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    64 Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n. 62, p. 64-81, abril 2004Disponvel em

    A periodizao do desenvolvimento psicolgico individual na perspectiva...

    A PERIODIZAO DO DESENVOLVIMENTOPSICOLGICO INDIVIDUAL NA PERSPECTIVA DE

    LEONTIEV, ELKONIN E VIGOSTSKI

    MARILDAGONALVES DIAS FACCI*

    RESUMO: Este estudo se prope a analisar algumas contribuies da

    psicologia de Leontiev, Elkonin e Vigotski no campo da psicologiado desenvolvimento, mais especificamente a questo da periodizaoda ontognese humana. Leontiev e Elkonin, seguindo a linha scio-histrica ou histrico-cultural iniciada por Vigotski, desenvolveramas bases de uma psicologia do desenvolvimento que superasse oenfoque naturalizante to forte nesse campo. Segundo eles cada pe-rodo do desenvolvimento individual humano caracterizado poruma atividade principal, ou atividade dominante, a partir da qual seestruturam as relaes do indivduo com a realidade social. So ana-lisados tambm os perodos que Leontiev e Elkonin detectaram nodesenvolvimento dos indivduos nas condies sociais da URSS.

    Palavras-chave: Psicologia do desenvolvimento. Leontiev. Elkonin.Atividade principal.

    THESTAGESOFTHEPSYCHOLOGICALDEVELOPMENTOFINDIVIDUALS

    ACCORDINGTO LEONTYEV, ELKONINAND VYGOTSKY

    ABSTRACT: This study analyses certain contributions by Leontyev,

    Elkonin and Vigostky in the area of Developmental Psychology,more particularly the stages of human ontogenesis. Adopting the so-cial-historical/historical-cultural approach initiated by Vygotsky,Leontyev and Elkonin formulated the basis for a DevelopmentalPsychology that endeavored to surpass the naturalistic approachthat prevailed in this field. According to these authors, each stage ofthe process of development is characterized by a leading activityfrom which stems the relationship between the individual and their

    * Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maring (UEM) ecoordenadora do Grupo de Pesquisa Psicologia Histrico-Cultural e Educao. E-mail:[email protected] e [email protected]

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    social reality. This study also analyzes the stages of the individual de-velopment Leontyev and Elkonin observed under the social condi-

    tions of the USSR.Key words: Developmental psychology. Leontyev. Elkonin. Leading

    activity.

    ste estudo se prope a apresentar alguns aspectos relacionados periodizao do desenvolvimento humano na abordagem his-trico-cultural ou scio-histrica. Nossa formao em psicolo-

    gia, a atuao no contexto educacional e, principalmente, os estudos

    que vimos desenvolvendo dos trabalhos de L. S. Vigotski1

    nos tmconduzido compreenso do psiquismo humano para alm de expli-caes baseadas em modelos mecanicistas ou modelos organicistas dedesenvolvimento, utilizando uma classificao de Palcius (1995).

    A psicologia histrico-cultural teve incio com as obras deVigotski (1896-1934). Este pesquisador desenvolveu seu trabalho combase marxista e era radical, por querer ir raiz de todos os problemase por se manter fiel a um mtodo de compreenso do psiquismo hu-

    mano. Concordamos com Tuleski (2002) e com Duarte (1996, 2000)quando afirmam que necessrio manter essa filiao terica da psico-logia histrico-cultural, a qual tem uma viso historicizadora do psi-quismo humano.

    De acordo com Shuare (1990), os fundamentos marxistasenfatizam que mudanas histricas na sociedade e na vida materialproduzem mudanas na conscincia e no comportamento humano.Existe um desenvolvimento histrico dos fenmenos psquicos e estes

    mantm uma relao de dependncia essencial com respeito vida e atividade social. Para essa autora, a histria da psique humana ahistria da sua construo, portanto a psique no imutvel ou inva-rivel no decorrer do desenvolvimento histrico.

    Nessa perspectiva, o trao fundamental do psiquismo humano que este se desenvolve por meio da atividade social, a qual, por suavez, tem como trao principal a mediao por meio de instrumentosque se interpem entre o sujeito e o objeto de sua atividade. As fun-

    es psicolgicas superiores (tipicamente humanas, tais como a aten-o voluntria, memria, abstrao, comportamento intencional etc.)so produtos da atividade cerebral, tm uma base biolgica, mas, fun-

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    damentalmente, so resultados da interao do indivduo com o mun-do, interao mediada pelos objetos construdos pelos seres humanos.

    A constituio dessas funes caracterizada pela mediao porintermdio dos signos, sendo que a linguagem o sistema de signosmais importante. As formas superiores de comportamento formaram-segraas ao desenvolvimento histrico da humanidade e originam-se nacoletividade em forma de relaes entre os homens, e s depois se con-vertem em funes psquicas da personalidade. Davidov & Shuare(1987) esclarecem que no desenvolvimento psquico do homem h pri-mazia do princpio social sobre o princpio natural-biolgico. Para esses

    autores, o desenvolvimento ontogentico da psique determinado pe-los processos de apropriao das formas histricas e sociais da cultura.

    Essas idias so fundamentais quando se busca compreender aformao do psiquismo humano numa perspectiva historicizadora.Leontiev e Elkonin, neste sentido, conforme Duarte (1996), lanaminstigantes questes a serem discutidas e investigadas na direo daconstruo de uma psicologia do desenvolvimento efetivamente histri-co-social. Esses aspectos constituem a base da discusso neste trabalho.

    As atividades principais no desenvolvimento humano

    necessrio superar a viso idealista do desenvolvimento psico-lgico. Como Vigotski afirmou nos anos de 1930, imprescindvel es-tudar a afetividade e o intelecto como unidade e no mais pertinenteabordar o desenvolvimento psquico como um mecanismo adaptativodo comportamento, como Freud e Piaget o faziam: este, por colocar o

    intelecto como um mecanismo de adaptao da criana ao mundo dascoisas; aquele, por apontar os mecanismos de represso, censura etc.como mecanismos de adaptao ao mundo das pessoas (Elkonin,1987). A superao dessa viso idealista implica compreender a relaoda criana com a sociedade construda historicamente a partir das ne-cessidades dos homens.

    Elkonin e Leontiev afirmam que cada estgio de desenvolvi-mento da criana caracterizado por uma relao determinada, por

    uma atividade principal2 que desempenha a funo de principal for-ma de relacionamento da criana com a realidade. Para esses estudio-sos, o homem a partir do desenvolvimento de suas atividades, tal

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    como elas se formam nas condies concretas dadas de sua vida adap-ta-se natureza, modifica-a, cria objetos e meios de produo desses

    objetos, para suprir suas necessidades. A criana, nesse caso, por meiodessas atividades principais, relaciona-se com o mundo, e, em cada es-tgio, formam-se nela necessidades especficas em termos psquicos.Leontiev (1987) enfatiza que o desenvolvimento dessa atividadecondiciona as mudanas mais importantes nos processos psquicos dacriana e nas particularidades psicolgicas da sua personalidade.

    Segundo Elkonin (1987), os principais estgios de desenvolvi-mento pelos quais os sujeitos passam so: comunicao emocional do

    beb; atividade objetal manipulatria; jogo de papis; atividade de es-tudo; comunicao ntima pessoal; e atividade profissional/estudo. Acomunicao emocional direta dos bebs com os adultos a atividadeprincipal desde as primeiras semanas de vida at mais ou menos umano, constituindo-se como base para a formao de aes sensrio-motoras de manipulao. Na relao da criana com a sociedade, numprocesso de assimilao das tarefas e dos motivos da atividade huma-na e das normas de relacionamento que as pessoas estabelecem du-

    rante suas relaes, o beb utiliza vrios recursos para se comunicarcom os adultos, como o choro, por exemplo, para demonstrar as sen-saes que est tendo e o sorriso para buscar uma forma de comuni-cao social. Conforme Zaporzhets (1987), o sentimento de amorfilial, a simpatia por outras pessoas, o afeto amistoso, entre outros as-pectos presentes na relao do beb com outras crianas e o adulto,so enriquecidos e transformados no processo evolutivo da criana,tornando-se a base indispensvel para o surgimento de sentimentossociais mais complexos.

    J no primeiro ano de vida, a conduta da criana comea areestruturar-se e cada vez mais aparecem processos de comportamen-to em virtude das condies sociais e da influncia educativa das pes-soas que a rodeiam. Para Vygotski (1996), h no primeiro ano de vidauma sociabilidade totalmente especfica e peculiar em razo de umasituao social de desenvolvimento nica, determinada por dois mo-mentos fundamentais:o primeiro consiste na total incapacidade bio-lgica, pois o beb incapaz de satisfazer quaisquer das suas necessi-

    dades bsicas de sobrevivncia. So os adultos que cuidam do beb, eo caminho por intermdio dos adultos a via principal de atividadeda criana nessa idade. Praticamente todo comportamento do beb

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    est inserido e entrelaado com o fator social e o contato da crianacom a realidade socialmente mediado. A segunda peculiaridade que

    caracteriza a situao social de desenvolvimento no primeiro ano devida a seguinte: embora o beb dependa do adulto, ele ainda carecedos meios fundamentais de comunicao social em forma de lingua-gem. A forma como a vida do beb organizada o obriga a manteruma comunicao mxima com os adultos, porm essa comunicao uma comunicao sem palavras, muitas vezes silenciosa, uma comu-nicao de gnero totalmente peculiar. Assim. (...) o desenvolvimen-to do beb no primeiro ano baseia-se na contradio entre a mxima

    sociabilidade (em razo da situao em que se encontra) e suas mni-mas possibilidades de comunicao (Vygotski, 1996, p. 286).Em um segundo momento, ainda na primeira infncia, a ativi-

    dade principal passa a ser a objetal-instrumental, na qual tem lugar aassimilao dos procedimentos elaborados socialmente de ao comos objetos e, para que ocorra essa assimilao, necessrio que osadultos mostrem essas aes s crianas. A comunicao emocional dlugar a uma colaborao prtica. Por meio da linguagem, a criana

    mantm contato com o adulto e aprende a manipular os objetos cria-dos pelos homens, organizando a comunicao e a colaborao comos adultos.

    A primeira funo da linguagem a comunicao, um meio deexpresso e compreenso entre os homens, que permite o intercm-bio social. At mais ou menos os 18 meses, a criana ainda no con-segue descobrir as funes simblicas da linguagem, que uma ope-rao intelectual consciente e altamente complexa. Por volta dos dois

    anos, a criana apresenta grande evoluo da linguagem, dando in-cio a uma forma totalmente nova de comportamento, exclusivamentehumana. Inicia-se a formao da conscincia e a diferenciao do euinfantil. O (...) pensamento da criana evolui em funo do dom-nio dos meios sociais do pensamento, quer dizer, em funo da lin-guagem (Vygotski, 1993, p. 116).Esta uma mediao entre o su-jeito e o objeto do conhecimento. Dessa forma, o conhecimento e asexperincias advindas da prtica social podem ser difundidos por to-dos e apropriados por cada um, por cada sujeito em particular. Em-

    bora a linguagem constitua uma forma de comunicao com os adul-tos, para Elkonin (1987), ela no a atividade principal nessa etapade desenvolvimento; sua funo maior auxiliar a criana a compre-

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    ender a ao dos objetos, assimilar os procedimentos, socialmenteelaborados, de ao com os objetos.

    Na seqncia, no perodo pr-escolar, a atividade principal pas-sa a ser o jogo ou a brincadeira.Utilizando-se dessas atividades, a cri-ana apossa-se do mundo concreto dos objetos humanos, poor meioda reproduo das aes realizadas pelos adultos com esses objetos.As brincadeiras das crianas no so instintivas e o que determina seucontedo a percepo que a criana tem do mundo dos objetos hu-manos. A criana opera com os objetos que so utilizados pelos adul-tos e, dessa forma, toma conscincia deles e das aes humanas reali-

    zadas com eles. A criana, durante o desenvolvimento dessa conscinciado mundo objetivo, por meio da brincadeira(...) tenta integrar umarelao ativa no apenas com as coisas diretamente acessveis a ela,mas tambm com o mundo mais amplo, isto , ela se esfora paraagir como um adulto (Leontiev, 1998b, p. 121). Ela ainda no do-minou e no pode dominar as operaes exigidas pelas condies ob-jetivas reais da ao dada, como, por exemplo, dirigir um carro, an-dar de motocicleta, pilotar um avio. Mas, na brincadeira, na

    atividade ldica, ela pode realizar essa ao e resolve a contradio en-tre a necessidade de agir, por um lado, e a impossibilidade de execu-tar as operaes exigidas pela ao, de outro.

    O principal significado do jogo, para Elkonin (1987), per-mitir que a criana modele as relaes entre as pessoas. O jogo in-fluenciado pelas atividades humanas e pelas relaes entre as pessoase o contedo fundamental o homem a atividade dos homens e asrelaes com os adultos. Ao mesmo tempo, ele exerce influncia so-

    bre o desenvolvimento psquico da criana e sobre a formao de suapersonalidade:(...) a evoluo do jogo prepara para a transio parauma fase nova, superior, do desenvolvimento psquico, a transiopara um novo perodo evolutivo (Elkonin, 1998, p. 421).

    No perodo pr-escolar, o que se constata que as necessida-des bsicas da criana so supridas pelos adultos, e as crianas sen-tem sua dependncia com relao a eles. O seu mundo divide-se emdois crculos: um criado pelos pais ou pelas pessoas que convivem

    com elas, sendo que essas relaes determinam as relaes com to-das as demais pessoas; o outro grupo formado pelos demais mem-bros da sociedade. Portanto, a vida da criana muda muito quando

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    ela entra na escola, onde a relao com os professores faz parte deum pequeno e ntimo crculo de seus contatos. A passagem da cri-

    ana da infncia pr-escolar fase seguinte est condicionada, en-to, pela entrada da criana na escola e a atividade principal passa aser o estudo. Conforme Leontiev (1978), o prprio lugar que a cri-ana ocupa com relao ao adulto se torna diferente. Na escola, acriana tem deveres a cumprir, tarefas a executar e, pela primeiravez em seu desenvolvimento, tem a impresso de estar realizandoatividades verdadeiramente importantes.

    O estudo serve como intermedirio de todo o sistema de rela-

    es da criana com os adultos que a cercam, incluindo a comunica-o pessoal com a famlia. Podemos observar vrias mudanas que seoperam ao redor da criana, dentro mesmo da prpria famlia: os pa-rentes dirigem-se a ela sempre perguntando pela escola, pelos seus es-tudos; em casa a criana no pode ser importunada pelos irmosquando est fazendo tarefa etc. Nesta atividade de estudo ocorre a as-similao de novos conhecimentos, cuja direo constitui o objetivofundamental do ensino.

    Para Davidov & Mrkova (1987b, p. 321) a assimilao ouapropriao dos conhecimentos o processo de reproduo, pelo in-divduo, dos (...) procedimentos historicamente formados de trans-formao dos objetos da realidade circundante, dos tipos de relaoem direo a isso e do processo de converso de padres, socialmenteelaborados, em formas da subjetividade individual. O ensino esco-lar deve, portanto, nesse estgio, introduzir o aluno na atividade deestudo, de forma que se aproprie dos conhecimentos cientficos. So-

    bre a base dos estudos, conforme Davidov (1988), surgem a consci-ncia e o pensamento terico e desenvolvem-se, entre outras funes,as capacidades de reflexo, anlise e planificao mental.

    Uma nova transio a chegada da adolescncia, com uma ou-tra atividade principal: a comunicao ntima pessoalentre os jovens.Ocorre uma mudana na posio que o jovem ocupa com relao aoadulto e as suas foras fsicas, juntamente com seus conhecimentos ecapacidades, colocam-no, em certos casos, em p de igualdade com

    os adultos, e, muitas vezes, at superior em alguns aspectos particu-lares. Eletorna-se crtico em face das exigncias que lhe so impostas,das maneiras de agir, das qualidades pessoais dos adultos e tambm

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    dos conhecimentos tericos. Ele busca, na relao com o grupo, umaforma de posicionamento pessoal diante das questes que a realidade

    impe sua vida pessoal e social.A adolescncia o perodo de desenvolvimento mais crtico e,

    nessa idade, segundo Elkonin (1987), essa atividade especial no esta-belecimento de relaes pessoais ntimas entre os adolescentes umaforma de reproduzir, com os companheiros, as relaes existentes en-tre as pessoas adultas. A interao com os companheiros mediatizadapor determinadas normas morais e ticas (regras de grupo).A ativi-dade de estudo ainda continua sendo considerada importante para os

    jovens e ocorre, por parte dos alunos, o domnio da estrutura geralda atividade de estudo, a formao de seu carter voluntrio, a toma-da de conscincia das particularidades individuais de trabalho e a uti-lizao desta atividade como meio para organizar as interaes sociaiscom os companheiros de estudo.

    Segundo Vygotski (1996), nessa fase de desenvolvimento seproduz no adolescente um importante avano no desenvolvimento in-telectual, formando-se os verdadeiros conceitos. O pensamento por

    conceito abre para o jovem um mundo da conscincia social, e o co-nhecimento da cincia, da arte e as diversas esferas da vida culturalpodem ser corretamente assimiladas. Por meio do pensamento emconceito ele chega a compreender a realidade, as pessoas ao seu redore a si mesmo.O pensamento abstrato desenvolve-se cada vez mais e opensamento concreto comea a pertencer ao passado. O contedo dopensamento do jovem converte-se em convico interna, em orienta-es dos seus interesses, em normas de conduta, em sentido tico, em

    seus desejos e seus propsitos.Por meio da comunicao pessoal com seus iguais, o adolescen-

    te forma os pontos de vista gerais sobre o mundo, sobre as relaesentre as pessoas, sobre o prprio futuro e estrutura-se o sentido pes-soal da vida. Esse comportamento em grupo ainda d origem a novastarefas e motivos de atividade dirigida ao futuro, e adquire o carterde atividade profissional/de estudo.Davidov & Mrkova (1987a) escla-recem que na idade escolar avanada a atividade de estudo passa a ser

    utilizada como meio para a orientao e preparao profissional, ocor-rendo o domnio dos meios de atividade de estudo autnomo, comuma atividade cognoscitiva e investigativa criadora. A etapa final do

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    desenvolvimento acontece quando o indivduo se torna trabalhador,ocupando um novo lugar na sociedade.

    a sociedade que determina o contedo e a motivao na vidada criana, pois todas as atividades dominantes aparecem como ele-mentos da cultura humana. E, de acordo com as caractersticasobjetais e de contedos das atividades dominantes, identificadas ato presente, essas atividades, segundo Elkonin (1987, p. 121), podemser divididas em dois grupos: no primeiro grupo esto aquelas ativi-dades desenvolvidas no sistema criana-adulto social, as quais tm ori-entao predominante na atividade humana e na assimilao de obje-

    tivos, motivos e normas das relaes entre as pessoas; no segundogrupo esto presentes as atividades que ocorrem num sistema crian-a-objeto social, no qual ocorre a assimilao de procedimentos deao com os objetos.

    As atividades so dominantes em determinados perodos e, noperodo seguinte, no deixam de existir, mas vo perdendo sua fora.Aps os perodos em que tem lugar o desenvolvimento preponderan-te na esfera motivacional e de necessidades, seguem perodos com pre-

    ponderncia de formao de possibilidades operacionais tcnicas.Neste aspecto, Elkonin (1987, p. 122) formula, ento, uma hiptesedo carter peridico dos processos de desenvolvimento psquico e dis-tribui os tipos de atividade em grupos de acordo com a seqncia deatividade principal, obtendo a seguinte srie: a) primeira infncia: co-municao emocional direta (1 grupo) e atividade objetal manipula-tria (2 grupo); b) segunda infncia: jogo (1 grupo) e atividade deestudo (2o grupo); e c) adolescncia: comunicao ntima pessoal (1

    grupo) e atividade profissional de estudo (2o

    grupo).Cada poca con-siste em dois perodos regularmente ligados entre si. Tem incio como perodo em que predomina a assimilao dos objetivos, dos moti-vos e das normas da atividade e essa etapa prepara para a passagem aosegundo perodo, no qual ocorrem a assimilao dos procedimentosde ao com o objeto e a formao de possibilidades tcnicas eoperacionais.

    Como ocorre, ento, a passagem de uma etapa de desenvolvi-

    mento seguinte? Leontiev (1998a) argumenta que, no decorrer doseu desenvolvimento, a criana comea a se dar conta de que o lugarque ocupava no mundo das relaes humanas que a circundava no

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    corresponde s suas potencialidades e se esfora para modific-lo, sur-gindo uma contradio explcita entre esses dois fatores. Ela torna-se

    consciente das relaes sociais estabelecidas, e essa conscientizao aleva a uma mudana na motivao de sua atividade; nascem novosmotivos, conduzindo-a a uma reinterpretao de suas aes anterio-res. A atividade principal em determinado momento passa a um se-gundo plano, e uma nova atividade principal surge, dando incio aum novo estgio de desenvolvimento.

    Essas transies provocam mudanas em aes, operaes e fun-es que, por sua vez, conduzem a mudanas de atividades como um

    todo. As mudanas observadas nos processos de vida psquica da cri-ana (percepo, memria, pensamento, entre outras funes psqui-cas), dentro do limite de cada estgio, esto ligadas entre si e no soindependentes umas das outras. No caso da memria, por exemplo,no perodo pr-escolar, ela apresentava determinada funo, masquando chega fase dos estudos, a memria ocupa novo lugar na es-trutura da atividade psquica da criana; a memorizao torna-se vo-luntria e consciente.

    Ao abordarmos a questo da atividade principal e do seu signi-ficado para o desenvolvimento da criana em determinado perodono queremos dizer que, simultaneamente, no exista nenhum desen-volvimento em outras direes. Para Elkonin (1987, p. 122) as ativi-dades da criana so variadas e (...) seu surgimento e converso ematividade principal no eliminam as existentes anteriormente, senoque s mudam seu lugar no sistema geral de relaes da criana coma realidade, as quais se tornam mais ricas. A transio de uma etapa

    de desenvolvimento infantil para outra caracterizada por crises. Es-tas surgem no limite entre duas idades e assinalam o fim de uma eta-pa precedente de desenvolvimento e o comeo da seguinte.

    Vygotski (1996) identificou as seguintes crises:crises ps-natal primeiro ano (2 meses-1 ano); crise de 1 ano infncia precoce (1ano-3 anos); crise de 3 anos idade pr-escolar (3 anos-7 anos); crisedos 7 anos idade escolar (8 anos-12 anos); crise dos 13 anos pu-berdade (14 anos-18 anos); e crise dos 17 anos. Nesses perodos de

    crise que podem durar vrios meses, um ano, dois ao mximo pro-duzem-se mudanas bruscas, rupturas na personalidade da criana.Conforme Vygotski (idem, ibid., p. 256-257), algumas caractersti-

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    cas esto presentes nesses perodos: 1a.) os limites entre o comeo e ofinal da crise e as idades contguas so totalmente indefinidas as

    crises originam-se de forma imperceptvel e difcil determinar omomento de seu comeo e fim; 2a) um grande nmero de crianasque vivem essa fase so difceis de educar, elas podem ter conflitoscom outras pessoas e consigo mesmas, no entanto no sempre as-sim, pois os perodos crticos so distintos em diferentes crianas; 3a)o negativismo uma caracterstica marcante. Esses perodos, portan-to, so caracterizados por uma atitude de negativismo com relao sexigncias antes cumpridas:as crianas tornam-se desobedientes, ca-

    prichosas, contestadoras, e, muitas vezes, entram em conflito com osadultos que as cercam, geralmente com os pais e professores.Bozhvich (1987, p. 255) refora essa idia afirmando que todas aspeculiaridades das crianas que vivem um perodo crtico indicamfrustrao, que surge como uma resposta privao de algumas ne-cessidades essenciais ao sujeito. Portanto, o autor conclui que essa re-ao de frustrao ocorre quando as crianas no satisfazem suas ne-cessidades ou quando, inclusive, reprimem ativamente aquelas novasnecessidades que surgem no final de cada etapa de desenvolvimento.

    No desenvolvimento de perodos crticos, com relao aos per-odos estveis, (...) passam ao primeiro plano os processos de extinoe retirada, decomposio e desintegrao de tudo que se havia forma-do na etapa anterior e caracterizava a criana de dita idade. A crianaperde o que j tinha conseguido antes de adquirir algo novo(Vygotski, 1996, p. 257). Ela perde os interesses que ultimamenteocupavam a maior parte de seu tempo e ateno, e agora como sehouvesse um esvaziamento das formas de suas relaes externas, as-sim como de sua vida interior.

    Os perodos de crise que se intercalam entre os estveis, (...)configuram os pontos crticos, de mudana no desenvolvimento, con-firmando uma vez mais que o desenvolvimento da criana um pro-cesso dialtico em que a passagem de um estgio a outro no se reali-za pela via evolutiva, seno revolucionria (idem, ibid., p. 258). Ascrises mostram a necessidade interna das mudanas de estgios, dapassagem de um estgio a outro, pois surge uma contradio aberta

    entre o modo de vida da criana e as suas possibilidades que j supe-raram esse modo de vida. No entanto, de acordo com Leontiev(1998a), essas crises no so inevitveis: o que so inevitveis so os

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    momentos crticos, a ruptura, as mudanas qualitativas no desenvol-vimento. por isso, segundo Leontiev (1978), que atividade se reor-

    ganiza. As necessidades internas e externas levam a criana a mudarde interesse, a formarem-se novas atividades dominantes, num pro-cesso dialtico entre o velho e o novo em termos de capacidades,habilidades, aspiraes e formaes psicolgicas. Utilizando, neste as-pecto, as palavras de Davidov (1988), podemos dizer que o que erauma atividade principal, na passagem de um estgio para outro, tor-na-se latente, exercendo uma influncia subterrnea.

    Para Vygotski (1996) as idades constituem formaes globais e

    dinmicas e as estruturas determinam o papel e o peso especfico decada linha parcial de desenvolvimento. Em cada perodo de idade nose modificam, no transcorrer do desenvolvimento, aspectos isoladosda personalidade da criana. A personalidade da criana modifica-seem sua estrutura interna como um todo e as leis que regulam essetodo determinam a dinmica de cada uma de suas partes. Por essemotivo, em cada etapa de idade encontramos sempre uma nova for-mao central (ou neoformao) que funciona como uma espcie de

    guia para todo o processo de desenvolvimento que caracteriza a reor-ganizao de toda a personalidade da criana sobre uma base nova. Aestrutura de cada idade anterior transforma-se em uma nova que sur-ge e se desenvolve medida que ocorre o desenvolvimento da criana.Para entender essa estrutura fundamental levar em considerao quea relao entre o todo e a parte uma relao dinmica que determi-na as mudanas e o desenvolvimento tanto do todo como das partes.

    Por meio de suas pesquisas Vygotski (1996), concluiu que, na

    anlise da evoluo do desenvolvimento infantil, preciso, pois: 1) es-tudar a dinmica da idade para esclarecer como a situao social influ-encia nas novas estruturas da conscincia da criana nos diversos pero-dos evolutivos; 2) estudar a origem ou gnese das novas formaescentrais de determinada idade; 3) estudar as conseqncias advindasdessas novas estruturas de idades, pois a nova estrutura da conscinciaadquirida significa que a criana percebe distintas maneiras em sua vidainterior, assim como o mecanismo interno de suas funes psquicas; e4) observar, alm das transformaes internas, a mudana de compor-

    tamento na relao com outras pessoas, pois essa reestruturao da si-tuao social de desenvolvimento constitui o contedo principal dasidades crticas.

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    Consideramos importante apresentar, a ttulo de esclarecimento, alei fundamental da dinmica das idades, propostas por Vygotski (ibid.,

    p. 265):(...) as foras que movem o desenvolvimento da criana em uma ou outraidade acabam por negar e destruir a prpria base de desenvolvimento detoda idade, determinando, com a necessidade interna, o fim da situao so-cial do desenvolvimento, o fim da etapa dada de desenvolvimento no passoseguinte, ou ao perodo superior de idade.

    Consideraes finais

    Com relao periodizao do desenvolvimento, a psicologiarussa tomou como base as idias elaboradas por Vigotski sobre o pro-blema das idades e as crises pelas quais passam a criana no desenvol-vimento ontogentico de sua personalidade. Nessa perspectiva, a in-fncia tem um carter histrico concreto e as particularidades, asespecificidades de cada idade tambm so historicamente transforma-das. Os autores russos, como Vygotski, Leontiev e Elkonin, propuse-

    ram uma periodizao do desenvolvimento fazendo referncia a umasociedade socialista.Os estgios de desenvolvimento, para esses autores, possuem

    uma certa seqncia no tempo, mas no so imutveis. Eles dependemdas condies concretas nas quais ocorre o desenvolvimento. As condi-es histrico-sociais concretas exercem influncia tanto sobre o con-tedo concreto de um estgio individual do desenvolvimento como so-bre o curso total do processo de desenvolvimento psquico como um

    todo. Como exemplo, podemos citar a atividade principal do trabalhoque, em cada poca da sociedade, alonga-se ou no, de acordo com asexigncias sociais.Mesmo no caso da atividade de jogo, em determina-dos lugares, mesmo no Brasil, onde j foi constatado o grande ndicede crianas que trabalham, no podemos dizer que essa atividade seja adominante no perodo pr-escolar, pois os limites de idade de cada es-tgio tambm dependem das condies histricas concretas nas quaisest ocorrendo o desenvolvimento da criana. Esses limites de idade sealteram com a mudana das condies histrico-sociais. Portanto,Elkonin (1998, p. 81) levanta a conjectura de que(...) os processosdo desenvolvimento psquico que se operam em certos perodos da in-fncia aparecero e mudaro na histria.

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    Elkonin (1987, p. 12-124) ressalta que a importncia terica eprtica das hipteses sobre o carter peridico dos processos de de-

    senvolvimento psquico e do esquema de periodizao construdo so-bre essa base permite: a) superar a diviso entre aspectos moti-vacionais e das necessidades, e intelectual-cognitivo; b) considerar odesenvolvimento psquico desenvolvendo-se segundo uma espiral as-cendente e no linear; c) analisar as vinculaes existentes entre os pe-rodos isolados para, ento, estabelecer a importncia funcional detodo perodo precedente para o incio do seguinte; e d) finalmente,essa hiptese est orientada a dividir o desenvolvimento psquico em

    pocas e estdios de tal forma que corresponda s leis internas de de-senvolvimento, vinculados a fatores externos, s necessidades que a re-alidade externa prope aos sujeitos.

    Na prtica, esses conhecimentos ajudam a solucionar a questosobre a forma como as crianas, em alguns perodos de desenvolvimen-to infantil, reagem a determinadas influncias do ensino e mesmo so-bre a forma como o ensino organizado na nossa sociedade. Leontiev(1978) afirma que as prprias crises em cada etapa de desenvolvimentopodem ser superadas, ou mesmo podem deixar de existir se o processoeducativo for racionalmente conduzido, se houver uma direo no sen-tido de j levar emconsiderao as estruturas mentais que esto sendoelaboradas no perodo de transio de um estgio para o outro.

    Kostiuk (1991, p. 20) entende que aprendizagem e educaotm muito em comum e que conduzir o desenvolvimento por meioda educao (...) significa organizar esta interao, dirigir a ativida-de da criana para o conhecimento da realidade e para o domnio por meio da palavra do saber e da cultura da humanidade, desen-volver concepes sociais, convices e normas de comportamentomoral. Neste aspecto, podemos nos voltar para a teoria de Vigotskique aborda a relao entre desenvolvimento e aprendizagem,enfocando o desenvolvimento prximo. Na abordagem histrico-cul-tural, o aprendizado considerado um aspecto fundamental para queas funes psicolgicas superiores aconteam; dessa forma o ensino fator imprescindvel para o desenvolvimento do psiquismo humano.

    Para Vigotski (1993, 1998) existem relaes complexas entre

    desenvolvimento e aprendizagem. Esse autor identificou dois nveisde desenvolvimento.O primeiro nvel denominado de desenvolvi-mento real ou efetivo. Ele constitudo pelas funes psicolgicas j

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    efetivadas. O segundo nvel o desenvolvimento prximo e define-secomo aquelas funes que esto em vias de amadurecer e que podem

    ser identificadas por meio da soluo de tarefas com o auxlio de adul-tos e outras crianas mais experientes. Ao passo que aquele nvel ca-racteriza o desenvolvimento mental, retrospectivamente, este o carac-teriza prospectivamente. medida que ocorre a interao com outraspessoas, a criana capaz de movimentar vrios processos de desen-volvimento que, sem ajuda, seriam impossveis de ocorrer. Vygotski(1993, p. 239) ressalta que(...) a zona de desenvolvimento prximotem um valor mais direto para a dinmica da instruo que o nvel

    atual de seu desenvolvimento.Portanto, o ensino deve incidir sobreessa zona de desenvolvimento e as atividades pedaggicas precisam serorganizadas, com a finalidade de conduzir o aluno apropriao dosconceitos cientficos elaborados pela humanidade.

    Davidov (1988) enfatiza a necessidade de a educao ser guia-da pelo princpio do desenvolvimento, isto , que haja uma sistema-tizao da educao de forma que esta possa dirigir regularmente osritmos e o contedo do desenvolvimento por meio de aes que exer-

    cem influncia sobre este. Dessa forma, o ensino deve realmente pro-mover o desenvolvimento e criar nas crianas as condies e premis-sas do desenvolvimento psquico. Neste processo, o professor tempapel destacado como mediador entre o aluno e o conhecimento, ca-bendo a ele intervir na zona de desenvolvimento prximo dos alunos,conduzindo a prtica pedaggica. Portanto os educadores, de uma for-ma geral, precisam estar atentos s peculiaridades do desenvolvimen-to psquico em diferentes etapas evolutivas, para que possam estabe-

    lecer estratgias que favoream a apropriao do conhecimentocientfico.Neste sentido, Kostiuk (1991) ressalta que necessrio queo professor tenha clareza de como o ensino influi sobre o desenvolvi-mento intelectual e das caractersticas psicolgicas dos alunos, e quese estudem maneiras de valorizar a eficcia dos diversos mtodos deensino no desenvolvimento do pensamento, da memria e de outrosprocessos mentais.

    O desenvolvimento do aluno no ocorre, segundo Davidov &

    Mrkova (1987a, 1987b), pela assimilao de qualquer conceito ouhabilidade particular; o desenvolvimento ocorre quando existemavanos qualitativos no nvel e na forma das capacidades e nos tiposde atividades, de que se apropria o indivduo. A atividade especial

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    do escolar deve estar fixada na experincia histrico-social nos ob-jetos da cultura humana, nas diversas esferas de conhecimento e na

    cincia ; so os conhecimentos cientficos que devem ser apropria-dos pelos alunos levando-se a pertencer ao gnero humano.

    De acordo com Leontiev (1978), desenvolvendo-se, a crianapassa a atuar como membro da sociedade, portadora de obrigaesque esta lhe impe e os estdios sucessivos do seu desenvolvimentoso de fato graus diferentes dessa transformao. Como afirmamos nodecorrer deste trabalho, o homem apropria-se do mundo dos objetospor meio das relaes reais que estabelece com o mundo. Essas rela-

    es so determinadas pelas condies histricas concretas, sociais,nas quais o homem se desenvolve e tambm pela maneira como a suavida se forma nessas condies e como ele se apropria das objetivaesj produzidas e transmitidas por intermdio da educao.

    Recebido em novembro de 2003 e aprovado em maro de 2004.

    Notas

    1. Em nossa dissertao de mestrado (Facci, 1998) e em nossa tese de doutorado, que foi de-fendida em 2003 e que ser publicada em 2004 , tivemos a oportunidade deaprofundar nossos estudos da psicologia vigotskiana.

    2. Em espanhol esse conceito traduzido como actividad rectora. Em portugus esse con-ceito traduzido por atividade principal ou como atividade dominante; optamos porutilizar neste texto a primeira expresso.

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