível redimensionar oprocesso educacional , dando início a um novo caminho em parceria com todos que fazem a escolapara,

... debater os preconceitos, as limitações impostas pela deficiência e, ainda, os tabusque são criados; discutir a sexualidade na forma como se apresenta em uma sociedadee nas possibilidades de ser vivida por cada um de nós, com nossas característicaspessoais, apresentem elas deficiências/diferenças ou não (Costa,2000, p.54).

A participação dos poderes Municipal, Estadual e Federal, não deverá se dá como umabenesse que se presta a alguém quando se deseja, mas como uma obrigação a ser cumprida, previstaem lei, em declarações universais dos direitos das pessoas e na sensibilidade e solidariedade quedevem nortear as ações de todos que participam e celebram a vida nessa aldeia global.

Nesse contexto, colocamos como possibilidade à abordagem da sexualidade da pessoa comdeficiência na escola regular. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), ao incluir em seustemas transversais a orientação sexual, aponta um caminho para todos que fazem a educação noBrasil, que poderá desenvolver estratégias inclusivas, acolhimento a todos os alunos comdeficiência ou não, procurando não privá-los desde cedo da oportunidade de conviver com o“outro”, pois todas as pessoas devem ter livre acesso a informação sobre sexualidade e afetividade.

A educação inclusiva faz parte do processo de inclusão de todas as pessoas na sociedade epode favorecer a reconstrução de uma força cultural para a renovação da escola, no que se refere aestratégias gratificantes de aprender a estar “juntos”, compreendendo, respeitando e aceitando asdiferenças, bem como tornando possível os relacionamentos sociais, ou seja, fazer amigos, namorare acreditar que uma deficiência é apenas parte da pessoa ... Acreditar na competência, habilidades,talentos, interesse e possibilidades de ser, em vez de valorizar os déficits, como disse FernandoPessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Por isso a esperança do recomeço,porque o homem em si busca a felicidade e a cada dia a conquista dessa felicidade parece está nacooperação, no estar juntos, no amor pelo amor, assim poderá fazer acontecer, através de geraçõesuma nova história...

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