a pedagogia historico critica no cenario da educacao fisica

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  • Faculdade de Educao Fsica

    Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica

    Mestrado em Educao Fsica

    Efrain Maciel e Silva

    A pedagogia histrico-crtica no cenrio da Educao Fsica brasileira

    Braslia 2013

  • Efrain Maciel e Silva

    A pedagogia histrico-crtica no cenrio da Educao Fsica brasileira

    Dissertao apresentada como requisito final para a obteno do ttulo de mestre em Educao Fsica do Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica da Universidade de Braslia, na linha de pesquisa Estudos Sociais e Pedaggicos da Educao Fsica, Esporte e Lazer.

    Orientador: Prof. Dr. Edson Marcelo Hngaro

    Braslia 2013

  • Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Braslia. Acervo 1013731.

    S i l va , Ef ra i n Mac i e l e . S586p A pedagog i a h i s t r i co-c r t i ca no cenr i o da educao f s i ca bras i l e i ra / Ef ra i n Mac i e l e Si l va . - - 2013 . 122 f . : i l . ; 30 cm.

    Di sser t ao (mes t rado) - Un i vers i dade de Bras l i a , Facu l dade de Educao F s i ca , Programa de Ps -Graduao em Educao F s i ca , Mes t rado em Educao F s i ca , 2013 . I nc l u i b i b l i ogra f i a . Or i en tao : Edson Marce l o Hngaro .

    1 . Educao f s i ca . 2 . Pedagog i a c r t i ca - Hi s tr i a . I . Hngaro , Edson Marce l o . I I . T t u l o .

    CDU 796(81)

  • Efrain Maciel e Silva

    A pedagogia histrico-crtica no cenrio da Educao Fsica brasileira

    Esta dissertao foi julgada e aprovada para obteno do ttulo de mestre em Educao Fsica no Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica da Universidade de Braslia, na linha de pesquisa Estudos Sociais e Pedaggicos da Educao Fsica, Esporte e Lazer.

    Braslia, 17 de dezembro de 2013.

    Banca examinadora:

    ________________________________________________________

    Prof. Dr. Edson Marcelo Hngaro, FEF/UnB (Orientador)

    ________________________________________________________

    Prof. Dr. Jos Luiz Finocchio, DEF/UFMS

    ________________________________________________________

    Prof. Dr. Lino Castellani Filho, FEF/UnB e FEF/UNICAMP

    ________________________________________________________

    Prof. Dr. Fernando Mascarenhas Alves, FEF/UnB (Suplente)

  • Dedico este trabalho a minha me, Ramona

    Laides Maciel e Silva, que sempre esteve ao

    meu lado, apoiando meus estudos.

    .

  • Agradecimentos

    Ao meu orientador, amigo e camarada Marcelo Hngaro. Sua grandeza intelectual pode ser

    reconhecida em sua generosidade. Obrigado por tudo e especialmente pela imensa

    contribuio no enriquecimento de minha formao.

    Aos professores, membros da banca de avaliao, Jos Luiz Finocchio e Lino Castellani

    Filho, pelas contribuies e crticas ao desenvolvimento desse trabalho.

    professora Sandra Soares Della Fonte pelas importantes contribuies durante a

    qualificao desse estudo.

    Ao Juarez Sampaio pela amizade e por compartilhar comigo esta jornada.

    Mariana Assumpo pela ajuda inestimvel a finalizao desse trabalho.

    Aos membros do grupo Avante pelas contribuies, crticas, sugestes e especialmente pela

    amizade e companheirismo de todos.

    Ao Fernando Mascarenhas pelos importantes comentrios durante o perodo de qualificao

    desse estudo.

    Janielly Lima pelas diversas leituras e correes no incio desse estudo e especialmente por

    tudo de bom que vivemos juntos.

    Ao Flvio, Carmen, Joo e Lisa, pelo meu reencontro com a famlia Bedatty e pela carinhosa

    recepo que me proporcionaram em Araraquara.

    Ao Alexandre Rezende pelo apoio neste importante momento de minha formao acadmica.

    A Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES pelo apoio

    financeiro na concesso da bolsa de estudos.

  • A Histria da Educao, possibilita uma viso global do fenmeno educativo, permite ao educador compreender mais profundamente suas funes. O conhecimento dos mecanismos de transmisso da herana cultural, como se manifesta concretamente na evoluo das diversas sociedades, mostra que no h povo, por mais simples que seja sua organizao social, sem um conjunto de meios educativos que assegure sua continuidade no tempo e no espao. Cada sociedade elabora, historicamente, seu sistema de educao a partir de sua estrutura e organizaes sociais. Essa a razo pela qual a educao de um povo , assim, inseparvel do seu contexto scio-cultural (REIS FILHO, 1995, p. 7).

  • SILVA, Efrain Maciel e. A pedagogia histrico-crtica no cenrio da Educao Fsica brasileira. 2013. 122 f. Dissertao (Mestrado em Educao Fsica) Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica, Faculdade de Educao Fsica, Universidade de Braslia, Braslia, 2013.

    Resumo

    O objetivo deste estudo foi o de contribuir com a construo coletiva da pedagogia histrico-

    crtica no mbito da Educao Fsica, delineando um mapeamento da produo acadmica da

    rea que se apropriou de forma explcita ou implcita desta teoria pedaggica. Este foi um

    trabalho terico fundado no mtodo histrico-dialtico, que utilizou da tcnica de pesquisa

    bibliogrfica considerando como fonte principal a produo acadmica vinculada no perodo

    de 1984 a 2012 nos peridicos: Revista Brasileira de Cincias do Esporte, Movimento, Pensar

    a Prtica e Motrivivncia. Foram identificados outros trabalhos como fontes complementares

    atravs das referncias bibliogrficas, indicaes e pesquisas em bancos de dados on-line. Os

    resultados das fontes principais nos levaram a um total de 2.156 artigos, dos quais 20

    apresentaram uma relao implcita (0,93% do total) e apenas 4 uma relao explcita (0,19%

    do total) com a pedagogia histrico-crtica. J nas fontes complementares foram encontrados

    diversos trabalhos que realizaram uma relao explcita, tais como: artigos, dissertaes,

    monografias, livros e uma tese de doutorado. Conclumos esta pesquisa confirmando nossa

    hiptese inicial de que a pedagogia histrico-crtica ainda muito incipiente na produo

    acadmica da Educao Fsica brasileira e quando esta relao encontrada, na maioria das

    vezes, ela ainda se d por meio da proposta didtica de Gasparin e/ou em aplicaes de

    experincias de ensino atravs da metodologia crtico-superadora. Ainda so necessrios

    novos estudos na rea da Educao Fsica que somem esforos na construo coletiva da

    pedagogia histrico-crtica, neste sentido, os resultados desta pesquisa podem contribuir, uma

    vez que apresentam um amplo mapeamento desta produo. Esperamos que a partir destas

    primeiras aproximaes outros pesquisadores possam colaborar no desenvolvimento desta

    teoria pedaggica no mbito da Educao Fsica.

    Palavras-chave: Pedagogia histrico-crtica. Teoria pedaggica. Educao Fsica. Produo

    acadmica.

  • SILVA, Efrain Maciel e. The historical-critical pedagogy in scene of Brazilian Physical Education. 2013. 122 f. Dissertation (Master of Physical Education) Postgraduate Program in Physical Education, Faculty of Physical Education, University of Brasilia, Brasilia, 2013.

    Abstract

    The purpose of this research was contribute with historical-critical pedagogy collective

    building in scope of Physical Education, delineating an academic production map of the area

    which in an explicit or implicit way has appropriated this pedagogic theory. This was a

    theoretical work founded in historical-dialectical method which made use of the bibliography

    research technique and has considered as main fount the academic production, linked between

    1984 to 2012 years, in the journals: Brazilian Journal of Sport Science, Movement Magazine,

    Thinking Practice and Motrivivncia. Another works were identified as additional sources by

    bibliography references, online database researches and indications. The main sources results

    showed 2156 articles in totally, of which 20 presented an implicit relationship (0.93% in

    totally) and just 4 (0.19% in totally) an explicit relationship. However, in the complementary

    sources several works which performed a explicit relationship were founded, such as: articles,

    dissertations, monographs, books and one doctoral thesis. We conclude this researcher

    confirming our initial hypothesis that the historical-critical pedagogy, in the academic

    production of the Brazilian Physical Education, is very inceptive yet and, when this

    connection has founded in the majority time, it is given by Gasparins didactic proposal

    and/or in teaching experiences applications by the critical-surpassing methodology. New

    studies in the Physical Education area which add efforts in the collective building of the

    historical-critical pedagogy are required yet, in this direction, this research results can

    contribute once shows a wide mapping of this production. We hope that from these first

    approaches other researchers can collaborate in development of this pedagogic theory in

    Physical Education scope.

    Keywords: Historical-critical pedagogy. Pedagogical theory. Physical Education. Academic

    production.

  • Lista de ilustraes

    Grfico 1 Total de trabalhos na RBCE 56

    Grfico 2 Total de trabalhos na revista Movimento 59

    Grfico 3 Total de trabalhos na revista Pensar a Prtica 62

    Grfico 4 Total de trabalhos na revista Motrivivncia 64

    Grfico 5 Total de artigos nas quatro revistas analisadas 66

    Quadro 1 Distribuio dos artigos por ano 67

    Figura 1 Capa: primeiro livro sobre a pedagogia histrico-crtica e a Educao Fsica 75

  • Lista de abreviaturas e siglas

    AI Ato Institucional

    ANDE Associao Nacional de Educao

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CBCE Colgio Brasileiro de Cincias do Esporte

    CD-ROM Compact Disc Read-Only Memory

    CDS Centro de Desportos

    CONBRACE Congresso Brasileiro de Cincias do Esporte

    DEF Departamento de Educao Fsica

    DOAJ Directory of Open Access Journals

    EDUCON Grupo de Estudos e Pesquisas Educao e Contemporaneidade

    EDUEM Editora da Universidade Estadual de Maring

    EF Educao Fsica

    EJA Ensino de Jovens e Adultos

    EnFEFE Encontro Fluminense de Educao Fsica Escolar

    EPSJV Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio

    ESEF Escola Superior de Educao Fsica

    ETHNS Grupo de Estudos Etnogrficos em Educao Fsica e Esporte

    FEF Faculdade de Educao Fsica

    GEPOSEF Grupo de Estudos em Polticas Sociais de Educao Fsica, Esporte e Lazer

    GTT Grupo de Trabalho Temtico

    HISTEDBR Grupo de Estudos e Pesquisas Histria, Sociedade e Educao no Brasil

    IBICT Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia

    ISI Information Sciences Institute

    ISSN International Standard Serial Number

    LAPED Laboratrio de Estudos Pedaggicos

    LAPTOC Latin American Periodicals Tables of Contents

    Latindex Sistema Regional de Informacin en Lnea para Revistas Cientficas de

    Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal

    LESEF Laboratrio de Estudos em Educao Fsica

    LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da Sade

  • MG Minas Gerais

    MMA Mixed Martial Arts

    Movimento Revista Movimento

    NEDI Ncleo de Educao Infantil

    NEPEF Ncleo de Estudos Pedaggicos em Educao Fsica

    OASIS Open Access Scholarly Information System

    PHC Pedagogia histrico-crtica

    PIBIB Programa institucional de Bolsas de Iniciao Docncia

    PKP Public Knowledge Project

    PPE Programa de Ps-graduao em Educao

    PUCPR Pontifcia Universidade Catlica do Paran

    PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    RBCE Revista Brasileira de Cincias do Esporte

    Redalyc Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina y el Caribe, Espaa y Portugal

    SciELO Scientific Electronic Library Online

    SEED/PR Secretaria Estadual de Educao do Estado do Paran

    SIRC Sport Information Resource Centre

    TCC Trabalho de Concluso de Curso

    TDAH Transtorno do Dficit de Ateno e Hiperatividade

    UEM Universidade Estadual de Maring

    UFBA Universidade Federal da Bahia

    UFES Universidade Federal do Esprito Santo

    UFF Universidade Federal Fluminense

    UFG Universidade Federal de Gois

    UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora

    UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFS Universidade Federal de Sergipe

    UFSC Universidade Federal de Santa Catariana

    UNESP Universidade Estadual Paulista

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba

    UNEB Universidade do Estado da Bahia

    UPE Universidade de Pernambuco

  • Sumrio

    INTRODUO.........................................................................................................................................13OBJETIVO GERAL.............................................................................................................................................18OBJETIVOS ESPECFICOS..................................................................................................................................18JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA DO ESTUDO.....................................................................................................19SUPOSTOS TERICO-METODOLGICOS...........................................................................................................22PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS.................................................................................................................26

    CAPTULO 1 A PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA.......................................................................291.1. ASPECTOS HISTRICOS.............................................................................................................................291.2. NOME.........................................................................................................................................................361.3. FUNDAMENTOS FILOSFICOS....................................................................................................................41

    CAPTULO 2 APRESENTAO E MAPEAMENTO DAS FONTES..................................................542.1. REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS DO ESPORTE....................................................................................542.2. REVISTA MOVIMENTO..............................................................................................................................582.3. REVISTA PENSAR A PRTICA....................................................................................................................612.4. REVISTA MOTRIVIVNCIA........................................................................................................................632.5. SNTESE DOS PERIDICOS..........................................................................................................................662.6. OUTROS TRABALHOS.................................................................................................................................68

    2.6.1. Tese.....................................................................................................................................................682.6.2. Dissertaes........................................................................................................................................682.6.3. Monografias.......................................................................................................................................702.6.4. Artigos................................................................................................................................................712.6.5. Livros..................................................................................................................................................752.6.6. Congresso...........................................................................................................................................78

    CAPTULO 3 A EDUCAO FSICA E A PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA............................813.1. PRIMEIRAS APROXIMAES......................................................................................................................823.2. ANLISE DAS FONTES PRINCIPAIS.............................................................................................................883.3. ANLISE DAS FONTES COMPLEMENTARES................................................................................................96

    CONCLUSO.........................................................................................................................................108REFERNCIAS......................................................................................................................................112

  • 13

    Introduo

    A dcada de 1980 talvez tenha sido o mais importante perodo de amadurecimento da

    Educao Fsica brasileira. Neste momento, seus autores e atores (DAOLIO, 1998) fizeram

    questionamentos, discusses, consensos e conflitos (OLIVEIRA, V., 2012), realizaram

    mestrado e doutorado em Educao e Filosofia, o que foi fundamental para o surgimento dos

    primeiros cursos de ps-graduao na rea, aumento nas pesquisas acadmicas e criao de

    peridicos cientficos que contriburam para divulgar estes debates.

    Alm dos brasileiros doutorados no exterior, colaboraram para o surgimento de novas idias, reflexes e propostas metodolgicas na Educao Fsica brasileira a criao dos primeiros cursos de ps-graduao no pas, a busca de parte de profissionais de Educao Fsica por cursos de ps-graduao em outras reas, sobretudo das cincias humanas, o aumento do nmero de publicaes especializadas e a realizao de vrios congressos, encontros seminrios e cursos na rea (DAOLIO, 1998, p. 44).

    O contexto histrico da dcada de 1970 marcado por uma viso

    competitivista/esportivista e pelo paradigma da aptido fsica na Educao Fsica e

    influenciado pelo perodo mais rgido do regime militar. Na dcada de 1980 o fortalecimento

    dos movimentos populares1 em lutas pelo fim da ditadura e pela liberdade de expresso so o

    contexto social ao qual este movimento renovador vivenciara.

    A Educao Fsica brasileira no tinha, at o incio dos anos 80, uma oposio sistemtica ao conservadorismo. Este ficava mascarado, pois no havia o que lhe contrastasse. Nessa poca despontava uma gerao que comea a denunciar o estabelecido, assumindo posies numa perspectiva de crtica social (OLIVEIRA, V., 2012, p. 30-31).

    Esta gerao foi responsvel por um movimento renovador na Educao Fsica

    brasileira que deu um salto qualitativo no somente em relao s a sua prtica, mas tambm

    quanto aos seus pressupostos tericos, dialeticamente produzidos e responsveis pela

    superao dessa prtica (OLIVEIRA, V., 2012, p. 23).

    1 Com destaque para o movimento estudantil, que no mbito da Educao Fsica, por exemplo, realizou seu primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Educao Fsica em 1980.

  • 14

    Vale ressaltar que:

    A pedagogia histrico-crtica teve seu incio justamente neste momento em que foi possvel uma maior movimentao poltica na sociedade, principalmente dos movimentos populares, dos partidos polticos de esquerda, do movimento estudantil e de educadores nas universidades brasileiras (LOUREIRO, 1996, p. 99).

    Concomitante ampliao das discusses na rea de Educao Fsica, um conjunto

    de professores da pedagogia e das cincias sociais que constituram a primeira turma do

    doutorado em educao da PUC-SP, em 1979, deram incio s ideias que vieram a culminar

    na proposta contra-hegemnica que mais tarde, em 1984, viria a ser chamada de pedagogia

    histrico-crtica2 (SAVIANI, 2010).

    Este o cenrio inicial onde podemos identificar as primeiras sistematizaes sobre

    esta teoria pedaggica, que ocorreram predominantemente nos anos 1980. Perodo, como j

    anunciado, de importantes discusses na rea da Educao Fsica, como foi o caso de O que

    Educao Fsica de Vitor Marinho (OLIVEIRA, V., 2011), A Educao Fsica cuida do

    corpo... e mente de Joo Paulo Medina (MEDINA et al, 2010), ambas de 1983 e da

    Educao Fsica no brasil: a histria que no se conta de Lino Castellani Filho publicada em

    1988 (CASTELLANI FILHO, 2010), para destacarmos algumas das mais relevantes.

    Este apontamento se faz necessrio, pois ao analisarmos a produo acadmica da

    Educao Fsica na dcada 1980, parece-nos que poderia haver ligaes entre este debate

    crtico e a formulao desta nova teoria pedaggica. Por exemplo: ao fazer uma aproximao

    do grupo que se formou na PUC-SP, inicialmente podemos identificar a Educao Fsica

    sendo representada por Paulo Ghiraldelli Jnior, que durante a dcada de 1980 faz seu

    primeiro3 mestrado e doutorado neste programa, tendo como orientadores: Maria Luiza

    Santos Ribeiro no mestrado e Dermeval Saviani no doutorado.

    Resultado dessa formao e de sua atuao profissional, Paulo Ghiraldelli faz uma

    primeira aproximao, ainda que muito incipiente e implcita, com a pedagogia histrico-

    2 Trataremos com mais detalhes esta histria no captulo 1. 3 Paulo Ghiraldelli Jnior que inicialmente teve sua formao em Educao Fsica, mestrado e doutorado em Educao (sendo o doutorado sob a orientao do professor Dermeval Saviani), depois refez sua formao acadmica com graduao, mestrado e doutorado em filosofia, rea que desde ento vem atuando, no tendo mais retornado a Educao Fsica. Para Saviani, em entrevista concedida a Loureiro (1996), Ghiraldelli Jnior fez uma ruptura com sua formao inicial e se enveredou por outros caminhos, se considera incompatibilizado com as origens marxistas e se integra agora em uma outra vertente, que incorpora elementos da ps-modernidade, da Histria Nova, tentando retomar alguns aspectos clssicos da filosofia, mas se distanciando e se contrapondo a essa orientao de base marxista e dialtica (p. 267-268, grifo no original).

  • 15

    crtica atravs da interpretao de Libneo (2009)4 fazendo referncia a uma pedagogia

    crtico-social dos contedos e a Educao Fsica brasileira. Para isso, Ghiraldelli Jnior

    (1988), apresenta uma anlise das tendncias da Educao Fsica fazendo uma classificao

    em: higienista, militarista, pedagogicista, competitivista e popular. Analisa a situao da

    educao e Educao Fsica na dcada de 1980 e finaliza fazendo algumas indicaes para

    uma Educao Fsica crtico-social dos contedos5.

    Este mais um indcio de uma breve aproximao entre a Educao Fsica e a

    pedagogia histrico-crtica, no entanto, h de se deixar claro que apesar da similaridade entre

    a pedagogia crtico-social dos contedos e a pedagogia histrico-crtica, no se trata de uma

    mesma concepo. Saviani (2011c)6 esclarece que ambas as propostas surgiram

    [...] no mesmo momento e com as mesmas preocupaes que deram origem pedagogia histrico-crtica. Mas enquanto a pedagogia crtico-social dos contedos se voltou mais para as questes didticas tratadas no mbito intraescolar, a pedagogia histrico-crtica procurou sempre tratar a problemtica pedaggica, a includas as questes didticas, em estreita articulao com a problemtica social mais ampla considerando suas implicaes polticas e econmicas (p. 232).

    Esta observao se faz necessria, devido delimitao dessa pesquisa, pois no

    sero analisados os desdobramentos da tendncia crtico-social dos contedos, mas, em alguns

    momentos, foi necessria a meno a esta tendncia pedaggica. O foco desta pesquisa a

    pedagogia histrico-crtica.

    Dando continuidade a aproximao da produo acadmica da Educao Fsica, logo

    em seguida encontramos a contribuio do Coletivo de Autores7, que, ao articular a proposta

    de Saviani com a de Paulo Freire sistematizam, em 1992, uma tendncia denominada crtico-

    superadora (SOARES et al, 2012), corrente que ter grande influncia no debate acadmico

    da Educao Fsica e que se constituiu como a primeira aproximao sistematizada em livro 4 Pedagogia crtico-social dos contedos foi a denominao consignada, por Jos Carlos Libneo, em 1985, concepo pedaggica por ele sistematizada. J Saviani denominou, em 1984 (SAVIANI, 2011b), a concepo pedaggica que sistematizou de pedagogia histrico-crtica que ser o foco central dessa pesquisa. 5 O livro tem apenas 63 pginas e foi lanado em formato de bolso. Esgotado h muitos anos, este livro pouco conhecido pelas novas geraes da Educao Fsica tanto pela dificuldade de acesso quanto pelo fato de seu autor, h muitos anos, ter se afastado da rea. 6 Entrevista concedida a Debora Gomes, em 2009, para a revista Maring Ensina e publicada em 2011 pela editora Autores Associados em uma coletnea de entrevistas denominada Educao em dilogo. 7 Coletivo de Autores foi como ficou conhecido o livro escrito pelos professores: Carmen Lcia Soares, Celi Nelza Zlke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht.

  • 16

    da Educao Fsica com a pedagogia histrico-crtica, tendo em vista que seus autores

    fundamentaram sua proposta principalmente nas formulaes desta teoria pedaggica.

    Tambm pode ser observado que deste Coletivo de Autores, dois deles realizaram

    seu mestrado no programa da PUC-SP, onde o professor Lino Castellani Filho estudou de

    1983 a 1988 e a professora Carmen Lcia Soares de 1985 a 1990. Neste perodo foram alunos

    de Saviani, Paulo Freire entre outros, fato que, certamente, influenciou em suas contribuies

    na proposio da metodologia crtico-superadora.

    A proposta crtica elaborada pelo Coletivo de Autores teve profunda influncia no

    movimento renovador e progressista da Educao Fsica brasileira. Este livro, ainda hoje, de

    leitura obrigatria em quase todos os concursos para professores de Educao Fsica da rede

    pblica de ensino e de grande maioria dos concursos do ensino superior na rea pedaggica

    (SOARES et al, 2012).

    Neste trabalho tomaremos esta proposio elaborada na Educao Fsica pelo

    Coletivo de Autores como a que mais se aproxima da pedagogia histrico-crtico,

    especialmente em seus fundamentos, pois concordamos com Silva (2011, p. 7, grifo nosso)

    que

    Aps analisar os dados concretos e teorizar sobre a concepo de formao e de projeto histrico defendemos a perspectiva crtico-superadora enquanto a proposio pedaggica da Educao Fsica mais avanada, sobretudo, por encontrarmos nesta proposio, a concepo do trabalho material socialmente til enquanto categoria central do projeto de escolarizao das futuras geraes, a defesa explicita do projeto histrico socialista, elemento terico que permite identificar as qualidades que assume o projeto educacional e, a funo social da escola bsica do ponto de vista do atendimento das reivindicaes da classe trabalhadora [...].

    Em 2012, num recente artigo publicado na revista Movimento, os integrantes do

    Laboratrio de Estudos em Educao Fsica da Universidade Federal do Esprito Santo

    (LESEF/UFES), apresentam a segunda parte de uma extensa pesquisa bibliogrfica sobre a

    Educao Fsica escolar desenvolvida nos principais peridicos da rea e observaram que:

    Considerando a produo no mbito da categoria Fundamentos da EF escolar, observamos, em termos de orientaes tericas, o predomnio, na dcada de 1980, da teoria marxista, seja por meio da Pedagogia Histrico-Crtica, seja por meio do pensamento do prprio Marx (ou autores que continuam essa tradio) ou, ento, graas a autores da prpria EF que incorporaram as categorias/conceitos marxistas de interpretao (BRACHT et al, 2012, p. 14).

  • 17

    Tal estudo nos d alguns elementos de que a dcada de 1980 aquela, na qual,

    talvez, pudssemos encontrar o maior nmero de artigos relacionados pedagogia histrico-

    crtica.

    Esse breve destaque em algumas obras da Educao Fsica importante para

    empreendermos mais a frente uma possvel relao com o aparecimento e desenvolvimento da

    pedagogia histrico-crtica e tambm para fazer algumas aproximaes tericas em seus

    fundamentos.

    Antes de finalizar esta introduo, quero destacar a realizao de trs congressos que

    j foram realizados no mbito da educao que tematizaram a pedagogia histrico-crtica.

    O primeiro deles aconteceu de 18 a 20 de maio de 1994 na UNESP de Marlia, onde

    cerca de 600 professores reuniram-se para discutir com Dermeval Saviani o sentido de sua

    obra, seus fundamentos e desafios. Este encontro foi chamado de Simpsio Dermeval Saviani

    e a Educao Brasileira, sendo conhecido por O Simpsio de Marlia. Todas as falas dos

    palestrantes foram reunidas num conjunto de trabalhos publicadas em livro8 com a

    organizao do professor Celestino Alves da Silva Jnior (SILVA JNIOR, 1994).

    A realizao do Simpsio de Marlia foi um marco importante para a pedagogia

    histrico-crtica, uma vez que o material resultante deste encontro nos permite uma anlise

    histrica no s de seu principal interlocutor, mas tambm no aprofundamento terico desta

    teoria em suas bases tericas, filosficas, pedaggicas e poltica.

    Por um longo perodo no tivemos outras iniciativas diretamente relacionadas com a

    pedagogia histrico-crtica, no entanto, pela eventual comemorao dos 30 anos da elaborao

    desta teoria e por iniciativa do grupo de pesquisa Estudos Marxistas em Educao9, foi

    realizado na UNESP de Araraquara, no perodo de 15 a 17 de dezembro de 2009, um segundo

    encontro denominado Pedagogia Histrico-Crtica: 30 Anos. Neste encontro foram discutidos

    os fundamentos tericos desta proposta educacional, sua origem e desenvolvimento, a

    articulao terica com a psicologia histrico-cultural, educao na infncia, tica, prtica

    pedaggica e formao de professores. O registro deste congresso com todas as falas do

    evento tambm foi publicado em livro organizado pela professora Ana Carolina Galvo

    Marsiglia (2011a).

    8 Este livro est esgotado h muitos anos, no entanto, ainda possvel encontra-lo em bibliotecas de diversas universidades ou mais raramente em sebos. 9 Formado em 2002 e liderado pelo professor Newton Duarte, este grupo vem se destacando como a principal referncia marxista de pesquisas sobre a pedagogia histrico-crtica e da psicologia histrico-cultural.

  • 18

    Diferentemente do longo perodo entre o primeiro e o segundo congresso, o terceiro

    evento, denominado Congresso Infncia e Pedagogia Histrico-Crtica, foi realizado mais

    recentemente entre os dias 18 a 20 de junho de 2012 por iniciativa do NEDI/UFES e

    tematizou a educao na infncia. Neste evento foram tratadas as temticas sobre indisciplina,

    TDAH, desenvolvimento humano e infantil, prtica pedaggica, formao de conceitos,

    conhecimento tcito e conhecimento escolar, sendo encerrado com uma conferncia do

    professor Dermeval Saviani sobre a infncia e a pedagogia histrico-crtica. A exemplo do

    que aconteceu anteriormente as contribuies deste congresso foram publicados em livro

    organizado por Marsiglia (2013).

    Numa primeira aproximao percebemos que o desenvolvimento da pedagogia

    histrico-crtica vem se dando coletivamente ao longo de todo este perodo, tendo agora se

    constitudo com suas bases epistemolgicas, psicolgicas, articulao terica e experincias

    empricas de prtica pedaggica.

    Ao mesmo tempo em que temos um perodo de amadurecimento dos fundamentos

    desta nova teoria pedaggica, ocorre um movimento similar no interior da Educao Fsica.

    Era compreensivo, ento, que pudesse haver uma aproximao desta teoria com a Educao

    Fsica. Isso foi se tornar evidente ao analisarmos a produo terica neste perodo.

    Este o cenrio que tivemos pela frente ao tentarmos responder a questo de como a

    Educao Fsica em sua produo acadmica tem se apropriado da pedagogia histrico-

    crtica? Esperamos que tenha sido possvel elaborar uma articulao da produo terica da

    Educao Fsica com o desenvolvimento da pedagogia histrico-crtica, seus fundamentos e

    desafios atuais (SAVIANI, 1994).

    Objetivo geral

    Contribuir com a construo coletiva da pedagogia histrico-crtica no mbito da

    Educao Fsica, delineando um mapeamento da produo acadmica da rea que tenha se

    apropriado de forma implcita ou explcita desta teoria pedaggica, no perodo compreendido

    entre 1984 a 2012.

    Objetivos especficos

    Compreender a relao entre a teoria social de Marx e as bases ontolgicas fundamentais que constituem a pedagogia histrico-crtica.

  • 19

    Entender o processo de gnese e desenvolvimento da pedagogia histrico-crtica. Identificar e analisar as produes acadmicas da Educao Fsica que estabeleceram

    uma interlocuo com a pedagogia histrico-crtica.

    Analisar o tipo de interlocuo empreendida entre Educao Fsica e a pedagogia histrico-crtica.

    Justificativa e relevncia do estudo

    Dentre as propostas crticas e no reprodutivistas da Educao a pedagogia histrico-

    crtica a nica que constitui seus fundamentos baseados estritamente na tradio marxista,

    propondo a aproximao do homem ao gnero humano atravs da apropriao individual do

    conhecimento produzido pelo conjunto da sociedade ao longo de sua histria.

    Numa primeira aproximao nos pareceu que esta proposta terica ainda incipiente

    na produo acadmica da Educao Fsica brasileira, tendo em vista os poucos trabalhos

    publicados ou a falta de sistematizao de uma proposta didtica. Nossa proposta neste estudo

    foi de fazer sucessivas aproximaes para alm das aparncias visveis (KOSIK, 1995), no

    sentido de verificar se de fato ainda estamos distantes desta teoria pedaggica ou se a

    produo acadmica na Educao Fsica j apresenta indcios e como foram estas

    aproximaes.

    Reforou esta impresso inicial da incipincia de trabalhos na Educao Fsica

    relacionados com a pedagogia histrico-crtica os dados apresentados por Thas Oliveira

    (2009). Analisando os anais de duas edies do Congresso Brasileiro de Cincias do Esporte

    (CONBRACE10) os realizados em 2005 e 2007 a autora procurou identificar os artigos da

    Educao Fsica que tratavam da pedagogia histrico-crtica e forneceu um panorama destes

    estudos.

    Conforme Thas Oliveira (2009), de um total de 420 artigos publicados, em 2005, e

    334 artigos, em 2007 totalizando 754 artigos , apenas 10 artigos abordaram a pedagogia

    histrico-crtica: 3 artigos em 2005 e 7 artigos em 2007 (OLIVEIRA, T., 2009, p. 7). O estudo

    10 Realizado bienalmente desde 1979 pelo Colgio Brasileiro de Cincias do Esporte (CBCE), o CONBRACE se destaca como um dos mais importantes e tradicionais eventos cientficos da Educao Fsica brasileira. Mais informaes sobre este evento podem ser encontradas no site http://www.cbce.org.br

  • 20

    aponta, ainda, que 7 dos 10 artigos foram apresentados no GTT11 de Formao de Professores

    e Mundo do Trabalho.

    primeira vista os 10 artigos encontrados nos pareceu um nmero muito pequeno,

    no entanto a autora destaca ainda que:

    [...] ao analisar os trabalhos notadamente certificou-se que apenas 1 trabalho abordou a pedagogia referida como referencial terico explicitamente, todos os outros artigos abordaram essa pedagogia nas entrelinhas. Desse modo, pode-se referir que os 10 artigos publicados todos tiveram como citao o principal autor da Pedagogia Histrico-Crtica. Nos estudos utilizaram a pedagogia Histrica-Crtica para a estruturao e anlise dos referidos trabalhos. Os estudos enfatizaram autores especficos da rea da Educao Fsica, queles os quais tiveram como referencial terico as obras de Dermeval Saviani e a Pedagogia Histrico-Crtica (OLIVEIRA, T., 2009, p. 8, grifo nosso).

    Assim, nesse estudo o nico que encontramos previamente na reviso bibliogrfica

    alm de ter reforado nossa suposio de que incipiente a incidncia da pedagogia

    histrico-crtica na rea, fez-nos notar a necessidade de novas pesquisas sobre balanos de

    produo. O prprio artigo se refere a tal necessidade:

    [...] so importantes trabalhos dessa proporo, pois se tornam veculos de difuso do saber produzido nos programas de graduao e ps-graduao, devido ao fato de proporcionar comunidade acadmica a oportunidade de conhecer determinada rea do conhecimento, bem como entender facetas da Educao e Educao Fsica em geral (OLIVEIRA, T., 2009, p. 9).

    Outro estudo importante, pela sua contribuio no desenvolvimento de interveno

    pedaggica pautada na pedagogia histrico-crtica, que encontramos foi a dissertao12 de

    Cararo (2008) na qual tambm se evidenciou a pouca incidncia dessa pedagogia na Educao

    Fsica. Nela, aps realizar trs aulas semanais estruturadas pela proposta didtica de Gasparin

    (2011), a autora chega a seguinte concluso:

    [...] este trabalho , apenas, uma primeira aproximao sistemtica, dentre as vrias possveis, entre a Educao Fsica e a Pedagogia Histrico-Crtica. Ele oferece um olhar, nem certo, nem errado, nem nico. Configura-se, somente, numa tentativa, atravs de trs aulas de Educao Fsica semanais, de respondermos nossas inquietaes: Que homem queremos formar? Para qual sociedade? As prximas consideraes, ns as

    11 As apresentaes de artigos neste congresso so divididas por temticas e agrupadas em diversos GTTs. 12 Este trabalho teve como orientador o professor Joo Luiz Gasparin.

  • 21

    deixamos sob a responsabilidade daqueles que passarem os olhos sobre este trabalho. (CARARO, 2008, p. 165, grifo nosso)

    Verificamos, portanto, a necessidade de novas aproximaes da Educao Fsica

    com a pedagogia histrico-crtica, no entanto, percebemos a necessidade de identificar quais

    caminhos j foram trilhados e o que ainda necessrio para a pedagogia histrico-crtica se

    tornar referncia no campo progressista da Educao Fsica.

    [...] a prtica de mapear e avaliar a produo de conhecimento na rea da Educao Fsica vai aos poucos se tornando recorrente [...] essa prtica parece ser uma caracterstica de campos acadmicos em consolidao ou j consolidados, uma vez que se apresenta como uma necessidade para pensar ou nortear seu prprio desenvolvimento [...] oferece queles que se aproximam do campo ou nele adentram uma possibilidade de contextualizar sua produo ou inteno de produo (BRACHT et al, 2011, p. 12).

    Esta ideia reforou a necessidade de se mapear e sistematizar as produes

    acadmicas da Educao Fsica, objetivo central desta pesquisa.

    Tambm julgamos importante ressaltar que ainda hoje a produo mais relevante e

    que teve maior influncia na rea foi proposta do Coletivo de Autores, de 1992, que realizou

    uma articulao da pedagogia histrico-crtica com aspectos da pedagogia libertadora13, tendo

    sido denominada, por seus autores, concepo crtico-superadora 14.

    Apesar do impacto desta obra15 para a Educao Fsica, o trabalho no teve

    continuidade sistematizada16 e tambm no houve uma nova proposta que se baseasse

    diretamente na pedagogia histrico-crtica. Desta forma entende-se que necessrio maior

    aprofundamento terico sobre o tema, especialmente no mbito da Educao Fsica.

    Esperamos que os resultados apresentados nesta pesquisa possam auxiliar o

    desenvolvimento coletivo de uma teoria crtica no reprodutivista (SAVIANI, 2008b) no

    mbito da Educao Fsica e mesmo que isso no ocorra em curto prazo, traar este caminho

    no mnimo contribuiu com um debate salutar para a rea.

    13 Formulada por Paulo Freire e fundamentada na teoria da libertao e na fenomenologia existencialista. 14 Durante esta pesquisa faremos referncia a esta proposta como hbrida em seus fundamentos, mas como a principal expresso da pedagogia histrico-crtica na Educao Fsica. 15 Que teve uma segunda edio ampliada em 2009, resultado do trabalho organizativo de Lino Castellani Filho, na qual seus autores so entrevistados e comentam o impacto da obra e seus desdobramentos depois de dezessete anos da edio original de 1992 (SOARES et al, 2012). 16 Talvez pelo distanciamento terico apresentado posteriormente pelos autores, os quais, em sua grande maioria, no desenvolveram outros trabalhos coletivos, no entanto, neste trabalho no se pretende analisar esta questo, pois o foco dessa pesquisa contribuir para o desenvolvimento da pedagogia histrico-crtica no mbito da Educao Fsica.

  • 22

    Supostos terico-metodolgicos

    Para iniciar as discusses sobre o mtodo que permeia este trabalho tomamos

    emprestadas as palavras introdutrias de Jos Paulo Netto, para o qual:

    A obra de Karl Marx, por sua significao terica, um marco na cultura ocidental e, por seu impacto scio-histrico, tem relevncia universal. Ele instaurou as bases de uma teoria da sociedade burguesa que, fundamentada numa ontologia social nucleada no trabalho, permanece no centro das polmicas relativas natureza, estrutura e dinmica da sociedade em que vivemos; e a investigao a que dedicou toda a vida foi norteada para subsidiar a ao revolucionria dos trabalhadores, cujo objetivo a emancipao humana supe a ultrapassagem da ordem social comandada pelo capital (PAULO NETTO, 2012a, p. 7).

    Este trabalho vincula-se a tradio marxista indo sempre que possvel aos

    fundamentos marxianos17. Ao contrrio do que prega as concepes ps-modernas, as

    metanarrativas18 no chegaram ao fim da histria, a luta de classes est estampada de forma

    cada vez mais aguda na realidade material e objetiva no modo de produo e organizao

    social capitalista a qual estamos inseridos.

    Infelizmente a realidade no se adapta a nossas ideias ou a um jogo de linguagem

    como insiste a filosofia ps-moderna. Dessa forma partiremos de um entendimento de que so

    os seres humanos que fazem sua prpria histria, mas, o fazem nas circunstncias materiais e

    objetivas nas quais se encontram, sendo estas determinaes legadas de geraes anteriores.

    Apreender a realidade ignorando sua histria como se quisssemos reinventar a

    roda a cada momento, no entanto, ignorar as condies materiais da organizao social

    burguesa na qual estamos inseridos encarar esta realidade como a nica possvel. Partimos

    de um entendimento ontolgico e, portanto no queremos apreender apenas a aparncia do

    real, mas ir s suas razes, apreendendo o movimento do real com objetivo de transform-lo

    radicalmente, criando possibilidades no apenas do que estamos sendo atualmente, mas,

    sobretudo do que podemos vir a ser.

    17 Neste estudo vamos nos referir a marxiana como a obra original produzida por Marx e a marxismo como as obras de outros autores derivadas da obra de Marx (PAULO NETTO, 2009). 18 Este termo foi cunhado pelo filsofo francs Jean-Franois Lyotard (1924-1998), o qual entendia que as grandes explicaes filosficas como o iluminismo, o idealismo e o marxismo chegaram ao fim e que estas teorias no davam mais conta de explicar a realidade (LYOTARD, 2010).

  • 23

    Concordamos com Saviani quando diz que:

    [...] uma filosofia viva e insupervel enquanto o momento histrico que ela representa no for superado, cabe concluir que se o Socialismo tivesse triunfado que se poderia colocar a questo da superao do marxismo, uma vez que, nesse caso, os problemas que surgiram seriam de outra ordem. Mas, os fatos o mostram, ele no triunfou. O Capitalismo continua sendo ainda a forma predominante. Portanto, Marx continua sendo no apenas uma referncia vlida mas a principal referncia para compreendermos a situao atual (SAVIANI, 1991, p. 14, grifo nosso).

    Gostaramos sinceramente que a obra de Marx estivesse superada, pois desse modo

    tambm teramos superado a forma de organizao social burguesa e a formao humana

    unilateral, estaramos numa sociedade comunista onde o conjunto dos indivduos, livres da

    alienao e da diviso social do trabalho, poderiam exercer todas as suas potencialidades e

    possibilidades num desenvolvimento omnilateral19.

    Aqui, quando nos referirmos ao comunismo, estamos em concordncia com Marx e

    Engels, para os quais o comunismo nunca foi um estado ideal ou algo imaginrio para o qual

    somos direcionados. Nesta concepo:

    O comunismo no para ns um estado de coisas que deve ser instaurado, um Ideal para o qual a realidade dever se direcionar. Chamamos de comunismo o movimento real que supera o estado de coisas atual. As condies desse movimento resultam de pressupostos atualmente existentes (MARX; ENGELS, 2007, p. 38, grifo nosso). As preposies tericas dos comunistas no se baseiam, de modo nenhum, em idias ou em princpios inventados ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo. So apenas expresses gerais de relaes efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histrico que se processa diante de nossos olhos (MARX; ENGELS, 1998, p. 21).

    Esclarecemos dessa forma que buscar a formao humana pautando-se numa

    concepo ontolgica no a algo imaginrio ou ideal. Este pensamento est enraizado no s

    na formao do homem pleno e integral, mas na superao das amarras sociais a qual a atual

    organizao social nos impe impedindo que isso acontea em sua plenitude, pois:

    19 Esse conceito no foi precisamente definido por Marx, todavia, em sua obra h suficientes indicaes para que seja compreendido como uma ruptura ampla e radical com o homem limitado da sociedade capitalista. (SOUSA JUNIOR, 2008, p. 284-285). Para Manacorda (2010, p. 96) A omnilateralidade , portanto, a chegada histrica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, alm dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excludo em consequncia da diviso [social] do trabalho.

  • 24

    A unilateralidade burguesa se revela de diversas formas: de incio a partir da prpria separao em classes sociais antagnicas, base segundo a qual se desenvolvem modos diferentes de apropriao e explicao do real; revela-se ainda por meio do desenvolvimento dos indivduos em direes especficas; pela especializao da formao; pelo quase exclusivo desenvolvimento no plano intelectual ou no plano manual; pela internalizao de valores burgueses relacionados competitividade, ao individualismo, egosmo, etc. Mas, acima de tudo, a unilateralidade burguesa se revela nas mais diversas formas de limitao decorrentes do submetimento do conjunto da sociedade dinmica do sociometabolismo do capital (SOUSA JUNIOR, 2008, p. 285).

    O mtodo histrico-dialtico tem como categoria central a totalidade20 e opera

    desvelando o movimento do real para alm de suas aparncias visveis (KOSIK, 1995),

    abarcando os fenmenos em suas contradies e mltiplas determinaes, onde as

    investigaes ocorrem no movimento dialtico de sucessivas aproximaes.

    A viso de conjunto - ressalva-se - sempre provisria e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se refere. A realidade sempre mais rica do que o conhecimento que a gente tem dela. H sempre algo que escapa s nossas snteses; isso, porm, no nos dispensa do esforo de elaborar snteses, se quisermos entender melhor a nossa realidade. A sntese a viso de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situao dada. E essa estrutura significativa - que a viso de conjunto proporciona - chamada de totalidade (KONDER, 2011, p. 36).

    O ponto de partida o fenmeno real e dele fazemos abstraes (concreto pensado),

    voltando diversas vezes ao fenmeno e fazendo novas abstraes em movimentos constantes

    de sucessivas aproximaes (MARX, 2011a). Como o movimento do real histrico, no h

    possibilidades objetivas de se desvelar o real em sua plenitude, por isso, a necessidade de

    saturar ao mximo de determinaes possveis a cada nova aproximao, uma vez que

    enquanto mais saturarmos de determinaes mais prximos chegamos do real concreto como

    sntese de mltiplas determinaes. desse movimento que trata a dialtica materialista. Em

    sntese [...] o conhecimento objetivo orienta-se pela perspectiva da totalidade, apreende e

    20 A categoria de totalidade significa [...], de um lado, que a realidade objetiva um todo coerente em que cada elemento est, de uma maneira ou de outra, em relao com cada elemento e, de outro lado, que essas relaes formam, na prpria realidade objetiva, correlaes concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas (LUKCS, 1967, p. 240). O princpio da totalidade como categoria metodolgica obviamente no significa um estudo da totalidade da realidade, o que seria impossvel, uma vez que a totalidade da realidade sempre infinita, inesgotvel. A categoria metodolgica da totalidade significa percepo da realidade social como um todo orgnico, estruturado, no qual no se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimenso, sem perder a sua relao com o conjunto (LWY, 1988, p. 16).

  • 25

    expressa, em um esforo aproximativo, as processualidades histricas que tecem o real

    (DELLA FONTE, 2011, p. 32).

    Neste sentido ao abordarmos alguns aspectos do mtodo em Marx, que foram

    balizadores para esta pesquisa, em nenhum momento nossa inteno apresentar um caminho

    lgico formal ou definir a priori categorias de anlise, pois:

    No oferecemos ao leitor um conjunto de regras porque, para Marx, o mtodo no um conjunto de regras formais que se aplicam a um objeto que foi recortado para uma investigao determinada nem, menos ainda, um conjunto de regras que o sujeito que pesquisa escolhe, conforme a sua vontade, para enquadrar o seu objeto de investigao. Recordemos a passagem de Lenin que citamos: Marx no nos entregou uma lgica, deu-nos a lgica dO capital. Isto quer dizer que Marx no nos apresentou o que pensava sobre o capital, a partir de um sistema de categorias previamente elaboradas e ordenadas conforme operaes intelectivas: ele (nos) descobriu a estrutura e a dinmica reais do capital; no lhe atribuiu ou imputou uma lgica: extraiu da efetividade do movimento do capital a sua (prpria, imanente) lgica - numa palavra, deu-nos a teoria do capital: a reproduo ideal do seu movimento real (PAULO NETTO, 2011, p. 52-53).

    Dessa forma, para compreendermos como a Educao Fsica brasileira tem se

    apropriado da pedagogia histrico-crtica, partimos da materialidade produzida e

    sistematizada na rea e nesta primeira aproximao ao analisarmos o objeto singular entramos

    em contato com sua aparncia imediata tal como ele se apresenta sem suas determinaes e

    relaes com a totalidade social. Entendemos tambm que, este ponto de partida carece de

    inmeras determinaes e so necessrias sucessivas aproximaes, no s com o que nos foi

    apresentado pela Educao Fsica, mas pelas suas contradies e relaes com a totalidade.

    [...] a estrutura e a dinmica do objeto que comandam os procedimentos do pesquisador. O mtodo implica, pois, para Marx, uma determinada posio (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se pe o pesquisador para, na sua relao com o objeto, extrair dele as suas mltiplas determinaes (PAULO NETTO, 2011, p. 53).

    Em nosso entendimento a formao humana preconizada pela pedagogia histrico-

    crtica est em perfeita concordncia com os pressupostos ontolgicos do materialismo

    histrico-dialtico e o mtodo de Marx nos forneceu as condies objetivas de sistematizar

    esta pesquisa.

  • 26

    Procedimentos investigativos

    Este foi um trabalho terico que utilizou de tcnicas de pesquisa bibliogrfica e para

    fins de esclarecimento estamos entendendo conhecimento terico como:

    [...] o conhecimento do objeto - de sua estrutura e dinmica - tal como ele em si mesmo, na sua existncia real e efetiva, independente dos desejos, das aspiraes e das representaes do pesquisador. A teoria , para Marx, a reproduo ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinmica do objeto que pesquisa. E esta reproduo (que constitui propriamente o conhecimento terico) ser tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao objeto (PAULO NETTO, 2011, p. 20-21, grifos no original).

    Para alcanar os objetivos desta pesquisa inicialmente foi necessrio um resgate dos

    fundamentos da teoria histrico-crtica, com a finalidade de dar suporte a seleo e anlise dos

    artigos e em seguida foi utilizada a tcnica de pesquisa bibliogrfica, considerando como

    fonte principal a produo acadmica vinculada em quatro peridicos da Educao Fsica no

    perodo de 1984 a 2012. A delimitao neste perodo se deu por que o ano de 1984 quando o

    nome pedagogia histrico-crtica comea a ser utilizado21 e finalizar em 2012 foi necessrio

    por conta do prazo final da defesa da dissertao e tambm por que em 2013 diversos

    nmeros das revistas ainda no estavam disponveis.

    As fontes principais desta pesquisa consistiram dos peridicos22: Revista Brasileira

    de Cincias do Esporte, Movimento, Pensar a Prtica e Motrivivncia. Os referidos peridicos

    foram escolhidos por terem ampla repercusso no meio acadmico da Educao Fsica,

    tratarem predominantemente de temticas das Cincias Humanas23, abrangerem o perodo da

    pesquisa, estarem entre os mais bem avaliados pelo Qualis CAPES na rea de Educao

    Fsica e por possibilitar fcil acesso a todos seus nmeros em meio digital24.

    Outra questo que refora nossa escolha por estes peridicos apontada por Bracht

    et al (2011) que, ao realizarem uma pesquisa bibliogrfica em duas etapas, delimitaram 9

    peridicos para serem analisados. No entanto, ao realizar a primeira etapa da pesquisa, em 21 No captulo 1 trataremos com mais detalhes como se deu este processo. 22 Qualis CAPES B1, A2, B2, B4 e A2 respectivamente. Fonte: http://qualis.capes.gov.br/webqualis consulta realizada em 13 de julho de 2012 referente ao trinio 2010-2012. 23 Apesar de ser nossa inteno incluir a Revista da Educao Fsica/UEM, pela dificuldade inicial encontrada para o acesso a todos os nmeros deste peridico, optou-se por no inclu-la. 24 importante ressaltar o que alerta Bracht et al (2011) quando discorrem sobre algumas das principais dificuldades que encontraram, entre elas o acesso aos peridicos que no estavam totalmente digitalizados e os que j haviam sado de circulao e este foi um critrio que os levou a diminurem a quantidade de peridicos para a segunda etapa da pesquisa.

  • 27

    decorrncia dos problemas encontrados quanto ao acesso aos peridicos, foram obrigados a

    fazer uma reduo no nmero de peridicos, diminuindo para 4 na segunda etapa da pesquisa.

    Para essa nova etapa, todavia, vamos reduzir a amostra a apenas quatro revistas. So elas: Movimento; Revista Brasileira de Cincias do Esporte; Motrivivncia; e Pensar a Prtica. A opo por elas leva em conta o fato de serem as revistas (ainda em circulao) que apresentam percentuais mais elevados em relao ao tema da Educao Fsica Escolar (Bracht et al, 2011, p. 32).

    Vale ressaltar que, todos os peridicos destacados por Bracht et al (2011) coincidem

    com a delimitao feita nesta pesquisa.

    O procedimento para anlise dos artigos foi feito em trs momentos: 1) levantamento

    dos artigos direta e indiretamente relacionados (explcito e implcitos) com a pedagogia

    histrico-crtica, atravs da leitura do ttulo, palavras-chaves, resumo e referncias

    bibliogrficas; 2) mapeamento com a relao completa de todos os artigos direta e

    indiretamente relacionados e 3) leitura integral e anlise dos artigos que tiveram uma

    relao explcita com o tema ou que possibilitaram o melhor delineamento desta pesquisa.

    No primeiro momento percorremos os artigos em busca de indicativos que pudessem

    nos levar de encontro com nosso objeto, que a princpio seriam: pedagogia histrico-crtica,

    Saviani, Escola e Democracia, educao escolar, transmisso do conhecimento, crtico-

    reprodutivista, crtico-social dos contedos, crtico-superadora, Coletivo de Autores,

    histrico-social, histrico-cultural e Escola de Vigotski (incluindo seus trs principais autores:

    Vigotski, Luria e Leontiev).

    No segundo momento foi identificado e classificado todos os artigos que

    apresentaram uma relao implcita ou explcita com a pedagogia histrico-crtica, sendo feito

    o somatrio total de artigos de cada revista e apresentado um grfico com o quantitativo dos

    que tinha relao com nossa pesquisa.

    Feita a triagem inicial partimos para o terceiro momento, onde foi feita a leitura

    integral dos artigos, mapeamento e relaes entre a pedagogia histrico-crtica e a Educao

    Fsica. Estes artigos foram analisados sem fazermos distino entre dados quantitativos e

    qualitativos, pois em nosso entendimento no h como dividir o conhecimento uma vez que a

    relao entre quantidade e qualidade dialtica e esto intrinsecamente relacionadas.

    Ao analisar os artigos destes peridicos, as referncias nos levaram a outros trabalhos

    relevantes para o enriquecimento da pesquisa, sempre que isso foi constatado o referido

    material foi analisado e quando necessrio incorporado a esta pesquisa. Tal procedimento nos

  • 28

    deu condies de dialogarmos com importantes produes que eventualmente no passaram

    diretamente pelos peridicos que so as fontes principais desse estudo.

    Devido aos limites deste trabalho no foi possvel abarcar toda a produo acadmica

    do perodo da anlise, por isso, houve necessidade de delimitao. Este procedimento parece-

    nos comum s pesquisas desse tipo:

    Nossa inteno inicial era no restringir o estudo aos peridicos da rea, mas, sim, abarcar tambm livros, dissertaes e teses, contudo, j num primeiro levantamento, o volume da produo identificada, alm da dificuldade de acesso parte desse material, demoveu-nos dessa ideia inicial (BRACHT et al, 2011, p. 13).

    No entanto, apesar de no termos como abarcar toda a produo, h uma necessidade

    de termos especial cuidado com algumas obras, como nos demonstrou a reviso inicial: as

    dissertaes de Loureiro (1996) e Cararo (2008) que lidam diretamente com a relao entre

    a pedagogia histrico-crtica e a Educao Fsica , bem como o trabalho de concluso de

    curso de Victoria (2011).

    Alguns artigos tambm mereceram ateno especial, alm daqueles j citados na

    introduo deste trabalho, tais como os elaborados pelos seguintes autores: Alves (2003),

    Bracht (1999), Duckur (2004), Jesus (2011), Hermida; Mata; Nascimento (2010), Cristina

    Oliveira (2001), Pereira (1989), Pinto; Mendona; Jacobs (2003), Soares (1988) e Taffarel

    (2010).

  • 29

    Captulo 1 A pedagogia histrico-crtica

    O objetivo desse captulo apresentar a pedagogia histrico-crtica em seus aspectos

    histricos e nos principais fundamentos filosficos que constituem esta teoria pedaggica.

    Partindo do geral para o especfico pretendemos dar uma viso geral ao leitor para que

    possamos, na sequncia, estudar as particularidades da Educao Fsica e suas relaes com a

    pedagogia histrico-crtica.

    Iniciamos o captulo fazendo uma breve anlise do contexto histrico brasileiro do

    final da dcada de 1970 no qual as formulaes histrico-crticas tiveram suas discusses

    iniciais. Na sequncia apresentamos uma anlise do livro Escola e Democracia, especialmente

    no que tange as teorias educacionais, divididas por Saviani em crticas e no-crticas, sendo as

    primeiras aquelas que no levam em considerao os determinantes sociais e, as segundas, as

    que levam estes determinantes em considerao ao fazer a anlise educacional.

    No tpico seguinte fazemos um breve histrico de como foram as discusses que

    culminaram no nome pedagogia histrico-crtica e tambm a justificativa do professor

    Dermeval Saviani de por que no foi adotado o nome pedagogia dialtica, nome que vinha

    sendo usado naquele perodo por diversos pesquisadores marxistas. Ao fazer a justificativa do

    nome perceptvel de como os fundamentos do marxismo foram decisivos para a nomeao

    desta nova teoria pedaggica que estava emergindo.

    Por fim, apresentamos os principais fundamentos filosficos que constituem a base

    ontolgica da pedagogia histrico-crtica. E como fica explicito esta teoria pedaggica, desde

    suas formulaes iniciais, teve/tem como fundamento o pensamento marxiano e os clssicos

    do marxismo como referncia fundamental s suas bases constituintes.

    1.1. Aspectos histricos

    O contexto histrico que propiciou discusses e levou s formulaes histrico-

    crticas remonta ao perodo final da ditadura militar no Brasil. Aps um longo perodo de

    intensa censura e perseguio poltica-ideolgica surgia, no final da dcada de 1970, um

    perodo de transio de um Estado ditatorial a um Estado democrtico-burgus, o que ficou

    conhecido como perodo de transio democrtica.

    O golpe militar que estabeleceu a ditadura no Brasil foi de 1 de abril de 1964 at 15

    de maro de 1985. Aps tomarem o poder, os militares iniciaram uma srie de decretos, os

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    chamados Atos Institucionais, que foram retirando gradativamente os direitos civis e

    constitucionais, culminando em 13 de dezembro de 1968, com o Ato Institucional nmero 5

    (AI-5), que destituiu todo e qualquer poder do legislativo e judicirio, dando poderes

    absolutos (e ditatorial) ao poder executivo federal (presidente militar), bem como proibiu

    manifestaes populares de carter poltico, suspendeu os direitos de votar e ser votado nos

    sindicatos, criou uma censura prvia para jornais, revistas, livros, peas de teatro e msicas,

    concedeu poder aos militares para suspender os direitos polticos de qualquer cidado

    brasileiro, dentre outras dezenas de atrocidades.

    Este perodo de maior extremismo do regime militar vigorou at o final da dcada de

    1970, mais especificamente, em 13 de outubro de 1978, no governo Ernesto Geisel. Nesse

    momento foi promulgada a Emenda Constitucional n 11, cujo artigo 3 revogava todos os

    Atos Institucionais e complementares, no que fossem contrrios Constituio Federal,

    inaugurando, em tais condies, a chamada abertura poltica. Vale ressaltar, porm, que essa

    emenda constitucional entrou em vigor apenas em 1 de janeiro de 1979.

    No bojo desses acontecimentos emerge, em 1979, um grupo de professores que

    constituram a primeira turma do doutorado em educao da Pontifcia Universidade Catlica

    de So Paulo (PUC-SP), dando incio s ideias que posteriormente vieram a culminar na

    proposta contra-hegemnica que mais tarde, em 1984, viria a ser chamada25 de pedagogia

    histrico-crtica (SAVIANI, 2010). Esta proposta se articulava com o [...] novo quadro que

    se caracterizou a partir do final da dcada de 1970, [e] aquilo que eu vinha procurando

    desenvolver individualmente assumiu carter coletivo (SAVIANI, 2011a, p. 219).

    Esta nova proposta pedaggica teve sua primeira tentativa de sistematizao no

    artigo Escola e democracia: para alm da teoria da curvatura da vara, publicado no nmero

    3 da Revista da ANDE, em 1982, que em 1983, veio a integrar o livro Escola e democracia

    (SAVIANI, 2010, p. 420). Este livro, que hoje se constitui como um clssico da educao

    brasileira, pode ser lido como o manifesto de lanamento de uma nova teoria pedaggica,

    uma teoria crtica no reprodutivista ou, como foi nomeada no ano seguinte aps seu

    lanamento, pedagogia histrico-crtica, proposta em 1984 (SAVIANI, 2010, p. 420-421).

    Lanado em 1983, o livro Escola e Democracia uma coletnea de artigos do autor

    que foram publicados entre 1981 a 1983. O livro foi dividido em quatro captulos, nos quais

    Saviani (2008b) apresenta o diagnstico das principais teorias pedaggicas, mostrando suas

    contribuies e seus limites e anunciando a necessidade de uma nova teoria. No segundo

    25 Mais a diante iremos apresentar como ocorreu este processo.

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    captulo, apresenta o que, em seu entendimento, seriam as propostas mais prximas de uma

    alternativa superadora. J no terceiro so apresentadas as caractersticas bsicas e o

    encaminhamento metodolgico da nova teoria, esclarecendo-se, no captulo quarto, as

    condies de sua produo e operao em sociedades como a nossa (SAVIANI, 2010, p.

    421).

    Nesse livro Saviani (2008b) distingue as concepes idealistas em educao que

    conferem total autonomia da prtica educativa em relao aos condicionantes sociais e que

    elevam a escola ao patamar de nica instituio responsvel pela harmonizao com a

    sociedade. Isso porque as desigualdades entre as classes so encaradas, por essas perspectivas,

    como uma espcie de distoro a qual a escola tem o dever de dissipar, de modo a integrar

    todos os indivduos a ordem social vigente. Por desconsiderar as relaes permanentes entre

    prtica educativa e prtica social tais concepes foram denominadas como teorias no

    crticas em educao, dentre as quais se destacam a Escola Tradicional, a Escola Nova e a

    Pedagogia Tecnicista (SAVIANI, 2008b).

    A bandeira erguida pela escola tradicional era a do ensino dos contedos escolares, a

    qual se dava por meio da transmisso pelo professor, zelando-se tambm pela disciplina. A

    ideia que imperou o momento pode ser resumida em transpor a barreira da ignorncia vista

    como um entrave ao desenvolvimento e progresso social que a poca histrica inspirava.

    Colocou-se na ordem do dia, portanto, a necessidade de se converterem os indivduos em

    cidados para que estes pudessem atuar na nova sociedade que florescia, ou seja, na sociedade

    burguesa. No entanto, no foi possvel atingir escola tradicional os objetivos a que se

    destinava, pois nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre eram

    bem-sucedidos, pois nem todos os bem-sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se

    queria consolidar (SAVIANI, 2008b, p. 6).

    O movimento escolanovista surge, ento, lanando crticas escola tradicional no

    sentido de convencer que esta pedagogia estava equivocada em seus pressupostos. Nesse

    sentido, a Escola Nova afirmava que era preciso situar a problemtica do campo educacional

    no no mbito da apropriao conhecimento, mas no prprio indivduo. Acentuava-se a viso

    de que os indivduos so diferentes uns em relao aos outros e que indispensvel

    reconhecer e valorizar tais especificidades. A escola deve contribuir para a constituio de

    uma sociedade cujos membros no importam as diferenas de quaisquer tipos, se aceitem

    mutuamente e se respeitem na sua individualidade especfica (SAVIANI, 2008b, p. 8).

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    A corrente escolanovista se opunha ao ensino diretivo por parte do professor que

    deveria ser um auxiliar do aluno em suas descobertas singulares. Saviani salienta ainda que a

    Escola Nova no pde se generalizar, pois implicava custos bem mais elevados do que

    aqueles da Escola Tradicional (SAVIANI, 2008b, p. 8). Contudo, o iderio escolanovista

    penetrou no campo educacional atraindo um considervel nmero de profissionais que

    tendenciosamente rebaixaram o nvel do ensino destinado s camadas populares [...]. Em

    contrapartida, a Escola Nova aprimorou a qualidade de ensino destinado s elites. (idem,

    idem).

    Com a decadncia dos institutos educacionais escolanovistas surge uma nova

    pedagogia que, baseada nas premissas na neutralidade cientfica, se voltada ao

    estabelecimento de mtodos de ensino a partir de uma organizao racional, objetivos claros e

    livres dos aspectos subjetivos com vistas efetividade dos resultados e a eficcia do processo.

    A partir da segunda metade do sculo XX proliferaram as chamadas mquinas de ensinar,

    bem como os cursos via televiso.

    A questo das desigualdades sociais na escola tecnicista se situa no mbito do

    indivduo incompetente, sendo funo da escola formar indivduos eficientes, isto , aptos a

    dar sua parcela de contribuio para o aumento da produtividade da sociedade (idem, p. 11).

    O equvoco do tecnicismo reside no fato de que se perdeu de vista a especificidade da

    educao, ignorando que a articulao entre escola e processo produtivo se d de modo

    indireto e por meio de complexas mediaes (idem, p. 12).

    A pedagogia histrico-crtica, alm de se distanciar das teorias acrticas em

    educao, tambm se ope a teorias que, apesar de serem crticas, entendem que a escola

    estaria fadada a reproduzir a lgica do capital no sendo possvel contribuir pra uma

    transformao social. Tais concepes foram chamadas, por Saviani (2008b), de teorias

    crtico-reprodutivistas. E neste grupo o estudioso enfatiza a teoria do sistema de ensino como

    violncia simblica, teoria da escola como Aparelho Ideolgico do Estado e por fim a

    teoria da escola dualista.

    A teoria do sistema de ensino como violncia simblica se encontra na obra A

    Reproduo: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino de Pierre Bourdieu e Jean-

    Claude Passeron (publicada em 1975). Esses estudiosos entendem que as relaes sociais so

    relaes de dominao de uma classe sobre outra, na qual uma tem poder econmico

    enquanto a outra est margem da aquisio de bens materiais. Essa dominao material e

    econmica tambm se evidencia no mbito cultural que considerada como uma violncia

    simblica. Ora, na escola, os filhos da classe dominante apresentam uma diferena qualitativa

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    em relao a possibilidade de apropriao de conhecimentos se comparado com os filhos da

    classe dominada. A burguesia tem contato direto com o patrimnio cultural humano, ao passo

    que os trabalhadores no tm acesso a essa riqueza. E no ambiente escolar que essas

    diferenas aparecem de forma mais explica, em especial, pela imposio arbitrria da cultura

    (tambm arbitrria) dos grupos ou classes dominantes aos grupos ou classes dominados

    (SAVIANI, 2008b, p.15).

    Nessa concepo, a escola se limita a reproduzir a estrutura social na medida em que

    reproduz a dominao cultural. No se coloca, na referida teoria, a questo da luta de classes e

    da contradio prpria sociedade de classes, bem como da escola como uma instituio que

    pode auxiliar no processo de superao do capitalismo.

    Louis Althusser estabelece uma teoria na qual os processos de reproduo das

    condies de produo no capitalismo divide-se em Aparelhos Regressivos do Estado como a

    polcia, o exrcito, os tribunais, que atuariam tendo como base a violncia e os Aparelhos

    Ideolgicos do Estado como a famlia, a religio e a escola que atuariam no sentido de

    inculcar um conjunto de valores e costumes que, para Althusser, acabam por provocar uma

    aceitao da realidade tal como ela se encontra, uma vez que so os fundamentos ideolgicos

    da classe dominante.

    A escola , pois, o aparelho mais eficaz se se considerar que as crianas e os

    adolescentes passam um longo perodo no interior dessas instituies sofrendo a imposio

    desses valores burgueses. Vale ressaltar que Althusser sinaliza para a existncia da luta de

    classes na escola, mas ela praticamente diluda, tal o peso que adquire a a dominao

    burguesa (SAVIANI, 2008b, p. 20).

    A teoria da escola dualista foi elaborada por Christian Baudelot e Roger Establet no

    livro Lcole Capitaliste em France (publicado em 1971). Tal concepo admite que a escola

    composta por duas redes ou grupos principais, quais sejam, por um lado a burguesia e por

    outro o proletariado. Tal como a teoria de Althusser, os propositores da escola dualista

    analisam a escola como Aparelho Ideolgico do Estado, cuja funo precpua inculcar a

    ideologia burguesa. A diferena entre ambas as concepes a de que para Baudelot e

    Establet no apenas a classe dominante possui uma ideologia, mas tambm o proletrio dispe

    de um conjunto articulado de ideias, porm esta se constituiu e tem fora fora da escola. J a

    ideologia burguesa predomina no interior das instituies de ensino servindo aos seus

    interesses. Nesse sentido, o papel da escola impedir o desenvolvimento da ideologia do

    proletariado e a luta revolucionria (SAVIANI, 2008b, p. 22-23, grifo no original). Aqui a

    escola se apresenta como um instrumento de luta da burguesia contra o proletariado sendo que

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    ela reitera a desigualdade social ao subordinar os membros da classe trabalhadora a uma

    pequena parcela dos conhecimentos e suprimindo a cultura e organizao dos proletrios.

    Em linhas gerais essa teoria compreende que impossvel a escola se dirigir para a

    superao do capitalismo, pois se o proletariado se revela capaz de elaborar,

    independentemente da escola, sua prpria ideologia de um modo to consistente quanto o faz

    a burguesia com o auxlio da escola, ento, por referncia ao aparelho escolar, a luta de

    classes revela-se intil (SAVIANI, 2008b, p. 23).

    Vale frisar, como alerta Saviani, que as teorias crtico reprodutivistas so teorias

    educacionais e no teorias pedaggicas, pois elas se voltam anlise da educao escolar em

    sua relao com a sociedade e no propem, como as teorias pedaggicas, meios de se

    solucionarem problemas na esfera da prtica educativa propriamente dita ou da relao

    professor e aluno. Como se analisou no incio deste item as concepes educacionais

    estiveram, em um primeiro momento, baseadas na escola tradicional que enfatizou a

    transmisso pelo professor dos contedos escolares, da erudio e da disciplina. Pode-se

    dizer, portanto, que ela se situou na esfera da teoria.

    Porm, ela perde espao para a Escola Nova, que como foi analisado no tpico

    anterior, se converteu na teoria pedaggica hegemnica na atualidade ganhando vrias

    vertentes, conhecidas como as pedagogias do aprender a aprender, uma vez que defendem a

    ideia segunda a qual a aprendizagem se d pela nfase na prtica imediata, sendo a criana

    capaz de construir seu prprio conhecimento sem o auxlio do professor.

    A atividade humana possui uma unidade teoria/prtica que no pode ser cindida, pois

    estes so polos opostos que se incluem e esto em relao indissocivel. Disso decorre que

    nem a pedagogia tradicional nem a nova esto aptas a solucionar os problemas do campo

    educacional, na medida em que ou acentuam a teoria em detrimento da prtica educativa ou

    conferem predomnio da prtica sobre a teoria. nesse contexto que surge a pedagogia

    histrico-crtica com o objetivo de incorporar por superao as teorias antecedentes.

    A pedagogia histrico-crtica situa a educao como um tipo especfico de prtica

    social que vem a contribuir para a revoluo comunista, atravs da especificidade da

    educao. A formao humana26 nesta teoria caracteriza-se, sobretudo, por um movimento no

    qual o indivduo passa de uma concepo de mundo baseada no senso comum ampliao da

    26 A humanizao, mais que o desenvolvimento de potencialidades humanas inatas, a prpria criao dessas potencialidades pelo homem em sua atividade produtiva, isto , pelo trabalho (FINOCCHIO, 1991, p. 106).

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    autoconscincia do gnero humano a partir da apropriao das objetivaes mais elaboradas

    j produzidas pelo conjunto da humanidade.

    Podemos afirmar, com isso, que Saviani parte de uma anlise dialtica da realidade e

    da histria humana. Tal pressuposto abarca tambm o estudo no campo educacional o qual

    envolve a possibilidade de se compreender a educao escolar tal como ela se manifesta no

    presente, mas entendida essa manifestao presente como resultado de um longo processo de

    transformao histrica (SAVIANI, 2011b, p. 80).

    Com efeito, possvel diferenciar a pedagogia histrico-crtica das teorias contra-

    hegemnicas por meio da anlise das relaes entre educao e revoluo. Esta pedagogia

    entende que, por um lado, a educao um meio que leva transformao social, e por outro

    lado, a revoluo o meio para a efetivao do trabalho educativo.

    Deve-se atentar para o fato de que esse um movimento dialtico, pois o senso

    comum no ser suplantado em definitivo. Porm, a relao que se estabelece com ele que

    deve ser alterada qualitativamente, ou seja, deve-se partir de uma relao de identificao

    direta para uma relao de crtica contnua. Trata-se do processo caracterizado por Saviani

    (2009), como passagem do senso comum conscincia filosfica, processo esse que no

    simples nem rpido, uma vez que implica: [...] passar de uma concepo fragmentria,

    incoerente, desarticulada, implcita, degradada, mecnica, passiva e simplista a uma

    concepo unitria, coerente, articulada, explcita, original, intencional, ativa e cultivada (p.

    2).

    Compreende-se que esta teoria pedaggica alinha-se ao marxismo e, portanto,

    posiciona-se em defesa da transformao revolucionria da sociedade possvel compreender

    o mtodo de ensino proposto. O mtodo adotado pela pedagogia histrico-crtica , pois, o

    mesmo que Marx empregou na anlise da economia poltica a partir do qual, para se atingir o

    concreto, necessria a mediao das abstraes. Compartilhando dessa concepo que a

    pedagogia histrico-crtica afirma ser o papel da escola, trabalhar com as abstraes,

    distanciando os indivduos, relativa e momentaneamente, da realidade imediata em direo ao

    conhecimento objetivo da realidade. Nota-se que essa pedagogia est na contramo dos

    discursos hegemnicos no campo educacional, bem como dos preceitos neoliberais e ps-

    modernos que valorizam uma escola prxima vida cotidiana alienada e que colocam em

    dvida a capacidade humana de compreender o real.

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    Diante do exposto preciso ficar claro que:

    Os limites da verdade podem ser alargados ou restringidos com o desenvolvimento do conhecimento. historicamente condicional nossa aproximao da verdade objetiva, mas de modo incondicional que dela nos aproximamos. Em cada verdade relativa, encontra-se um elemento de verdade absoluta (DELLA FONTE, 2010, p. 89).

    Deve-se esclarecer ainda que a pedagogia histrico-crtica no preconiza que os

    indivduos fiquem presos s abstraes e permaneam afastados da realidade, pois isso

    configuraria um equvoco em relao aos prprios conceitos marxianos. Essa pedagogia

    defende que por meio da educao possvel conhecer a realidade para ento transform-la,

    na mesma direo em que Marx afirma na dcima primeira das Teses sobre Feuerbach (2007,

    p. 539, grifo no original), na qual se l os filsofos apenas interpretaram o mundo de

    diferentes maneiras; o que importa transform-lo.

    Inspirado nesse pressuposto Saviani (2008b, p. 59) conceitua a educao como uma

    atividade mediadora no seio da prtica social global. Nesse sentido, ele postula que a

    prtica social o ponto de partida e o ponto de chegada do mtodo de ensino da

    pedagogia histrico-crtica. Analisando com mais detalhes o mtodo de ensino da pedagogia

    histrico-crtica, tem-se a pratica social, como j se afirmou acima, no incio do processo

    educativo.

    Para concluir esse panorama sobre os aspectos histricos que culminaram com essa

    teoria educacional e atento ao fato de que quanto ao surgimento da pedagogia histrico-

    crtica, devemos distinguir duas coisas: de um lado, a emergncia de um movimento

    pedaggico; e, de outro, a escolha da nomenclatura (SAVIANI, 2011b, p. 111),

    apresentamos, na sequncia, como foi o processo que nomeou este movimento.

    1.2. Nome

    No incio das elaboraes e discusses que culminaram na elaborao de um nome

    para a nova teoria educacional que emergia e concomitante aos acontecimentos polticos e

    sociais daquele perodo, foi realizada a I Conferncia Nacional de Educao em 1980, na qual

    o professor Dermeval Saviani fez uma fala que contrapunha a pedagogia tradicional e a

    pedagogia nova. Sua exposio foi gravada e transcrita e posteriormente publicada em

    formato de artigo no primeiro nmero da Revista da ANDE (SAVIANI, 2011b).

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    Embora na viso dominante a Escola Nova seja uma concepo considerada inovadora e no propriamente revolucionria, a viso que os professores subjetivamente tm que a inovao sempre uma coisa muito avanada, que est na ponta, na frente. Ento eu carreguei nas tintas e usei a expresso revolucionria. E, para contrapor, usei o termo reacionrio. Assim procedi no intuito de fazer uma provocao. Da o enunciado da primeira tese: Do carter revolucionrio da pedagogia tradicional e do carter reacionrio da pedagogia nova. A divulgao dessa anlise, de cunho polmico, teve grande repercusso e provocou muitas reaes (SAVIANI, 2011b, p. 117).

    Aps a conferncia e com a publicao do artigo, sua inteno de provocar uma

    polmica e gerar ampla discusso no mbito dos professores foi acertada, pois, ao

    problematizar a Escola Nova e exaltar a pedagogia tradicional, adicionando o adjetivo

    revolucionrio, Saviani propiciou indagaes e descontentamentos que foram expressos em

    seguida, conforme ele registrou:

    No ano seguinte, em novembro de 1981, quando participei de um seminrio sobre a estrutura do ensino na universidade brasileira na Universidade Federal de So Carlos, j no final do debate apareceu uma pergunta indagando se no seria conservador defender a pedagogia tradicional contra a Escola Nova. Respondi em tom jocoso: bem, isto uma coisa que espero esclarecer em um outro texto que estou pensando em elaborar e que provavelmente se chamar Para alm da teoria da curvatura da vara. De fato, no nmero 3 da Revista da Ande foi publicado, em 1982, o artigo Escola e democracia II: para alm da teoria da curvatura da vara, que veio a constituir o captulo III do livro Escola e democracia, cuja primeira edio de 1983. Nesse texto, esto esboadas as linhas bsicas daquilo que posteriormente viria a ser chamado de pedagogia histrico-crtica, que, mantendo a terminologia utilizada no artigo anterior por razes polmicas, aparecia com o nome de pedagogia revolucionria (SAVIANI, 2011b, p. 117, grifo nosso).

    Temos, assim, o delineamento das elaboraes iniciais desta nova teoria (ainda sem

    um nome prprio) iniciando em 1979 e indo at o final de 1983, inclusive com o livro Escola

    e Democracia que fora publicado naquele momento sem a devida resoluo do nome.

    Com as acirradas discusses e polmicas que vinham acontecendo neste perodo e

    com o incio de um novo semestre em 1984 houve uma cobrana por parte dos alunos do

    doutorado da PUC-SP para o aprofundamento destas questes. Dessa forma Saviani registrou

    que:

    A denominao histrico-crtica veio como um desdobramento desse processo. Na PUC-SP, os alunos passaram a me cobrar a oferta de uma disciplina optativa que aprofundasse o estudo da pedagogia revolucionria. Claro que eu poderia atender a essa demanda, sem dvida, justificada. Mas a dificuldade era propor uma disciplina com o nome de pedagogia

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    revolucionria. Com efeito, falar de uma pedagogia revolucionria algo problemtico, uma vez que a atitude revolucionria diz respeito mudana das bases da sociedade. Era preciso, pois, encontrar uma denominao mais adequada (SAVIANI, 2011b, p. 117).

    Neste sentido que a primeira alternativa que me veio mente foi pedagogia

    dialtica (SAVIANI, 2011b, p. 118), mas, pelo que veremos mais adiante, este tambm foi

    um nome que traria diversos problemas, assim na medida do possvel, seria melhor evitar a

    denominao pedagogia dialtica, em vista dos mltiplos sentidos que essa expresso

    conotava (idem, p. 119).

    Esta busca pela denominao mais adequada foi concluda com o entendimento de

    que:

    [...] a expresso histrico-crtica traduzia de modo pertinente o que estava sendo pensado. Porque exatamente o problema das teorias crtico-reprodutivistas era a falta de enraizamento histrico, isto , a apreenso do movimento histrico que se desenvolve dialeticamente em suas contradies. A questo em causa era exatamente dar conta desse movimento e ver como a pedagogia se inseria no processo da sociedade e de suas transformaes. Ento, a expresso histrico-crtica, de certa forma, contrapunha-se a crtico-reprodutivista. crtica, como esta, mas, diferentemente dela, no reprodutivista, mas enraizada na histria. Foi assim que surgiu a denominao. Assim, atendendo demanda dos alunos, ministrei, em 1984, a disciplina pedagogia histrico-crtica e, a partir desse ano, adotei essa nomenclatura para a corrente pedaggica que venho procurando desenvolver (SAVIANI, 2011b, p. 119, grifo nosso).

    Fica aqui o registro do ano em que foi adotado o nome desta teoria pedaggica e

    tambm o porqu de nossa escolha, neste trabalho, de fazer o mapeamento considerando o

    perodo de 1984 a 2012.

    Explicitadas as questes iniciais do nome queremos trazer discusso um maior

    delineamento dos esforos desencadeados para que no fosse adotado o termo pedagogia

    dialtica. Tais esforos se explicam pelo crescente movimento de abertura poltica que

    ocorreu no Brasil durante a dcada de 1970 e pelo uso indiscriminado do termo nas

    efervescentes discusses polticas e pelas teorias crticas no campo educacional.

    Logo de incio possvel afirmar que, em verdade, pedagogia histrico-crtica pode ser considerada sinnimo de pedagogia dialtica. No entanto, a partir de 1984 dei preferncia denominao pedagogia histrico-crtica, pois o outro termo pedagogia dialtica vinha revelando-se um tanto genrico e passvel de diferentes interpretaes. Sabe-se que h uma interpretao idealista da dialtica, alm de uma tendncia a julg-la de uma forma especulativa, portanto, descolada do desenvolvimento histrico real.

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    H correntes, por exemplo, prximas fenomenologia, que utilizam a palavra dialtica como sinnimo de dialgico, ou seja, referente ao dilogo, troca de ideias, contraposio de opinies, e no propriamente como teoria do movimento da realidade, isto , teoria que busca captar o movimento objetivo do processo histrico. Outro motivo da opo por pedagogia histrico-crtica foi a ocorrncia de diferentes vises da palavra dialtica, considerando que, quando a pronunciamos, cada um tem na cabea um conceito de dialtica em consequncia do que a expresso pedagogia dialtica acaba sendo entendida com conotaes diversas (SAVIANI, 2011b27, p. 75).

    Houve uma preocupao terica por parte do professor Dermeval Saviani para que

    no se entendesse como sinnimos pedagogia dialtica e histrico-crtica, especialmente por

    conta das correntes que associavam a dialtica marxista a outras correntes tericas.

    No entanto, no era uma mera questo semntica que seria resolvida com a supresso

    do termo dialtica. Havia de se deixar claro a opo terica, ou seja, a viso de homem e de

    mundo, na qual a pedagogia histrico-crtica foi fundamentada. Dessa forma, ao analisar que

    esta nova corrente pedaggica estava localizada nas correntes crticas da educao, mas que

    no se apresentava como uma viso reprodutivista, ou seja, se diferenciava destas outras

    correntes crticas e tambm se alinhava com uma viso histrica que foi necessrio cunhar

    esta diferenciao.

    Alm disso, a nomenclatura histrico-crtica, por no ser muito corrente, provoca a curiosidade dos ouvintes, criando a oportunidade de se explicar o seu significado. A outra denominao, por sua vez, acaba sendo entendida segundo os pressupostos de cada um e, consequentemente, possvel que, em lugar de se adquirir clar