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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO A PATEMIZAÇÃO EM CRÔNICAS DE ZUENIR VENTURA LUANA MARIA SIQUEIRA MACHADO Rio de Janeiro Maio de 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

A PATEMIZAÇÃO EM CRÔNICAS DE ZUENIR VENTURA

LUANA MARIA SIQUEIRA MACHADO

Rio de Janeiro

Maio de 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

A PATEMIZAÇÃO EM CRÔNICAS DE ZUENIR VENTURA

LUANA MARIA SIQUEIRA MACHADO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do

Título de Doutora em Letras Vernáculas

(Língua Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena

Martins Gouvêa.

Rio de Janeiro

Maio de 2016

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Luana Maria Siqueira Machado

A PATEMIZAÇÃO EM CRÔNICAS DE ZUENIR VENTURA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Aprovada por:

______________________________________________________________

Presidente, Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa – UFRJ

_______________________________________________________________

Professora Doutora Ana Paula Quadros Gomes - UFRJ

_______________________________________________________________

Professora Doutora Ângela Maria da Silva Corrêa – UFRJ

_______________________________________________________________

Professora Doutora Luciana Paiva de Vilhena Leite - UNIRIO

_______________________________________________________________

Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ

_______________________________________________________________

Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos – UFRJ (Suplente)

_______________________________________________________________

Professora Doutora Tânia Reis Cunha – UFRJ (Suplente)

Rio de Janeiro

Maio de 2016

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MACHADO, Luana Maria Siqueira.

A patemização em crônicas de Zuenir Ventura/ Luana Maria Siqueira Machado. – Rio

de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2016.

xi, 221f.: il.; 30cm.

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Tese (doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas, 2016.

Referências Bibliográficas: f. 137-143.

1. Pathos. 2. Semiolinguística do Discurso. 3. Argumentação. 4. Zuenir Ventura. I.

Gouvêa, Lúcia Helena Martins. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade

de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. A patemização em

crônicas de Zuenir Ventura.

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Sim, quero a palavra última que também é tão primeira

que já se confunde com a parte intangível do real. Ainda tenho

medo de me afastar da lógica porque caio no instintivo e no

direto, e no futuro: a invenção do hoje é o meu único meio de

instaurar o futuro. Desde já é futuro, e qualquer hora é hora

marcada. Que mal porém tem eu me afastar da lógica? Estou

lidando com a matéria-prima. Estou atrás do que fica atrás do

pensamento.

Clarice Lispector

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AGRADECIMENTOS

À professora Lúcia Helena Martins Gouvêa, minha orientadora, por me aceitar e por

estar sempre disposta a me ajudar e guiar não só no âmbito acadêmico, mas também em

questões que vão muito além dos muros e regulamentos da faculdade. Foi um imenso

privilégio poder ter uma pessoa tão iluminada ao meu lado nessa árdua caminhada.

Ao meu amante-amigo, Vítor Campos, por amorosamente ser meu esteio e suporte nessa

jornada que tanto exigiu de nossa cumplicidade enquanto casal. Apesar de tudo, sempre

me incentivou e acreditou em mim até mesmo quando eu já não tinha forças para tal.

Às professoras Maria Aparecida Lino Pauliukonis e Ângela Maria da Silva Corrêa

pelas importantes sugestões oferecidas na ocasião da qualificação.

À professora Dinah Callou, quem me inseriu no mundo da pesquisa e até hoje participa

de minha vida acadêmica com a preocupação e o zelo de uma verdadeira orientadora.

À minha mãe, Rosemary, mulher guerreira, que me ensinou a levantar a cabeça e seguir

em frente mesmo quando tudo já parecia perdido. Como minha primeira orientadora,

mostrou-me o que significa ser feminista e protagonista da própria história.

Aos familiares, em especial minha tia Simone Siqueira, por pacientemente entenderem

sem julgamentos as não raras ausências em momentos importantes, atitude que só quem

nos ama muito pode ter.

Aos amigos Débora de Lima, Diane Oliveira, Diogo Borges, Gláucia Carelli, Mariana

Areas, Mariana Roque, Mirian Martins, Natália Rocha e Tiago Cavalcante pela torcida

constante e por compreenderem a ausência dolorosa nos últimos meses.

Aos amigos de trabalho Alessandra Fausto, Alexandre Rodrigues, Fernanda Leal,

Gisele Costa, Hélio Novaes, Humberto Freitas, Miguel Malheiros, Teresa Stavele,

Thayane Antunes e Tiana Melo por acreditarem, ainda que a distância, que eu

conseguiria concluir mais esta etapa.

Ao colega de pesquisa Fábio Gusmão pela solicitude prestada a mim em uma

importante etapa da pesquisa.

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RESUMO

A PATEMIZAÇÃO EM CRÔNICAS DE ZUENIR VENTURA

Luana Maria Siqueira Machado

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

O presente trabalho propõe-se a analisar e sistematizar as estratégias de

patemização presentes em crônicas de Zuenir Ventura. Essa pesquisa fundamenta-se em

estudos de Análise do Discurso, apoiando-se, principalmente, nas contribuições da

Teoria Semiolinguística de Patrick Charaudeau e suas considerações a respeito do

conceito de patemização. Acrescentam-se à teoria estudos de Christian Plantin, nos

quais defende a completa integração entre razão e emoção e a possibilidade de se

argumentar por meio da emoção. Com base nesses autores, a análise visa a detectar as

estratégias linguístico-discursivas utilizadas pelo cronista para, na construção do texto,

suscitar emoções no auditório. Essas emoções têm propósito argumentativo, orientando

o leitor para a tese defendida no texto. O corpus dessa investigação é composto por 77

crônicas escritas por Zuenir Ventura no ano de 2013 e publicadas no jornal O Globo.

Pretende-se, dessa forma, comprovar a tese de que o cronista utiliza variadas estratégias

para construir uma argumentação via pathos. Além disso, busca-se confirmar que a

crônica jornalística é um gênero aberto a uma visada patêmica; que o uso do modo

enunciativo de organização do discurso ocorre por meio de dois comportamentos

discursivos distintos: elocutivo e delocutivo, oscilando entre as modalidades da opinião

e da asserção; e que o autor, dentre as variadas estratégias, utiliza com mais frequência

expressões modalizadoras para construir sua argumentação via pathos.

Palavras-chave: Análise do Discurso; Semiolinguística; Patemização; Argumentação.

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ABSTRACT

A PATEMIZAÇÃO EM CRÔNICAS DE ZUENIR VENTURA

Luana Maria Siqueira Machado

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Abstract da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

This work proposes to analyze and systematize the strategies of patemization

presented in Zuenir Ventura’s chronicles. This research is based on the study of the

Discourse Analysis area, and it relies mainly on contributions from Patrick

Charaudeau's Semiolinguistics Theory and his considerations about the idea of

patemization. We also use the studies of Christian Plantin as our basis, in which he

defends the full integration between reason and emotion and, therefore, concludes that

there are ways to argue through emotion. This analysis aims to detect the linguistic-

discursive strategies used by the chronicler to cause emotions in the audience in the text

construction. These emotions have argumentative purpose, guiding the reader to the

argument presented in the text. The corpus of this research consists of 77 chronicles

written by Zuenir Ventura in 2013 and published in O Globo newspaper. Therefore, it is

the intention of this paper to prove that the chronicler uses several strategies to build an

argument through pathos. In addition, it intends to confirm that the journalistic

chronicle is an open genre to a patemic target; that the use of declarative mode of

discourse organization occurs through two distinct discursive behaviors: elocutive and

delocutive, oscillating between modes of belief and assertion; and that the author,

among the various strategies use most often modals expressions to build their arguments

via pathos.

Keywords: Discourse Analysis; Semiolinguistcs; Patemization; Argumentation.

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RESUMEN

A PATEMIZAÇÃO EM CRÔNICAS DE ZUENIR VENTURA

Luana Maria Siqueira Machado

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Resumen da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

En este trabajo se propone analizar y sistematizar las estrategias de patemización

presentes en crónicas de Zuenir Ventura. Esta investigación se basa en estudios de

Análisis del Discurso, que dependen principalmente de las contribuciones de la Teoría

Semiolinguistica de Patrick Charaudeau y sus consideraciones sobre el concepto de

patemización. Se añaden a la teoría los estudios de Christian Plantin, en el que aboga

por la integración completa entre la razón y la emoción y, por lo tanto, hay maneras de

argumentar a través de la emoción. Este análisis tiene por objeto detectar las estrategias

lingüístico-discursivas utilizadas por el cronista para, en la construcción del texto,

evocar emociones en el público. Estas emociones presentan finalidad argumentativa,

guiando al lector a la argumentación expuesta en el texto. El corpus de esta

investigación consiste en 77 crónicas escritas por Zuenir Ventura en 2013 y publicadas

en el diario O Globo. Se pretende, por lo tanto, demostrar que el cronista utiliza

diferentes estrategias para crear un argumento a través de pathos. Además, se pretende

confirmar que la crónica periodística es un género abierto a una visada patêmica; que el

uso del modo declarativo de organización del discurso se produce a través de dos

comportamientos discursivos distintos: elocutivo y delocutivo, oscilando entre los

modos de creencia y afirmación; y que el autor, entre las diversas estrategias utiliza con

más frecuencia expresiones modais para construir sus argumentos a través de pathos.

Palabras clave: Análisis del Discurso; Semiolinguistica; Patemización; Argumentación.

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RÉSUMÉ

A PATEMIZAÇÃO EM CRÔNICAS DE ZUENIR VENTURA

Luana Maria Siqueira Machado

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Résumé da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Cet article se propose d'analyser et de systématiser les stratégies de

pathemization présentes dans les chroniques de Zuenir Ventura. Cette recherche est

basée sur des études de l'Analyse du Discours, en se fondant essentiellement sur les

contributions de la Théorie Semiolinguistics de Patrick Charaudeau et ses

considérations sur le concept de pathemization. Ajouter à la théorie des études de

Christian Plantin, qui prône une intégration complète entre la raison et l'émotion et, par

conséquence, il y a des moyens pour argumentaire par l'émotion. Cette analyse vise à

détecter les stratégies linguistiques discursives utilisées par le chroniqueur dans la

construction de texte, susciter des émotions dans le public. Ces émotions ont but

argumentatif, guider le lecteur à l'argument avancé dans le texte. Le corpus de cette

recherche se compose de 77 chronique écrites par Zuenir Ventura en 2013 et publiées

dans le journal O Globo. Il est prévu, donc, de prouver que le chroniqueur utilise

différentes stratégies pour construire un argument par le pathos. En outre, elle vise à

confirmer que la chronique journalistique est un genre ouvert à un patêmica cible; que

l'utilisation du mode déclaratif de l'organisation du discours se produit par deux

comportements distincts discursives: elocutive et delocutive, oscillant entre les modes

de croyance et d'affirmation; et que l'auteur, parmi les différentes stratégies utilisent le

plus souvent des modals expressions pour construire leurs arguments via pathos.

Mots-clés: Analyse du Discours; Semiolinguistics; Phatemization; Argumentation.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14

2 A CRÔNICA E O CRONISTA ....................................................................... 18

2.1 Um gênero ambíguo ......................................................................................... 18

2.2 Um cronista eclético ........................................................................................ 20

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 23

3.1 A teoria semiolinguística do discurso.............................................................. 23

3.1.1 O contrato de comunicação................................................................................ 29

3.1.2 Os modos de organização do discurso .............................................................. 34

3.2 Pathos e Argumentação: breve percurso histórico........................................ 49

3.2.1 Na retórica clássica ........................................................................................... 49

3.2.2 Na retórica moderna .......................................................................................... 57

3.2.3 Nos estudos contemporâneos ............................................................................. 62

3.2.3.1 A patemização em Patrick Charaudeau ............................................................. 65

3.2.3.1 As emoções em Christian Plantin ...................................................................... 70

4 METODOLOGIA ............................................................................................ 77

5 ANÁLISE DO CORPUS .................................................................................. 81

5.1 Análise qualitativa ........................................................................................... 81

5.1.1 “Neymarmania e neymarketing” ....................................................................... 83

5.1.2 “Um peso e duas medidas” ............................................................................... 87

5.1.3 “Punir, mais que reciclar” ................................................................................ 93

5.1.4 “País do faz de conta” ....................................................................................... 97

5.1.5 “Sim à não violência” ..................................................................................... 101

5.1.6 “Crônica de um acidente” ............................................................................... 105

5.2 Análise quantitativa ....................................................................................... 110

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 133

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 137

ANEXOS ..................................................................................................................... 144

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Índice de Figuras, Gráficos e Quadros

Figura 1 – Ato Interenunciativo ..................................................................................... 26

Figura 2 – Dispositivo de encenação da linguagem ...................................................... 28

Figura 3 – Duplo processo de semiotização do mundo ................................................. 33

Figura 4 – Relação entre o modo Enunciativo e os demais modos de organização ...... 35

Figura 5 – Relação entre sujeito argumentante, proposta e sujeito-alvo ....................... 43

Figura 6 – Esquema representativo da relação argumentativa ...................................... 44

Figura 7 – Exemplificação da proposta ......................................................................... 46

Figura 8 – Posições diante da proposta ......................................................................... 47

Figura 9 – Acesso direto e indireto às emoções ............................................................ 74

Gráfico 1 – Princípio de avaliação (percentual por tema) ........................................... 112

Gráfico 2 – Comportamento discursivo (percentual por tema) ................................... 113

Gráfico 3 – Estratégias de patemização (percentual geral) ......................................... 115

Gráfico 4 – Palavras que descrevem emoções (percentual por tema) ......................... 117

Gráfico 5 – Palavras ou emoções que desencadeiam emoções (percentual por tema)..119

Gráfico 6 – Enunciados que podem produzir efeito patemizante (percentual por tema)....121

Gráfico 7 – Princípio da proximidade (percentual por tema) ...................................... 123

Gráfico 8 – Princípio da classificação, enumeração ou quantidade (percentual por tema).125

Gráfico 9 – Expressões modalizadoras (percentual por tema) .................................... 127

Gráfico 10 – Mobilidade urbana (índices de patemização) ........................................ 130

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Índice de Quadros

Quadro 1 – Modos de organização do discurso ............................................................. 35

Quadro 2 – Relação entre o total de estratégias e as expressões modalizadoras ......... 131

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como proposta analisar e sistematizar estratégias de

patemização presentes em crônicas escritas por Zuenir Ventura no ano de 2013,

publicadas duas vezes por semana no jornal O Globo, do Rio de Janeiro.

Desde a retórica clássica, já se sinalizava a importância do pathos na construção

dos discursos. Não se tinha, no entanto, um trabalho sistemático sobre esse componente,

ficando os estudos mais dedicados às outras duas provas artísticas (ethos e logos).

Na retórica moderna, os trabalhos voltados para a argumentação deram primazia

à construção lógica da estrutura argumentativa, considerando que o pathos não fazia

parte desse sistema. Dessa forma, afirmavam que as emoções eram um obstáculo para a

construção argumentativa, ou simplesmente não as consideravam em suas análises.

Mais recentemente, o pathos voltou a ser o centro de interesse de alguns

estudiosos, principalmente nas áreas de Análise do Discurso e de Argumentação. Os

autores buscam apresentar conceitos e metodologias que possibilitem um estudo efetivo

das emoções nos diversos gêneros, inclusive naqueles cujo objetivo é a defesa de uma

tese e que seriam tidos como produções em que o uso das emoções não seria adequado.

Sob o rótulo de “patemização”, as emoções são tratadas pela teoria

Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau (2010d). O linguista, ao estudar o

fenômeno pathos, propõe o conceito patemização, isto é, as possíveis emoções que o

enunciador pretende desencadear em seu auditório por meio de estratégias linguístico-

discursivas. O autor preocupa-se, portanto, em estudar as visadas patêmicas construídas

no e pelo discurso, sem ter como objetivo descrever a real emoção sentida pelo

auditório.

Christian Plantin (2010, 2011) é outro pesquisador que vem desenvolvendo

diversos estudos que abordam as emoções na argumentação. Ele defende a integração

total entre emoção e razão e propõe uma metodologia de análise para a argumentação

via pathos. Em seus trabalhos, busca sistematizar o estudo das emoções na

argumentação por meio de patemas, ou seja, elementos comportamentais ou textuais

que nomeiam ou constroem as emoções no texto, as quais podem ser analisadas.

Com base nessas leituras, alguns questionamentos surgiram e motivaram esta

pesquisa, tais como: I) É possível argumentar pela emoção? II) Quais índices

linguístico-discursivos seriam usados na construção de uma argumentação via emoção?

III) De que forma se poderiam analisar esses índices? Nesse sentido, buscou-se

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responder a essas indagações não só com o auxílio de bases teóricas, mas também com

análises textuais que, juntas, compõem esta pesquisa.

O que se buscará, neste estudo, portanto, é comprovar que é possível argumentar

pela emoção e que, nesse intuito, são utilizadas diversas estratégias de patemização.

Para isso, será necessário detectar as estratégias linguístico-discursivas utilizadas por

Zuenir Ventura para, na construção do texto, suscitar emoções no auditório. Essas

emoções teriam propósito argumentativo, orientando o leitor para a tese defendida pelo

autor. Assim, poder-se-ia depreender que não se argumenta apenas pela razão, mas

também pela emoção.

Com base nisso, no gênero textual em análise e no estilo do cronista,

levantaram-se algumas hipóteses:

1) A primeira hipótese, mais geral e que busca especificar o contrato de

comunicação em análise, é que a crônica jornalística seria um gênero que

possibilitaria uma visada emocional. Ou seja, admitiria o uso estratégias de

patemização, permitindo ao cronista argumentar também por intermédio do

pathos.

2) A segunda hipótese que se levanta é que as estratégias adotadas por Zuenir

Ventura estariam inseridas, majoritariamente, nos comportamentos

delocutivo e elocutivo do modo enunciativo de organização do discurso, ora

com a utilização somente do comportamento delocutivo, ora com a mistura

dos dois em um único texto. Essa hipótese está ligada ao gênero crônica, que

permite o uso de primeira pessoa (elocutivo), mas também ao estilo de

Zuenir, que se mostra um cronista com visada informativa forte, dando

primazia ao uso da terceira pessoa (delocutivo).

3) A terceira hipótese desta pesquisa é que o cronista, para alcançar seu

propósito comunicativo, utilizaria variadas estratégias patemizantes,

conquistando a adesão do auditório também por meio da emoção. Acredita-

se que, para se empreender uma argumentação via pathos, é necessária a

utilização de diversas estratégias linguístico-discursivas, não sendo possível

o texto ficar restrito a uma única estratégia.

4) A quarta hipótese é a de que, mesmo apresentando variados recursos, o autor

utilizaria com mais frequência as expressões modalizadoras. Além disso,

esta estratégia abarca um número abrangente de recursos, o que justificaria

também o seu maior percentual de uso nas crônicas, comparando-se aos

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demais índices patêmicos. Esta hipótese também foi levantada em relação ao

estilo do cronista que, sendo mais contido, preferiria estratégias mais

discretas para indicar seu ponto de vista no texto.

Para a comprovação das hipóteses, organizou-se o trabalho em seis capítulos, de

modo que cada etapa prepare o leitor para os conteúdos abordados na etapa posterior.

Na Introdução, são apresentados os conceitos fundamentais da pesquisa e as hipóteses

levantadas.

O segundo capítulo apresentará uma abordagem sobre o gênero crônica. Busca-

se destacar esse contrato comunicativo especial, que apresenta possibilidades diversas

de estruturação e, por esse mesmo motivo, de análise, abrindo caminho para o estudo do

pathos. Além disso, apresenta-se uma breve biografia de Zuenir Ventura, construída por

meio de conteúdos retirados de sites diversos, com o objetivo de apresentar o ser social

produtor dos textos e sua trajetória profissional, pois se acredita que essas informações

refletem-se nos dados analisados.

O terceiro capítulo apresentará a fundamentação teórica que apoiará a análise,

tendo como primeiro item a teoria Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau

(2009c), mais especificamente os conceitos de Modos de Organização do Discurso e de

Contrato de Comunicação. Essa teoria é uma das vertentes da Análise do Discurso, de

linha francesa, que privilegia a visão de que o fenômeno da linguagem é

intrinsecamente sócio-histórico-interativo e entende o discurso como um “jogo

comunicativo”, cujas peças são a sociedade e suas produções linguageiras.

No item seguinte, com base em Aristóteles (2012), Meyer (2013), Reboul (2004)

e Sloane (2001) serão tratados os conceitos da Retórica Clássica, a fim de esclarecer a

origem das concepções de ethos, logos e pathos: a imagem de si que o enunciador cria

no discurso, o discurso em si e a condição emocional do auditório, respectivamente.

Destaque-se que este último elemento constituirá o foco deste trabalho, não objetivando

identificar o real estado emocional do auditório, mas as estratégias utilizadas pelo

cronista para suscitar comportamentos emocionais, com vistas a argumentar em favor de

uma tese.

Ainda no terceiro capítulo, o conceito de pathos, como estratégias de persuasão,

será abordado na Retórica Moderna com base nas obras de Perelman e Tyteca (2005),

Toulmin (2006) e Ducrot (1987). Em seguida, é apresentada a perspectiva dos estudos

atuais, tomando-se por referência os estudos de Parret (1986) e Amossy, (2006), que

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defendem a total integração entre emoção e razão. Tais estudos encaminham a discussão

para os trabalhos realizados especificamente por Charaudeau (2010d, 2011a) e Plantin

(2010, 2011), cujos estudos da emoção são a base desta pesquisa.

Já o quarto capítulo tratará da metodologia a ser aplicada na análise, com vistas

a explicar cada etapa da pesquisa realizada e como se procedeu à escolha dos índices de

patemização investigados. O quinto capítulo, por seu turno, apresentará as análises

quantitativa e qualitativa dos índices de patemização presentes nos textos, com a

finalidade de levantar o percentual de uso das estratégias, detectando, assim, a mais

utilizada pelo autor; e analisar os dados de modo a dissecar a arquitetura argumentativa

dos textos e entender como o cronista, por meio de estratégias diversas, faz uso da

emoção para reforçar a sua tese.

No sexto capítulo, serão apresentadas as conclusões a que se chegou após a

análise do corpus. Por fim, constarão deste trabalho, ainda, as referências bibliográficas

e o anexo, este sendo constituído pelo corpus.

Por meio desta composição, será possível apresentar de forma clara e concisa os

objetivos e resultados da pesquisa realizada. Acredita-se que o trabalho tem

possibilidades de se destacar não só pela relevância dos temas investigados para os

estudos sobre o discurso, mas também por revelar uma metodologia de análise para as

emoções. Essa metodologia permite evidenciar que até mesmo autores que não

apresentam, com frequência, estratégias de persuasão de forma explícita, como Zuenir

Ventura; utilizam estratégias que não são voltadas apenas para a razão, mas também, e

principalmente, para as emoções do auditório.

A seguir, a fim de contextualizar o gênero textual escolhido e o autor dos textos

em análise, há um capítulo voltado especificamente para esses itens.

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2 A CRÔNICA E O CRONISTA

Em virtude de a presente tese ser focada em apenas um gênero textual e um

autor; considera-se necessário, antes mesmo de se fundamentar a análise que será feita,

apresentar o gênero em estudo e o autor contemplado. Assim, seguem dois subtópicos

para explorar, ainda que de forma breve – já que não se trata de uma tese sobre gêneros

textuais, nem biográfica – esses itens.

Primeiramente, serão apresentados os pontos mais relevantes sobre o gênero

crônica, sua definição e características. Em seguida, serão expostos dados sobre a vida

de Zuenir Ventura, a fim de se compor a identidade profissional desse renomado

cronista.

2.1 Um gênero ambíguo

O gênero crônica é bem antigo, remonta, em solo brasileiro, à carta de Pero Vaz

de Caminha, considerado o primeiro cronista brasileiro, uma vez que fez um registro,

que se tornou histórico, porém também artístico, da terra recém-descoberta; do seu

contato com os índios e seus costumes (SÁ, 1992, p. 5). Jorge de Sá, em seu livro “A

Crônica”, chega a afirmar que “a Literatura Brasileira nasceu da crônica” (1992, p. 7).

No entanto, sabe-se que a carta de Caminha tinha como finalidade informar a

corte sobre a então Terra de Vera Cruz e seus habitantes, e não apresentar uma obra

poética, com preocupação estética, apesar da poeticidade presente no texto. Assim, se

considerarmos a carta de Caminha a primeira crônica, temos de perceber sua função

utilitária enquanto registro histórico do momento. Ou seja, uma função informativa

como a do jornal.

Assim, como diz Marina Colasanti, na sua crônica intitulada Um texto a cavalo,

“Crônica, vamos dizer assim, é um texto a cavalo. Mantém um pé no estribo

da literatura. E outro no do jornalismo. Bem estribada desse jeito, tem

conseguido vencer belas provas mesmo correndo em pista pesada.”

(COLASANTI, 2012).

Percebe-se, portanto, o caráter híbrido do gênero crônica. Um gênero que abre

espaço para um trabalho subjetivo, artístico e até poético, mas que tem o jornal como

espaço real de vivência e produção. Como afirma Tristão Athaíde, “a crônica num livro

é como um passarinho afogado” (apud GOTTARDI, 2007, p. 13).

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Ainda sobre o caráter híbrido do gênero, Gottardi afirma:

Assim, a crônica oscila entre a matéria jornalística, que faz do cotidiano sua

fonte de vida, e a matéria literária, que transcende o dia-a-dia pela

universalização de suas virtualidades latentes. (...) Na verdade, a

ambiguidade da crônica é mais radical, não reside apenas na matéria, mas é

marca do gênero em si mesmo (...) (2007, p. 15).

Fugindo a essa complexa discussão e admitindo-se a crônica como um gênero

híbrido, Sérgio Roberto Costa, no seu Dicionário de gêneros textuais, expõe uma

tentativa de acepção mais objetiva do termo crônica. O verbete, não por acaso, ocupa

um número considerável de páginas devido a sua complexidade. A obra fornece

algumas caracterizações do gênero, principalmente para o tipo de crônica que compõe o

corpus desta pesquisa. Costa (2014, p. 91-82) faz, portanto, as seguintes afirmações:

(...) Contemporaneamente, no jornalismo, em coluna de periódicos, assinada,

pode vir em forma de notícias, comentários, algumas vezes críticos e

polêmicos, abordando temas ligados a atividades culturais (...), políticas,

econômicas, de divulgação científica, desportivas, etc. (...) Conforme a esfera

social que retrata, recebe o nome de crônica literária, policial, esportiva,

política, jornalística, etc.

(...) Além do tipo narrativo, pode ser do tipo argumentativo ou expositivo,

como textos de opinião sobre temas diversos de diversas áreas.

(...) é leve e rápida, (...), numa cenografia de conversa amena, diferentemente,

por exemplo, do editorial, que recupera os fatos midiáticos de maneira mais

densa e formal. Sem regras preestabelecidas, (...), a crônica jornalística

consolida o simulacro de relato informal de um “causo”. Essa liberdade

discursiva privilegia o efeito de aproximação do enunciador em relação ao

leitor (...)

Dos pontos mencionados nos trechos acima, alguns merecem ser esclarecidos.

Primeiramente, cita-se a esfera social como um dos fatores que distinguem os diversos

tipos de crônica. Admite-se, portanto, que as crônicas de Zuenir Ventura estão inseridas

na categoria de crônica jornalística, já que o autor apresenta uma grande variedade

temática, o que impede a restrição de sua classificação a um domínio discursivo

específico.

Em segundo lugar, apresenta-se o caráter informal e leve da crônica, o que pode

ser percebido nos textos de Zuenir, nos quais a linguagem é semiformal, criando um

efeito de conversa. Essa é uma das características que possibilita que o autor se

aproxime afetivamente do seu público.

Gottardi (2007, p. 14) afirma que a crônica é um gênero no qual “Há um tom de

conversa, um tête à tête entre cronista e leitor, que evoca um clima de afetividade,

situando a crônica como uma comunicação de cunho emocional e não racional”.

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Dessa forma, a crônica se apresenta como um gênero interessante para o estudo

do pathos. Seu caráter híbrido permite ao analista do discurso fazer o estudo de um

texto que não é literário por excelência, o que requereria outros conceitos e práticas de

análise, mas que abre possibilidades ao subjetivo, ao emocional, tornando bastante rica

a investigação.

A seguir, será apresentada uma breve biografia de Zuenir Ventura, com vistas a

entender o estilo e a expressão escrita deste cronista.

2.2 Um cronista eclético

Sentiu-se a necessidade de apresentar o produtor, ser social, dos textos que serão

analisados neste trabalho, pois se acredita que as características de sua formação podem

se refletir no texto, mesmo não sendo decisivas para a análise, que tem como foco a

construção da emoção no e pelo discurso.

Não foram encontradas, no entanto, biografias ou autobiografias sobre Zuenir

Ventura. Assim, a apresentação aqui feita será superficial e foi construída com base em

páginas de internet sobre educação e jornalismo e na página da Academia Brasileira de

Letras, da qual Zuenir é membro desde outubro de 2014. Mais do que a confiabilidade

da exatidão das datas apresentadas, o mais importante é ter-se conhecimento do

caminho trilhado pelo autor na sua formação profissional e cultural.

Zuenir Ventura nasceu em Além Paraíba, Minas Gerais, em primeiro de junho

de 1931. Bacharel e licenciado em Letras Neolatinas, Zuenir Ventura é jornalista, ex-

professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Escola Superior de Desenho

Industrial, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Quando adolescente trabalhou como contínuo no Banco Barra do Piraí, faxineiro

do Bar Eldorado, balconista da Camisaria Friburgo, entre outros. Já durante a faculdade,

exerceu o cargo de assistente do filólogo Celso Cunha na disciplina de Língua

Portuguesa, na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em 1956, indicado por um professor da faculdade, iniciou como arquivista na

Tribuna da Imprensa, sem a pretensão de se tornar jornalista. Carlos Lacerda, o diretor

do jornal, pediu-lhe, entretanto, certa vez, um texto sobre Albert Camus. Como era o

autor de sua paixão, o texto ficou muito bom e foi um sucesso. Com isso, foi transferido

para a redação, e passou a ganhar quatro vezes mais.

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Ganhou, nos anos 1960/61, uma bolsa de estudos do governo francês para passar

um ano estudando no Centro de Estudos de Formação de Jornalistas em Paris.

Conjuntamente com os estudos, trabalhou como correspondente da “Tribuna”, fazendo

coberturas históricas, como a passagem de Jango por Paris antes de se tornar Presidente

e o encontro de cúpula entre Kennedy e Kruschev, em Viena.

Ao retornar ao Brasil, conheceu Mary Akiersztein, na redação da “Tribuna”,

casou-se com ela e passou a trabalhar como editor internacional no “Correio da Manhã”,

além de dar aula de Comunicação Verbal na Escola Superior de Desenho Industrial.

No ano de 1964, Mary, grávida e acompanhada pelo marido, foi cobrir o Festival

de Cannes, enviada pelo “JB”, viagem oportuna, uma vez que ambos estavam sendo

procurados pela polícia como “subversivos”. Em Cannes, conheceram Glauber Rocha e

nasceu uma grande amizade. Quando retornaram ao Brasil, nasceu Elisa, sua filha.

Em 1965, assumiu o cargo de chefe de reportagem da revista “O Cruzeiro”; em

1967 tornou-se chefe da filial Rio da Revista “Visão”. No ano seguinte, foi preso e

passou três meses em uma cela com pessoas influentes como Hélio Pellegrino, Ziraldo,

Gerardo Mello Mourão e Osvaldo Peralva. Sua mulher e seu irmão também foram

presos no mesmo dia, porém por menos tempo. Zuenir só saiu da prisão devido à

influência de Hélio Pellegrini que impôs como condição para sua própria liberação a

soltura do jornalista, que ocorreu em março de 1969.

No mesmo ano, lança, para a Editora Abril, uma sucessão de 12 reportagens

intituladas “Os anos 60 – A década que mudou tudo”, que mais tarde se transformou em

um livro. Em 1971, voltou para a revista “Visão”, permanecendo como chefe de redação

até 1977, quando se transferiu para a revista “Veja”, onde, juntamente a dois outros

jornalistas, investigou a morte de Cláudia Lessin Rodrigues, matéria que lhes conferiu o

Prêmio Esso. Em 1980, entrevistou, para a revista, o poeta Carlos Drummond de

Andrade, após um longo tempo de silêncio deste. Em 1981, assumiu o cargo de diretor

da filial Rio de Janeiro da Revista “Isto É”, e, em 1985, foi convidado para repensar a

revista “Domingo”, do Jornal do Brasil.

Em 1988, lançou seu famoso livro: “1968 – O ano que não terminou”, best-

seller, cujas 48 edições já venderam mais de 400 mil exemplares. O livro tornou-se mais

tarde inspiração para a minissérie da Rede Globo “Anos Rebeldes”; e para o filme

francês “O homem que disse não”.

Em 1989, como repórter especial do JB, foi para o Acre onde ficou por mais de

um mês investigando o crime do seringueiro Chico Mendes ocorrido em dezembro do

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ano anterior. Quando retornou, editou uma série de reportagens que lhe conferiu dois

prêmios: o Esso de Jornalismo e o Wladimir Herzog de direitos humanos.

Em 1993, após as chacinas da Candelária e do Vigário Geral, colaborou para a

criação do Viva Rio, uma organização não governamental dedicada a projetos sociais e

campanhas antiviolência. Em 1994, após nove meses frequentando a favela de Vigário

Geral, editou um livro contando sua experiência, “Cidade partida, um retrato das causas

da violência no Rio”, ganhando o Prêmio Jabuti de Reportagem.

Em fins de 1998, foi surpreendido com um câncer em fase inicial na bexiga,

resolveu, então, publicar o livro “Inveja – Mal secreto” no qual conta a sua luta e vitória

contra a doença, entre outras histórias envolvendo esse sentimento. Já vendeu cerca de

150 mil exemplares.

Em 2003, depois de 13 anos, voltou para o Acre para escrever a última parte de

“Chico Mendes – Crime e castigo”, lançado pela Companhia das Letras.

Em 2008, Zuenir Ventura recebeu da ONU um troféu especial por ter sido um

dos cinco jornalistas que “mais contribuíram para a defesa dos direitos humanos no país

nos últimos 30 anos”. Em 2010, foi eleito “O jornalista do ano” pela Associação dos

Correspondentes Estrangeiros.

Em 2014, foi eleito o sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 da Academia Brasileira

de Letras, no dia 30 de outubro de 2014, na sucessão do Acadêmico Ariano Suassuna.

Tomou posse no dia 6 de março de 2015, tendo sido recebido pela Acadêmica Cleonice

Berardinelli.

Costuma dizer, com bom humor, que sua carreira é uma pirâmide invertida, pois,

após o primeiro livro, passou de chefe a repórter e, até agora, cronista. Atualmente é

colunista d`O Globo e da revista Época.

A trajetória pessoal e profissional rica e diversificada de Zuenir elucida a sua

capacidade de explorar temas diversos em seus textos. O cronista aborda de política a

tecnologia; passando por justiça, violência, chegando a falar até sobre esporte; essa

riqueza temática é uma das razões pelas quais seus textos foram escolhidos como objeto

de análise desta pesquisa.

No capítulo a seguir, serão abordadas as teorias e estudos que fundamentam a

análise que aplicada a esses textos.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Como já fora sinalizado na introdução, esta tese debruça-se sobre duas principais

áreas de estudo: o pathos e a argumentação. Assim, busca-se fundamentá-las em

diversos teóricos que, de alguma forma, trabalham com esses conceitos, tendo como

principal alicerce a teoria Semiolinguística do Discurso, criada por Patrick Charaudeau.

Destarte, os tópicos a seguir buscam trazer as informações necessárias para

fundamentar a pesquisa aqui empreendia.

3.1 A Teoria Semiolinguística do Discurso

No fervilhar de tantas correntes em Análise do Discurso, o linguista Patrick

Charaudeau, fundador do CAD – Centre d’Analyse du Discours, da Universidade de

Paris 13 –, propôs, no início dos anos 1980, a sua vertente teórica da Análise do

Discurso: a Semiolinguística. Segundo o autor (Charaudeau, 2005), o termo

Semiolinguística expõe bem a posição adotada nos estudos sob a sua égide: semio-, de

semiosis, para evocar o fato de que a construção do sentido e sua configuração se fazem

através da relação forma-sentido; e linguística para destacar que os estudos recaem

sobre as línguas naturais. Além disso, toda a análise se fundamenta em um sujeito

intencional, com um projeto de influência social, num determinado quadro de ação que

se responsabiliza pelas escolhas discursivas.

Essa teoria entende o discurso como um “jogo comunicativo”, no qual a

sociedade e suas produções linguageiras estão em profunda relação. A linguagem é

percebida como um veículo social de comunicação. Nesse sentido, o falante não é

completamente individual nem completamente coletivo. Não é individual, uma vez que

“repete” a voz social; não é coletivo, já que os aspectos psicossocial e situacional lhe

dão individualidade. O discurso é, portanto, considerado um ato interativo e intencional

de fala, entre os sujeitos do ato de linguagem.

Segundo Charaudeau (2009c, p. 20), “O ato de linguagem não pode ser

concebido de outra forma a não ser como um conjunto de atos significadores que falam

o mundo através das condições e da própria instância de sua transmissão”. Isso significa

que todo ato de linguagem é resultante da combinação de dois componentes – o verbal e

o situacional. “Não pode ser concebido como um ato de comunicação resultante da

simples produção de uma mensagem que um Emissor envia a um Receptor” (idem, p.

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44). O ato de linguagem vai muito além da sua forma explícita e depende das

Circunstâncias de discurso, isto é, “o conjunto dos saberes supostos que circulam entre

os protagonistas da linguagem” (idem, p. 32), correlativos à dupla dimensão

Explícito/Implícito do fenômeno linguageiro.

Em seu artigo “Uma teoria dos sujeitos da linguagem” (2003), Charaudeau

destaca Benveniste como o primeiro a trazer uma real mudança nos estudos sobre os

sujeitos, pois coloca o foco no sujeito como organizador da linguagem, sobrepondo a

enunciação ao enunciado – “É um homem falando que encontramos no mundo, um

homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a própria definição do

homem” (Benveniste, 1991, p. 288).

Ao estabelecer uma necessária relação entre um EU e um TU para que a

enunciação efetivamente se realize, Benveniste abre caminho para os estudos de base

enunciativa, que propicia os estudos da alteridade e da identidade dos sujeitos, dois dos

princípios básicos que fundamentam todo ato comunicativo.

O princípio da alteridade pressupõe a troca entre dois parceiros (presentes ou

não) que devem se reconhecer como semelhantes – pois compartilham saberes e

finalidades comunicativas – e como diferentes – já que cada um desempenha um papel

no ato comunicativo: emissor/produtor e receptor. Sendo assim, o processo de troca, em

que os parceiros estão engajados, é recíproco, mas não simétrico. Segundo Charaudeau,

cada um se legitima e legitima o outro, através de um olhar avaliativo.

O princípio da identidade direciona o foco para o próprio indivíduo, em toda a

sua complexidade: dados biológicos, dados psicossociais atribuídos pelos outros e dados

comportamentais (o que se pretende ser). Todos esses elementos orientam para a

estruturação de dois domínios, simultaneamente distintos e complementares: identidade

social e identidade discursiva.

A identidade social é algo construído e em construção, pois, em parte, é

determinada pela situação de comunicação; mas pode ser reconstruída, mascarada ou até

mesmo deslocada. Ela apoia-se em traços biológicos e sociais do emissor, e necessita do

reconhecimento por parte do receptor numa dada situação. “Ela é o que confere ao

sujeito seu ‘direito à palavra’, o que funda sua legitimidade” (Charaudeau, 2009c, p. 3).

Sendo assim, é algo “atribuído-reconhecido”.

Segundo Charaudeau, a legitimidade fundamenta-se nas noções de valores

comuns, aceitos por todos. Ela “designa o estado ou a qualidade de quem é autorizado a

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agir da maneira pela qual age” (ibidem, p. 3). Ter legitimidade é ser reconhecido por

outros sujeitos em nome de um valor comum.

Assim sendo, a legitimidade depende de normas institucionais, que regem

cada domínio da prática social e que atribuem funções, lugares e papéis aos

que são investidos através de tais normas. (Charaudeau, 2009c, p. 3)

Como o corpus desta pesquisa é composto por textos escritos (crônicas), tem-se

uma situação de comunicação em que o princípio da alteridade se dá por meio da não

copresença de emissor e receptor, ou seja, a instância de produção e de recepção não se

dão no mesmo tempo e espaço. Além disso, cabe destacar que, por ser um gênero

publicado em jornal, o receptor tem caráter múltiplo e não individual. Ainda assim,

esses seres da comunicação reconhecem-se mutuamente e sabem exercer seus papéis na

troca comunicativa.

Zuenir Ventura, autor das crônicas, garante seu direito à palavra em virtude de

sua identidade social de cronista que publica semanalmente seus textos em um jornal de

grande circulação, mantendo seu público ao longo de anos de experiência. Dessa forma,

ele fundamenta sua legitimidade, tornando-se reconhecido pelas normas sociais e na

função de cronista.

A identidade discursiva, por sua vez, constrói-se com base nos modos de tomada

da palavra, na organização enunciativa do discurso e na manipulação dos imaginários

sócio-discursivos. É resultante de escolhas do sujeito, porém, evidentemente, necessita

embasar-se nos fatores constituintes da identidade social.

No jogo entre essas identidades, realiza-se a influência discursiva. A depender

de sua intencionalidade, os sujeitos do ato comunicativo podem criar uma identidade

única, “essencializada” – a identidade discursiva adere à identidade social –, ou podem

formar uma identidade dupla – “ser” diferente do “dizer”. Independentemente disso,

ambas constroem-se em articulação com o ato de enunciação.

Cabe ressaltar que esse jogo de identidades e a influência que daí resulta não

podem ser considerados fora de uma situação de comunicação. Segundo Charaudeau,

É a situação de comunicação, em seu dispositivo, que determina

antecipadamente (graças ao contrato que a define) a identidade social dos

parceiros do ato de troca verbal. Além disso, esta lhes fornece instruções

quanto à maneira de comportar-se discursivamente, isto é, define certos

traços da identidade discursiva. Ao sujeito falante restará a possibilidade de

escolher entre mostrar-se conforme as instruções, respeitando-as, ou decidir

mascará-las, subvertê-las ou transgredi-las. (2009c, p. 5)

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A relação dialógica entre um EU e um TU e o jogo de identidades movimentam

o ato de comunicação que Charaudeau nomeou de mise-en-scène (encenação), o qual

possibilita a atualização do ato de linguagem. Sendo assim,

Em todo ato de linguagem estaria implícita uma ‘aposta’, um desafio lançado

ao outro, numa interação de intencionalidades. Comunicar, portanto, como

jogo, é arriscar-se à incompreensão ou à negação. (Barbisan et alii, 2010, p.

179).

Desse jogo, participam quatro sujeitos comunicacionais, isso porque, conforme

foi exposto anteriormente, o ato de linguagem não deve ser visto como mero circuito

comunicativo entre um produtor e um receptor. Na verdade, deve ser visto como um

encontro dialético entre esses quatro sujeitos, lugar de encontro de dois universos

discursivos diferentes.

Fig. 1- Ato Interenunciativo (Charaudeau, 2009c, p. 45)

O processo de Produção faz parte do universo de produção do EU

(comunicante), que se dirige a um TU (destinatário). Já o processo de Interpretação faz

parte do universo do TU’ (interpretante), que constrói uma imagem do EU’

(enunciador).

Esses quatro sujeitos comunicacionais articulam-se em dois circuitos: um

externo (instância situacional) e outro interno (instância discursiva). Fazem parte do

circuito externo os seres sociais, dotados de intenção comunicativa; são os denominados

parceiros, considerados os seres do FAZER – sujeito comunicante (EUc – Zuenir

Ventura) e sujeito interpretante (TUi – leitores reais das crônicas). Do circuito interno

participam os seres do discurso, os denominados protagonistas, seres do DIZER –

EU Processo de produção TU

Zona de

intercompreensão

suposta EU

Processo p

osta

EU’ Processo de interpretação TU’

Universo de discurso do EU

Universo de discurso do TU’

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sujeito enunciador (EUe – imagem criada nas crônicas pelo EUc) e sujeito destinatário

(TUd – imagem idealizada pelo EUc do público leitor).

No circuito externo, o sujeito comunicante (EUc) é responsável pela produção,

já o sujeito interpretante (TUi) é responsável pela interpretação. Ao interpretar, TUi

poderá constituir-se em coautor, já que pode acrescentar implícitos não considerados

por EUc.

Esses dois seres, entretanto, como foi dito anteriormente, não são os únicos

participantes do ato de linguagem. O contrato comunicacional prevê a inclusão dos

seres do circuito interno, que são desdobramentos dos seres do circuito externo. Desta

forma, o EUc projeta um sujeito enunciador (EUe), que se dirige a um TUd.

Nota-se que todos esses seres, parceiros e protagonistas, mantêm estreita relação

no ato comunicativo. Tal relação, porém, não é simétrica, e o jogo de

transparência/opacidade entre eles é constante.

No que se refere à instância receptora, alguns desdobramentos precisam ser

esclarecidos. Tem-se o receptor ideal, ser idealizado pelo produtor de acordo com a sua

intencionalidade. Esse receptor idealizado é o sujeito destinatário (TUd), um ser da

instância discursiva que é fabricado pelo EUc. Este tem sobre TUd total domínio, pois o

projeta de modo que ele esteja em conformidade com sua intenção de fala. Sendo assim,

sempre haverá um TUd presente no ato de linguagem, explicitamente marcado ou não.

O sujeito interpretante (TUi), por sua vez, é um ser da instância situacional, ou

seja, externa ao ato de linguagem. Por esse motivo, não é uma fabricação do projeto de

fala do EUc. Isso significa que TUi é um ser independente, responsável pelo processo

de interpretação, que escapa do domínio do EUc. Enquanto o TUd está numa relação de

transparência com a intencionalidade do EUc, TUi apresenta uma relação de opacidade.

A presença de TUi no ato de linguagem está ligada ao processo de interpretação, e sua

tarefa é recuperar a imagem de TUd apresentada por EUc. TUi, no entanto, tem a

liberdade de aceitá-la ou refutá-la. Desta forma, o TUd pode não coincidir em todos os

pontos com o TUi, o que provocará um problema para o projeto de fala do EUc.

A instância produtora também apresenta seu jogo de opacidade e assimetria. O

sujeito comunicante, pertencente à instância situacional, projeta uma imagem de si no

discurso, o sujeito enunciador, que é o seu traço de intencionalidade. Sendo assim,

postula-se que não há transparência entre EUc e EUe. O segundo é apenas uma

representação linguageira parcial do primeiro, que pode “jogar”, com finalidade

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estratégica, tanto com a transparência entre EUe e EUc quanto com a ocultação deste

por aquele.

Cabe destacar que, apesar de pertencer ao circuito externo, EUc participa da

totalidade do ato de linguagem. Além disso, o conhecimento que o TUi pode ter do EUc

influencia seu processo interpretativo, seria o que Maingueneau denomina como ethos

pré-discursivo.1

Se o ethos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, não se pode

ignorar, entretanto, que o público constrói representações do ethos do

enunciador antes mesmo que ele fale. (2011, p. 71)

No estudo aqui empreendido, esse conhecimento antecipado do autor, gerando a

possibilidade de construção de um ethos pré-discursivo, é reforçado, uma vez que a

crônica jornalística tem como característica a fidelidade dos leitores.

A crônica não é um gênero que se lê ao acaso, vez ou outra; em geral os leitores

desse gênero elegem seu(s) cronista(s) favorito(s) e acompanham suas publicações que,

para facilitar o acesso e a fidelização, saem sempre nos mesmos dias da semana e

ocupam o mesmo local dentro do jornal. Ao ler um novo texto, portanto, os leitores já

têm uma expectativa relacionada não só à figura biossocial do cronista, bem como a seu

estilo enquanto escritor, a sua forma de abordar os temas e discuti-los.

O esquema a seguir, desenvolvido por Charaudeau, busca representar o ato de

linguagem e os sujeitos da comunicação envolvidos num ato linguageiro.

Fig. 2- Dispositivo de encenação da linguagem

(adaptado de Charaudeau, 2009c, p. 52)

1 - O conceito de ethos será mais aprofundado ainda nesse capítulo quando se falar da Retórica Clássica.

SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

(Finalidade)

(Projeto de fala)

Locutor

EUc

(Sujeito

Comunicante

– ser social)

EUe

Enunciador

(ser de fala)

TUd

Destinatário

(ser de fala)

Dizer

Espaço interno

Espaço externo

Receptor

TUi

(Sujeito

Interpretante

– ser social)

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Em resumo, o ato de linguagem é muito mais que um mero ato de comunicação

entre emissor e receptor. É, na verdade, resultante de um jogo entre explícitos e

implícitos, conteúdos que nascem das circunstâncias de discurso. É composto por dois

espaços, externo e interno. No primeiro, encontram-se os seres agentes (psicossociais,

instituídos conforme um saber ligado à organização do “real”); no segundo, os seres de

fala (oriundos de um saber ligado às representações linguageiras das práticas sociais).

Observem-se, a seguir, dois importantes conceitos propostos por Patrick

Charaudeau em sua teoria e que serão utilizados nesta pesquisa.

3.1.1 O Contrato de Comunicação

Como já foi visto anteriormente, todo ato de comunicação tem seres sociais e

seres de fala atuando num jogo discursivo, “apostando” no ato linguageiro. Esse jogo,

todavia, não é completamente livre, ele é fundamentado em um contrato social entre os

seres comunicacionais que pertencem a um mesmo corpo social. Pressupõe-se que esses

indivíduos sejam capazes de entrar em acordo no tocante à representação da linguagem.

Como afirma Charaudeau (2009c, p. 56),

A noção de contrato pressupõe que os indivíduos pertencentes a um mesmo

corpo de práticas sociais estejam suscetíveis de chegar a um acordo sobre as

representações linguageiras dessas práticas sociais. Em decorrência disso, o

sujeito comunicante sempre pode supor que o outro possui uma competência

linguageira de reconhecimento análoga à sua. Nessa perspectiva, o ato de

linguagem torna-se uma proposição que o EU faz ao TU e da qual espera

uma contrapartida de conivência.

O contrato de comunicação viabiliza a troca entre os parceiros e reúne as

condições necessárias para a realização do ato de linguagem. Nesse sentido, a situação

comunicativa em que os textos se inserem e as características decorrentes dessa situação

são orientadas por ele.

O contrato orienta as escolhas por meio de dois espaços: espaço de restrições e

espaço de manobras. O primeiro diz respeitos às regras que não podem ser infringidas,

pois, caso alguma delas seja quebrada, corre-se o risco de não haver comunicação. O

segundo refere-se às diferentes configurações discursivas disponíveis para o sujeito

comunicante, estratégias dentre as quais escolherá a que melhor se ajuste ao seu projeto

de fala, visando a atingir seus objetivos discursivos. Dessa forma, o ato de linguagem

exige constantemente manobras de equilíbrio e ajustamento.

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O gênero crônica, portanto, é um contrato de comunicação com espaços de

restrições e de manobras relacionados as suas características. Segundo Melo (1985, p.

116), a crônica produzida atualmente, apesar de seus traços literários, “configura-se

como um gênero eminentemente jornalístico”. O autor aponta duas características

fundamentais da crônica: 1) Fidelidade às questões contemporâneas relacionadas ao

quotidiano; 2) Crítica social, fazendo apreciações sobre atitudes e sentimentos.

Depreende-se, com isso, um espaço de restrição: a crônica não trata de assuntos

fantasiosos ou do mundo da imaginação, está sempre atrelada à realidade, a questões do

âmbito cotidiano, levando a uma reflexão coletiva. Por outro lado, depreende-se um

espaço de manobras: apesar de ser um gênero jornalístico que, em tese, não deveria

apresentar subjetividade, a crônica, sendo portadora de críticas sociais, abre espaço para

o engajamento do cronista.

Charaudeau (2009d, p. 235), ao comparar os gêneros editorial e crônica, afirma

que ambos têm liberdade de trazer à tona pontos de vista e até mesmo apresentar

subjetividade. Somente o cronista, no entanto, pode “(...) dar livre curso a seus próprios

sentimentos, sua própria emoção, seus próprios julgamentos, sem que isso constitua

uma falta, pois nesse modo de enunciação a regra é a subjetividade” (idem, p. 236).

Passando ao conceito de ato de linguagem – situação de troca concreta,

dependente de uma intencionalidade, que se organiza entre os espaços de restrição e de

manobra, gerando significações na relação de interdependência das circunstâncias

situacionais e discursivas –, Charaudeau apresenta um modelo de estruturação do

contrato de comunicação em três níveis: situacional, comunicacional e discursivo. O

atendimento a essas condições possibilita a análise textual por meio de um processo

discursivo.

O nível situacional estabelece as restrições do espaço externo, onde são

determinados a finalidade do ato comunicativo (para que se fala?), a identidade dos

parceiros (quem fala a quem?), o domínio do saber que é veiculado (sobre o que se

fala?) e o dispositivo (em que ambiente físico de espaço e tempo se fala?).

O nível comunicacional diz respeito ao “lugar” onde estão especificadas as

maneiras de falar, em função da situação; ou seja, o que vai definir o direito à fala dos

sujeitos de acordo com seus papéis linguageiros (como se fala?). Por fim, o nível

discursivo corresponde ao “lugar” de intervenção do sujeito enunciador, devendo

atender às condições de legitimidade, credibilidade e de captação.

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A legitimidade é a condição que determina a posição de autoridade do sujeito,

permitindo-o tomar a palavra. Pode resultar de uma legitimação de autoridade

individual ou institucional, porém sempre é baseada em valores aceitos em sociedade. É

uma condição externa ao sujeito comunicante, derivada do ajustamento entre a posição

social do falante, a situação e o ato de fala.

A credibilidade, por seu turno, está relacionada à necessidade de que se acredite

no sujeito falante. É resultante, portanto, do julgamento feito pelo ouvinte sobre o que

ele vê ou ouve, e, consequentemente, sobre a pessoa que fala. Sendo assim, cabe ao

falante garantir uma posição de verdade, para que seja levado a sério no discurso.

Para conseguir passar o efeito de verdade, o locutor pode assumir diferentes

atitudes discursivas. Pode passar uma imagem de neutralidade, ou seja, o sujeito apaga

em seu discurso qualquer vestígio de julgamento ou avaliação pessoal. Outra

possibilidade é passar uma imagem de distanciamento, em que o sujeito adota uma

atitude fria e controlada, como um especialista que analisa sem paixão. Por fim, pode

adotar ainda a imagem de engajamento, que leva o sujeito a optar por uma tomada de

posição na escolha de argumentos, palavras.

Por último, a captação consiste em seduzir ou persuadir o interlocutor, a fim de

provocar certo estado emocional. Em geral, a captação surge quando locutor e

interlocutor não estão em uma relação de autoridade. Então, há a necessidade de o

locutor assegurar a troca comunicativa, tocando, de alguma forma, o interlocutor

(efeitos de pathos). Não significa, porém, que a relação de autoridade seja sempre

inexistente. Caso se faça presente, a captação pode funcionar como uma estratégia para

amenizar essa relação de força.

Para conseguir tocar o destinatário, o enunciador pode optar entre três atitudes:

polêmica, sedutora e dramática. Na primeira, procura-se destruir um adversário

questionando suas ideias e, até mesmo, sua pessoa, inclusive por meio da antecipação

de argumentos; na segunda, propõe-se um imaginário ao interlocutor, no qual caberia ao

locutor o papel de herói beneficiário; na última, descrevem-se os fatos concernentes aos

dramas da vida, em relatos cheios de analogias e metáforas. (Charaudeau, 2005)

Quando se posiciona um EU como organizador da linguagem, em relação com

um TU por meio de um contrato de comunicação, faz-se mister explicar a construção

dos sentidos criados por esse EU em direção a esse TU. Faz-se ainda mais necessária tal

explicação quando se tem por base uma teoria que não vê a língua como espelhamento

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do mundo, mas como um sistema de representação simbólica. Segundo Charaudeau

(2005, p. 131),

Não há captura da realidade que não passe pelo filtro de um ponto de vista

particular que é dado como um fragmento do real, sempre que tentamos dar

conta da realidade empírica, estamos às voltas com um real construído, e não

com a própria realidade.

Dessa forma, pode-se postular que o mundo se ergue através das estratégias de

significação dos sujeitos. Essa significação do mundo, segundo Charaudeau (2009c),

ocorre por meio de um duplo processo de semiotização: processo de transformação e

processo de transação. O primeiro, por intermédio da ação de um sujeito falante, é

responsável por tornar um “Mundo a Significar” em um “Mundo Significado”. O

segundo faz do “Mundo Significado” um objeto de troca entre parceiros do ato

comunicativo.

O processo de transformação abarca quatro operações: a identificação, que torna

os seres do mundo em identidades nominais; a qualificação, que torna possível a

descrição das propriedades e características dessas entidades; a ação, que transforma

esses seres em entidades narrativas, dando-lhes uma razão de existência; e causação,

que coloca tais entidades num circuito movido pela causalidade.

Já o processo de transação realiza-se com base em quatro princípios: o de

alteridade, o de pertinência, o de influência e o de regulação.

O princípio de alteridade estabelece que todo ato de linguagem é uma troca

entre dois parceiros, um sujeito produtor e um sujeito receptor, que devem se

reconhecer como semelhantes e diferentes ao mesmo tempo. Devem-se reconhecer

como semelhantes, uma vez que, para que a comunicação tenha êxito, devem

compartilhar universos de referência e finalidades. Também devem, porém, se

reconhecer como diferentes para que cada um consiga exercer seu papel particular na

troca comunicativa – emissor e receptor.

O princípio de pertinência pressupõe que os parceiros do ato comunicativo

devem ser capazes de reconhecer os saberes implicados no ato de linguagem. Além

disso, determina que todo ato de linguagem seja apropriado ao seu contexto e

finalidade.

Os dois últimos, o princípio de influência e o princípio de regulação, estão

intimamente associados. O primeiro fundamenta-se no fato de que todo ato de

linguagem está apoiado numa intencionalidade, numa finalidade, que é configurada pela

vontade do sujeito emissor em persuadir ou seduzir seu parceiro na troca, o sujeito

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receptor, a compartilhar seu projeto de fala. O segundo expressa a possibilidade de uma

contrainfluência na troca comunicativa. Corresponde, assim, a um conjunto de

estratégias que assegura as condições mínimas para que a ato comunicativo se mantenha

e não se desfaça subitamente.

É importe destacar a relação de subordinação existente entre os dois processos.

Ao se observar o funcionamento do ato de linguagem, percebe-se que o processo de

transformação realiza-se sob o controle do processo de transação. Pode-se postular

isso, uma vez que o segundo processo orienta o propósito comunicativo e o sentido do

primeiro processo. Nas palavras de Charaudeau (2005, p.3),

Com efeito, as operações de identificação, de qualificação, etc. do processo

de transformação não se fazem livremente. Elas são efetuadas sob “liberdade

vigiada”, sob o controle do processo de transação, segundo as diretivas deste

último - o qual confere às operações uma orientação comunicativa, um

sentido.

Veja-se, abaixo, o gráfico que representa a relação entre os dois processos o ato

de comunicação.

Fig. 03 – Duplo processo de semiotização do mundo

(Adaptado de Charaudeau, 2005, p.3)

Fica claro, portanto, que a situação impõe restrições às escolhas dos recursos da

linguagem disponíveis para os sujeitos. Essas restrições, nas quais se insere o conceito

de contrato de comunicação, são consideradas influências externas que produzem

instruções no nível discursivo, em que é organizado o comportamento dos parceiros da

troca, os papéis linguageiros que devem assumir, as formas linguísticas que devem

empregar. Enfim, corresponde à pergunta “como dizer?”.

Esse “como dizer” é organizado linguisticamente por meio dos Modos de

Organização do Discurso, que serão explicitados no item a seguir.

Processo de transformação

“Mundo a

Significar”

“Mundo

Significado”

Sujeito

Falante

Sujeito

Destinatário

Processo de transação

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3.1.2 Os Modos de Organização do Discurso

Na teoria Semiolinguística do Discurso, o ato de comunicação é representado

como um dispositivo, que tem como centro o sujeito locutor (ao falar ou escrever), em

relação com outro parceiro (ouvinte ou leitor). Esse dispositivo têm os seguintes

componentes (Charaudeau, 2009c, p. 68): situação de comunicação, língua, texto e

modos de organização do discurso.

Cabe ressaltar que a situação de comunicação define o ato de linguagem em sua

função e finalidade comunicativas, podendo ser uma situação de interlocução (parceiros

copresentes), ou uma situação de monolocução (parceiros distantes um do outro). A

língua, por sua vez, constitui o material verbal estruturado em categorias que possuem

forma e sentido, e o texto é a materialização de um ato de linguagem, resultante das

escolhas conscientes (ou inconscientes) do sujeito emissor.

Outro importante componente deste dispositivo são os modos de organização

do discurso. Segundo Charaudeau, os modos de organização do discurso remetem aos

“procedimentos que consistem em utilizar determinadas categorias da língua para

ordená-las em função das finalidades discursivas do ato comunicativo” (2009c, p. 74).

Isto é, dependem da intencionalidade comunicativa do sujeito falante: enunciar,

descrever, narrar ou argumentar. Dessa forma, podem ser agrupadas em quatro Modos

de organização: o Enunciativo, o Descritivo, o Narrativo e o Argumentativo.

Cada um deles tem uma função de base que os diferencia. No Modo enunciativo,

o foco está na posição do locutor frente a si mesmo, ao interlocutor e aos outros. Já no

Modo descritivo, o foco está na nomeação, qualificação e localização dos seres; e, no

narrativo, nas ações desses seres numa sequência temporal. Por fim, no Modo

Argumentativo, o foco recai sobre as relações de convencimento e persuasão, em que se

coloca uma proposta que é seguida de uma justificativa. No quadro a seguir, as

principais características das formas de organizar os textos estão resumidas.

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Modo de

Organização Função de base Princípio de organização

Enunciativo

Relação de influência

(EU>TU)

Ponto de vista do sujeito

(EU>ELE)

Retomada do que já foi dito

(ELE)

Posição em relação ao

interlocutor

Posição em relação ao

mundo

Posição em relação a outros

discursos

Descritivo

Identificar e qualificar

Seres de maneira

objetiva / subjetiva

Organização da construção

descritiva (Nomear-

Localizar-Qualificar)

Encenação descritiva

Narrativo

Construir a sucessão das ações de

uma história no tempo, com a

finalidade de fazer um relato.

Organização da lógica

narrativa (actantes e

processos)

Encenação narrativa

Argumentativo

Expor e provar causalidades

numa visada racionalizante para

influenciar o interlocutor

Organização da lógica

argumentativa

Encenação argumentativa

Quadro 01 – Modos de organização do discurso (Charaudeau, 2009c, p. 75)

Os Modos de organização do discurso não se excluem. Pelo contrário, diversos

são os gêneros textuais que precisam utilizar mais de um modo para tornar seu projeto

de fala bem sucedido e conseguir influenciar seu receptor.

Cabe ainda ressaltar que o modo Enunciativo tem um comportamento diferente

dos demais modos. Se, por um lado, sua função essencial é apresentar a posição do

locutor, por outro, por conta dessa mesma função, esse modo intervém na encenação

dos outros três modos, podendo-se dizer que ele comanda os demais.

Fig. 04 – Relação entre o modo Enunciativo e os demais

modos de organização. (Charaudeau, 2009c, p. 74)

ENUNCIATIVO

DESCRITIVO

NARRATIVO

ARGUMENTATIVO

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Por estar presente nos demais modos, o Enunciativo será o primeiro a ser

aprofundado. Este modo “é uma categoria de discurso que aponta para a maneira pela

qual o sujeito falante age na encenação do ato de comunicação” (Charaudeau, 2009c, p.

81).

Duas observações, porém, segundo Charaudeau, devem ser feitas a respeito do

modo Enunciativo. A primeira é que o modo não deve ser confundido com a situação de

comunicação, onde se encontram os seres sociais, externos à linguagem. No modo

Enunciativo, são focalizados os seres de fala, internos à linguagem.

A segunda observação é que não se deve confundir modo Enunciativo com

Modalização. Esta última é uma categoria da língua, já o modo é uma categoria do

discurso. Obviamente, a relação entre os dois é estreita, uma vez que as categorias da

língua possibilitam a construção do discurso, e as categorias deste têm correspondência

nas categorias daquela.

Outra conceituação é feita por Charaudeau ao expor esse modo de discurso. O

autor preocupa-se em desfazer possíveis confusões acerca do termo “enunciar”,

deixando claro que, no âmbito da Análise do Discurso, o termo diz respeito à

organização das categorias da língua, à sua ordenação de forma que “deem conta da

posição que o sujeito falante ocupa em relação ao interlocutor, em relação ao que ele diz

e em relação ao que o outro diz” (2009c, p. 82). Sendo assim, o modo Enunciativo

apresenta três funções de acordo com cada posição adotada: Alocutiva, Elocutiva e

Delocutiva.

A função Alocutiva estabelece uma relação de influência entre locutor e

interlocutor. Isso se dá quando o locutor, com o seu dizer, implica e impõe um

comportamento ao interlocutor, esperando deste uma reação. Essa influência pode se

dar com o sujeito falante em posição de superioridade ou de inferioridade, pois, no ato

de sua enunciação, estabelece “papéis linguageiros” a si mesmo a seu interlocutor.

No caso da influência em posição de superioridade, é estabelecida uma relação

de força entre os protagonistas, pois o locutor atribui a si papéis que exigem do

interlocutor a execução de uma ação – caso das modalidades de injunção e interpelação.

Na posição de inferioridade, é estabelecida uma relação de petição entre os

protagonistas, uma vez que o locutor assume papéis nos quais precisa do “saber” e do

“poder fazer” do interlocutor – caso das modalidades de interrogação e petição.

A função Elocutiva revela o ponto de vista do locutor sobre o mundo, não

implicando o interlocutor nessa tomada de posição. Como resultado, tem-se uma

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enunciação que modaliza a verdade do propósito enunciado, revelando a opinião

subjetiva do sujeito falante. Essa função pode ser especificada em cinco tipos: modo de

saber (modalidades de constatação e de saber/ignorância), avaliação (modalidades de

opinião e apreciação), motivação (modalidades de obrigação, possibilidade e querer),

engajamento (modalidades de promessa, aceitação/recusa, acordo/desacordo e

declaração) e decisão (modalidades de proclamação).

Por fim, na função Delocutiva, há um apagamento do sujeito falante, também

não implicando explicitamente o interlocutor nesse posicionamento. O sujeito falante

apenas faz um testemunho dos discursos provenientes de terceiros. Como resultado,

tem-se uma enunciação aparentemente objetiva, que retoma textos que não são

pertencentes ao sujeito falante. A função Delocutiva apresenta duas possibilidades: o

propósito se impõe por si só e o propósito é um texto. 2

No primeiro caso, o locutor diz como o mundo existe, por meio da modalidade

da asserção e seus subtipos. No segundo, o locutor atua como um relator de um texto já

produzido por outro locutor, relatando o que o outro disse e de que forma disse – o que

ocorre nas diferentes formas de discurso relatado.

Estes seriam, portanto, os componentes da estruturação do modo enunciativo,

que serão postos em prática por meio de dois tipos de procedimentos: linguísticos e

discursivos. Os procedimentos linguísticos colocam em evidência as diversas relações

do ato enunciativo através de estratégias linguísticas, como a modalização do

enunciado. Já os procedimentos discursivos colaboram para a estruturação da encenação

dos demais modos de organização do discurso. Assim, para o interesse desta tese,

voltar-se-á a falar dos procedimentos discursivos do modo enunciativo quando se

abordar o modo argumentativo, mais adiante neste capítulo.

Finalizadas as explicações sobre o modo Enunciativo, dar-se-á continuidade ao

estudo dos modos de organização do discurso pelo modo Descritivo. Esse modo,

segundo Charaudeau, apresenta três problemas: confusão com o modo Narrativo,

grande parte gerada pela tradição escolar e por sua relação íntima; confusão da

finalidade de um texto com seu modo de organização, isto é, um texto pode ser inserido

no modo Descritivo e ter, enquanto conjunto, outra finalidade; e a relação língua/texto,

2 - Cabe destacar que, no modo delocutivo, o locutor, em seu projeto de fala, cria um discurso como se

fosse possível seu completo apagamento, uma vez que todo ato de linguagem depende de um locutor e de seus pontos de vista. Assim, esse modo é uma encenação criada pelo locutor para parecer que o discurso fala por si só, sem sua interferência. (Charaudeau, 2009c, p. 84)

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pois uma mesma categoria linguística pode aparecer nos diferentes modos de

organização.

Charaudeau define o termo Descritivo como um processo discursivo, opondo-o

ao termo Descrição, que é o resultado, um texto (ou parte dele) que se apresenta como

tal. Desta forma, o modo Descritivo pode combinar-se com o Narrativo e o

Argumentativo em um mesmo texto, parcial ou totalmente.

Os componentes de uma estrutura descritiva são: nomear, qualificar e localizar-

situar. Tais componentes são, a um mesmo tempo, autônomos e indissociáveis. Segundo

Charaudeau (2009c, p. 112), “(...) nomear é dar existência a um ser (qualquer que seja a

sua classe semântica) (...). É o resultado de uma operação que consiste em fazer existir

seres significantes no mundo, ao classificá-los.” Essa nomeação é feita a partir das

semelhanças e diferenças nas comparações com outros seres.

Após nomear os seres, é preciso especificá-los, função da qualificação.

Qualificar é a atividade que consiste em “atribuir a um ser, de maneira explícita, uma

qualidade que o caracteriza e o especifica” (idem, p. 115). Existe, portanto uma relação

entre nomear e qualificar, já que ambos reduzem a infinidade de seres a grupos e

subgrupos. A qualificação, no entanto, atribui, de maneira mais ou menos objetiva,

particularidades a esses seres, sendo, portanto, mais específico do que nomear.

Por fim, Localizar-situar é “determinar o lugar que um ser ocupa no espaço e

no tempo” (idem, p. 113). Todo ser depende da sua condição espaço-temporal para ser o

que é, para sua razão de ser. Sendo assim, localizar-situar, em retorno, também acaba

por atribuir características ao ser.

O dispositivo descritivo permite, portanto, pela qualificação, a construção do

mundo de forma objetiva ou subjetiva, a depender da finalidade do texto. Textos que

tenham como finalidade definir, explicar, incitar buscam realizar uma descrição mais

objetiva dos seres, isto é, qualificar “os seres com ajuda de traços que possam ser

verificados por qualquer outro sujeito além do sujeito falante” (idem, p. 120).

Por outro lado, em outros textos, como nos literários – mas não apenas – há a

possibilidade de o sujeito falante optar por procedimentos de qualificação que partam de

sua própria visão, a qual não é necessariamente verificável. “O universo assim

construído é relativo ao imaginário pessoal do sujeito” (idem, p. 125).

Como foi visto, o modo Descritivo organiza o mundo em categorias, de

maneira descontínua e aberta. Esta forma e organização são o oposto do modo

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Narrativo, que organiza o mundo de forma sucessiva e contínua, sua lógica é marcada

por sua coerência interna – seu início e fim.

Para Charaudeau, a abordagem desse modo deve ser feita de forma delicada,

em virtude de ser objeto de diversos estudos teóricos há muito tempo – das correntes da

crítica literária até os modernos estudos semióticos. Além disso, o autor justifica a

dificuldade ainda com base na multiplicidade de sentidos que o termo “contar” pode

apresentar, que, segundo ele, vão muito além da definição normalmente dada pelos

dicionários (Charaudeau, 2009c, p. 154):

(...) é uma atividade linguageira cujo desenvolvimento implica uma série de

tensões e até mesmo de contradições.

(...) é também construir um universo de representações das ações humanas

por meio de um duplo imaginário baseado em dois tipos de crenças que

dizem respeito ao mundo, ao ser humano e à verdade.

O modo Narrativo é apenas um dos componentes da narrativa. Esta é a

totalidade, enquanto aquele é o processo, a forma de organizar esta totalidade.

Caracteriza-se pela construção de uma sucessão de ações segundo uma lógica acional,

que deve ser delimitada em seu início e fim para haver coerência. Além disso, essa

sucessão de ações deve ter uma razão de ser, isto é, deve ser motivada pela intenção do

sujeito, “que elabora um projeto de fazer e tenta conduzi-lo bem” (Charaudeau, 2009c,

p. 168).

Cabe salientar que, para Charaudeau, o modo Narrativo caracteriza-se por uma

dupla articulação: a organização da lógica narrativa, ou seja, a constituição da trama de

uma história; e a organização da encenação da narrativa, isto é, “daquilo que faz com

que essa história e sua organização acional se tornem um universo narrado”

(Charaudeau, 2009c, p. 158).

A organização da lógica narrativa dispõe de alguns componentes: os actantes, os

processos e as sequências. Esses componentes trabalham em conjunto e suas definições

são estabelecidas de forma recíproca, ou seja, na relação que um mantém com o outro.

Cabe destacar que esses componentes pertencem às categorias de discurso e não da

língua, o que dá a eles algumas características específicas.

Os actantes, por exemplo, não podem ter seus papéis narrativos definidos sem

que se saiba o contexto que dá a um determinado enunciado sua finalidade. Sem se ter a

certeza do que o actante quer com uma ação, não se pode definir seu papel narrativo.

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Além disso, esses actantes são hierarquizados sob duas visões: de sua natureza

(humana, ou considerada como tal) e de sua importância (principais e secundários).

Charaudeau defende ainda a distinção entre os termos actante e personagem,

uma vez que o primeiro teria uma forma não qualificada e o segundo uma forma

qualificada. Dessa forma, fica mais fácil perceber as correspondências que podem

existir entre uma e outra categoria. O linguista exemplifica desta forma:

– 1 actante: n personagens: um actante, tendo um certo papel narrativo, pode

ser ocupado por diferentes tipos de personagens, seja sucessivamente, seja

alternativamente, seja simultaneamente.

O papel de agente-agressor, por exemplo, pode ser preenchido por bandido,

vadio, mestre cantor, cúmplice, padre etc.

– 1 personagem: n actantes: um mesmo personagem pode desempenhar

muitos papéis narrativos e ocupar o lugar de actantes diferentes, no

desenrolar da mesma história. (2009c, p. 162)

Por fim, ainda sobre os actantes, o autor apresenta um modelo de questionário

que poderia ser utilizado para se determinar o papel narrativo com base em dois actantes

de base – o agente e o paciente. Ele salienta que a vantagem do questionário é de não se

engessar a análise, uma vez que a estruturação dos actantes é somente uma das possíveis

formas de organização de uma história.

Passando-se ao componente denominado processos, Charaudeau relembra, mais

uma vez, que não se podem confundir as categorias de língua com as de discurso.

Assim, define que “processo é uma unidade de ação que, por sua correlação com outras

ações (correlação motivada por uma intencionalidade), se transforma em função

narrativa” (2009c, 163). O autor salienta que, assim como ocorre para os actantes, é

possível estabelecer uma correspondência entre essas duas categorias:

– 1 processo narrativo: n ações

Um processo narrativo pode ser realizado por diferentes tipos de ações. Por

exemplo, o processo de agressão pode ser realizado por uma ação física

(murro), um insulto, um comportamento de recusa, etc.

– 1 ação: n processos narrativos

Uma mesma ação poderá estar correlacionada com tal ou qual outra ação

numa mesma história (ou em histórias diferentes), o que determinará tal ou

qual função narrativa. Por exemplo, como visto anteriormente, a ação

“entrega de um embrulho” pode corresponder a um processo de agressão

(bomba), de recompensa (presente), de embuste (embrulho vazio), etc.

(idem, p. 164)

Assim como ocorre para os actantes, o autor discute a hierarquização dos

processos e seu grau de semantização. Para o primeiro item, ele afirma que, sem se

debruçar em maiores detalhes, é possível identificar dois tipos de função narrativa de

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base – a função narrativa principal (grandes articulações da história) e a função

narrativa secundária (completa os espaços entre as grandes articulações).

No tocante à qualificação do processo, o semiolinguista faz observações acerca

dos valores semânticos pré-estabelecidos que teriam alguns processos narrativos, tais

como a agressão e a recompensa, porém, propõe que, como foi feito para os actantes,

adote-se um questionário que permita “determinar um certo número de arquétipos

processuais, úteis para a localização das funções narrativas” (2009c, p. 165).

O componente sequências, por sua vez, é discutido através de seus princípios de

organização. O primeiro deles é o princípio da coerência, segundo o qual as ações que

se sucedem em uma narrativa não são arbitrárias, mas relacionadas. Para que a

coerência seja mantida, é necessário que essa sucessão seja “delimitada em seu

princípio e em seu fim” (idem, p. 166). Algumas dessas ações, portanto, desempenharão

papéis de abertura e outras de fechamento.

O autor alerta para o fato de que essa sucessão de ações deve ter uma motivação,

que é justamente o outro princípio que rege esse componente: o princípio da

intencionalidade. Os dois princípios em conjunto possibilitam quatro tipos de

encadeamento: sucessão, paralelismo, simetria e encaixe. Não se abordará aqui a

especificidade de cada um deles por esta tese não ter como intenção o estudo

aprofundado do modo narrativo.

O último princípio do componente ora em estudo é o princípio da localização,

que fornece os pontos de referência no tempo, no espaço e em relação aos próprios

actantes (sua caracterização) para a construção narrativa.

Quando passa ao estudo dos procedimentos da lógica narrativa, Charaudeau

apresenta quatro frentes a que esses procedimentos estão ligados: motivação

intencional; cronologia; ritmo e localização espaço-temporal. Por motivos já

justificados aqui, não se desenvolverá tais conceitos, mas achou-se importante ao menos

elencá-los para se ter uma dimensão do quanto o modo narrativo e muito detalhado pelo

autor, que ainda aborda a encenação narrativa, sobre a qual se falará brevemente

também.

O autor apresenta dois componentes da encenação narrativa: o dispositivo

narrativo e os parceiros e protagonistas da encenação narrativa. No dispositivo, o autor

chama a atenção para a necessidade de não se confundir indivíduo, autor e narrador;

bem como indivíduo, leitor real e leitor destinatário da narrativa. Assim, o dispositivo

narrativo apresenta um espaço interno e um externo ao texto, no qual interagem quatro

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sujeitos ligados entre si e igualmente relacionados de um espaço a outro. É a mesma

relação já abordada aqui quando se falou do dispositivo de comunicação.

Já no segundo componente, o autor desenvolve as possibilidades de identidades

desses sujeitos da encenação narrativa: autor-indivíduo e leitor real; autor-escritor e

leitor possível; narrador-historiador ou narrador-contador e leitor destinatário.

Por fim, nos procedimentos de configuração da encenação narrativa, Charaudeau

arrola os procedimentos que dão conta das intervenções e identidades do narrador; do

seu estatuto e de seus pontos de vista. Por uma questão de objetividade da pesquisa, não

se detalharão os componentes e procedimentos aqui, porém, a singela indicação de sua

existência dá a ideia da grandeza do estudo realizado por Charaudeau (2009c).

Em suma, o modo Narrativo, ao buscar relatar as ações humanas, defronta-se

com uma forma de realidade visível e tangível. Já o modo Argumentativo, como se verá

a partir de agora, está em contato com um saber que tenta fazer considerações acerca da

experiência humana, por meio de certas operações de raciocínio. Assim, ao contrário da

narrativa, uma argumentação pode ser contestada e até mesmo invalidada.

Segundo Charaudeau (2009c, p. 203), “A argumentação não se limita a uma

sequência de frases ou de proposições ligadas por conectores lógicos”. Isso porque

nem sempre as relações frásticas apresentam conectores para marcar sua operação

lógica. Além disso, o aspecto argumentativo do discurso encontra-se, frequentemente,

no seu implícito.

Outro ponto destacado pelo autor é a necessidade de não se confundir

“argumentação” com outras formas de discurso que se harmonizam bastante com ela,

porém, na verdade, possuem independência. Para ilustrar, o autor dá como exemplos a

negação e a refutação, que, apesar de se combinarem, são conceitos distintos. A

primeira é simplesmente o ato de negar uma asserção, enquanto a segunda é o

movimento de demonstração da falsidade de uma dada tese.

De acordo com o linguista, portanto, são necessárias algumas condições para que

a argumentação exista: uma proposta sobre o mundo que incite um questionamento

quanto à sua legitimidade, um sujeito engajado em comprovar a legitimidade da

proposta, um outro sujeito que se projete como alvo da argumentação. Sendo assim, a

argumentação é uma relação triangular em que figuram um sujeito argumentante, uma

proposta sobre o mundo e um sujeito-alvo. Essa relação pode ser representada pelo

esquema a seguir:

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Fig. 05 – Relação entre sujeito argumentante, proposta e sujeito-alvo.

(Charaudeau, 2009c, p. 205)

O sujeito argumentante, desta forma participa de uma dupla busca: de

racionalidade e de influência. A primeira “tende a um ideal de verdade quanto à

explicação de fenômenos do universo” (Charaudeau, 2009c, p. 206). Sabe-se, porém,

que, mesmo que tais fenômenos tenham uma explicação universal, ainda assim são

observados por meio de filtros de experiência individual e social e de operações de

pensamento. Assim, a busca pelo verdadeiro passa a ser pelo mais verdadeiro, ou seja,

do verossímil. Independentemente disso, o sujeito argumentante dá continuidade à

encenação da verdade e da universalidade das explicações, pois precisa se mostrar

engajado frente ao outro.

Destarte, chega-se à segunda busca, que

(...) tende a um ideal de persuasão, o qual consiste em compartilhar com o

outro (interlocutor ou destinatário) um certo universo de discurso até o ponto

em que este último seja levado a ter as mesmas propostas (atingindo o

objetivo de uma co-enunciação) (ibidem).

O modo Argumentativo possibilita, então, a construção das explicações feitas

sobre o mundo a partir de uma dupla perspectiva de razão demonstrativa (organização

lógica da argumentativa) e razão persuasiva (encenação argumentativa). A primeira

procura estabelecer as relações de causalidade diversas; a segunda, as provas que

justifiquem a proposta. Assim como fez para os demais modos de organização do

discurso, o linguista analisa o modo argumentativo por esse duplo viés, apresentando

seus componentes e procedimentos.

Proposta sobre o mundo

Sujeito

argumentante

Sujeito

-alvo

(Questionamento)

(Estabelecimento de uma verdade) (Verdade)

Persuasão

(A favor/contra)

(Questionamento)

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Como componentes da lógica argumentativa, o autor apresenta os elementos de

base da relação argumentativa. Segundo ele, toda relação argumentativa é composta

por, ao menos, três elementos: uma asserção de partida, uma asserção de chegada e

uma (ou várias) asserção de passagem.

A asserção de partida (A1) é uma fala sobre o mundo que se destina a fazer com

que outra asserção seja admitida, mantendo uma relação de justificativa. A asserção de

chegada (A2), por sua vez, é a legitimação da proposta, ela simboliza aquilo que deve

ser aceito em virtude da sua relação com A1, sendo sempre uma relação de causalidade

– “A1 porque A2”, ou “A1, portanto A2”.

A asserção de passagem, então, é uma justificativa da relação de causalidade

que une A1 e A2. É fundamentada em um universo de crença que deve ser

compartilhado pelos interlocutores implicados pela argumentação. Essa asserção, que

geralmente é implícita, pode ser chamada de prova, inferência ou argumento, a

depender do quadro teórico em que está inscrita. Observe-se o esquema abaixo que

resume a relação da lógica argumentativa.

(Dado) (Inferência) (Conclusão)

(Premissa) (Argumento)

(A1) (Prova) (A2)

Fig. 06 – Esquema representativo da relação argumentativa (Charaudeau, 2009c, p. 210)

Em seguida, é apresentado o componente modos de encadeamento, que indica

que outras relações lógicas que se inserem no projeto argumentativo podem passar a

figurar num encadeamento de causalidade. Não cabe aqui explorar cada uma delas, mas

são elas: conjunção, disjunção, restrição, oposição, causa, consequência, finalidade.

Cada uma delas, a depender do contexto, pode representar também relações de

causalidade.

O terceiro componente da organização da lógica argumentativa são as

modalidades. Esse componente dá conta da relação entre premissa e conclusão por meio

de uma inferência que estabelece um vínculo modal. O autor apresenta dois eixos: o

eixo do possível – em que A2 não é a conclusão única de A1, podendo ser da ordem do

possível, do provável ou da presunção – e o eixo do obrigatório – em que A2 é

A RELAÇÃO ARGUMENTATIVA

Asserção de partida Asserção de chegada Asserção de passagem

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obrigatoriamente a conclusão de A1, podendo ser da ordem do necessário, do

indiscutível ou do exclusivo.

O último componente é escopo do valor de verdade, que se relaciona aos

vínculos modais estabelecidos entre asserções, porém diferencia-se por abranger

totalmente a proposta. Ele pode se dar por generalização (“a proposta A1>A2 vale para

um grande número de casos que se repetem com frequência."); particularização (“A

proposta A1>A2 vale para um caso específico que depende de circunstâncias

particulares.”); ou hipótese (“A proposta A1>A2 depende, para que se realize, do grau

de existência que é atribuído a A1.”).

Após apresentar os componentes, Charaudeau passa a descrever os

procedimentos da lógica argumentativa. Assim como foi feito anteriormente, será feita

uma breve explanação desses procedimentos.

O primeiro deles é a dedução, que, segundo o autor, é um modo de raciocínio

em que a relação de causalidade entre A1 e A2 está orientada da causa para a

consequência. Assim, são vários os tipos de dedução: por silogismo, pragmática, por

cálculo e condicional.

Outro procedimento é a explicação, que é muito parecido com o anterior

(dedução), no entanto, aqui, a relação entre A1 e A2 tem como característica o fato

desta ser a origem, o motivo daquela através de uma inferência. Sendo assim, há vários

tipos de explicação: por silogismo, pragmática, por cálculo e hipotética.

Depois, é apresentado o procedimento associação, que pode utilizar a

conjunção, a causa ou a consequência colocando A1 e A2 em relação de contrariedade

ou identidade. Sendo assim, pode-se ter a associação dos contrários ou a associação do

idêntico. Para Charaudeau, esses modos de raciocínio deveriam ser retirados do grupo

de procedimentos de argumentação, visto que não atendem ao princípio da não

contradição (o primeiro) e ao da não tautologia (o segundo). Ressalta o teórico, todavia,

que esses procedimentos têm sua importância, gerando efeitos de humor, por exemplo, e

servindo mais às finalidades estratégicas da sedução do que da persuasão.

O linguista apresenta ainda o procedimento escolha alternativa, que consiste em

colocar em oposição duas relações argumentativas, possibilitando a escolha entre as

duas, ou evidenciando a incompatibilidade de sua união. Com esse procedimento,

busca-se evitar o raciocínio paradoxal, que poderia destacar: uma simples

incompatibilidade; uma escolha entre positivo/negativo; uma escolha entre duas

negativas, ou uma escolha entre duas positivas.

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Por fim, há o procedimento da concessão restritiva. Nesse procedimento, aceita-

se A1, mas contesta-se a sua validade quanto à conclusão proposta ou subentendida.

Assim, nega-se ou modifica-se a conclusão, e, em função disso, descobre-se o que

poderia ser a conclusão inicial. Nas palavras do autor:

Encontra-se esse modo de raciocínio em situações de troca polêmicas, nas

quais se concorda (ou se finge concordar) com certas asserções do outro para

melhor invalidá-las ou retificá-las (procedimento menos agressivo do que

uma negação brutal). (Charaudeau, 2009c, p. 219)

Após essa explanação concisa sobre os componentes e procedimentos da

organização da lógica argumentativa, passar-se-á à apresentação dos componentes e

procedimentos da encenação argumentativa, que também será breve. Não se tem a

pretensão aqui de se fazer um estudo aprofundado de cada um desses itens, mas apenas

de apontá-los por conta de sua relevância nesta pesquisa.

Como já foi dito anteriormente, a razão demonstrativa deve unir-se à razão

persuasiva para que haja argumentação. Esta última depende da situação em que o

sujeito que argumenta se encontra diante de seu interlocutor – estes ligados por um

contrato de comunicação. É necessário, portanto, que determinados procedimentos

atuem na elaboração da encenação argumentativa para que uma proposta possa ser

percebida com valor argumentativo, uma vez que “toda asserção pode ser argumentativa

desde que se inscreva num dispositivo argumentativo” (Charaudeau, 2009c, p. 221).

Conforme postula o teórico, o dispositivo argumentativo compõe-se de três

quadros: a proposta, a proposição e a persuasão, que podem sofrer superposição na

configuração argumentativa. A proposta, ou tese, é formada por uma ou mais asserções

a respeito dos fenômenos do mundo que é colocada em contraste com outra.

Fig. 07 – Exemplificação de proposta (Charaudeau, 2009c, p. 222)

Por exemplo:

X morreu (A1)

é preciso fugir (A2) é triste foi assassinado ele se suicidou acabou nosso projeto

A1 A2

(Se) (então)

(portanto)

(porque)

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A possibilidade de pôr em causa a proposta faz parte de um quadro de

questionamento do qual parte a proposição. Esse “colocar em causa” depende da atitude

adotada pelo sujeito quanto à veracidade da proposta: uma tomada ou não de posição.

Fig. 08 – Posições diante da proposta (Adaptado de Charaudeau, 2009c, p. 224)

A persuasão, por sua vez, coloca em evidência um quadro de raciocínio

persuasivo, destinado a desenvolver uma das opções do quadro de questionamento:

refutação, justificativa, ponderação. Nesta fase, o argumentador estabelece a prova da

posição adotada na Proposição. “É nesse quadro que o sujeito desenvolve o que se pode

chamar de ‘controvérsia’, recorrendo a diversos procedimentos – semânticos,

discursivos, e de composição – a fim de estabelecer a prova da posição adotada na

Proposição” (Charaudeau, 2009c, p. 225).

Em suma, o dispositivo argumentativo inicia-se na Proposta (teses alheias), em

seguida, passa pela Proposição (tese do locutor), etapa em que o sujeito se posiciona

tomando uma posição (refutar/aceitar) ou não (ponderar) em relação à Proposta, até

chegar à Persuasão, fase em que são dadas as provas de refutação, justificativa ou

ponderação.

Sendo assim, o modo Argumentativo possibilita uma organização das relações de

causalidade, instaurando-as sobre ações e eventos do mundo. Essa organização é feita

por meio de diversos procedimentos que recaem sobre o encadeamento e o valor dos

argumentos. A argumentação, contudo, ressalta Charaudeau (2009c, p. 226),

(...) depende da situação de comunicação na qual se encontra o sujeito que

argumenta, e é em função desta situação de comunicação e do projeto de fala

do sujeito que serão utilizados os componentes do dispositivo.

Os fatores situacionais que contribuem para configurar uma argumentação

sob forma de texto são de duas ordens, segundo se considere a situação de

troca ou contrato de fala.

A1 A2

TOMADA DE POSIÇÃO NÃO TOMADA DE POSIÇÃO

CONTRA

(Refutação)

A FAVOR

(Justificativa) VERDADEIRO/FALSO

(ponderação)

Total Parcial Total Parcial Total Parcial

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Com isso, o autor passa a definir esses elementos: situação de troca e contrato

de comunicação. O primeiro pode se dar de duas formas – monologal (um sujeito é

responsável pela totalidade do texto) ou dialogal (a construção do texto se dá por meio

de réplicas entre os parceiros da troca linguageira).

O segundo, o contrato de comunicação, por sua vez, é o que fornece os caminhos

para a interpretação dos textos. Pode-se, contudo, ter casos em que o texto se enquadre

claramente nesse contrato (argumentação explícita) ou que o finja (argumentação

implícita).

Outro componente da encenação argumentativa é a posição dos sujeitos. Sabe-se

que o sujeito deve se colocar em relação à veracidade da proposta para que se estabeleça

um quadro de questionamento. De fato, o sujeito deve se posicionar não só quanto à

proposta, mas também quanto ao emissor da proposta e à própria argumentação.

Quanto à proposta, o sujeito, pode tomar ou não posição – ao tomar, ele se

posiciona contra ou a favor; ao não tomar, ele revê os prós e os contras. Quanto ao

emissor da proposta, o sujeito pode rejeitar ou aceitar o seu estatuto, mas pode ainda

autojustificar esse estatuto caso ele tenha sido colocado em pauta de discussão. Por fim,

quanto à própria argumentação, o sujeito pode se colocar de modo engajado,

implicando-se pessoalmente no questionamento; ou não engajado, não se implicando na

argumentação.

Apresentados os componentes da encenação argumentativa, parte-se para a

apresentação dos procedimentos dessa encenação, que têm por função básica validar

uma argumentação, justificando o quadro de questionamento, sendo necessário, para

isso, produzir provas. Sendo assim, alguns procedimentos baseiam-se no valor dos

argumentos (procedimentos semânticos); outros produzem efeitos de discurso

(procedimentos discursos); outros, por fim, organizam o conjunto da argumentação

(procedimentos de composição).

Cada um desses procedimentos tem subclassificações bastante extensas que não

caberiam ser exploradas aqui. Será feito, portanto, apenas um comentário breve e geral

sobre cada procedimento:

1) Procedimentos semânticos – utilizam argumentos fundamentados num

consenso social, uma vez que membros de um mesmo corpo sociocultural compartilham

determinados valores, em determinados domínios de avaliação;

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2) Procedimentos discursivos – empregam certas categorias da língua ou os

procedimentos de outros modos de organização do discurso com vistas a produzir certos

efeitos de persuasão;

3) Procedimentos de composição – podem ser usados em textos orais ou escritos,

ao longo dos quais, por meio de estratégias diversas, facilitam a localização das

diferentes articulações do raciocínio, ou a compreensão das conclusões da

argumentação.

Para finalizar, cabe ressaltar que os Modos de organização do discurso não

constituem, sozinhos, uma classificação de textos, uma vez que reúnem textos

pertencentes a situações diferentes, não podendo ser considerados um critério de

classificação que corresponda aos domínios da prática comunicativa. Além disso, não se

pode confundir um gênero com seu modo de organização, já que um gênero pode

resultar da combinação de vários desses modos de organização – porém, esse fato não

impede que um texto seja caracterizado pela predominância de um dos modos.

Com base nisso, as crônicas que constituem o corpus desta pesquisa são

estudadas à luz do modo argumentativo, pois se entende que nelas há predominância

desse modo, uma vez que apresentam os elementos e procedimentos que o caracterizam

e tem como finalidade o convencimento/persuasão do leitor.

Assim, dá-se por acabada a explanação sobre os conceitos fundamentais da

teoria Semiolinguística do discurso, na qual esta tese se fundamenta. Serão

apresentados, a seguir, dois conceitos caros e necessários a esta pesquisa: pathos e

argumentação.

3.2 Pathos e Argumentação: breve percurso histórico

Como o subtítulo do capítulo já indica, nos subitens a seguir, os conceitos pathos

e argumentação serão abordados de forma conjunta; sem haver, no entanto, preocupação

em dar foco a uma ou outra teoria. Tais conceitos serão apresentados de forma livre,

buscando-se fazer um breve percurso das suas principais abordagens ao longo do tempo.

3.2.1 Na Retórica Clássica

Segundo Charaudeau e Maingueneau (2004, p. 453), “A Retórica é a ciência

teórica do exercício público da fala, proferida diante de um auditório dubitativo, na

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presença de um contraditor”. Essa ciência, à qual se referem os autores, foi definida por

teóricos da antiguidade clássica e é base de diversos estudos até hoje.

De acordo com Reboul (2004), a retórica tem origem judiciária e nasceu na

Sicília, por volta de 465. Após disputas de bens e guerras, os cidadãos passaram a

enfrentar conflitos judiciários. Nessa época, no entanto, ainda não havia advogados.

Assim, era necessário ajudar os cidadãos a colocarem e defenderem suas ideias. Nesse

sentido, Córax e Tísias publicaram uma “arte oratória”, com orientações para as pessoas

que recorressem à justiça. Córax foi, ainda, o primeiro a dar uma definição de retórica,

para quem ela é “criadora de persuasão”.

No seu desenvolvimento, a arte retórica passou por diversos estágios,

relacionando-se com a literatura, com Górgias; e com outras áreas da oratória, como a

sofística e a dialética. Não cabe, neste estudo, um aprofundamento em todo o percurso

da retórica. Serão examinados apenas os pontos mais importantes que darão

embasamento para as análises mais adiante apresentadas, especificamente as noções de

ethos, pathos e logos.

Meyer (2013) inicia seu livro, “Principia Rethorica”, pelo o que denominou “As

grandes definições da retórica”. Segundo ele, muitas foram as definições desenvolvidas,

ao longo dos séculos, para esta ciência. Algumas sem nexo entre si, refletindo apenas

preocupação da época de sua criação.

Os principais expoentes são Platão, Aristóteles e Cícero, cada um com uma

definição particular, dando foco a um elemento específico: pathos, ethos e logos. Dessa

forma, a depender do elemento focalizado, os demais funcionavam como seus

subordinados. Dar-se-á maior destaque aos conceitos presentes na retórica aristotélica.

Para Aristóteles, a retórica é “a capacidade de descobrir o que é adequado a cada

caso com o fim de persuadir” (2012, p. 12). Em conformidade com Amossy (2007b),

admite-se que, tomando por base seu sentido aristotélico de arte de persuadir, a retórica

é, aqui, sinônimo de argumentação.

Aristóteles, diferentemente de seus antecessores, coloca o argumento lógico

como elemento central da arte de persuadir. Sua retórica é uma retórica da prova, do

raciocínio acima de tudo, apresentando-se como uma verdadeira teoria da argumentação

persuasiva. Dessa forma, tem como uma das maiores qualidades o fato de ser uma

técnica aplicável a qualquer assunto.

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O filósofo aborda diversos princípios que caracterizam seu esquema retórico,

dentre os quais figura a diferença estabelecida por ele entre provas técnicas e não

técnicas como duas categorias formais de persuasão:

Das provas de persuasão, umas são próprias da arte retórica e outras não.

Chamo provas inartísticas a todas as que não são produzidas por nós, já

existem antes: (...); e provas artísticas, todas as que se podem preparar pelo

método e por nós próprios. De sorte que é necessário utilizar as primeiras,

mas inventar as segundas. (2012, p. 13)

Com base nessa distinção feita por Aristóteles, esta tese dará ênfase apenas às

provas artísticas, cujos conceitos serão utilizados na pesquisa aqui empreendida. Assim,

é necessário desenvolver o que seriam essas provas.

As provas de caráter artístico são aquelas que o orador deve produzir, pois não

existem prontas fora do discurso persuasivo. Para o autor, há três formas possíveis de se

criar provas pelo discurso: através do caráter do orador; por meio da disposição dos

ouvintes; e pelo próprio discurso. Cada uma dessas formas corresponde,

respectivamente, aos conceitos de ethos, pathos e logos. Falar-se-á sobre cada um deles,

dando, em virtude do interesse desta tese, maior destaque ao pathos.

Desde a antiguidade clássica, o ethos é a imagem que o orador passa de si, o seu

caráter, a sua personalidade, seus traços de comportamento, sua escolha de vida. De

acordo com Eggs (2011), na retórica de Aristóteles, o ethos recebe o título de ser

praticamente a prova mais importante, dentre aquelas engendradas pelo discurso,

diferenciando-se dos retóricos da sua época, que não viam o ethos como um

contribuidor da persuasão.

Segundo Reboul,

O etos é o caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no

auditório, pois, sejam quais forem seus argumentos lógicos, eles nada obtêm

sem essa confiança. (...) ele deve preencher as condições mínimas de

credibilidade: mostrar-se sensato, sincero e simpático. Sensato: capaz de dar

conselhos razoáveis e pertinentes. Sincero: não dissimular o que pensa nem o

que sabe. Simpático: disposto a ajudar seu auditório. (...) O caráter moral que

o orador deve parecer ter, mesmo que não o tenha deveras. (2004, p. 48)

Percebe-se, no conceito de ethos, que ele é uma criação do discurso, engendrado

pelo logos. Assim, o ethos não é apresentado de forma explícita, mas indicado no

discurso, e é essa criação que importa como prova na arte retórica. Segundo Aristóteles

(2011, p. 13),

Persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que

deixa a impressão de o orador ser digno de fé. Pois acreditamos mais e bem

mais depressa em pessoas honestas (...). É, porém, necessário que esta

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confiança seja o resultado do discurso e não de uma opinião prévia sobre o

caráter do orador (...).

Dessa forma, fica evidente que, para a retórica aristotélica, o ethos é construído

na interação verbal e pertence unicamente ao universo do discurso. Essa visão foi

revista em linhas de pesquisa mais modernas da análise do discurso e da argumentação,

que defendem um equilíbrio entre o universo discursivo e o componente social

(Amossy, 2011).

Obviamente, a discussão sobre o ethos é mais extensa, tanto que poderia sozinha

ser uma tese. Aqui, entretanto, a discussão não será aprofundada para que se possa dar

mais destaque ao tópico central deste trabalho: o pathos. Antes, porém, será feita uma

breve explanação acerca do logos.

O logos é a forma verbal utilizada para pôr um assunto em questão, “diz respeito

à argumentação propriamente dita do discurso” (Reboul, 2004, p. 49). Para Aristóteles,

o logos, definido como discurso da razão, é o elemento central e relaciona tanto o

orador quanto o auditório na situação retórica. Para o pensador, o pathos pode ser

domesticado e submetido pelo logos. Isso acontece quando o orador adapta seu ethos

àquele a quem intenta convencer.

O logos estaria, então, relacionado à exposição lógica dos argumentos, às

dimensões da estrutura cognitiva e referencial. Contudo, ele também se misturaria (ou

até mesmo estruturaria) ao ethos e ao pathos durante a interação, ou seja, as imagens de

si e as emoções suscitáveis no auditório só se tornam realidade a partir do discurso.

O pathos, por sua vez, diz respeito ao que o auditório sente, pensa; ao conjunto

de valores que alimenta as suas indagações. Reboul afirma que “O patos é o conjunto de

emoções, paixões e sentimentos que o orador deve suscitar no auditório com seu

discurso.”3 (2004, p. 48).

O estudo do pathos, apesar de ser um dos temas mais interessantes no tocante à

abordagem retórica, é também aquele que mais tem gerado polêmica. Segundo Thomas

Sloane (2001), o termo grego pathos dá margem a uma série de sentidos diferentes,

gerando as controvérsias.

Antes mesmo de Aristóteles, o fenômeno já era estudado a partir de diversas

nomenclaturas: emoção, paixão, sentimento, afeto, etc. Dessa forma, para alguns

oradores clássicos, o termo servia para indicar a possibilidade de, por meio de

3 - A palavra “patos” é apresentada desta forma pelo autor.

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estratégias argumentativas, obscurecer-se ou até extinguir a capacidade racional do

auditório em tomar decisões. Para outros, no entanto, o termo ganhava um matiz mais

complexo, sendo relacionado à alma humana e suas relações com a linguagem e a

percepção.

Ainda que, conforme foi dito, a retórica grega pré-aristotélica tivesse buscado

explicar o pathos em termos teóricos, Sloane (2001) garante que a maior parte acabava

sendo puramente prática. Sendo assim, ensinavam-se técnicas para despertar emoções

no júri: boa-vontade, piedade, amor, benevolência, ódio, raiva, inveja. Um orador

bastante conhecido por seus discursos comoventes – Trasímaco da Calcedônia (459

a.C.) –, por exemplo, criou um manual de retórica em que apresentava modelos de

abertura e encerramento de falas públicas, para que seus alunos pudessem memorizar.

Górgias de Leontini (480-375 a.C.), um filósofo sofista da antiga Grécia,

apresenta uma das poucas reflexões originais sobre o pathos. Sobre o episódio

envolvendo Helena, ele afirma que não pode ser incutida a ela a responsabilidade sobre

a Guerra de Troia, uma vez que suas emoções foram destorcidas pelas palavras

persuasivas de seu amante Páris, compelindo-a a agir contra sua própria vontade.

Percebe-se seu olhar bastante atual sobre o fenômeno, quando ele afirma que as palavras

afetam nosso corpo, para o bem ou para o mal, provocando sensações que deixam o

ouvinte privado de defesas – assim como Helena de Troia.

Segundo Meyer (2013), Platão dava primazia ao pathos que, na sua visão, era

“manipulação”, sendo ethos intenção e logos, sofística. Isso porque para ele a retórica é

uma manipulação da verdade. Assim, prefere a dialética à retórica, pois aquela faz a

mente progredir, trazendo a verdade e eliminando as contradições; esta, ao invés disso,

joga com elas. O orador, jogando com as palavras, seduz, captura, hipnotiza o auditório,

conseguindo, assim, o que quer.

A partir dessa perspectiva crítica em relação à retórica, Platão volta sua atenção

para quem tem autoridade moral para persuadir e mandar. A preocupação do filósofo é

com a verdade, isto é, com o fato de que não seja forjada discursivamente uma emoção

para conquistar a adesão do ouvinte, mas sim que os espíritos sejam mobilizados de

forma ética e ativa.

Contrário a essa visão de Platão, surge Aristóteles, cujos estudos foram

importantíssimos para o desenvolvimento do conceito do pathos. Alguns teóricos,

porém, têm posicionamentos dissonantes quanto à abordagem aristotélica do termo.

Para Sloane (2001, p. 557), o filósofo empreende a mais completa análise do pathos no

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mundo grego, que desenvolve ao longo de anos em obras como De anima, Ética a

Nicômano e, claro, na Retórica. Segundo Long (2004, p. 50), entretanto, Aristóteles não

considerou o pathos como um aspecto da arte retórica, mas sim desenvolveu uma

“teoria da emoção”, discutindo suas ideias exaustivamente em sua Retórica.

Cabe ressaltar que, na Retórica de Aristóteles, o pathos é estudado à luz dos

domínios da argumentação pública, especificamente, nos três gêneros retóricos: o

judiciário (que acusa ou defende), o deliberativo (que procura persuadir ou dissuadir) e

o epidítico (que elogia ou censura). Destarte, cabe ao orador compreender apenas as

emoções relacionadas à arena pública e à retórica forense.

De toda sorte, fica patente que Aristóteles defende uma visão mais amena da

Retórica, segundo a qual é possível dirigir-se a um auditório com boa fé, e não apenas

para convencê-lo de argumentos falaciosos, levando-o a fazer aquilo que de fato não

quer, ou seja, um engodo.

A discussão sobre o valor de verdade ou não dos argumentos, porém, não era o

ponto de maior importância, pois ele percebeu que, na vida, não se discutem apenas

verdades absolutas. Com base nessa racionalidade, encontrou pontos positivos na

Retórica, tornando-se, portanto, o responsável por elaborar a verdadeira teoria retórica

do ocidente, mostrando de que modo o discurso teria recursos suficientes para transmitir

conclusões, conduzir a inferências, ou, simplesmente, para influenciar.

Persuadimos, enfim, pelo discurso4, quando mostramos a verdade ou o que

parece verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular

(Aristóteles, 2012, p. 14).

Em outras palavras, a disposição ética e moral do orador tem força persuasiva,

mas não é o bastante. A confiança no orador deve nascer também no e do discurso.

Segundo Meyer (2013), no entanto, Aristóteles não era ingênuo a ponto de

acreditar que os homens convenciam uns aos outros apenas pelo discurso, sem atuar

sobre as suas paixões. A prova disso é que elaborou uma tipologia das paixões e

afirmou que o bom orador se apoia nas características emocionais do seu auditório.

A aparência sob a qual se mostra o orador é, pois, mais útil para as

deliberações, enquanto a maneira como se dispõe o ouvinte importa mais aos

processos; com efeito, para as pessoas que amam, as coisas não parecem ser

as mesmas que para aquelas que odeiam (...) (Aristóteles, 2000, p. 3)

4 - Significa tanto raciocínio como discurso, referindo-se mais propriamente aqui à vertente lógica do

discurso proferido. (Aristóteles, 2012, p. 14)

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As paixões são todos aqueles sentimentos que, causando mudança nas

pessoas, fazem variar seus julgamentos, e são seguidos de tristeza e prazer,

como a cólera, a piedade, o temor e todas as outras paixões análogas, assim

como seus contrários (ibidem, p. 5)

Nesse sentido, Charaudeau (2007) chama atenção para a importância conferida

por Aristóteles à “retórica dos efeitos”, noção que, inclusive, foi retomada por Barthes

(1970). Para o filósofo grego, persuadir um auditório é fazê-lo compartilhar as ideias do

orador, por meio da produção de sentimentos que o predispõem a esta conduta. Nesse

sentido, o sentimento é considerado “um efeito possível que poderá suscitar uma

determinada ativação do discurso junto a um determinado público, em uma dada

situação” (Charaudeau, 2007, p. 242).

Percebe-se, portanto, que, apesar de dar primazia ao logos, Aristóteles reconhece

a importância do auditório e de seu estado emocional para que o orador atinja seu

objetivo. Desta forma, o orador, para ser bem sucedido, deve saber lidar com essas

condições emocionais do auditório e utilizar o discurso de forma a adequar-se a essas

condições, logrando êxito.

Outro expoente nas discussões sobre pathos foi o filósofo Cícero. Ao contrário

de Aristóteles, que propõe uma abordagem sistemática, ele apresenta uma visão prática

do conceito. Em seu tratado De Oratore, Cícero entende o pathos como uma

movimentação emocional que acontece ao auditório. Dessa forma, cabe ao orador

avaliar a situação e seguir três passos: 1) decidir se sua causa merece um apelo

patêmico; 2) avaliar a predisposição emocional do júri; e, finalmente, 3) intensificar as

emoções já existentes ou procurar produzir novas emoções (Sloane, 2001).

Por entender as emoções como sendo “distúrbios da alma”, Cícero acreditava

que, para lograr sucesso em sua apresentação, o orador tem de compreender todos os

“movimentos da alma”. Para isso, o retórico romano defende que o orador deve

primeiramente experienciar a emoção que quer que seu auditório sinta, pois, segundo

ele, o próprio pathos do orador, bem como sua performance ‘teatral’ é que estarão sendo

julgados juntamente com a (ou mesmo no lugar da) causa em questão.

Por fim, tem-se ainda Quintiliano, que divide as emoções em dois tipos: pathos,

as violentas perturbações da alma; e ethos, as suaves emoções que asseguram a boa-

vontade. O educador romano, tomando por base as ideias de Cícero, propõe estratégias

‘psicológicas’ de como o orador pode fazer com que ele próprio sinta as emoções que

quer suscitar ao seu auditório, influenciando, principalmente, aos que julgam:

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E, de fato, os argumentos nascem, na maior parte do tempo, da causa, e a

melhor [causa] sempre fornece um grande número deles, de maneira que, se

se vence graças a eles, deve-se saber que o advogado fez apenas o que

devia fazer. Mas fazer violentar o espírito dos juízes e desviá-lo

precisamente da contemplação da verdade, tal é o próprio papel do orador.

Isso o cliente não ensina, isso não está contido nos dossiês do processo. (...)

o juiz tomado pelo sentimento interrompe totalmente a busca da verdade

(Quintiliano, Institution apud Charaudeau e Maingueneau, 2004, p.371).

Segundo Sloane (2001), após o período clássico, o momento conhecido como

Idade Média não foi rico em relação aos registros sobre estudos retóricos. Assim sendo,

são poucos também os registros relevantes sobre estudos do pathos. Por isso, não se

abrirá um item específico para esse período, mas alguns estudos merecem destaque.

Apenas dois pensadores da época se debruçaram sobre o pathos, os teólogos

cristãos Aurélio Agostinho e Tomás de Aquino.

O primeiro associa, de forma inovadora, pathos à volição, relacionando emoção

à “vontade humana”. Como parte do ponto de vista religioso, para ele o amor é o centro

da experiência humana. Dessa forma, sua preocupação recai em saber como conduzir

essa vontade.

Já para o segundo, a alma humana possui três competências: a intelectiva (ligada

à razão e à vontade), a sensitiva (ligada à emoção) e a vegetativa (ligada às funções

corporais). Assim, em sua Summa theologica, relaciona as emoções às “paixões da

alma”, isto é, a sua capacidade sensitiva.

No período Renascentista, outro estudioso apresenta interessantes considerações

sobre o pathos, o humanista holandês Rodolfo Agrícola. Em sua De inventione

dialecticae (postumamente publicada em 1515), defende que o pathos é baseado em um

tipo de “decoro social”, estabelecendo uma relação direta entre o fato a ser julgado, o

auditório e a pessoa com quem o fato ocorreu.

Com base nisso, diferencia três procedimentos patêmicos baseados no decoro:

a) uso da linguagem – certos registros possuem afinidade com certos tipos de emoção,

tanto no eixo semântico, quanto prosódico etc.;

b) descrição da emoção – certas cenas, quando descritas, podem suscitar emoções,

principalmente se houver similaridades entre o auditório e a situação descrita;

c) métodos argumentativos – certas estratégias podem direcionar as emoções para

questões acerca do aconteceu, com quem aconteceu e o motivo (e merecimento) de ter

acontecido. A par disso, o orador pode se apoiar em um ou outro ponto do ocorrido,

intensificando-o ou enfraquecendo-o para provocar determinadas emoções nos ouvintes.

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É interessante observar os aspectos colocados por Aristóteles e por esses

estudiosos da era medieval, pois, em certa medida, eles indicam a existência de uma

relação entre razão e pathos. Ou seja, o pathos não é apenas um movimento

involuntário dos espíritos, mas um projeto traçado no discurso e pelo discurso – o que

Parret (1997, p. 110) define como “pathos razoável”. Tal relação é justamente a que

vem sendo defendida nos estudos mais atuais – como será visto mais adiante.

Antes, porém, fica o questionamento: em que momento se dá essa separação,

então? Segundo Sloane (2001), isso ocorre, efetivamente, a partir da publicação do livro

De l’Art de Parler, do padre francês Bernard Lamy, em 1675, e se estenderá até o

século XIX.

Ao incorporar uma série de noções do filósofo francês René Descartes em sua

“fisiologia das paixões”, Lamy defende que o orador tem a capacidade de conhecer a

verdade a partir do método cartesiano. O único problema seria transmitir essa verdade

para os ouvintes que não seguiram o método. Assim sendo, o pathos aparece como

solução para a inadequação, sendo apenas uma estratégia motivacional.

O modelo não deixa espaço, portanto, para uma atitude ativa e racional do

auditório, dispensando assim qualquer conexão entre a razão e o pathos, pois, uma vez

adaptado, o auditório precisaria apenas do método cartesiano para conhecer a verdade.

Como consequência desse pensamento, negou-se espaço à razão nos estudos retóricos, e

ao pathos nos estudos da argumentação, opondo-se razão e emoção por um longo

período, como se verá nos tópicos a seguir.

3.2.2 Na retórica moderna

Até recentemente, o pathos ficou de fora da maioria das abordagens

argumentativas do discurso, sendo considerado, muitas vezes, como falha, erro ou

distúrbio de uma boa argumentação – como nos estudos da Nova Retórica. O termo

volta a figurar nos estudos apenas, de fato, no início do século XX, porém ainda

separado da razão, ligado apenas ao lado expressivo da língua.

Segundo Amossy (2000, p. 13), “Un homenaje muy particular se rinde a Charles

Bally, quien insistió primero en la importancia de la emoción en la lengua”5. As obras

5 - “uma homenagem muito particular é feita a Charles Bally, quem insistiu primeiro na importância da

emoção na língua”. (tradução livre).

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Précis de stylistique française (1905) e Traité de stylistique française (1909) levaram-

no a ser considerado o “pai da Estilística”, disciplina que, para Kerbrat-Orecchioni

(2000, p. 35), é a parte da linguística que tem por vocação descrever os elementos

expressivos da língua em relação aos elementos intelectuais.

O momento era propício a esses estudos, uma vez que os modelos retóricos

haviam se exaurido e estavam surgindo novas ideias filosóficas, tendências artísticas e

gêneros literários que possibilitavam a exploração da subjetividade dos autores. Com

isso, o campo para a reflexão sobre os estilos individuais e sobre como os sentimentos

são manifestados no texto estava em larga expansão.

Nesse mesmo contexto, porém diferenciando-se das pesquisas feitas em

estilística, surgem os apontamentos feitos por Barthes (1971), para quem a

expressividade não passava de uma convenção. O semiólogo francês se inspira em

Aristóteles e enfatiza a preocupação que o orador deve ter, para alcançar seus fins

persuasivos, em considerar as disposições dos ouvintes.

Segundo essa teoria, basta o orador conhecer bem e colocar em uso algumas

expressões ou formas lexicais para despertar os afetos no auditório. Menezes (2007, p.

319) critica essa proposta, afirmando ser ela “muito simplificada para uma compreensão

sobre as possibilidades das emoções no discurso”.

Jakobson (1970) foi outro autor desse período que propôs um tratamento ao

campo expressivo da língua. Sua teoria estabelece seis “funções da linguagem”, uma

delas sendo a “função emotiva ou ‘expressiva’, centrada no remetente, [a qual] visa a

uma expressão direta da atitude de quem fala em relação àquilo que está falando” (idem,

p. 123-124). O linguista russo defende ainda que as interjeições seriam as evidências, no

discurso, de tal função.

Estudiosos veem com certa restrição também essa proposta. Mari e Mendes

(2007), por exemplo, julgam que designar unidades lexicais a cumprir uma função

específica seja inadequado. Basta se ter em mente que não é preciso recorrer a um

“vocabulário das emoções” para se produzir um discurso comovente. Diversos autores

(Charaudeau, 2010; Plantin, 2010) vão defender outras formas de se produzir efeitos

patêmicos sem a utilização obrigatória desses itens lexicais. Além disso, a presença de

uma “palavra de emoção” não garante o tom emotivo do discurso em que está inserida,

muito menos a persuasão patêmica do auditório.

Após o período das duas Grandes Guerras, outros pensadores, de diferentes

áreas, começam a perceber que os argumentos formais cartesianos não davam conta da

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complexidade das ações humanas cotidianas, que não podem ser encaixotadas nas

restrições impostas pela lógica formal. Nesse contexto surgem diversos estudos, dentre

os quais o que ficou conhecido como Nova Retórica.

O filósofo do Direito Chaïm Perelman é o maior expoente desse período. Ele

publicou diversos trabalhos importantes sobre o assunto, tais como O império retórico

(Perelman, 1993), Retóricas (Perelman, 1997) e, sobretudo, Tratado de argumentação:

a nova retórica (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1996). Como as pesquisas empreendidas

pelo filósofo são extensas, não cabe aqui uma discussão aprofundada. Assim, serão

apresentados apenas alguns pontos de Tratado de argumentação: a nova retórica,

principalmente no tocante à relação entre pathos e argumentação, bem como à noção de

auditório.

Nesta célebre obra, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) produzem uma teoria

dedicada à argumentação6, resgatando alguns conceitos da tradição da retórica e da

dialética gregas. Há, porém, uma diferença que se faz necessário ressaltar: a retórica

antiga voltava-se para a argumentação oral, já a nova retórica debruça-se em textos

escritos.

Cunha (2010) afirma que o “saber persuadir e convencer” foi desprezado pela

filosofia ocidental durante os três últimos séculos. Coube, portanto, a Perelman dar vida

nova ao estudo da argumentação, entendida como o conjunto de meios verbais pelos

quais o orador tenta “provocar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que se

apresentam ao seu assentimento” (Perelman, 1993, p. 29).

Segundo Meyer (2013), ele foi o primeiro a devolver, depois de muito tempo, à

Retórica seus títulos de nobreza. “Para ele, a retórica é a razão em ação, porém à

margem dos sistemas formais da ciência” (idem, p. 63).

Na introdução de o Tratado da argumentação, o autor afirma:

Nosso tratado só versará sobre recursos discursivos para se obter a adesão

dos espírito: apenas a técnica que utiliza a linguagem para persuadir e para

convencer será examinada a seguir (2005, p. 8)

6 - Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) apresentam uma distinção terminológica afirmando que a

argumentação ou persuade ou convence. A persuasão é dirigida para um auditório particular; já o convencimento é dirigido a um auditório universal. A fim de evitar confusões terminológicas desnecessárias, esclarece-se que, nesta tese, esses termos são considerados como equivalentes, a não ser quando explicitado de forma diversa.

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Nessa afirmação, ficam claros os objetivos do estudo e a que elemento será dada

primazia, isto é, não cabe aqui um estudo do orador nem mesmo seus efeitos no

auditório, mas apenas de que forma a linguagem pode ser utilizada de maneira

persuasiva. Com isso, já há um prenúncio do que se confirma ao longo da obra: o

pathos é rejeitado como parte da argumentação.

Na verdade, como afirma Plantin (2008, p. 122)

(...) tem-se uma presença das “paixões” no Tratado, mas elas nunca são

tematizadas; podemos dizer que essa obra propõe uma “retórica sem

emoções”, o que é algo um pouco paradoxal.”

Na opinião de Perelman, o que importa é o logos, a maneira como ele se

formaliza, como se recorta o real. O autor afirma o seguinte: “Nosso estudo,

preocupando-se sobretudo com a estrutura da argumentação, não insistirá, portanto, na

maneira pela qual se efetua a comunicação com o auditório”. (2005, p. 6). Por conta

disso, dedica grande parte de sua obra a “técnicas argumentativas”.

Com base nessa orientação, as emoções não são bem vistas no Tratado, na

verdade, são consideradas vícios de raciocínio, falhas no processo argumentativo ou até

mesmo um uso indevido da linguagem pelo orador. Isso porque, segundo essa ótica, o

uso das paixões, afetos e sentimentos serviriam à manipulação dos ouvintes, sendo,

portanto, recursos empobrecedores da linguagem, uma degeneração do discurso.

A única exceção quanto às paixões para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p

539) é relativa àquelas “que servem de apoio a uma argumentação positiva”, não

constituindo, portanto, “obstáculo” ao argumento. Para se evitar confundir essa emoção

que é considerada positiva com as demais que são consideradas barreiras, os autores

preferem se referir a ela “por meio de um termo menos pejorativo, como valor, por

exemplo”.

Apesar de rechaçar as emoções, o Tratado trouxe, dentre outras, uma

contribuição muito cara aos estudos discursivos: o conceito de auditório. Gouvêa (2002)

afirma que Perelman acredita ser necessária a atenção daqueles a quem uma

argumentação se destina para que esta tenha sucesso. Obviamente, para que se

mantenha essa atenção ativa, é preciso despertar e sustentar o interesse do público, ou

seja, do auditório – o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua

argumentação.

Segundo Amossy (2007, p. 129), “É de Chaïm Perelman o mérito de ter

colocado em relevo o papel central do público”. Assim sendo, o locutor planeja sua

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argumentação em função do interlocutor, ou da projeção que faz dele. De forma

intencional ou não, o discurso é orientado por tudo aquilo que o orador sabe ou imagina

saber sobre seu auditório: valores, crenças, opiniões etc. Segundo a pesquisadora, esse é

um dos pontos basilares de uma linguística da enunciação, tal como defendida por

Benveniste (1991), que ressalta a necessidade de parceiros na troca comunicativa.

Dessa forma, ao longo da obra fica claro que, ainda que não se considere a

análise do pathos como estratégia argumentativa, nem mesmo a imagem do orador,

abre-se espaço para uma construção dialogal do discurso, visto que o auditório é a todo

momento colocado como ponto importante da criação argumentativa, ainda que seja

uma imagem criada pelo orador, como Perelman afirma ser.

Outros dois estudiosos que se debruçaram sobre os estudos da argumentação e

tiveram seus trabalhos amplamente divulgados foram Toulmin (2006) e Ducrot (1987,

1989, 1972). Ambos, assim como Perelman, não abrem espaço para as emoções em suas

análises, conforme afirma Plantin (2008, p.122):

Toulmin propõe um modelo contratual-legal da argumentação; esse modelo

de racionalidade mental não permite perceber o problema das emoções.(...)

As teorias generalizadas da argumentação, orientadas para a linguística da

língua e a lógica natural desenvolvidas a partir dos anos 1970 (Ducrot, Grize)

não dispensam com toda lógica, nenhum tratamento especial ao problema dos

afetos.

Portanto, não serão feitos maiores desdobramentos aqui dessas abordagens,

porém falar-se-á brevemente sobre Ascombre & Ducrot (1988). Eles fundaram o que

ficou conhecido como a Teoria da Argumentação na Língua. Com base nessa teoria,

Ducrot (1972, 1987, 1989) apresentou, durante as suas fases iniciais de pesquisa,

diversas propostas de trabalho, nas quais desenvolveu de maneira ampla os conceitos de

operadores argumentativos, polifonia, topos, propondo análises que são utilizadas até

hoje, como nesta tese.

Segundo Amossy (2007, p. 124), entretanto, “Na proposta de Anscombre &

Ducrot, a noção de argumentação não é tomada no sentido amplo de arte de persuadir,

mas no sentido específico de encadeamento de proposições que conduz a uma

conclusão”. Para os autores, a argumentação está inscrita na própria língua, e não no

discurso, sendo ela, portanto, inerentemente argumentativa.

Ainda segundo a estudiosa, em trabalhos mais recentemente, Ducrot (2004 apud

Amossy, 2007) radicalizou sua visão e traçou uma linha separando claramente o que

chama de “argumentação retórica” e “argumentação linguística”. Tomando os

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encadeamentos conclusivos como exemplo, ele defende que algumas relações estariam

dadas de antemão pelos próprios componentes linguísticos e a ideia de que se pode

persuadir pelo discurso seria uma ilusão.

Amossy (2007, p. 126) alerta:

Uma diluição da retórica na argumentação linguística desse porte acarreta

muitas consequências. Ela propõe efetivamente que as relações humanas

regidas pelas trocas verbais escapam da racionalidade, e que a ambição que

consiste em gerar um Estado pela interação e pela negociação verbal em

favor de uma razão compartilhada é a priori ilusória.

Não se pretende aprofundar essa discussão neste trabalho, porém sentiu-se

necessidade de expor essa visão para confrontá-la e marcar posicionamento em relação

ao trabalho que é proposto aqui. Apesar de, em alguns momentos na análise, recorrer-se

às propostas e análises de Ducrot, a visão que fundamenta toda a interpretação proposta

nesta pesquisa é a de que, mesmo havendo termos que orientam a leitura para

determinadas conclusões, estas só se justificam pelo discurso.

No item a seguir, portanto, serão apresentadas as propostas mais recentes sobre o

estudo da argumentação e do pathos. É justamente com base na perspectiva exposta

nesses textos que esta tese se alicerça.

3.2.3 Nas perspectivas atuais

Como foi dito anteriormente, os principais estudos sobre retórica passaram por

diversas conceituações de pathos. No século XX, esses estudos tinham o logos como

elemento central, de modo que as emoções ou eram excluídas da análise (Toulmin e

Ducrot), ou eram vistas como obstáculos para a argumentação (Perelman).

Recentemente, porém, os estudos passaram a propor uma visão racionalizante do

pathos, ou seja, a integração das emoções à argumentação.

Conforme já foi feito em outros subtópicos, aqui não se fará uma distinção de

campos de estudos referentes ao pathos, até mesmo porque estabelecer uma fronteira

entre as teorias contemporâneas torna-se difícil. A prova disso é que os autores das

diferentes perspectivas (argumentativas, enunciativas, discursivas) citam-se

reciprocamente e não é raro ver seus trabalhos reunidos em uma mesma obra.

Dentre os diversos autores que estudam as emoções na argumentação, Parret

(1986), em sua obra Les passions: essai sur la mise en discours de la subjectivité,

defende que o sujeito é um “ser de paixão”. Afiliando-se a uma visão enunciativa das

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emoções, busca suporte na proposta de Benveniste (1991) sobre a subjetividade na

linguagem.

Parret (idem) defende que todo sujeito tem uma “competência passional” a qual

se faz presente em seu discurso basicamente por duas vias: “performativização” e

“figurativização”. Por meio delas, seria possível ter acesso à subjetividade, que escapa

ao aparelho teórico-metodológico do logicismo simplista.

Isso porque o estudioso considera que o processo de performativização se realiza

como “força emotiva”, sendo essa força a responsável por conferir dinamismo a

qualquer ato de fala. Mari (2007) avalia a proposta de Parret (1986) e conclui que esta

apresenta uma nova leitura dos princípios instituídos pela Teoria dos Atos de Fala

(TAF) – expressivos e perlocucionais –, os quais passam a ter uma nova dimensão

quando associados ao efeito patêmico.

Por outro lado, Parret (1986) sustenta que o processo de figurativização se

realiza como “força figurativa”, que é, na verdade, a forma como o enunciador estrutura

a organização sintática de seus enunciados visando à construção de mundos possíveis a

partir de seus valores, experiências, crenças, sentimentos, etc. Apesar de não haver

restrições discursivas, a narrativa é o modo em que esse processo mais se manifesta.

É interessante, ainda, destacar com Menezes (2007) que Parret, ao longo de toda

sua teoria, alerta que o projeto passional não se contrapõe ao projeto racional, pois a

paixão é constitutiva da razão e vice-versa. Essa também é a premissa básica adotada

por Ruth Amossy. A autora busca, em diversas obras (2000a, 2000b, 2007, 2011, entre

outros), apresentar sua visão sobre essa união: “(...) Je partirai de l’hypothèse que la

rationalité et l’affectivité, le logos et le pathos, ont partie liée dans l’entreprise de

persuasion.”7 (2000b, p. 314). Conforme deixa claro o trecho, a autora defende uma

completa associação entre racionalidade e afetividade, entre logos e pathos.

A estudiosa, todavia, alerta para uma necessária divisão entre os autores que

buscam efetivar, em seus trabalhos, a análise das emoções no discurso persuasivo,

dividindo-os em dois grupos de posicionamento: “moderado” e “forte”.

Como representante do grupo “moderado”, ela cita Walton (1992), para quem as

emoções têm seu lugar legitimado no discurso persuasivo, porém têm de ser analisadas

com prudência, já que podem ter um caráter falacioso. Em recente artigo, Walton (2011,

7 - “Partirei do pressuposto de que a racionalidade e as emoções, o logos e o pathos, estão ligados no

emprego da persuasão”. (tradução livre)

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p. 298) reafirma essa postura: “Such arguments have two sides. Sometimes they are

reasonable, and sometimes they are fallacious”8.

Com isso, ela quer demonstrar que os trabalhos que fazem parte do grupo dos

“moderados” são aqueles em que não se tem um desprezo completo pelo pathos e seu

valor na argumentação. Na verdade, admite-se sua importância e validade, porém ainda

há uma preocupação com noções de verdade e de validade, como acontecia na retórica

clássica.

O grupo intitulado como de posicionamento “forte” é representado por Parret

(1986), que defende a existência de uma imbricação entre a racionalidade e as emoções,

uma fazendo parte da existência da outra. Para o autor as emoções são “julgamentos

avaliativos racionais”, isto é,

As emoções são então logicamente dependentes das avaliações: as emoções

mantêm ou ao menos parecem manter uma semelhança com os juízos ou

crenças de valor. Essa ênfase na função avaliativa das emoções (Brentano,

Scheler, Sartre) faz justiça, de uma forma exemplar, à diversidade dos

aspectos que apresentamos ao discutir a racionalidade das emoções. (Parret,

1997, p. 115)

Com base nessa visão, os sentimentos são acionados por uma “avaliação” do

objeto alvo do conteúdo afetivo. Para se realizar essa avaliação, as crenças e valores

associados a esse objeto são mobilizados racionalmente. Alves (2007, p. 67) considera,

portanto, essa relação um “sistema circular, de reciprocidade”, pois se tem a emoção

sendo analisada sob a luz de valores e crenças racionais e, em retorno, esse conceitos

são construídos no “centro da paixão”.

É dessa visão que a autora compartilha. Em seus estudos, portanto, ela intenta

mostrar que sentimento e razão estão intrinsecamente ligados, coexistem e trabalham

em conjunto nas interações de cunho argumentativo.

Cabe destacar, ainda que de forma breve, outra inquietação da autora que é a

necessidade de se integrar a argumentação aos estudos em análise do discurso. Por sua

natureza dialógica, é inerente ao discurso a capacidade de agir sobre o outro, de

influenciá-lo, mesmo que não seja em situações propositalmente argumentativas. Por

isso, ela defende:

Mas a argumentação, apresente ela ou não uma vontade manifesta de

conduzir à aprovação, é sempre parte integrante do discurso em situação.

8 -“Esses argumentos (apelos à emoção) têm dois lados. Às vezes, eles são razoáveis, e às vezes eles são

falaciosos”. (tradução livre)

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Compete também ao analista descrever suas modalidades da mesma maneira

que outros processos linguageiros. (2007, p. 122)

Vê-se, assim, que os estudos atuais buscam, de forma moderada ou mais intensa,

uma integração do pathos aos estudos da argumentação, assim como deste aos quadros

de análise do discurso.

Propositalmente, os nomes de Charaudeau e Plantin, bem como seus estudos

não foram citados, pois, desses autores, retirou-se a formatação de análise aqui

empreendida. Assim, cada um deles será apresentado em um tópico particular.

3.2.3.1 A patemização em Patrick Charaudeau

A emoção no discurso é categorizada, na perspectiva teórica da

Semiolinguística, como patemização, ao lado de termos como pathos e patêmico.

Charaudeau (2010d) acredita que, dessa forma, é possível se dissociar de outras áreas de

estudo, tais como a sociologia e a psicologia. Além disso, filia-se aos estudos retóricos

que já abordavam essa análise em uma “perspectiva de visada e de efeitos” (idem, 35).

Nesse sentido, busca-se estudar o processo discursivo pelo qual a patemização

pode-se realizar como efeito visado, sem que se assegure o efeito realmente alcançado.

Para isso, há um conjunto de fatores que precisam ser levados em conta para que algum

item da linguagem possa ser considerado um índice patêmico, dentre eles: o elemento

situacional, as intenções e expectativas, o contrato comunicativo, os saberes de crença

vigentes e as inclinações afetivas do interlocutor. Dessa maneira, o estudo do efeito

patêmico está submetido aos recursos linguísticos passíveis de gerar a emotividade,

somados à predisposição do dispositivo comunicacional e do campo temático em

questão.

Charaudeau (2010d) elucida bem o fato de o conceito “emoções” ser objeto de

estudo de outras disciplinas, como a sociologia e a psicologia. Ressalta, entretanto, que,

perante essas outras disciplinas das ciências humanas, coloca-se a questão: é possível

estudar esse mesmo objeto em um estudo especificamente linguageiro? O autor alerta

que, ao se colocar afirmativamente em relação à questão, surge a necessidade de

delimitar o quadro de tratamento em que esta noção está inserida.

Por conta disso, Charaudeau deixa claro que o ponto de vista da AD diferencia-

se do de uma psicologia das emoções, uma vez que esta estaria preocupada em estudar:

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i) reações sensoriais; ii) as disposições dos indivíduos, a fim de determinar neles

predisposições de caráter; iii) as reações comportamentais dos indivíduos.

Afirma ainda que o ponto de vista da AD, sobre as emoções, diferencia-se de

uma abordagem sociológica das emoções. Esta busca “estabelecer categorias

‘interpretativas e ideal-típicas’ por meio das reconstruções do que deveria ser o

comportamento humano no jogo das regulações e das normas sociais” (2010d, p. 24).

Assim, define que

A análise do discurso tem por objeto de estudo a linguagem, enquanto

produtora de sentido em uma relação de troca, visto que ela traz em si mesma

o signo de uma coisa que não está nela, mas da qual é portadora. (idem, p. 25)

Deste modo, o interesse não recai sobre como um indivíduo manifesta

fisiologicamente uma emoção, nem sobre uma categoria que é reconhecida com base

em tendências particulares de um indivíduo ou da situação em que ele se encontra. O

interesse está em perceber como, pelo discurso, o indivíduo reconhece tal ou qual

emoção como uma possibilidade, um efeito visado.

Charaudeau (2007) esclarece ser desnecessário discutir sobre a adequação de

termos para tratar da questão “pathos, emoção, sentimento, afeto, paixão”, pois cada um

desses termos é capaz de abarcar uma noção específica. Contenta-se, então, em

distinguir a noção de “sentimento” da noção de “emoção”. A primeira é mais ligada à

ordem da moral, enquanto a segunda seria ligada, sobretudo, à ordem do sensível. Além

disso, afirma preferir os termos “pathos, patêmico e patemização” no lugar de

“emoções” como uma forma de inserir a análise no campo da retórica e, ao mesmo

tempo, dissociar-se da psicologia e da sociologia. Usa, no entanto, todos os termos

como sinônimos, o que será feito também neste trabalho.

Alinhado aos estudos de Amossy e Parret, já apresentados, o estudioso afirma

que “as emoções são de ordem intencional, estão ligadas a saberes de crença e se

inscrevem em uma problemática da representação psicossocial” (2010d, p. 26). Assim,

justifica que as emoções são, em verdade, originárias de uma “racionalidade subjetiva”,

uma vez que surgem de um sujeito fundado em “intencionalidade”. Segundo ele, a

emoção pode ser percebida na representação de um objeto em direção ao qual o sujeito

se dirige ou o qual busca combater. Como estes conhecimentos são relativos ao sujeito

(psicossocial), podemos, então, dizer que as emoções, ou os sentimentos, estão ligados

às crenças (Charaudeau, 2007).

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Charaudeau apoia-se, ainda, na “retórica dos efeitos” que, segundo ele, está

presente na obra de Aristóteles. Assim, persuadir um auditório significa gerar nele

predisposições emocionais para que ele partilhe o ponto de vista do orador. Charaudeau

afirma ainda que

Desde una perspectiva de análisis del discurso, los sentimientos no pueden

ser considerados ni como una sensación ni como algo experimentado;

tampoco algo expresado, ya que si el discurso puede ser portador y

desencadenante de sentimientos o emociones, no es en él donde se encuentra

la prueba de la autenticidad de lo experimentado. No se ha de confundir el

efecto que puede producir un discurso en relación con la gestación posible de

um sentimiento y el sentimiento como una emoción experimentada. Lo

experimentado, además, no es rebatible. Una emoción sentida, si es auténtica,

se presenta como un brote irreprimible y ningún discurso puede hacer algo al

respecto. La razón no tiene ningún asidero sobre la emoción. (2011a, p. 5)9

Como se vê, não basta apenas expressar um dado sentimento para ativar uma

cadeia emocional. A presença de uma expressão que demarca uma emoção é apenas

uma possibilidade de ativação da emoção nomeada, não a garantia disso, uma vez que

outros fatores interferem nessa conquista: quem as emprega, quem as recebe, em que

situação.

Sendo assim, palavras como “cólera”, “horror”, “angústia”, “indignação” etc.

designam estados emocionais, mas não provocam, necessariamente, emoção. Além

disso, a AD estuda as emoções como efeito visado, isto é, como “efectos posibles que

un determinado acto de lenguaje puede producir en una situación dada”10

(2011a, p. 6).

Charaudeau situa o estudo das emoções em uma “problemática da influência”,

de que fazem parte o princípio de alteridade, o princípio de influência, o princípio de

regulação e o princípio de pertinência.

Tais princípios já foram caracterizados no capítulo sobre Teoria

Semiolinguística. Cabe relembrar, no entanto, resumidamente, que o princípio de

alteridade refere-se à existência de um EU e um TU no discurso; o princípio de

9 - “Do ponto de vista da análise do discurso, os sentimentos não podem ser considerados como uma

sensação ou como algo experimentado; tampouco algo expressado, porque, se o discurso pode ser um

portador e desencadear sentimentos ou emoções, não é nele em que se encontra a prova da

autenticidade da experiência. Não se pode confundir o efeito que pode produzir um discurso com a

possível gestação de um sentimento, e o sentimento como uma sensação experimentada. O

experimentado também não é discutível. A emoção sincera, se é autêntica, é apresentada como um

surto irreprimível e nenhum discurso pode fazer algo sobre isso. A razão não tem base na emoção”.

(tradução livre)

10 - “Como efeitos possíveis que um determinado ato de linguagem pode produzir em uma dada

situação.” (tradução livre)

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influência postula que o EU busca trazer o TU para o seu universo de discurso, o

princípio de regulação estabelece as regulações pertencentes ao ato comunicativo e

todos os seus elementos, e o princípio de pertinência trata do saberes partilhados que

são colocados no ato comunicativo.

Esses quatro princípios, segundo Charaudeau, acarretam ao sujeito locutor uma

série de problemas, que podem ser descritos em forma de questionamentos: “Como

entrar em contato com o outro?”, “Como se impor como sujeito falante ao outro?”,

“Como comover o outro?” e “Como organizar a descrição do mundo que um propõe ao

outro?”.

O primeiro e segundo questionamentos têm a ver com a questão da legitimação

do falante: justificar a razão de porque tomar a palavra e se impor como um sujeito

digno de ser escutado. Nesse caso, fica-se diante da problemática do ethos.

O último questionamento está relacionado à criação discursiva. O sujeito falante

recorre aos modos de organização do discurso, o que está relacionado ao logos.

O terceiro questionamento (“Como tocar o outro?”), entretanto, será o destaque

deste trabalho. Ele faz parte da problemática do pathos, ou seja, como recorrer a

estratégias discursivas para tocar a emoção e os sentimentos do interlocutor, de maneira

a seduzi-lo ou causar-lhe medo.

Essa problemática, bem como as demais, deve receber um tratamento com base

nesses processos de influência, mas também fundamentado em uma teoria da situação

de comunicação. Assim, no que diz respeitos aos efeitos patêmicos, existem três

condições para que tais efeitos sejam produzidos.

A primeira delas é que o discurso produzido faça parte de um dispositivo de

comunicação cujos componentes (finalidade e lugares atribuídos aos interlocutores)

tenham predisposição a efeitos de discurso patêmicos. Por esse motivo, há discursos

menos imbricados em uma produção de efeitos emocionais, como o discurso científico,

e outros mais expostos a esses efeitos, como o discurso midiático. Segundo Charaudeau,

Quando o dispositivo não se predispõe a isso, é porque a finalidade

comunicativa se encontra sob a forte dominante de credibilidade e que os

parceiros estão colocados ‘à distância’ de saberes de verdade; quando o

dispositivo se predispõe, é porque a finalidade se encontra sob a forte

dominante captadora e que os parceiros estão ‘envolvidos’ nos saberes de

crença. (2010d, p. 40)

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É importante, então, perceber que tipo de dispositivo está sendo analisado, se

tem como finalidade apresentar e demonstrar explicações com base em verdades ou se

pretende discutir argumentos e crenças com base no verossímil.

A segunda condição é relacionada ao campo temático. O dispositivo

comunicativo deve-se apoiar em um campo temático que facilite a criação de um

universo patemizante e dê espaço a uma organização das tópicas (imaginários sócio-

discursivos) susceptíveis a provocar efeitos de emoção.

Por fim, é necessário que, no espaço de estratégias da mise-em-scène discursiva,

o sujeito falante faça uso de construções discursivas patemizadoras. Destarte, tal sujeito

pode escolher por reforçar, apagar ou incluir efeitos patemizantes ao dispositivo de

comunicação.

Em seu artigo “A patemização na televisão como estratégia de autenticidade”,

Charaudeau (2010d) propõe quatro tópicas para as emoções. Deixa claro no artigo, que

não se compromete a fazer um tratado para as emoções, mas uma organização para uma

dada situação comunicativa, neste caso a televisiva. Cabe destacar, entretanto, tais

tópicas neste estudo, ainda que não seja exatamente a mesma situação de comunicação.

O linguista elabora os grupos de tópicas com emoções polarizadas, em afetos

negativos ou positivos, e nomeia-as com termos “emblemáticos”: tópica da “dor” e seu

oposto, a “alegria”; tópica da “angústia” e seu oposto, a “esperança”; tópica da

“antipatia” e seu oposto, a “simpatia”; tópica da “repulsa” e seu oposto, a “atração”. O

autor aprofunda cada uma dessas tópicas, relacionando a cada uma delas outras figuras

como o medo, a vaidade, a confiança e assim por diante.

Para os objetivos deste trabalho, basta dizer que a tópica da “dor” está

relacionada ao estado mental e não sensorial. Sendo assim, está ligada a um estado de

insatisfação do sujeito, que é colocado em posição de vítima-ofendida por um actante-

objeto. Para a “dor”, encontram-se figuras como “tristeza”, “vergonha”, “humilhação”,

entre outras, com graus diversos. Já seu oposto, a “alegria”, está ligada a satisfação do

sujeito e apresenta figuras como “contentamento”, “vaidade” e “orgulho”.

A tópica da “angústia” refere-se a um estado de espera desencadeado por um

actante-objeto desconhecido, porém, que representa perigo para o sujeito. Outras figuras

relacionadas a essa tópica são a “melancolia”, o “terror” e o “medo”. Seu oposto, a

“esperança”, refere-se a um estado de espera, mas de espera de um benefício,

acontecimento feliz. As figuras relacionadas à tópica da “esperança” são a “confiança”,

o “desejo”, a “oração”, entre outras.

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A tópica da “antipatia”, segundo Charaudeau, “deve ser considerada como uma

atitude reativa dupla, em uma relação triangular: vítima de um mal, responsável pelo

mal, sujeito observador-testemunha” (2010d, p. 51). Assim, o sujeito está em estado de

indignação e, ao mesmo tempo, em estado de denúncia. As figuras relacionadas são

“ódio”, “cólera”, mais ou menos intensas. Já o seu oposto, a “simpatia”, tem a mesma

organização da anterior, mas o sujeito está em estado de sensibilidade e ajuda. Outras

figuras relacionadas são a “benevolência”, a “compaixão”, a “piedade”.

Por fim, a tópica da “atração” coloca o sujeito voltado para um actante benfeitor

que já reparou um sofrimento. Assim, constrói uma imagem de herói, gerando um

movimento de aprovação dessa imagem. Outras figuras são a “admiração”, o

“encantamento”, entre outras. Seu oposto, a “repulsa”, coloca o sujeito voltado para um

actante do qual cria uma imagem negativa. Assim, gera o movimento inverso, de

desaprovação. As figuras relacionadas são o “desprezo”, a “aversão”, a “fobia”.

A visão aqui apresentada da emoção no discurso se inscreve na teoria

Semiolinguística do Discurso, porém também utiliza recursos da linha argumentativa.

Assim, uma visão complementar será apresentada no tópico a seguir, com base nas

ideias de Christian Plantin.

3.2.3.2 As emoções em Plantin

Dentre os diversos autores que se colocam a respeito das emoções na

argumentação, sem dúvida Plantin é um dos que mais se destacam. O autor tem diversas

obras (2008, 2010, 2011, 1998, 1999a, 1999b) dedicadas à discussão do conceito de

argumentação e quais fenômenos devem ser examinados, bem como à formatação de

uma metodologia que permita comprovar que é possível “argumentar emoções”.

Plantin na apresentação do seu livro “Les bonnes raisons des émotions” (2011,

p. 1) admite que “Partir de l’argumentation pour étudier les émotions dans la parole

parlée et écrite peut paraître étrange”11

, uma vez que o domínio da argumentação ficou

restrito a alguns gêneros em específico, nos quais se colocava como a prática da

racionalidade por excelência, em oposição à emoção.

11

-“Partir da argumentação para estudar as emoções na língua falada e escrita pode parecer estranho.”

(tradução livre)

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No entanto, em seguida, apresenta o posicionamento adotado ao longo da obra,

segundo o qual

(…) dans le discours ordinaire, raison et émotion sont inséparables; par le

même mouvement, avec les mêmes règles qui lui permettent d’affirmer une

position argumentative ou simplement um discours cohérent, le locuteur se

lie de manière indissolublement rationnelle et émotionnelle. (idem, p. 2)12

Essa perspectiva já foi apresentada aqui, é a mesma adotada por Amossy (2006),

Parret (1986) e Charaudeau (2010). Todos eles defendem que razão e emoção são partes

integrantes e indissociáveis do discurso e, além disso, uma é subjacente à outra. Dessa

maneira, quebram com as correntes que buscam criar uma oposição entre esses termos.

No capítulo 1 de sua obra, Plantin (2011) discute a diversidade de termos em

francês relacionados às emoções. Afirma que cada um deles – pathos, paixão, humor,

sentimento, afeto etc. – remete-se a um período histórico e se filia a famílias lexicais

bem específicas. Obviamente, não se fará aqui um estudo detalhado de cada um desses

termos, cabe ressaltar apenas que o linguista (2011, p. 15) afirma ser difícil se prender a

um ou outro termo, apesar de apresentarem diferenças conceituais. Assim, não se deve

ter uma visão rígida ao uso de cada um deles, apenas uma coerência na escolha dos

termos que se pretende utilizar.

Ainda nessa obra, o autor aborda, de maneira detalhada, o conceito retórico de

ethos, passando por várias abordagens. Apresenta, ainda, um percurso extenso e bem

completo da discussão sobre pathos, passando pela retórica clássica, nova retórica,

teoria das falácias; bem como por diversas abordagens – teológicas, filosóficas,

psicologias, etc. – até, finalmente, introduzir sua proposta de análise (capítulo 8).

Plantin (2011) propõe instrumentos e conceitos, segundo ele, necessários para se

realizar uma análise da “construction discursive des émotions”. Um primeiro conceito

abordado é a problematização da diferença entre comunicação “émotive” e

comunicação “émotionnelle”. O linguista coloca à luz esse debate, segundo o qual a

comunicação “émotive” é intencional, é aquela usada de forma estratégica, na fala e na

escrita, para persuadir os parceiros da troca comunicativa; por outro lado a comunicação

“émotionnelle” é aquela em que a emoção flui de forma espontânea, quando não se tem

a intenção de utilizá-la com objetivos persuasivos. Por ser uma discussão que ressoa no

campo dos estudos linguísticos, o autor prefere expressar seu posicionamento e afirma

12

- “(...) No discurso comum, razão e emoção são inseparáveis; pelo mesmo movimento, com as

mesmas regras que lhe daria uma posição argumentativa ou apenas um discurso coerente, o orador se

liga indissoluvelmente de maneira racional e emocional.” (tradução livre)

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que os estudos propostos no seu livro se situam no primeiro caso, ou seja, o interesse

recai sobre as emoções utilizadas de modo intencional, voltados a uma argumentação.

Em um texto publicado em 1998, cuja segunda parte foi publicada em português

em 2010, Plantin já apresentava alguns conceitos importantes para a sua metodologia de

análise, segundo a qual as emoções podem ser analisadas por meio de três vias, uma

direta e duas indiretas.

Para iniciar a discussão sobre a designação direta das emoções, ou seja,

utilização de palavras que designam estados de afeto, tais como os substantivos ou

verbos que designam sentimentos como ódio e odiar; propõe o entendimento da noção

de “enunciado de emoção”. Observe-se o seguinte exemplo: “João despreza o dinheiro”.

De acordo com a sua análise, esse seria um enunciado de emoção, uma vez que

apresenta um experienciador (João), um termo de emoção (despreza) e a causa deste

sentimento (o dinheiro).

O autor (2011, p. 145) define, portanto, “enunciado de emoção” como uma

forma que liga um termo de emoção (substantivo ou verbo), um lugar psicológico

(experienciador) e uma causa da emoção, sendo possível esses dois últimos termos não

aparecerem nas diversas possibilidades de enunciados de emoção, pois, como alerta o

estudioso, nem todos os enunciados de emoção são argumentados.

Faz-se mister, para um melhor entendimento, determinar os atores do texto e

seus lugares psicológicos, bem como definir o que se entende por “enunciado de

emoção” e “termo de emoção”.

Os atores do texto, de modo geral, são os seres humanos, ou seres

personificados. Locutor e interlocutor, como representantes das 1ª e 2ª pessoas do

discurso, também são lugares psicológicos. Deve-se ter, no entanto, cuidado com

construções do tipo “A paisagem está triste”. Os seres inanimados não podem ser sede

para as emoções. Nesse caso, tem-se um enunciado de emoção, porém “paisagem” não é

o experienciador do sentimento de tristeza. Na verdade, esse sentimento é ancorado no

enunciador que o projeta na paisagem. Dessa forma, pode-se atribuir, ainda, ao

enunciador algo experienciado ou vivido, sem necessariamente ele estar explícito no

enunciado de emoção. Em teoria, essa emoção seria a mesma sentida na vida real, pois,

segundo Plantin (2010), a Regra de sinceridade emocional rege que as emoções

atribuídas ao enunciador são as mesmas vividas pelo sujeito falante, exceto em casos de

mentira emocional.

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Em resumo, (Plantin, 2010, p. 62) delimita os termos de emoção que fazem parte

das designações diretas das emoções nos seguintes grupos: 1) estruturas do tipo a)

substantivos de emoção em contextos como “um sentimento de + substantivo de

sentimento”, ou b) “Pedro experiencia, sente + art + substantivo de sentimento”; 2)

verbos que designam emoções, tais como “odiar”, “amar”, etc.; e 3) lista de vocabulário

das emoções construída por linguistas ou por profissionais de outras áreas de

conhecimento, tais como a psicologia, que apresentam como termo de emoção palavras

como “indignação”, “raiva”, etc.

Passando-se aos casos de designação indireta das emoções, Plantin (2011)

sugere que as emoções podem ser reconstruídas no discurso de duas formas: 1) “signaux

aval”, que se baseiam no estado psíquico do sujeito e em seu comportamento, mas que

podem ser transpostos em componentes linguísticos; 2) “signaux amont”, que são

baseados nas características relacionadas à situação que visa a induzir uma ou outra

emoção. Esses índices usados para a reconstrução das emoções são nomeados por ele

como patemas.

A fim de facilitar a apresentação da proposta de análise, será seguida a

nomenclatura utilizada na publicação feita em 2010, por ser ela mais objetiva.

Segundo o autor, a Designação indireta, reconstrução sobre a base de índices

linguísticos (“signaux aval”) é baseada em certas formas linguísticas mais ou menos

estereotipadas que buscam designar comportamentos emocionais em uma dada cultura.

Assim, aponta os termos de cores como uma dessas possibilidades, afirmando que estes

podem indicar algum estado emocional, como em “Pedro está verde”. Segundo ele,

pode significar que o enunciador atribui a Pedro um sentimento de raiva, medo ou

ciúme em determinadas culturas.

Outro patema que faz parte desse item são os verbos que selecionam uma

emoção. De acordo com o linguista, há enunciados que “fazem com que apareça um

substantivo abstrato de sentimento, muito restringido pela escolha lexical do verbo”

(Balibar-Mrabti 1995, p. 94 apud Plantin, 2010, p. 63). O autor dá como exemplo o

verbo “se consumir”, que, de acordo com ele, convoca os seguintes substantivos de

sentimento: pesar, curiosidade, compaixão, ódio, ciúme etc.

A outra forma de reconstrução indireta das emoções é nomeada como

Designação indireta, reconstrução sobre a base de lugares comuns situacionais e

atitudinais (“signaux amont”). Plantin afirma que as emoções são relacionadas a alguns

lugares comuns nas bases culturais do falante. Para exemplificar essa questão, apresenta

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a seguinte frase: “como suportarei o olhar de meus filhos? Nunca mais terei coragem de

me olhar no espelho”. Ele afirma que à tal frase pode ser atribuído o sentimento de

“vergonha”.

Em seu livro, o autor apresenta um esquema que ajuda a ilustrar e a resumir

todas as formas de designação das emoções no discurso:

Fig. 9 – Acesso direto e indireto às emoções (Adaptado de Plantin, 2011, p. 144).

Como se pode ver, a emoção pode ser acessada de modo direto, sendo nomeada

(vocabulário de emoção, enunciados de emoção), mas também de forma indireta, sendo

reconstruída por meio de inferências.

O autor, então, deixa de lado os índices para a reconstrução das emoções e passa

a focalizar estratégias para sua produção no discurso, a partir de regras resgatadas da

retórica antiga e clássica, bem como de proposições feitas em análise do discurso, na

pragmática e na psicologia. Dessa parte do texto, apenas as “Regras sobre a mimese:

(R5) ‘descreva coisas emocionantes” (2010, p. 66) e os “princípios de inferência

emocional” (idem, p. 67) serão focalizados, uma vez que foram utilizados, de certa

maneira, na análise aqui empreendida.

O pesquisador propõe que, na falta de oportunidade de se apresentar imagens

emocionantes, o enunciador deve se valer de meios linguísticos para descrever cenas

que suscitem emoção, amplificando os dados que tenham maior matiz emotivo.

Como elementos que auxiliarão essa descrição, Plantin apresenta os princípios

de inferência emocional indicados por Ungerer (1995, apud Plantin, 2010 e 2011), que

foram estabelecidos num trabalho voltado para textos jornalísticos. Segundo Ungerer

(ibidem), as emoções dos leitores podem ser deflagradas de acordo com quatro

princípios (2010, p. 67):

Enoncé d’émotion

Émotion nommée

Situation émotionnante

Reconstruction par indices amont

Émotion inférée

Manifestations de l’émotion

Reconstruction par indices aval

Émotion inférée

émotion

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1) Princípio da relevância emocional, subdividido em:

- Princípio da proximidade – “Foco no que está próximo do leitor”;

- Princípio da animação – “Foco no que é perigo de vida ou geração de vida para a

existência humana”; e

- Princípio da classificação e enumeração – “Foco no que concerne a muitas e

importantes pessoas”;

2) Princípio da avaliação – “Proporciona avaliações baseadas em normas de sua

cultura”;

3) Princípio da intensidade de apresentação: seja drástico e;

4) Princípio do conteúdo emocional – Menção de aspectos emocionais em eventos

específicos.

Para cada um desses princípios, há uma sugestão de desencadeadores

linguísticos. Assim, a relevância emocional pode ser desencadeada por meio do uso de

dêiticos, vocabulário de calamidades, numerais etc.; a avaliação pode ser feita por meio

palavras com conotação positiva/negativa; a intensidade de apresentação pode ser

colocada em prática com o uso de detalhes de momentos importantes para a

humanidade; por fim o conteúdo emocional pode fazer uso de termos de emoção

descritiva (adjetivo, substantivos e verbos).

Como se verá no capítulo de metodologia desta tese, Gouvêa (2016) propõe uma

reestruturação de alguns desses princípios para que pudessem ser utilizados de modo

mais fácil nas análises das emoções. É esta reformulação que é utilizada nesta tese.

Cada um desses princípios, portanto, será bem mais explicitado na metodologia. Coube

aqui, apenas, fazer referência a sua origem.

Plantin (2010) aborda ainda as dimensões psicológicas e linguísticas no campo

da pragmática e dos estudos cognitivos que, por não fazerem parte do escopo desta

pesquisa, não serão aqui apresentados.

Por fim, o autor propõe uma “tópica das emoções”, que será colocada aqui de

forma breve. Segundo ele, a representação do evento estímulo de alguma emoção é uma

construção argumentativa, regulada por uma tópica: “uma tópica é um conjunto de

regras que governam a produção de argumentos” (2010, p. 71). Assim, apresenta uma

proposta a partir de diversos estudos, com base em 12 topoi, caracterizados por

questões: T1 O quê?, T2 Quem?, T3 Como?. T4 Quando?, T5 Onde?, T6 Quanto?, T7

Por quê?, T8 Consequências?, T9 Normas?, T10 Controle?, T11 Distância de y? e T12

Aprovação?.

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Pode-se relacionar o topos 1 com todo conhecimento pré-construído que provoca

emoções. O topos 2, com as pessoas envolvidas, pois a emoção varia de acordo com a

pessoa afetada. O topos 3 está relacionado às analogias pertinentes ao evento em

questão, de qual classe ele se origina. O topos 4 relaciona-se ao tempo, o que se exclui

ou se inclui no modo de construção temporal para ativar a emoção. O topos 5 é

relacionado ao lugar, se o evento se produziu em um lugar emocionalmente marcado ou

não. O topos 6 relaciona a emoção ao número de pessoas abarcadas pelo evento. O

topos 7 tem relação com às causas do evento, enquanto o topos 8 está ligado às suas

consequências. O topos 9 relaciona as emoções aos valores sociais e culturais. O topos

10 refere-se ao controle emocional do evento. O topos 11 diz respeito ao grau de

ligação, de intimidade do evento. Por fim, o topos 12 remete à avaliação global do

evento.

No texto em questão, o autor articula cada topos às diversas teorias que ele

apresenta, por exemplo, relaciona o topos 12 ao princípio da avaliação, de Ungerer.

Deste modo, a análise aqui proposta não levou ao esgotamento esses topoi, nem os

utilizou de forma metodológica, mas, de certa forma, se relaciona a cada um deles ao

propor uma análise textual que leva em consideração o dispositivo comunicacional, a

situação de comunicação, os parceiros envolvidos na troca e o contrato de comunicação

na análise das emoções.

O exposto acima é apenas uma breve apresentação do trabalho desenvolvido por

Christian Plantin sobre as emoções e a argumentação. Buscou-se dar maior destaque aos

elementos que serão utilizados aqui como ferramenta de análise, já que o autor

apresenta uma teoria complexa e aprofundada sobre a temática

Com base nos conceitos e perspectivas apresentadas na fundamentação teórica,

foi realizada a análise dos índices de patemização nas crônicas de Zuenir Ventura que

compõem o corpus deste trabalho.

A forma como os textos foram coletados, a definição dos índices que seriam

analisados, bem como o procedimento de análise serão pontos esclarecidos no próximo

capítulo.

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4 METODOLOGIA

Este trabalho tem como objeto de análise as crônicas escritas por Zuenir Ventura

no ano de 2013, publicadas duas vezes por semana (quartas-feiras e sábados) no jornal

O Globo, no caderno “Opinião”. Coletaram-se todas as crônicas publicadas no referido

ano, totalizando um corpus composto, inicialmente, por 96 crônicas.

Escolheu-se analisar o pathos nessas produções em virtude de o gênero crônica

jornalística ser um texto que possibilita maior espaço para a subjetividade e,

consequentemente, para que o locutor coloque suas intenções de maneira mais explícita

ao argumentar. Dessa forma, seria um contrato de comunicação que possibilitaria uma

abordagem patêmica de análise.

Além disso, é um gênero que costuma ter uma diversidade temática nas

discussões propostas, assim sendo, as chances de se encontrarem temas com visada

patêmica seriam grandes.

Com base num corpus extenso e variado como este, optou-se por empreender uma

metodologia de análise indutiva, uma vez que se analisaram as ocorrências

individualizadas por meio de dados singulares para se chegar a um plano mais geral.

Percorreu-se, portanto, o caminho que vai do particular para o mais amplo,

demonstrando que é recorrente o uso de diversas estratégias patêmicas para fazer com

que o auditório assinta à tese colocada pelo enunciador.

Em relação aos procedimentos técnicos, essa pesquisa é bibliográfica, pois os

dados foram coletados em materiais já publicados anteriormente, não carecendo, dessa

forma, de uma pesquisa de campo. É também uma pesquisa qualitativa no tratamento

dos dados, pois os resultados são provenientes da análise dos dados presentes no corpus

e da atribuição de significados dados a eles. Além disso, é uma investigação quantitativa

pelo fato de se ter uma quantidade significativa de textos, possibilitando agrupar as

estratégias mais utilizadas pelo autor e traçar conclusões percentuais.

Para que a análise pudesse ser realizada, primeiramente, foram coletadas e lidas

todas as crônicas publicadas em 2013, totalizando, como já foi dito, 96 crônicas. Em

seguida, realizou-se uma seleção que fez com que, desse conjunto inicial, fossem

descartadas 19 crônicas em que não predominava o modo argumentativo de organização

do discurso, pois demandariam discussões de outra natureza. Por fim, agruparam-se os

textos por temática, com o intuito de tornar a análise mais enxuta e detectar possíveis

temas que inibissem processos de subjetividade. Sendo assim, ao final da triagem,

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totalizaram-se 77 crônicas para o estudo da patemização, distribuídas em 18 temáticas

(Esporte, Mobilidade Urbana, Justiça, Manifestações, Violência, Política, Censura,

Tecnologia, Educação, Comportamento, Obras públicas, Religião, Mídia, Natal, Saúde,

Carnaval, Acidente/Morte, Preconceito). As temáticas foram estabelecidas de acordo

com o assunto central de cada crônica. Assim, as crônicas apresentam temas

transversais, mas, por uma análise comparativa, buscou-se depreender o assunto central,

de cada texto, chegando-se, assim, a um total de 18 temas. Essa divisão se fez

necessária, uma vez que o tipo de temática pode influenciar no uso ou inibição dos

índices de patemização, como ficará mais claro na análise quantitativa.

Após a seleção, buscou-se criar um padrão de análise, estabelecendo-se os índices

de patemização que deveriam ser investigados em cada texto. Com base nos estudos de

Charaudeau (2010) e Plantin (2010 e 2011), Gouvêa, em seu projeto de pós-doutorado,

propôs um inventário de índices, buscando adaptar a análise para o gênero em foco, bem

como excluir as redundâncias que ocorreriam caso fossem utilizadas as propostas dos

dois autores na íntegra. Essa mesma proposta é utilizada nesta tese e tem os seguintes

índices:

1) Palavras que descrevem de maneira transparente emoções – essa estratégia

refere-se à utilização de algum termo do campo das emoções de maneira

explícita, como indignados, enfurecidos, amor etc.;

2) Palavras ou expressões que desencadeiam emoções – ao contrário da estratégia

anterior, esta não apresenta um vocabulário explícito das emoções, mas palavras

que, dentro do contexto de que fazem parte, podem desencadear algum tipo de

emoção, por exemplo, faminto, menino etc.;

3) Enunciados que podem produzir efeitos patemizantes – essa estratégia é

semelhante à anterior, uma vez que depende do contexto. A diferença consiste

no fato de ser necessário selecionar não apenas um termo ou expressão, mas um

enunciado inteiro para que se perceba seu valor patêmico, como invadiu a

ciclovia, arrancou-lhe o braço etc.;

4) Termos de cores – estratégia relacionada ao uso de algum léxico de cor que, por

meio de uma associação, pode indicar um teor patêmico: Ele ficou verde. (de

raiva, ciúme etc.);

5) Verbos que selecionam uma emoção – refere-se ao uso de determinados verbos

que poderiam ter como complemento termos de emoção, por exemplo, o verbo

consumir-se;

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6) Topoi – essa estratégia está relacionada ao conceito de que as emoções são

baseadas em valores comuns em uma dada cultura. Assim, o enunciador poderia

se valer de um determinado topos para suscitar emoções no auditório, como A

fama repentina leva ao fracasso;

7) Princípio da proximidade ou distanciamento – por meio deste recurso, é possível

identificar relações de proximidade (aqui, hoje) e distanciamento (lá, há 30

anos) que o enunciador constrói entre os fatos e os argumentos e o auditório,

suscitando variadas emoções;

8) Palavras que designam calamidades – nesse grupo, são alocadas palavras que

especificam atos contra a vida, tais como estupro, chacina etc.;

9) Princípio da classificação, enumeração ou quantidade – essa estratégia busca

quantificar determinadas informações e dados para, com isso, desencadear

comportamentos emotivos no auditório; oito anos, menos de 1 dólar por dia, etc.

10) Princípio da avaliação – entende-se como pertencentes a essa estratégia termos

ou expressões que servem para apresentar a avaliação do enunciador em relação

a outro termo, por exemplo, em escabrosa história, tem-se o adjetivo indicando

um julgamento feito sobre o fato nomeado como “história” pelo enunciador;

11) Menção a situações vividas – sempre que o enunciador relaciona um

acontecimento abordado no texto à sua experiência pessoal faz uso dessa

estratégia, indicando que ele também, de alguma forma, passou por aquilo,

colocando o fato ainda mais próximo do real, como Certo dia, uma senhora me

desafiou...;

12) Termos de emoção descritiva – essa estratégia está relacionada ao uso de

estruturas em que há um experienciador e uma emoção descrita, tais como Pedro

sente ódio;

13) Expressões modalizadoras – nessa estratégia são agrupados quatro itens:

expressões adverbiais modais, verbos modais, orações modalizadoras e

operadores argumentativos, tais como talvez, poderia, pode-se alegar que e

ainda. Todos foram reunidos por apresentar a finalidade de modalizar o

discurso, inclusive os operadores argumentativos, uma vez que estes também

indicam a intenção argumentativa do enunciador.

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Como foi visto, todos esses índices têm a capacidade de propiciar uma mise-en-

scène patêmica num dispositivo argumentativo, a depender do contexto em que figurem,

dado que ficará mais claro no capítulo de análises.

Outro ponto considerado ainda na investigação foi o comportamento discursivo

empregado pelo enunciador – se alocutivo, elocutivo, delocutivo ou a mistura deles –,

para se detectar como se dava a construção do efeito patêmico no texto.

Com os textos selecionados e os critérios definidos, procedeu-se à análise

quantitativa. Nessa etapa, cada texto foi lido e, em cada um deles, sua tese, argumentos

e comportamento discursivo foram destacados. Além disso, sinalizaram-se todos os

índices patêmicos que apareceram na construção da argumentação. Num arquivo em

word, colocaram-se todos esses dados, os quais, após os cálculos, geraram os resultados

que serão descritos com o auxílio de gráficos. Obviamente, apesar de se buscarem as

quantidades (número de ocorrências e percentuais), durante a feitura da investigação

para levantamento quantitativo, procedia-se a um estudo qualitativo, uma vez que era

feita a análise de cada um desses índices, relacionando-o ao tema do texto, bem como à

sua tese.

De toda forma, sentiu-se a necessidade de se apresentar o modo como as

investigações foram realizadas em cada texto, produzindo-se um item especificamente

relacionado à análise qualitativa do corpus. É de consenso que seria impossível realizar

esse procedimento para o total de textos coletados. Assim, foram selecionadas seis

crônicas do total. Os índices presentes nesses seis textos foram detalhadamente

explicados, visando a mostrar uma possibilidade de análise das estratégias de

patemização e o quanto elas são importantes na construção da argumentação. Escolheu-

se não se realizar uma análise qualitativa por índices, mas por crônica, já que o intuito

era mostrar a composição textual integral e indicar de que forma as estratégias fazem

parte dessa composição e orientam para a tese defendida.

As etapas quantitativa e qualitativa, portanto, ocorriam em conjunto. Os itens a

seguir, no entanto, apresentam esses dois modelos de análise em separado por motivos

didáticos. Em primeiro lugar, apresenta-se a análise qualitativa, indicando-se como os

índices foram observados dentro da realidade particular de cada uma das seis crônicas.

Em seguida, apresentam-se os dados quantitativos, na busca de se realizarem

generalizações e conclusões acerca dos patemas levantados não só no corpus como um

todo, mas também em cada temática.

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5. ANÁLISE DO CORPUS

Conforme foi dito anteriormente, a análise das crônicas será feita com base em

métodos qualitativos e quantitativos. O que se busca com isso é apresentar aos leitores

tanto um estudo detalhado das estratégias de patemização e seu funcionamento em cada

uma das crônicas aqui analisadas quanto um levantamento percentual para apreciação

das estratégias mais utilizadas pelo cronista.

Em estudos que analisam o pathos (Charaudeau, 2010 e 2007; Plantin, 2010;

Monnerat, 2014, 2013 e 2009; Emediato, 2007, entre outros), busca-se detectar os

índices de patemização, isto é, as estratégias utilizadas pelo locutor para atingir o

auditório, por exemplo.

a) palavras pertencentes a um universo emocional (amor, raiva, inveja);

b) palavras que não pertencem a um universo emocional, mas que podem gerar emoção

(assassinato, estupro, miséria);

c) enunciados que não comportam palavras patemizantes, mas que, dependendo da

situação de comunicação, são susceptíveis de produzir efeitos patêmicos;

d) além de marcas do enunciador que buscam afetar o destinatário (estratégias de

modalização).

Cabe relembrar que aqui outras estratégias, além das citadas acima, foram

analisadas. Ademais, as emoções foram entendidas como uma categoria de efeito

visado, uma vez que é difícil determinar quais foram os efeitos, de fato, produzidos no

auditório.

Além disso, neste trabalho, serão levantadas as estratégias concernentes aos

modos de organização do discurso, com vistas a explorar de que forma o enunciador

estrutura as suas crônicas. Assim, serão examinadas as marcas linguísticas do modo

enunciativo, as características do modo argumentativo e possíveis utilizações dos modos

descritivo e narrativo para compor a argumentação.

A seguir, será apresentada, primeiramente, a análise qualitativa das crônicas e,

posteriormente, o levantamento quantitativo dos índices analisados.

5.1. Análise qualitativa

Antes de se iniciar a análise, é importante inserir o objeto de estudo em um ato

de linguagem. Segundo a teoria semiolinguística, um ato de linguagem é composto por

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dois componentes: o verbal e o situacional. Desse modo, o ato de linguagem vai muito

além de sua forma linguística, estando atrelado às Circunstâncias de discurso, isto é,

aos saberes partilhados pelos protagonistas do ato comunicativo, o qual é fundamentado

em dois princípios básicos: alteridade e identidade.

Vê-se o princípio de alteridade na análise em questão, pois há dois parceiros que

se reconhecem como semelhantes e como diferentes. São semelhantes porque partilham

saberes e finalidades discursivas – o cronista escreve sua coluna semanal para os

leitores que a leem. São diferentes, uma vez que desempenham papéis distintos na troca

comunicativa: enunciador (Zuenir Ventura) e destinatário (leitores).

Na análise em questão, tais papéis são não só demarcados, mas também fixos.

Os parceiros não estão copresentes na troca comunicativa, não havendo, assim, troca de

turno. Isso ocorre porque se trata de um texto produzido na modalidade escrita, e seu

produtor se comunica com um receptor múltiplo, isto é, os vários leitores do jornal.

Sendo assim, a instância de criação e a de recepção são diferentes, pois há um espaço

físico-temporal entre a produção do texto e a sua leitura.

O princípio da identidade também pode ser percebido, na análise, tanto no

domínio da identidade social quanto no da identidade discursiva. A identidade social de

Zuenir Ventura relaciona-se a um homem com 83 anos, mineiro, que é cronista do

jornal O Globo. Já sua identidade discursiva está relacionada a um indivíduo

enunciador que tem direito à palavra e que, por meio de sua conduta discursiva, constrói

uma imagem de si, transmitindo ao leitor suas concepções, vivências e experiências.

Destaque-se que uma identidade é determinada pela outra: o público reconhece Zuenir

Ventura como um escritor de crônicas jornalísticas, em virtude de sua identidade social;

e sua identidade discursiva, por meio de seu comportamento linguageiro, corrobora essa

imagem, legitimando, assim, seu papel no ato comunicativo.

É justamente esse jogo de identidades que movimenta o ato comunicativo, do

qual participam quatro sujeitos: os parceiros e os protagonistas da comunicação. Como

já foram explicadas as características desses sujeitos na fundamentação teórica desta

pesquisa, cabe destacar apenas que o sujeito comunicante é o autor Zuenir Ventura (ser

social) e que o sujeito interpretante é cada leitor (ser social) que tenha acesso ao texto.

Em contrapartida, o sujeito enunciador é o ser discursivo que o cronista cria por meio

das crônicas; e o sujeito destinatário é o público-alvo idealizado para quem ele escreve,

também ser discursivo. Sendo assim, neste trabalho, a análise será feita em relação aos

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seres discursivos, isto é, será investigada a forma pela qual o sujeito enunciador usa as

estratégias de patemização para atingir o sujeito destinatário.

Além de observar o texto em análise como um ato comunicativo, é necessário

apresentá-lo do ponto de vista do contrato de comunicação, já que é o contrato que

orienta a situação comunicativa em que os textos se inserem e as características

decorrentes dessa situação.

Neste caso, tem-se uma crônica jornalística, cujo contrato é o do universo da

comunicação midiática, mais especificamente jornalística impressa. Desse modo, seu

espaço de restrições determinaria, por exemplo, que o texto não pode ser produzido

com propósito poético. Por se tratar, no entanto, do gênero “crônica jornalística”, há um

espaço de manobras que admite a manifestação da subjetividade nas escolhas

discursivas do enunciador, bem como o posicionamento claro de sua opinião. É

justamente no espaço de manobras que as estratégias patemizantes serão exploradas,

sem, contudo, direcionar o texto para um campo artístico, mas com vistas à defesa de

seu ponto de vista.

5.1.1 “Neymarmania e neymarketing”

Após caracterizar a situação de comunicação de que participa o texto, segue-se a

análise. A primeira crônica em apreciação – “Neymarmania e neymarketing”,

doravante C1 – explora a temática do desenvolvimento de um craque de futebol. O Eu

enunciador inicia o texto com um relato de um acontecimento que dará embasamento

para a discussão colocada em pauta no texto, típico comportamento do gênero “crônica

jornalística”, em que primeiro se apresenta uma dada situação ao leitor por meio de uma

mininarrativa para, em seguida, levantar pensamentos acerca dessa situação ou até

mesmo que a extrapolem. Ou seja, a situação narrada pode ser apenas um gatilho para

embasar a reflexão do autor sobre questões mais universais.

A fim de captar a atenção e a emoção do sujeito destinatário logo de início, o

autor usa a modalidade do discurso relatado, própria do comportamento delocutivo.

Neste caso, o discurso apresentado é o que Neymar proferiu durante uma entrevista

quando ainda era criança. Assim, no início do texto, já se tem uma visada patêmica ao

colocar-se a fala de Neymar ainda jovem, falando do futuro e de seus sonhos:

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Tímido, ele falou de seu sonho de vir a ser igual a seu ídolo Robinho, de

como daria aos pais o primeiro dinheiro que ganhasse com futebol e até

confessou que era torcedor do Palmeiras. (C1, 05/06/2013)

Neste mesmo trecho, pode-se ainda perceber a utilização da estratégia palavras

que desencadeiam emoções, como “tímido”, “sonho”, “confessou”. Tais expressões

criam para o leitor a imagem de um Neymar ainda simples, ingênuo, com muitos sonhos

e despertam o sentimento de “admiração”.

Além disso, ainda no primeiro parágrafo, outras palavras e expressões, que não

são do campo dos sentimentos, mas que geram emoção são utilizadas pelo autor: “[...] o

jornalista Antônio Venâncio descobriu um menino de 12 anos, magrinho, com cara de

menos [...]”.

Por meio das expressões em destaque, EUe cria a imagem de um adolescente

frágil e muito humilde. A expressão “cara de menos” não deixa claro exatamente o que

faltava na vida de Neymar, levando o leitor a crer que faltava de tudo, pelo menos no

sentido material. Dessa forma, no início do texto, a imagem criada pelo autor é de um

menino simples e humilde, porém carismático, gerando uma relação de simpatia entre

os leitores e o personagem apresentado.

Ainda no primeiro parágrafo, o cronista apresenta a virada na história de vida do

personagem apresentado. Com vistas a tornar essa mudança de vida mais acentuada, usa

estratégias de patemização:

Assim, assistiu-se a dois capítulos – o inicial e, no dia seguinte, o mais

recente, o da apoteótica chegada ao novo clube – da história de uma

vertiginosa ascensão social. (C1, 05/06/2013)

Nesse instante, por meio do princípio de avaliação (”apoteótica” e

“vertiginosa”), estratégia utilizada para inserir ponto de vista no texto e suscitar

emoções por meio da qualificação, o autor gera, no leitor, uma sensação de “satisfação”,

mas também de “receio” com o que pode acontecer com alguém que tem uma mudança

de vida tão repentina.

Essa sensação é corroborada por expressões do comportamento alocutivo, em

forma de perguntas, levando o leitor a refletir sobre a seriedade dessa mudança de vida:

“Como será que essa repentina transformação repercutirá na cabeça de um pouco mais

que adolescentes de 21 anos? Ele estará preparado emocionalmente para isso?”.

No segundo parágrafo, o autor afirma que, sempre em trajetórias de sucesso,

estes questionamentos se repetem. Com o intuito de acalmar o leitor a respeito disso, o

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enunciador apresenta um panorama positivo em relação a histórias como a de Neymar.

Para isso, utiliza mais uma vez estratégias patemizantes, por meio do comportamento

delocutivo, utilizando a modalidade da asserção: “Curiosamente, a resposta é mais

positiva do que se pensa”. A expressão adverbial “curiosamente” apresenta o ponto de

vista do enunciador, denunciando que este, de certa forma, acredita que mais comum

seria haver um número maior de respostas negativas. Com isso, gera no leitor uma

sensação de “esperança” em relação ao personagem do texto, Neymar.

Na continuidade do parágrafo, essa sensação é confirmada pelo trecho “Para

cada caso de desvio e perdição, tem-se exemplos como o de Ronaldo, Romário [...]”,

que também é construído por meio do comportamento delocutivo, utilizando a

modalidade da asserção. Os termos em destaque têm uma carga semântica negativa,

gerando, no leitor, uma sensação de “tristeza” em relação às pessoas que seguiram um

caminho tortuoso após subirem na vida repentinamente. A sequência do período, porém,

traz uma sensação de “alívio” por meio da comparação estabelecida com os diversos

casos bem-sucedidos.

No terceiro parágrafo, valendo-se do comportamento elocutivo e,

especificamente, da modalidade da opinião, o enunciador, enfim, aponta sua tese no

segmento a seguir:

Com licença de Calazans e Renato, que são os que realmente entendem do

assunto (sou um daqueles quase 200 milhões de técnicos), acho que ele ainda

tem muito que amadurecer e evoluir. (C1, 05/06/2013)

Nesse trecho, observa-se o comportamento elocutivo nos verbos “acho” e “sou”

que trazem as marcas de primeira pessoa e exprimem, explicitamente, o ponto de vista

do enunciador. A oração modalizadora (“acho que”) insere a modalidade da opinião,

com a qual o enunciador se posiciona claramente sobre a temática abordada, colocando

para o leitor a tese de que “Neymar ainda tem muito que amadurecer e evoluir”.

Cabe destacar que é a presença de marcas de primeira ou terceira pessoa que

diferencia o modo elocutivo do delocutivo. O ponto de vista do enunciador sempre

estará presente, independentemente do modo enunciativo utilizado. No modo elocutivo,

porém, são utilizadas marcas de primeira pessoa; no modo delocutivo, marcas de

terceira pessoa. Observe-se que, no momento em que quis colocar uma opinião pessoal,

e não apenas um ponto de vista, o autor fez uso do modo elocutivo, gerando no leitor

uma sensação de “identificação” ou “distanciamento”, a depender do posicionamento

pessoal do leitor.

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O enunciador apresenta, todavia, argumentos para comprovar sua tese, buscando

a adesão do auditório. Primeiro argumenta que Neymar nem sempre mantém

regularidade em suas partidas. Em seguida, aponta que Neymar tem o peso da exposição

na mídia, o que influencia seu trabalho como jogador.

Na construção dos argumentos, o enunciador utiliza mais estratégias

patemizantes. No trecho “Perseguido implacavelmente pelos marcadores, já foi

chamado de ‘cai-cai’ [...]”, relativo ao primeiro argumento, o verbo “Perseguido” e a

expressão adverbial modal “implacavelmente” denotam o ponto de vista do enunciador,

gerando, no leitor, a sensação de “lamento” e “frustração”, pois este se coloca no lugar

do jogador.

Na construção do segundo argumento, o enunciador utiliza, mais uma vez, a

modalidade da asserção do modo delocutivo: “Tem sido visto mais nas telinhas do que

nos gramados ‘vendendo’ de automóvel até cuecas”. A expressão em destaque pode ser

considerada uma expressão patemizante, uma vez que gera, no leitor, a sensação de

“indignação”. Além disso, apresenta o operador argumentativo “até”, que insere no

texto o argumento mais forte numa escala argumentativa orientada para a mesma

conclusão (Koch, 2009). Nesse caso, a conclusão de que Neymar não estaria tendo

limites ao explorar sua imagem.

Na continuação do mesmo período, a sensação de “indignação” é reforçada pelo

uso da estratégia palavras que provocam emoção, por meio do uso da expressão

“desfrutável”, em: “[...], o que o torna meio desfrutável”. Esse vocábulo gera no leitor

um sentimento negativo em relação a Neymar, de que ele se presta facilmente a

qualquer atividade, colocando sua imagem a venda e seu bom futebol em perigo.

Ao final da crônica, o enunciador se apresenta mais uma vez em primeira pessoa

e se insere num grupo que “inveja” essa visibilidade de Neymar, utilizando a estratégia

palavras que descrevem emoção: “Por isso, invejosos como eu já o chamam de

‘neymarketing’”. Faz uma ressalva, porém, ao afirmar que o jogador tem a seu favor o

fato de seu pai ser seu empresário. Assim, espera-se, como afirma o autor, que o jogador

tenha uma pessoa que vai orientá-lo nessa trajetória de sucesso e de perigo.

Percebe-se, assim, que, na crônica em análise, o objetivo do sujeito comunicante

(Zuenir Ventura) é fazer com que o sujeito interpretante (leitor) perceba que Neymar é

um jogador em formação, que ainda tem de amadurecer. Para isso, o sujeito enunciador

adota diversas estratégias patemizantes, partindo do próprio tema, que já se inicia com a

exploração da imagem de um jovem humilde e sonhador que cresce na vida de modo

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repentino. Além disso, durante a construção do texto, faz uso de palavras e expressões

patemizantes, suscitando diversas emoções no sujeito destinatário ao longo da crônica.

Cabe destacar ainda o uso do modo narrativo de organização do discurso

utilizado no início da crônica, com o intuito de colocar para o leitor um fato a partir do

qual a crônica seria elaborada. Observe:

Em 2006, ao realizar pesquisa para um documentário sobre Robinho, então

no Santos, o jornalista Antonio Venâncio descobriu um menino (...). A

conversa com Neymar da Silva Santos Junior foi ao ar no “Fantástico” de

domingo passado, véspera da ida do jogador num voo especial para

Barcelona. (C1, 05/06/2013)

No trecho acima, percebe-se uma estrutura narrativa que prepara o tema para sua

discussão. Essa é uma característica comum do gênero “crônica jornalística”, ao qual

pertence o texto em análise.

Nesse início, misturado ao modo narrativo, observa-se ainda o uso do modo

descritivo, quando são apresentadas as características de Neymar:

(...) descobriu um menino de 12 anos, magrinho, com cara de menos, em

quem pressentiu uma promessa de craque e resolveu entrevistá-lo. (C1,

05/06/2013)

Dessa forma, percebe-se que o autor utiliza os quatro modos de organização do

discurso na construção de sua crônica, pois, do segundo parágrafo em diante, aparecem

as marcas do modo argumentativo (tese e argumentos, os quais já foram analisados

anteriormente).

5.1.2 “Um peso e duas medidas”

A segunda crônica em análise – “Um peso e duas medidas” (C2) – explora a

temática das incoerências nas decisões judiciárias. O EU enunciador já inicia o texto se

posicionando. Utiliza o modo elocutivo para apresentar sua opinião em relação ao tema,

que é a tese defendida ao longo da crônica:

Para os incultos mortais como eu, nem sempre é possível decifrar os

desígnios da justiça, entender a lógica de muitas de suas decisões. (C2,

27/03/2013)

Por meio do uso da primeira pessoa do singular – modo elocutivo –, o cronista

procura estabelecer uma relação mais próxima com o TU destinatário, relação esta

reforçada pelo operador argumentativo “como”, que compara o enunciador a um grupo

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particular de pessoas que, por vezes, desconhece os “desígnios da justiça”. Ou seja, o

cronista busca despertar, já no início, o sentimento de injustiça que será retomado ao

longo do texto.

Atente-se ainda para o uso do verbo “decifrar”, que desencadeia uma carga

patêmica relacionada à dificuldade, e do quantificador “muitas” para se referir ao

entendimento de tais desígnios. Ao usar este verbo, o EU enunciador passa a

informação de que a interpretação das decisões judiciárias, mesmo quando realizada,

exige um esforço igual ao utilizado para se desfazer mistérios – não se entendem as

decisões, decifram-se. Ao utilizar o quantificador, mostra que a quantidade de casos que

são compreendidos é bem menor do que aqueles aos quais não se chega a um

entendimento. Assim, reforça os sentimentos de “dúvida” e “insegurança” em relação às

decisões da justiça em seu país.

Para convencer o TUd, o EUe estrutura sua argumentação por meio de casos

policiais que ilustram as incoerências da justiça quanto a punições e penalidades dadas

aos envolvidos. Assim, no início do segundo parágrafo, relata o episódio de um

atropelamento envolvendo um motorista e um ciclista por meio do modo narrativo de

organização do discurso. Pode-se dizer que esse trecho é construído no modo narrativo,

uma vez que apresenta actantes – o motorista e o ciclista – e processos – sequência de

ações com início, meio e fim.

Na construção dessa mininarrativa, O EU enunciador utiliza estratégias de

patemização implícitas ou indiretas – palavras, expressões e enunciados que produzem

efeito patemizante e quantificadores –, como as destacadas a seguir:

Um motorista em alta velocidade, bêbado, voltando de uma balada,

ziguezagueando, atropela ciclista, arranca-lhe o braço, que cai dentro do

carro, pega, joga fora num riacho, foge, volta depois, é preso, permanece sete

dias na cadeia e é solto. (C2, 27/03/2013)

Observa-se que, nesse pequeno trecho, há uma variedade de estratégias de

patemização que, somadas, instauram uma mise-en-scène com visada fortemente

patêmica, criando uma situação de horror. Pode-se perceber a utilização de palavras e

expressões que provocam efeitos patemizante no contexto (“alta velocidade”, “bêbado”,

“atropela”), bem como de enunciados (“joga fora”), criando a percepção de que não foi

apenas uma fatalidade. Além disso, é utilizada a estratégia princípio de quantidade

(“sete dias”) que informa a punição dada pela justiça, buscando despertar no auditório

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os sentimentos de “indignação” e “revolta” não só com o ocorrido, mas também com a

decisão judiciária.

A continuação do episódio é apresentada por meio do comportamento

delocutivo, modalidade do discurso relatado, em que se dá voz aos médicos que

atenderam o ciclista:

Os médicos disseram que se ele, estudante de psicologia, tivesse prestado

socorro, o braço poderia ter sido reimplantado. (C2, 27/03/2013)

Assim, os sentimentos são reforçados por meio da modalização verbal “poderia

ter sido” e da palavra “reimplantado”, que estabelecem a ideia de que havia

possibilidade de melhora no quadro de saúde da vítima, caso o motorista não fosse

irresponsável e desumano. Dessa forma, é gerado o sentimento de “tristeza” em relação

à situação do ciclista e de “aversão” no tocante ao motorista, pois, apesar de grave, o

acidente poderia ter sido amenizado por uma conduta mais humana. O aposto, inserido

no discurso relatado, que traz a informação de que o condutor do veículo era um

estudante de psicologia reforça ainda mais a aversão a este actante, pois se esperaria

dele, por conta do campo de estudo, uma conduta ainda mais preocupada com o bem-

estar das pessoas.

Ainda no segundo parágrafo, o cronista estabelece, por meio de um operador

argumentativo (“menos tempo do que”), uma comparação entre os dois actantes com

alta carga patêmica, observe: “Ele ficou na prisão menos tempo do que a vítima no

hospital”. Ao comparar o tempo que cada um permaneceu em locais específicos para

cada um em decorrência do acidente, mostra que o “prejuízo” maior foi da vítima.

Dessa forma, produz, no auditório, os sentimentos de “indignação” e de

“incompreensão” quanto às determinações judiciárias.

O EU enunciador intensifica tais sentimentos ao final do parágrafo quando faz

uso do comportamento delocutivo, modalidade da asserção, em uma oração

modalizadora indicando uma probabilidade sobre a alegação do desembargador: “Quer

dizer: é provável que só reincidente ele permaneceria na prisão”. Isto é, nem mesmo se

o motorista causasse mais um acidente ter-se-ia certeza de que ele ficaria preso,

dubiedade reforçada pela modalização no verbo “permaneceria”.

No terceiro parágrafo, o EUe apresenta mais um caso que põe em

questionamento a ação da justiça. Utiliza, para isso, o comportamento delocutivo, nas

modalidades da asserção e do discurso relatado. Inicialmente, o cronista apresenta o

caso utilizando a modalidade da asserção e, mais uma vez, usa estratégias indiretas de

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patemização, tais como palavras e expressões que desencadeiam emoções e o princípio

de avaliação (respectivamente, “chocou”, “homicídios duplamente qualificados” e

“episódio macabro”). Assim, faz a manutenção da visada patêmica e produz o

sentimento de horror também em relação à ação da médica.

Depois, utilizando a modalidade do discurso relatado, descreve com detalhes

como a médica cometia seus crimes, criando um cenário de terror ao utilizar palavras

que provocam emoções, como “asfixia” e “paralisaram”, e um sentimento de “tristeza”

em relação ao que as vítimas sofreram.

Por fim, o autor especifica, assim como havia feito para o caso do motorista, o

tempo que a acusada permaneceu presa – “um mês” –, buscando, mais uma vez, gerar

“revolta” e “indignação” no leitor quanto às decisões judiciárias, principalmente nesse

caso em que, como afirma o autor, “[...] o processo corre em segredo de justiça”.

O quarto parágrafo é iniciado pelo operador argumentativo “enquanto isso”, que

estabelece uma relação de simultaneidade temporal entre os fatos já relatados e o que o

cronista vai apresentar. Ele constrói o parágrafo por meio do comportamento delocutivo,

modalidade do discurso relatado. Primeiramente, cita um artigo cujo título é

“Incompreensível e injustificável”, que adianta a ideia de que a história a ser contada

também apresenta um caso de falta de compreensão quanto a um episódio.

Quando, porém, passa a relatar de fato o caso, apresenta ao leitor uma história

inversamente proporcional às duas já contadas. De forma sucinta, apresenta a história de

um personagem em torno do qual o EUe buscar gerar sentimentos positivos. Para isso,

utiliza variadas estratégias de patemização de forma a aproximar afetivamente o

auditório do personagem, tais como: princípio de aproximação (“William de Oliveira”),

princípio de avaliação (“líder comunitário”), princípio de quantidade (“um ano e cinco

meses”), expressões modalizadoras (“parecia”, “acabou confessando”), palavras e

expressões com carga patemizante (“sem sentença”, “farsa”, “incriminar”, “inimigo”,

“adulteração”).

Ao contrário dos personagens anteriores que só tinham funções sociais –

“estudante de psicologia” e “médica” –, o novo personagem, além de sua função em

sociedade, tem também nome e sobrenome – “William de Oliveira”. Com essa

estratégia, o autor cria uma proximidade maior entre os leitores e o personagem, que vai

reforçar os laços emocionais que serão trabalhados na sequência.

Ainda em uma relação antagônica com os dois personagens anteriores que

ficaram presos por apenas “sete dias” e “um mês”, respectivamente; o líder comunitário

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é mantido preso há um ano e cinco meses, sem sentença, isto é, sem se ter ainda

chegado a um veredicto sobre o seu caso.

Somente a diferença de tempo de permanência na cadeia já seria o suficiente

para gerar nos leitores questionamentos quanto às decisões da justiça. O mero

questionamento, no entanto, abre espaço para “indignação” e “revolta” quando se

comparam os crimes cometidos (ou supostos crimes) e o encaminhamento dado a cada

um deles. Enquanto o motorista atropelou um cliclista causando sequelas irreversíveis e

a médica matou sete pacientes; William foi acusado de vender armas a traficantes,

porém, como afirma o cronista “[...]se tratava de uma farsa com motivação política”.

Nesse instante, o autor busca criar nos leitores um sentimento de “aversão” no

tocante à decisão da justiça. Isso porque apresenta todos os motivos para que o líder

comunitário fosse solto, inclusive a confirmação da adulteração da suposta prova.

Tal sentimento é reforçado no parágrafo seguinte, em que o cronista põe em

dúvida a ação da justiça ao citar o fato de ter sido negado, recentemente, mais uma vez,

o pedido de liberdade provisória para o líder comunitário, mesmo com todo o seu

histórico de cidadão correto e honesto, como atestam as estratégias destacadas abaixo:

Na semana passada, a justificativa para mais uma negativa de liberdade

provisória foi a suposta “periculosidade” do acusado, sem levar em

consideração que sua ação na Rocinha há mais de dez anos resistindo ao

tráfico [...] (C2, 27/03/2013)

O EUe gera no leitor um sentimento de “revolta” ao afirmar, por meio da

expressão modalizadora “mais uma”, que houve outras tentativas de libertação de

William sem sucesso. Além disso, por meio do princípio de avaliação traz uma opinião

sobre o que seria a justificativa para as negativas de liberdade provisória, a “suposta

‘periculosidade’” do personagem, trazendo ao leitor um sentimento de “indignação”

pela falta de certezas da justiça quanto às atitudes do líder comunitário.

Essa “indignação” é reforçada pela apresentação de uma breve biografia do

personagem, em que, por meio do princípio de quantidade, se afirma que “há dez anos”

ele é um homem de paz, que resiste ao tráfico, sendo reconhecido por instituições

humanitárias e governamentais. Desse modo, gera no destinatário um sentimento de

“simpatia” em relação ao personagem e de “indignação” em relação à atitude da justiça.

No parágrafo final, o cronista estabelece uma interlocução direta com os leitores

por meio do comportamento alocutivo, modalidade da interpelação (“vai convencer”),

exigindo do destinatário uma reação reflexiva:

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Diante disso, vai convencer quem está preso há 17 meses sem culpa formada

que a justiça é igual para todos, mesmo que o acusado seja, como William,

negro, pobre e favelado. (C2, 27/03/2013)

Assim, o cronista reforça o sentimento de injustiça e direciona o leitor à

conclusão de que a justiça não é igualitária para todos, como já aponta indiretamente na

tese. Conclusão que é reforçada pelo uso do operador argumentativo “mesmo que”,

criando um contrapondo entre a justiça e uma classe social específica, descrita por meio

de palavras que suscitam emoções “negro, pobre e favelado”.

Fica claro, assim, que, na crônica em análise, o objetivo do sujeito comunicante

(Zuenir Ventura) é fazer com que o sujeito interpretante (leitor) perceba que não há

lógica nas decisões da justiça e que, portanto, não se pode compreendê-las. Ao final da

crônica, porém, a tese ganha um matiz de crítica, trazendo à discussão questões étnicas

e sociais que influenciariam as decisões judiciárias.

Para alcançar seus objetivos, o sujeito enunciador adota diversas estratégias

patemizantes, a começar pelo tema, que já aborda a imagem de um sistema judiciário

desigual e injusto. Além disso, durante a construção do texto, faz uso de palavras e

expressões patemizantes, suscitando diversas emoções no sujeito destinatário ao longo

da crônica.

Cabe destacar ainda o uso do modo narrativo de organização do discurso

utilizado na crônica, com o intuito de colocar para o leitor os fatos com os quais vai

defender sua tese por meio da ilustração:

Um motorista em alta velocidade, bêbado, voltando de uma balada,

ziguezagueando, atropela um ciclista, arranca-lhe o braço, que cai dentro do

carro, pega, joga fora num riacho, foge, volta depois, é preso, permanece sete

dias na cadeia e é solto. (C2, 27/03/2013)

Fica clara, nesse trecho, a estrutura do modo narrativo. É apresentado o actante

principal da história (o motorista), bem como suas ações em uma sequência cronológica.

Além disso, tem-se a macroestrutura básica de uma narrativa, com: início – “Um

motorista em alta velocidade, bêbado, voltando de uma balada, ziguezagueando, (...)”–,

desenvolvimento – “(...) atropela um ciclista, arranca-lhe o braço, que cai dentro do

carro, pega, joga fora num riacho, foge, (...)” – e desfecho – “(...) volta depois, é preso,

permanece sete dias na cadeia e é solto”.

Dessa forma, percebe-se que o autor, mais uma vez, utiliza o modo narrativo de

organização do discurso na construção de sua crônica, sendo predominante o modo

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argumentativo, pois o texto tem como finalidade o convencimento do auditório. O modo

narrativo serviria, então, aos propósitos argumentativos do texto.

5.1.3 “Punir, mais que reciclar”

A terceira crônica em exame – “Punir, mais que reciclar” (C3) – aborda a

temática da ineficiência dos transportes públicos e suas consequências. Afirma-se que

essa temática apresenta visada patêmica, pois permite direcionar a discussão, como o

autor faz, para os casos de acidentes e impunidades decorrentes do mau serviço.

Nessa crônica, o cronista apresenta uma estrutura argumentativa diferente das

outras duas já analisadas. A tese é apresentada apenas ao final da discussão: “Quando se

trata de trânsito – e isso no mundo todo – a punição funciona mais do que a persuasão”.

Para defendê-la, o autor recorre a uma argumentação baseada em números,

apresentando aos leitores os absurdos que ocorrem diariamente nos transportes públicos

e a falta de fiscalização mais efetiva.

O texto é produzido majoritariamente no comportamento delocutivo, nas

modalidades da asserção e do discurso relatado, como ilustram os trechos: “Ciclista

atropelado por ônibus não é uma exclusividade carioca.” e “O GLOBO fez as contas:

em 30 dias, eles feriram 53 pessoas, [...]”

O EUe inicia a crônica com uma visada fortemente patêmica ao apresentar um

problema grave como algo comum e até próprio da rotina das cidades, principalmente

do Rio de Janeiro:

Ciclista atropelado por ônibus não é uma exclusividade carioca. A diferença é

que aqui esses ônibus assassinos são uma ameaça permanente, crônica.

Assumem o caráter de calamidade, de praga urbana. Todo dia, a toda hora

eles ferem ou matam alguém. (C3, 04/05/2013)

Os elementos destacados reforçam a visada patêmica do trecho por meio de

estratégias de patemização variadas, tais como palavras ou expressões com carga

patemizante (“atropelado”, “calamidade”, praga urbana”, “ferem”, “matam”), princípio

de proximidade (“aqui”), princípio de avaliação (“ônibus assassinos”, “ameaça

permanente, crônica”) e princípio de quantidade (“todo dia”, “a toda hora”).

No primeiro enunciado, ao entrar em contato com o termo “atropelado”, o leitor

já se insere em um campo sentimental de “dor”, “pena”, “compaixão”. No segundo,

esses sentimentos são agravados, passando a um cenário de “medo”, pois o EUe

qualifica os ônibus como “assassinos”, isto é, que exercem a ação de matar. Além disso,

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ele afirma que não é um ato acidental ou eventual, é uma “ameaça permanente,

crônica”, aumentando ainda mais a sensação de “medo” e “insegurança”.

Cabe destacar ainda que o termo “aqui” (princípio de proximidade) aproxima

leitores e autor em relação a um espaço físico fora do texto, passado a ideia de que o

autor também é alvo desses transportes. Deixa, porém, em aberto que região

especificamente seria a mais problemática, ampliando a atuação desastrosa dos

transportes para toda a cidade.

No terceiro enunciado, o autor intensifica ainda mais os sentimentos de “medo”

e “insegurança” ao afirmar que os ônibus tomam para si as características de

“calamidade” e “praga urbana”, dois termos que estabelecem para o leitor um cenário de

desgraças não facilmente controláveis, que atuam em âmbito coletivo, não individual.

Assim, fica posto que todos podem ser acometidos por esse grande mal.

No último enunciado do trecho destacado acima, o cronista faz uso da estratégia

denominada princípio de quantidade ao utilizar as expressões “todo dia” e “toda hora”,

destacando a absurda frequência com que ocorrem os acidentes envolvendo ônibus

públicos, reforçando nos leitores a sensação de “insegurança”. Tal sensação é enfatizada

ainda pelos vocábulos “ferem” e “matam”, colocados em uma relação de alternância por

meio do operador argumentativo “ou”, postulando, assim, que haja apenas essas únicas

possibilidades no uso do transporte público.

Ainda no primeiro parágrafo, o EUe passa à modalidade do discurso relatado ao

apresentar números levantados pelo jornal O Globo. Assim, utiliza esses dados para

reforçar, por meio do princípio de quantidade, tudo o que afirmou anteriormente: “O

GLOBO fez as contas: em 30 dias, eles feriram 53 pessoas, mataram 12 e receberam

uma multa a cada dois minutos e meio”.

Em seguida, com uma asserção curta e direta, que acaba por ganhar um tom

mais sério, reforça a ideia de que não há lugares específicos onde os transportes

funcionem mal e ocasionem fatalidades: “Não escolhem lugar”. Então, passa a

exemplificar essa afirmação com casos de acidentes ocorridos na cidade. Nesse

momento, a visada patêmica volta a ganhar força no parágrafo, pois o cronista apela

para os sentimentos de “pena”, “compaixão” e “medo” dos leitores ao descrever

situações graves, que tiveram como consequência pessoas feridas ou mortas, em

diferentes pontos da cidade.

No segundo parágrafo, o cronista apresenta possíveis tomadas de posição por

parte da prefeitura em relação ao que ele chamou de, fazendo uso da estratégia princípio

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de avaliação, “escandalosa rotina de transgressões e impunidades”. Os termos em

destaque dão um peso patêmico ao projeto do EUe que, a partir desse momento, passa a

suscitar no auditório o sentimento de “indignação”, pois transmite a ele que as empresas

de transporte público não se preocupam com as leis vigentes, não recebem nenhum tipo

de punição por suas atitudes e nem mesmo se preocupam em adotar o mínimo de decoro

em seus atos.

A fim de reforçar ainda mais esse sentimento, nesse mesmo parágrafo, aparece

uma oração intercalada, apresentando comportamento alocutivo, modalidade do aviso,

dirigindo-se ao leitor de maneira direta (verbo no modo imperativo – “acredite”). Com

isso, o autor estreita os laços com o auditório, fornecendo-lhe uma informação que pode

ajuda-lo a prevenir-se de um risco.

[...] a prefeitura resolveu agir, prometendo endurecer a fiscalização das

empresas, que, acredite, não são obrigadas a revelar o nome dos motoristas

infratores, o que equivale a uma ordem do tipo “podem correr à vontade,

ultrapassar limites de velocidade, furar sinais que nada lhes acontecerá”. (C3,

04/05/2013)

Além da oração intercalada, observamos a utilização do principio de avaliação

para qualificar os motoristas (“motoristas infratores”) e a criação de um discurso direto

para representar, de forma fictícia e irônica, a possível fala de um empresário do ramo

dos transportes se reportando aos funcionários. Com isso, o EUe cria no TUd uma

sensação de “perplexidade” e “fragilidade” frente ao fato de os motorista terem direito

ao anonimato em situações de infração, ou seja, protegem-se os infratores e expõe-se a

população ao perigo constante.

Na sequência, por meio das expressões modalizadoras (“Com atraso” e “ainda”),

o cronista apresenta seu ponto de vista negativo em relação à decisão do prefeito da

cidade quanto a abrir a denominada “caixa preta”, levando o auditório a ter uma visão

de que a gestão do político é ineficiente e irresponsável. Essa visão é reforçada pela

escolha que o autor faz para explicar ao leitor o que seria “caixa preta”.

Com atraso, Eduardo Paes quer abrir o que chamou de ‘caixa preta’, que

permite ainda que um ônibus como o que atropelou o triatleta trafegue

livremente apesar de 19 multas não pagas. E que aquele que caiu de um

viaduto de dez metros circulasse com licença vencida há dois anos e quase 50

multas. (C3, 04/05/2013)

Como se pode observar no trecho acima, o autor opta por ilustrar o que seria a

“caixa preta”, utilizando-se para isso de dois casos de acidentes envolvendo coletivos

que se tornaram de conhecimento público em virtude de suas proporções. Destaca, por

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meio do princípio de quantidade (“19 multas”, “50 multas”), do operador

argumentativo de concessão (“apesar de”) e do operador indicando totalidade (“quase”);

a insensatez preconizada na fiscalização dos transportes públicos. Com isso, faz com

que a sensação de “indignação” do auditório aumente, alimentada pelo sentimento de

“impunidade”.

No terceiro parágrafo, é apontada outra medida a ser tomada pelos gestores: um

curso de reciclagem para os motoristas de ônibus. Destaque-se que o EUe faz questão

de quantificar os motoristas (18 mil), direcionando o leitor para a possível inviabilidade

desse recurso que, segundo ele, é discutível. O autor se questiona sobre a validade e

eficácia do curso, levando o auditório a refletir com ele. Em seguida, direciona,

auxiliado por uma expressão modalizadora (“Afinal”), o leitor para a sua conclusão.

Afinal, não é por desconhecer o que é certo, por atropelar as regras de

urbanidade e as maneiras civilizadas que um motorista arranca quando uma

senhora está subindo, usa o ‘freio de arrumação’ dando freadas bruscas,

invade ciclovias, sobe em calçadas ou não para nos pontos onde há idoso,

porque eles viajam de graça. (C3, 04/05/2013)

Assim, segundo o cronista, a descrença quanto à validade do curso se baseia no

fato de que os condutores entendem o certo e o errado das regras de civilidade e, mesmo

assim, cometem infrações, ou adotam atitudes perigosas ao volante. Logo, não seria o

curso que resgataria a consciência nas atitudes adotadas no trânsito.

Para manter a visada patemizante nessa explanação, o escritor cita algumas

atitudes adotadas por motoristas no dia a dia, utilizando variadas estratégias como

palavras que desencadeiam emoções (“arranca”, “invade”), princípio de avaliação

(“freadas bruscas”), enunciados que provocam emoção (“sobe em calçadas”). Dessa

forma, gera uma identificação com o auditório que se reconhece como “vítimas em

potencial” dessas situações.

Na continuidade do parágrafo, o EUe apresenta uma asserção sob a variante da

probabilidade (também analisada nesta tese sob a nomenclatura de oração

modalizadora) para trazer à tona o que ele considera como, de fato, uma ação válida, se

comparada ao curso de reciclagem, o que fica claro pelo uso do operador argumentativo

que estabelece uma comparação entre “fiscais e professores”: “É provável que um

número maior de fiscais funcione mais do que professores de reciclagem”.

Mais uma vez o cronista utiliza o princípio da quantidade para clarificar o ponto

defendido para o leitor, apresentando os números de São Paulo e comparando-os aos do

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Rio de Janeiro. Para apresentar, porém, os dados de São Paulo, o autor utiliza a

modalidade do discurso relatado, trazendo a SP Trans como responsável pelos

números. Já ao apresentar os números do Rio de Janeiro, o autor utiliza a modalidade da

asserção, estabelecendo assumindo a responsabilidade pela informação. Pode-se

especular que ele tenha feito isso pelo fato de, sendo carioca, sentir-se na autoridade de

falar por si só sobre os dados do Rio, o que não aconteceria quanto a São Paulo.

De qualquer forma, ao comparar as cidades o cronista cria um cenário caótico

para o Rio de Janeiro, pois, enquanto há 1 agente para cada 22 coletivos na cidade da

garoa, há 225 ônibus para apenas 1 fiscal na “cidade maravilhosa”. Com isso, o autor

reforça o sentimento de “indignação” cultivado nos leitores em algumas passagens da

crônica, com vistas a reforçar sua tese que é apresentada no último parágrafo, elaborada

por meio da comparação “[...] a punição funciona mais do que a persuasão”, pode-se

interpretar punição como consequência de uma maior fiscalização e persuasão como o

método adotado no curso de reciclagem.

5.1.4 “País do faz de conta”

A quarta crônica a ser analisada intitula-se “País do faz de conta”. O texto

aborda a temática da impunidade, que muitas vezes é alimentada pelo próprio sistema

legislativo vigente. Nesse sentido, a tese defendida no texto é “[...] a presunção da

inocência funciona em favor da impunidade até quando as provas já condenaram”, que

aparece somente ao final do texto. Para defender tal tese, o autor, como acontece em

outras crônicas, faz uso do argumento por ilustração ou exemplo. Nesse caso, expõe

dois casos famosos: a condenação de Fernandinho Beira-Mar e o Massacre de

Carandiru.

O cronista começa o texto usando o comportamento delocutivo para fazer uma

asserção irônico-crítica “o Brasil é mais impressionista do que um quadro de Monet”.

Por meio da estrutura comparativa, já se apresenta ao leitor, no início do texto, uma

visada crítica em relação ao país. Na sequência, de forma didática, o autor explica o que

quis dizer: “Está sempre dando a impressão de uma coisa, quando é outra”. Dessa

forma, coloca o auditório em posição de refletir sobre o que foi afirmado e o que o

Brasil realmente é.

Ainda no primeiro parágrafo, para reforçar a ideia colocada, ele utiliza a

modalidade do discurso relatado para apresentar o texto de um jornalista no qual

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aparece a fala do Ministro Joaquim Barbosa: “é o nosso jeito de ‘não fazer as coisas

fingindo que está fazendo’”. De forma a mostrar a atualidade do tema abordado, o EUe

utiliza a estratégia princípio de aproximação, por meio do vocábulo “ontem”, situando a

citação em tempo anterior muito recente, despertando no auditório o sentimento de

“satisfação”, pelo fato de perceber a atualidade da discussão, mas também de “receio”,

em virtude de ser o panorama atual do país.

Em seguida, o autor apresenta um enunciado que produz efeito patêmico, pois

insere o Brasil em um cenário de mentiras e enganação. Posteriormente, cita a justiça

como uma das áreas em que o “faz de conta” acontece em maior grau, reforçando seu

ponto de vista por meio de uma expressão modalizadora: “É o país do faz de conta. Em

certas áreas então, como na justiça, a realidade é uma ilusão de ótica mais que

enganadora”. Com isso, infla o auditório com os sentimentos de “enganação” e

“indignação”.

Desse ponto em diante, o EUe centra sua discussão no âmbito da justiça. Traz,

como exemplo para a sua afirmação anterior, a impunidade fomentada pelo próprio

Código Penal. Nesse momento, como uma estratégia de aproximação, utiliza o

comportamento elocutivo, como confirma a marca de primeira pessoa em destaque no

trecho. Além disso, por meio operador argumentativo “mas”, apresenta o ponto

controverso do Código que está sendo discutido e sua incoerência, reforçada pela

expressão modalizadora “até mais”:

O nosso Código Penal, por exemplo, não permite que o ‘cumprimento das

penas privativas de liberdade’ seja superior a 30 anos, mas isso não impede

que as pessoas sejam condenadas a 50, 100 anos de prisão e até mais. (C4,

24/04/2013)

Ou seja, há limite para o cumprimento da pena, mas não para seu

estabelecimento. Assim, um réu que seja condenado a 100 anos de prisão, caso seja

preso, já se sente “beneficiado” pelo próprio sistema, que não permite que ele cumpra

mais de 30 anos. Essa é a conclusão a que chega o autor quando afirma que

O resultado na prática é que, além da clássica forma de impunidade, existe

outra, essa original: condena-se com rigor excessivo, mas se pune com

tolerância máxima, quando se pune. (C4, 24/04/2013)

Os termos e expressões em destaque no trecho acima reforçam o sentimento de

“indignação” a que foi submetido o auditório. Isso porque o autor utiliza variadas

estratégias patemizantes visando a afetar o auditório. Primeiro a expressão

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modalizadora “além de” estabelece que haja mais de uma maneira de se gerar

impunidade; em seguida, o princípio de avaliação “clássica” faz com que se postule que

exista um tipo de impunidade já estabelecido na sociedade, que há muito tempo se

tornou habitual; depois afirma-se ser o Código Penal a forma de impunidade “original”,

isto é, que deu início às outras que existem. Por fim, explica ao auditório como funciona

a “forma original de impunidade”, para isso, utiliza o operador argumentativo “mas” e o

princípio de avaliação gerando expressões antitéticas entre si “rigor excessivo” e

“tolerância máxima” a fim de reforçar a incoerência do sistema. Finaliza com um

operador argumentativo – “[...] quando se pune.” – colocando em dúvida até mesmo o

cumprimento das punições.

Ao final do primeiro parágrafo, com vistas a ilustrar tudo o que foi apresentado

anteriormente, o EUe mostra ao TUd um exemplo de condenação de conhecimento

público, em que o acusado, Fernandinho Beira-Mar, tem penas somadas em 200 anos.

Sobre esse fato, o EUe se pergunta o tempo de reclusão que será de fato cumprido pelo

réu e afirma “Com certeza, nem 10%, considerando-se os benefícios que em geral são

concedidos”.

As expressões modalizadoras “com certeza” e “em geral” imprimem,

respectivamente, certeza com relação ao tempo de cumprimento da pena e generalização

no tocante aos benefícios. Desta forma, o auditório se sente “confiante” em relação ao

conhecimento do EUe, mas, ao mesmo tempo, “indignado” com o fato de ainda haver

benefícios de forma generalizada para os réus.

Já o operador argumentativo “nem” e o princípio de quantidade “10%”

transmitem a ideia de que a pena a ser cumprida será muito menor do que o tempo

estabelecido em condenação. Essa informação leva o auditório a um estado de “revolta”

com o sistema penal brasileiro, que, de certa forma, fomenta a impunidade.

No segundo parágrafo, o cronista apresenta outro caso de conhecimento público,

porém com mais apelo emocional:

O caso mais recente é o do júri do Massacre do Carandiru: dos 26 policiais

julgados, 23 receberam sentenças de 156 anos de prisão pela morte de 13 dos

111 detentos daquela penitenciária de triste memória. (C4, 24/04/2013)

Primeiramente, afirma a proximidade do caso com o momento da escrita, mais

uma vez mostrando-se um cronista atualizado, o que gera no auditório um sentimento

de “confiança” em relação à imagem do autor. Em seguida, quantifica o número de

policiais julgados, sentenciados e o total das penas. Mostra, assim, que nem todos

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receberam sequer alguma sentença, e os que receberam foram condenados a um tempo

muito superior ao previsto para cumprimento no Código, reforçando no auditório o

sentimento de “indignação”. Além disso, quantifica o total de detentos e de vítimas,

trazendo ao auditório o sentimento de “piedade”, reforçado pela palavra de forte visada

patêmica “morte”. Por fim, utiliza o princípio de avaliação para qualificar a

penitenciária como um lugar de “triste memória”, buscando gerar no TUd um

sentimento de “tristeza” com o ocorrido.

Ao final do parágrafo, o cronista afirma que a sentença foi recebida com muita

positividade pela imprensa estrangeira, até mesmo pela Anistia Internacional. Atente-se

para o fato de o escritor especificar os “jornais estrangeiros” como aqueles que viram

com ânimo o resultado dos julgamentos. Fica implícito o fato de que, no Brasil, não foi

visto da mesma forma, o que gera nos leitores um sentimento de “curiosidade” sobre o

impacto do julgamento em terras verde-amarelas.

Então, no terceiro parágrafo, por meio do comportamento delocutivo, o EUe

passa a mostrar o impacto em solo nacional com uma análise crítica e lúcida do caso:

Claro que a condenação foi um dado positivo, inclusive porque contraria o

pensamento bárbaro de parte da população, para quem ‘bandido bom é

bandido morto’. Mas não se pode esquecer que depois de aguardarem o

julgamento em liberdade por 20 anos, esses 23 réus ainda vão permanecer

livres por muito tempo. Há quem acredite que nem presos eles serão, pois

haverá apelações e recursos a instâncias superiores. (C4, 24/04/2013)

Analisando o trecho acima, percebe-se o uso da expressão modalizadora “Claro

que” que confere um grau de obviedade ao que se poderia esperar das condenações. Não

só pelo crime em si, mas também pelo fato de, como afirma o autor, desdizer parte da

população que tem um discurso de ódio em relação aos criminosos em geral, inserido no

texto pelo operador argumentativo “inclusive”, que insere um argumento não esperado.

Além disso, o pensamento dessa parte da população é avaliado por ele como bárbaro,

isto é, rude, não civilizado. Isso tudo gera um sentimento de “esperança” e “alegria” no

TUd.

Na sequência, contudo, o EUe apresenta o operador argumentativo “mas” para

introduzir o que de fato quer apresentar aos leitores, isto é, o ponto controverso e mais

importante. Utiliza também verbos modais (“não se pode esquecer”) para reforçar a

necessidade de se estar atento ao caminhar do processo, pois, como afirma, os réus estão

livres há 20 anos e permanecerão assim por muito tempo. Os quantificadores “20 anos”

e “muitos” apresentam, respectivamente, o tempo exato que os réus estão em liberdade

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e o tempo indefinido que ainda continuarão livres. Esses índices de quantidade, ao

mesmo tempo, denunciam a morosidade do sistema penal, uma vez que se demora duas

décadas para concluir um caso, que, na verdade, ainda pode se arrastar por um tempo

indeterminado. Isso gera no auditório os sentimentos de “revolta” e “repulsa”.

Finalmente, o autor traz a ideia de que os criminosos podem até mesmo não ser presos

por meio dos operadores “nem”, que direciona a argumentação para a ideia de que

prender os réus seria o mínimo e “pois”, que dá as justificativas para a possível não

conclusão das detenções.

Ao final do terceiro parágrafo, o EUe apresenta a modalidade do discurso

relatado, dando voz a uma autoridade no assunto, que afirma que seriam necessários

mais “10 anos” “Só para chegar ao Supremo”. Afirma, ainda, por meio de um verbo

modal (“pode levar”), a possibilidade de o crime prescrever, isto é, ultrapassar o prazo

legal para ir a júri, gerando ainda mais “revolta” no auditório. Com essa alta visada

patêmica, ao final do texto, o autor apresenta seu ponto de vista, buscando, desse modo,

mobilizar o auditório para que este assinta a sua tese: “[...] a presunção da inocência

funciona em favor da impunidade até quando as provas já condenaram”.

Como a análise apresentou, o autor utiliza diversas estratégias de patemização

para orientar a sua argumentação e defender sua tese em uma crônica totalmente

argumentativa, isto é, que nem mesmo apresenta outros modos de organização do

discurso como suporte; porém com visada patêmica forte ao mostrar a impunidade

estabelecida na sociedade brasileira e fomentada pelo Código Penal.

5.1.5 “Sim à não violência”

Será analisada agora a crônica número cinco, intitulada “Sim à não violência”.

Nessa crônica, aborda-se a temática da violência nas manifestações ocorridas em 2013,

uma temática com visada patêmica, principalmente se se considerar o momento da

produção e da publicação do texto, no qual é defendida a seguinte tese, que aparece

somente ao final:

(...) acho que esses jovens de agora, pelo menos os que acreditam na

‘violência como expressão política’, deveriam se inspirar menos na força

bruta e mais na não violência ativa e eficaz (...). (C5, 17/08/2013)

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Como de costume, o autor defende a tese por meio de episódios que

exemplifiquem sua ideia principal, de modo a fazer com que o auditório seja levado a

analisar a realidade através do seu prisma.

O EUe inicia o texto utilizando o comportamento elocutivo, isto é, marcas de

primeira pessoa, posicionando-se de forma explícita em relação a um fato do mundo

(“Estou” e “’avisei’”) e criando uma aproximação, uma relação mais informal como

auditório, como se fosse uma conversa. Além disso, utiliza diversas estratégias para

marcar a visada patêmica logo no início do texto, como:

Estou igual àquele jornalista do interior que, quando Hitler invadiu a Polônia,

dando início à Segunda Guerra Mundial, escreveu: ‘Bem que eu avisei’. No

dia 29 de junho, quando ainda se comemorava o despertar do gigante, ‘avisei’

que em alguns setores da sociedade já se notavam sinais de preocupação e

medo. (C5, 17/08/2013)

Por meio do princípio de aproximação, que é uma das estratégias de

patemização, o cronista convida o auditório a uma volta no tempo, para a publicação de

outra crônica, escrita no momento em que as manifestações estavam em sua maior

ebulição. Em seguida, com o operador argumentativo “ainda”, estabelece a ideia de que

nesse tempo a euforia tomava conta de parte da população, que tinha a esperança de que

algo mudaria no país. 5). Logo depois, contudo, utilizando a modalidade da declaração

do modo elocutivo, subtipo da revelação, o locutor apresenta um saber que outros

mantinham em oculto de forma voluntária (Charaudeau, 2009, p. 98).

Assim, o EUe enunciador coloca-se como denunciador de um de um saber

(“’avisei’ que”). Nesse caso seria o fato de que, apesar do grande destaque dado às

manifestações, uma pequena parte da sociedade não achava positivo o seu desenrolar,

como reforçam o quantificador “alguns” e o operador argumentativo “já”. Por fim,

utilizando a estratégia de patemização vocábulos que descrevem explicitamente

emoções, o cronista revela o que incomodava “alguns setores da sociedade”:

“preocupação e medo” a respeito das consequências das atitudes violentas nas

manifestações. Dessa forma, busca gerar, no início do texto, os sentimentos de “dúvida”

e “desconfiança” sobre esse tema.

Ainda no primeiro parágrafo, o autor apresenta um fato para justificar sua

revelação anteriormente feita sobre a preocupação de determinados grupos sociais,

utilizando agora o comportamento delocutivo, modalidade da asserção:

É que logo depois de quatro dias de tumulto no Centro do Rio, shoppings,

lojas de rua, hotéis, além de clínicas médicas e odontológicas, reclamavam da

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queda de 50% no faturamento e dos estragos materiais sofridos. (C5,

17/08/2013)

Para trazer ao auditório a mesma sensação de preocupação e medo sentida por

“alguns setores da sociedade”, EUe faz uso de algumas estratégias patemizantes, tais

como o princípio da quantidade – “(...) quatro dias de tumulto (...)”. Trata-se de dias em

que ocorreram movimentos no Centro do Rio, que ele nomeia como “tumulto”,

utilizando-se da estratégia palavras que desencadeiam emoção, gerando “medo” e

“receio”. Apresenta ainda um quantificador em percentual – “(...) queda de 50% (...)” –

para enfatizar os prejuízos desses setores e a palavra “estragos” – “(...) estragos

materiais sofridos” –, com forte carga patemizante no contexto, pois leva ao auditório a

ideia de que houve algum grau de vandalismo durante os movimentos. Dessa forma,

incita no auditório as sensações de “preocupação”, “lamento” e “medo”.

Na continuidade do primeiro parágrafo, EUe volta ao modo elocutivo para

explicar aos leitores qual seria o conteúdo de seu aviso, declarado no início do

parágrafo. Para isso, cita trechos da crônica publicada em 29 de junho, em que falava

sobre sua preocupação de haver um “risco de desvirtuamento das manifestações” por

conta de atos violentos causados pela “infiltração de vândalos, arruaceiros e demais

bandidos encapuzados”. Ressalte-se o forte aspecto patêmico das palavras em destaque,

buscando gerar “repulsa” em relação a esses agentes do caos.

Em seguida, resume o desenrolar rotineiro das manifestações:

Estava virando rotina: as passeatas começavam pacíficas, ordeiras, iam

engrossando e acabavam em arrastões, com coquetéis molotov, quebra-

quebra, invasões de edifícios públicos, saques. (C5, 17/08/2013)

Nessa rápida descrição sobre as manifestações, o EUe apresenta diversas

palavras com alta carga patemizante – os termos em destaque no trecho –, que buscam

levar o auditório aos sentimentos de “medo” e “repulsa” frente às ações descritas.

Após isso, o autor apresenta uma justificativa para a ocorrência dos atos

violentos, com a qual ele se mostra concordante por meio da expressão modalizadora

“com razão”. Tal justificativa seria a “costumeira truculência” da polícia, que iniciava

as confusões, e a possível infiltração de policiais nas manifestações para incentivar a

“desordem”. Perceba-se que o cronista utiliza uma expressão com duas palavras que

desencadeiam emoção negativa em relação aos agentes de segurança, expressando os

sentimentos de “indignação” e “medo”.

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Alegava-se com razão que a polícia tinha começado tudo, com sua

costumeira truculência, e que a PM do Rio e de SP infiltrara agentes nos

protestos para incitar a desordem. (C5, 17/08/2013)

O segundo parágrafo é iniciado por uma conjunção adversativa, a fim de criar

um contraponto ao que foi dito anteriormente: “Mas o fato é que a violência foi

contaminando o movimento e, de lá para cá, o quadro só se agravou, com o

esvaziamento da participação”.

Assim, apresenta-se ao leitor a ideia de que, independente do motivo, as

consequências foram ruins para as manifestações. Além da palavra “violência”, que

detém uma carga patemizante negativa, o autor utilizou também as palavras

“contaminando” e “agravou” para mostrar ao auditório que houve mudanças no aspecto

moral e ético das manifestações em uma escala crescente, o que gerou seu

esvaziamento. EUe utiliza ainda a expressão “de lá para cá” a fim de apresentar a

trajetória negativa das manifestações – o “lá” sendo possivelmente as manifestações

próximas a 29 de junho, e o “cá” o momento contemporâneo ao texto –, reforçada pelo

advérbio “só”, que descarta a possibilidade de que tenham acontecido momentos

positivos durante esse período, criando uma sensação de “frustração” e “tristeza” no

auditório13

.

Em seguida, o cronista apresenta um episódio, para comprovar a asserção

anterior, em que faz uso de diversas estratégias de patemização para persuadir o

auditório:

Um retrato disso é o que aconteceu na Cinelândia, no Rio, onde há pouco

mais de um mês se concentraram 200 mil manifestantes e, anteontem, não

mais de 200, que paralisaram a cidade por sete horas, sobrepondo-se ao

direito de ir e vir, tão legítimo quanto o de se reunir. Mais grave ainda foi a

tentativa de invasão do Hospital Sírio-Libanês em SP por 50 enfurecidos

gatos pingados para reivindicar melhores condições de atendimento à

população, como se esse tipo de ação tivesse alguma eficácia. No episódio, a

falta de limites atingiu o auge da insensatez. (C5, 17/08/2013)

Analisando-se o excerto, percebe-se que o autor utilizou o princípio de

proximidade e o princípio de quantidade para comprovar o esvaziamento das

manifestações: “há pouco mais de um mês” está para “200 mil”, e “anteontem” está

para “200”, modalizado como quantitativo máximo pela expressão “não mais de”,

13

– Esta pesquisa trabalha com categorias de efeito. Assim, estas são as emoções visadas, de acordo

com as pistas presentes no texto, considerando-se que o TUd seja a favor das manifestações; caso

contrário, a sensação gerada poderia ser de “satisfação” e “alegria”, porém contrárias ao projeto

argumentativo do cronista, fugindo, portanto, aos interesses desta tese.

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levando o auditório a um sentimento de “repulsa” em relação aos atos de violência que

ocasionaram esse cenário. O cronista ainda apela para a identificação do auditório com

as inconsequências dos atos deste grupo, quantificando o tempo que eles

impossibilitaram a movimentação na cidade – “(...) por sete horas (...)”. Cita por fim,

como “Mais grave ainda” – estratégia do princípio de avaliação – a ação em um hospital

em São Paulo, quantificando os agentes da ação – “(...) 50 enfurecidos gatos pingados

(...)” – e qualificando-os como “enfurecidos” e “insensatos”, utilizando assim termos

avaliativos que desencadeiam emoções.

No terceiro parágrafo, o autor começa a direcionar o texto para seu desfecho e

faz menção a uma situação vivida por ele, a qual tem um caráter fortemente patemizante

para os brasileiros: Ditadura Militar. Reforça, desse modo, seu ponto de vista sobre a

violência, utilizando para isso vocábulos que provocam emoção como “prisão”, “exílio”

e “tortura” para apresentar ao auditório o desfecho do uso da violência naquele período,

fazendo com que este fique emocionado ao relembrar esse episódio e projete no

momento atual vivido essas possibilidades.

Na sequência, por meio do modo elocutivo, modalidade da opinião, EUe

apresenta sua tese na qual defende o não uso da violência em movimentos populares,

citando, como um argumento final para sustentá-la, três ícones mundiais (Gandhi,

Martin Luther King e Mandela) e suas grandiosas conquistas sem uso da violência, o

que não significa afirmar que tais ícones são “inofensivos pacifistas”, como afirma o

cronista.

Como a análise demonstrou, nesse texto, o autor apresenta um projeto

argumentativo que se utiliza de estratégias voltadas para a razão, trazendo ao auditório

episódios e exemplos para sustentar sua tese, mas também variadas estratégias voltadas

para a emoção, direcionando os sentimentos do leitor para que este criasse para si o

conceito de que a violência não é uma estratégia positiva nos movimentos populares.

O autor oscila entre os comportamentos delocutivo e elocutivo, fazendo uso

deste último sempre que quer se implicar claramente no texto, ao fazer uma revelação e

dar sua opinião, por exemplo.

5.1.6 “Crônica de um acidente”

A partir de agora, será feita a análise da sexta crônica que compõe o corpus

desta tese – “Crônica de um acidente”. Nesse texto, o cronista trabalha, novamente, a

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temática da impunidade gerada pelo sistema penal brasileiro e traz a tese de forma

implícita por meio de uma ironia no seguinte trecho “Se não é uma situação

excepcionalíssima, não sei mais o que é normalidade”.

Pela leitura global do texto, pode-se depreender que o autor é contrário às

decisões tomadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o caso de atropelamento

que é citado no texto, principalmente no tocante a ter sido considerado um acidente que

não teve nenhuma excepcionalidade, mesmo diante do grau de gravidade e da postura

do atropelador em relação à vítima. Assim, defende que a punição para o atropelador

deveria ser mais contundente.

Como se pode perceber, é um texto com visada patêmica forte, pois trata de um

caso que ganhou notoriedade por conta das circunstâncias em que ocorreu e das

consequências geradas pelo acidente. Assim, a fim de reforçar a visada emocional, o

autor descreve como foi o acidente e informa o auditório sobre o andamento do

processo, para convencê-lo de quão absurda foi a decisão do Tribunal de Justiça de São

Paulo.

O autor inicia o texto utilizando o comportamento alocutivo (apresenta marcas

de segunda pessoa), ou seja, ele age sobre os leitores, impondo um determinado

comportamento. Nesse caso, por meio da modalidade da interpelação, coloca-os como

alvo do apelo que é feito e espera que eles se reconheçam como tal: “Vocês devem estar

lembrados dessa história escabrosa ocorrida na capital paulista”. Além de trazer o leitor

para o texto logo no início, já cria um suspense sobre o que vai ser contado, gerando um

sentimento prévio de “horror” por meio da estratégia princípio de avaliação, isto é, pela

forma como qualifica a história: “escabrosa”.

Na sequência, visando a esclarecer que episódio seria esse, o autor o narra com

certo sarcasmo e ironia. Com isso, faz surgir os sentimentos de “repulsa” e “revolta”; e,

por meio de variadas estratégias dirigidas ao campo emotivo do auditório, o sentimento

de “horror” é reforçado:

O estudante Alex Siwek, de 21 anos, atropelou o ciclista David Santos Souza,

da mesma idade, a caminho do trabalho, de madrugada, e fugiu sem socorrer

a vítima, largada no chão sem um braço, que, decepado, ficou preso no carro.

Mais adiante, o universitário livrou-se daquele incômodo pedaço de carne,

atirando-o num riacho. Estudante de psicologia, devia saber da possibilidade

de reimplantá-lo, mas preferiu jogá-lo fora como imprestável. (C6,

24/08/2015)

Como demonstram as marcações feitas no trecho, o texto apresenta muitos

meios linguístico-discursivos de suscitar emoções no auditório. Primeiro, aproxima os

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leitores dos envolvidos na tragédia, dando nome e sobrenome a eles, que ganham

contornos de realidade, além de suas “funções” sociais no momento do acidente

“estudante” / “universitário” e “ciclista”.

Em seguida, apresenta palavras, expressões e enunciados que desencadeiam

carga patemizante, como as palavras “atropelou”, “vítima”; as expressões “a caminho

do trabalho”, “sem um braço” e “incômodo pedaço de carne”; e os enunciados “fugiu

sem socorrer” e “preferiu jogá-lo fora”. Assim, cria um cenário de horror e falta de

humanidade. Cabe destacar o grau emocional reforçado na expressão “incômodo pedaço

de carne”, em virtude tom irônico empregado pelo EUe. Se se tomar, como afirma Grice

(1982), o conceito de ironia como uma maneira de expressão e em que se afirma o

contrário do que se quer significar, pode-se perceber que essa expressão busca gerar no

auditório os sentimentos de “repulsa” e “revolta”.

No trecho aparecem ainda a modalização verbal “devia saber”, inserindo a

modalidade do provável, para colocar em pauta o conhecimento de mundo que o

“estudante de psicologia”, por conta de sua área de estudos, deveria ter sobre reimplante

de membros; e a expressão modalizadora “mas”, operador que opõe argumentos que

apontam para conclusões contrárias. Assim, o autor introduz a contraditória decisão

tomada pelo atropelador sobre este fato, considerando o membro decepado

“imprestável” – palavra que ganha tom emocional forte, pois refere-se a uma parte do

corpo de uma pessoa tratada com desprezo por outra.

Ainda no primeiro parágrafo, o EUe passa ao comportamento elocutivo,

modalidade da constatação, limitando-se a reconhecer um fato e fazendo uma

observação da forma mais objetiva possível: “Leio agora que o Tribunal de Justiça de

São Paulo decidiu por unanimidade que Siwek não vai a júri popular, como queria a

promotoria [...]”. Porém, observe-se o termo “agora” funcionando como um

modalizador que apresenta o ponto de vista de indignação do EUe. Em seguida, faz

uma citação direta do discurso feito pela promotoria em que apresenta as justificativas

para que houvesse ida a júri popular, tais como as circunstâncias em que se encontrava o

motorista e sua atitude frente ao ocorrido. Sobre isso, uma passagem é importante ser

destacada:

Conforme ainda a acusação, além de assumir o risco de provocar uma morte,

o atropelador demonstrou ‘total ausência de compaixão e piedade. Se dele

dependesse a vida da vítima, ela certamente estaria morta’. (C6, 24/08/2013)

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Esse trecho, que apresenta o discurso da promotoria, contém palavras que

expressam explicitamente sentimentos (“compaixão”, “piedade”) e palavras com carga

patêmica, (“morte”, “atropelador”, “vítima”, “morta”) além de expressões

modalizadoras (“conforme”, “além de”, “certamente”). O EUe, através desses

elementos, busca levar o auditório a um sentimento de grande “indignação” e “revolta”

em relação à decisão do Tribunal de Justiça e de “repulsa” e “aversão” em relação ao

causador do acidente.

O segundo parágrafo é iniciado pelo operador argumentativo “Mesmo assim”,

(“Mesmo assim, o TJ desqualificou a acusação de tentativa de homicidio com dolo

eventual, (...)”,) indicando que o que será apresentado em seguida é um contraponto ao

que foi dito anteriormente; nesse caso, o fato de o Tribunal de Justiça não ter

considerado o pedido da promotoria.

Em seguida, EUe faz uma asserção sobre a situação do acusado, em que insere o

operador argumentativo “apenas”, seguido do quantificador “dez dias”, denotando que

considera que o tempo que o acusado ficou preso foi muito pouco – “Siwek, que

permaneceu preso por apenas dez dias, responderá em vara comum por lesão corporal,

(...)”.

Na continuidade do parágrafo, o cronista, por meio de uma estrutura

comparativa, apresenta seu ponto de vista sobre o acidente abordado no texto e a

decisão de não se considerar o dolo eventual14

neste caso:

Tão insólita quanto o horroroso episódio, foi a justificativa dada por um dos

desembargadores, alegando que em acidentes de trânsito dolo só é aceito em

“situações excepcionalíssimas”. (C6, 24/08/2013)

Por meio da estrutura comparativa destacada acima – “Tão insólita quanto” –, o

autor coloca no mesmo patamar o acidente e a declaração de um dos desembargadores,

afirmando serem ambos os fatos fora da normalidade, o que vai de encontro à própria

afirmação do desembargador. Além disso, reforça o caráter trágico do acidente, por

meio da avaliação feita com o adjetivo “horroroso”, o que dá destaque ainda mais

negativo à alegação do desembargador, que acaba por ganhar a mesma qualificação.

Com isso, reforça os sentimentos de “revolta” e “indignação” no auditório.

14

– Na linguagem jurídica, a palavra “dolo” significa “Intenção ou vontade consciente de cometer ato

ilícito ou de violar a lei”. Assim, “dolo eventual” é um tipo de crime que ocorre quando o agente, mesmo

sem querer efetivamente o resultado, assume o risco de o produzir.

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O EUe inicia o terceiro parágrafo com uma expressão modal parafrástica

(“Quer dizer”), que sinaliza o início de um raciocínio que será feito por ele na

sequência. Na reflexão feita, o cronista descreve novamente o episódio, de forma mais

sucinta, utilizando para isso palavras e enunciados com carga patêmica

(“irresponsável”, “atropela”, “arranca-lhe o braço”).

Ao final, conclui o raciocínio utilizando um operador de causalidade – a

conjunção condicional “se” – e o comportamento elocutivo, modalidade da ignorância

(“não sei”), atestando seu desconhecimento sobre o que seria considerado normalidade

ou não:

Quer dizer: um irresponsável atropela um ciclista na ciclovia, arranca-lhe um

braço, foge, joga o braço fora e, pelo visto, não há nada de excepcional nisso.

Se não é uma situação excepcionalíssima, não sei mais o que é normalidade.

(C6, 24/08/2013)

Obviamente, a conclusão tem um tom irônico, uma vez que o cronista sabe,

verdadeiramente, o conceito de normalidade, mas quer ridicularizar o desembargador, a

fim de gerar “indignação”, “revolta”, “repulsa” e “aversão” por parte do auditório sobre

o caso em análise no texto e todas as decisões que foram tomadas em torno dele.

Ao final do texto, o locutor apresenta, por meio do discurso relatado, o

posicionamento do representante legal da família da vítima, colocando em citação

direta, a fala do advogado em uma coletiva de imprensa, durante a qual ele levanta a

hipótese de a questão de falta de compaixão e da impunidade estar ligada ao poder

aquisitivo do atropelador, pois afirma que ele “Acha que, por ser filho de rico, pode

fazer o que bem entende”. Isto é, cria o perfil de um rapaz que, por ter condições

financeiras favoráveis, não tem limites em suas atitudes. Além disso, em virtude dessa

mesma condição financeira, não é punido pelos delitos que comete.

O cronista termina o texto afirmando que o advogado vai recorrer da “discutível

decisão”, trazendo à tona o sentimento de “injustiça”, por meio do princípio de

avaliação presente na palavra “discutível”.

O advogado Ademar Gomes, representante da família de David, em

entrevista coletiva acusou o estudante de ser viciado em drogas (...). Ele vai

recorrer da discutível decisão. (C6, 24/08/2013)

Após esta análise, é possível afirmar que o autor faz uso de diversas estratégias

de patemização, visando a direcionar o auditório para a mesma conclusão que a sua, de

que, para esse caso, a justiça ainda não foi feita.

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Também pode-se afirmar que ele utiliza todos os comportamentos do modo de

organização do discurso enunciativo, em várias modalidades, ora implicando o

interlocutor (alocutivo – “Vocês devem estar lembrados (...)”), ora a si mesmo

(elocutivo – “Leio agora que o Tribunal (...)”) e ora apagando a si e ao interlocutor ao

mesmo tempo (delocutivo – “O advogado Ademar Gomes, representante (...)”).

Além disso, percebeu-se que o cronista faz uso do modo narrativo de

organização do discurso para dar suporte à argumentação, apresentando uma

mininarrativa sobre o caso que está abordando no texto: “Quer dizer: um irresponsável

atropela um ciclista na ciclovia, arranca-lhe um braço, foge, joga o braço fora e, pelo

visto, não há nada de excepcional nisso”.

Em suma, após análise qualitativa do corpus, foi possível detectar e analisar os

diversos índices de patemização dos quais se utiliza o cronista para montar seu projeto

argumentativo. Ficou evidente que ele movimenta o auditório não só pela razão, mas,

principalmente, pela emoção. Assim, consegue a adesão do mesmo para a tese

defendida no texto.

No próximo item, será apresentada a análise quantitativa dos índices, com o

intuito de fazer generalizações acerca das estratégias linguístico-discursivas mais

utilizadas pelo cronista e apresentar a análise de maneira mais objetiva, confirmando

algumas hipóteses traçadas nesta tese.

5.2 Análise quantitativa

Conforme foi dito acima, nesta seção, serão apresentados os resultados

referentes ao levantamento do comportamento discursivo empregado, bem como dos

índices de patemização encontrados nas crônicas que compõem o corpus desta pesquisa.

Assim, mostrar-se-ão gráficos relativos não só ao total dos dados, mas também a cada

estratégia, a fim de se confirmar ou refutar as hipóteses apresentadas neste trabalho.

Os questionamentos que regem esta pesquisa são os seguintes: seria possível

argumentar pela emoção? Usar estratégias linguístico-discursivas capazes de persuadir o

auditório, fazendo-o a aceitar a tese apresentada no texto? A partir do que se obteve

como resposta para estas perguntas – sim, é possível –, elaboraram-se as hipóteses que

justificam a investigação empreendida neste trabalho.

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Conforme apresentado no capítulo de introdução desta pesquisa, a primeira

hipótese aqui investigada está relacionada ao gênero textual em estudo: a crônica.

Acredita-se que, por ser um gênero híbrido (jornalístico e literário), ela seria marcada

subjetivamente, como apontam suas próprias características, segundo às quais a crônica

(...) é feita com uma finalidade utilitária e predeterminada: agradar aos

leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização,

criando-se, assim, no transcurso dos dias ou das semanas uma familiaridade

entre os escritos e aqueles que o leem. (...) O estilo deve dar a impressão de

naturalidade, e a língua escrita aproximar-se da fala. (...) É a pausa de

subjetividade ao lado da objetividade da informação do restante do jornal.

(...) A crônica nos obriga à síntese, à capacidade de condensar emoções em

parágrafos-barragem. (COSTA, 2009, p. 92-93)

Constatou-se presença de subjetividade em todos os temas abordados por Zuenir

Ventura. Alguns são mais propícios à explicitação do ponto de vista do enunciador do

que outros, porém todos apresentam algum grau de subjetividade.

Cabe destacar que, neste trabalho, a subjetividade está sendo analisada por meio

de diversas estratégias linguístico-discursivas, dentre as quais figura o princípio da

avaliação, talvez a estratégia que indica de forma mais patente essa característica dos

textos. Ungerer (1995, apud Plantin, 2010) aponta alguns princípios da inferência

emocional, dentre os quais está o princípio da avaliação.

Segundo o autor, tal princípio proporciona avaliações baseadas em normas

culturais. Sendo assim, advérbios, itens lexicais que apresentem conotações positivas ou

negativas, por exemplo, podem ser analisados de acordo com esse princípio, pois

permitem ao leitor ter contato com a avaliação feita pelo enunciador.

O gráfico a seguir, relativo ao princípio da avaliação, confirma que, em todos os

temas, há elementos que atestam a presença de subjetividade.

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Gráfico 1 – Percentual por tema.

A figura demonstra que o princípio da avaliação é uma estratégia muito

produtiva nos textos relacionados a comportamento com uma frequência de 24,2% (119

oc.). Esse fato é coerente, uma vez que nessa temática o sujeito enunciador colocava seu

ponto de vista acerca dos costumes, hábitos e comportamentos dos cidadãos frente a

diversas questões sociais, como no trecho da crônica intitulada “O direito das

minorias”: “Mas, de qualquer maneira, a culpa pela duplicidade de eventos conflitantes

no mesmo lugar não é dos evangélicos,...” (29/05/2013).

Nessa crônica, o autor discute a realização de dois eventos com interesses

diferentes que ocorriam no mesmo lugar. O cronista tenta defender que, por conta da

grande quantidade de pessoas presentes em um deles, o outro acabou sendo prejudicado.

Percebe-se, nesse contexto, o caráter subjetivo e avaliativo no termo “conflitantes”,

apresentando a opinião do enunciador sobre os eventos que ocorriam ao mesmo tempo

de forma inadequada. Assim, pode-se afirmar que há marca de subjetividade no texto.

Em segunda coloção, aparece a temática política, com uma frequência de 16,8%

(84 oc.); seguida das temáticas manifestações, com 11% (55 oc.); e violência, com

10,8% (54 oc.); praticamente empatadas. Assim como para a temática anterior, seria

esperado um índice alto de subjetividade nesses casos, pois os assuntos abordados

abrem margem para que o enunciador se coloque no texto, apresentando sua opinião

acerca dos fatos apresentados, sendo, por isso, temáticas polêmicas por natureza.

Outras temáticas, porém, não apresentaram tanto apelo à subjetividade, como

mobilidade urbana (0,4%; 2 oc.) e tecnologia (0,8%; 4 oc.), por exemplo,

apresentando uma discussão mais distanciada. O trecho abaixo da crônica “Um vício

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novo”, em que o autor discute o uso excessivo dos aparelhos de telefone celular,

apresenta um índice de avaliação, porém com caráter um pouco mais objetivo:

Só quando viajo minha mulher bota um no meu bolso para não me perder,

como já aconteceu no aeroporto de uma cidade estranha onde fiquei à espera

de alguém... (12/06/2013)

A segunda hipótese aventada nesta tese foi tocante ao modo de organização

enunciativo. Afirmou-se, aqui, em concordância com Charaudeau (2010), que o efeito

patêmico se apresentaria tanto por meio de uma enunciação da expressão patêmica

(enunciação alocutiva e elocutiva) quanto por meio de uma enunciação da descrição

patêmica (enunciação delocutiva), havendo, porém, um predomínio da mistura do

comportamento delocutivo com o elocutivo.

Gráfico 2 – Percentual geral.

O gráfico acima confirma que o autor utiliza todos os três comportamentos,

inclusive juntos – delocutivo, elocutivo e alocutivo (9,10%, 7 oc.) –, apresentando,

porém, uma preferência substancial pelo conjunto elocutivo/delocutivo (63,6%, 49 oc.),

seguido do comportamento delocutivo puro (23,4%, 18 oc.).

A hipótese de que o efeito patêmico se apresentaria predominantemente pela

enunciação da descrição patêmica (comportamento delocutivo) misturada à enunciação

da expressão patêmica (comportamento elocutivo) foi levantada pelo fato de se

constatar que Zuenir Ventura, apesar de ser um cronista que apresente um texto

informal, mantém uma postura informativa própria dos textos jornalísticos. Dessa

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forma, seria natural que predominasse o comportamento delocutivo/elocutivo, dado que,

em alguns momentos, o sujeito da enunciação se apaga, no sentido de não usar

explicitamente as marcas de 1ª ou 2ª pessoas do discurso, mas, em outros, se mostra por

meio de marcas de 1ª pessoa, apresentando suas opiniões e experiências. Veja-se este

exemplo:

“Estou igual àquele jornalista do interior que, quando Hitler invadiu a

Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial, escreveu “Bem que eu

avisei”. [...] É que logo depois de quatro dias de tumulto no Centro do Rio,

shoppings, lojas de rua, hotéis, além de clínicas médicas e odontológicas,

reclamavam de queda de 50% no faturamento e nos estragos materiais

sofridos.” (“Sim à não violência”, 17/08/2013)

O trecho acima é composto pelos comportamentos elocutivo e delocutivo que,

juntos, indicam a composição textual planejada pelo enunciador. Quando quer

apresentar um ponto de vista pessoal de forma explícita, se posicionar, ou se referir a

fatos de sua vida, o autor utiliza marcas de 1ª pessoa (“Estou”). Quando quer, porém,

apresentar uma informação de forma que os dados falem por si (“É que logo depois”),

ou quer apresentar um discurso relatado (“reclamavam”), apaga a si e ao destinatário,

não expondo, no texto, qualquer marca que indique essas pessoas do discurso.

Cabe destacar que, apesar de a crônica ser um gênero em que uma das

características é a interlocução com o leitor, esse aspecto não é frequente nos textos de

Zuenir. Poucas foram as vezes em que ele utilizou marcas de 2ª pessoa, como nesse

trecho de “Crônica de um acidente”, publicada em 24/08/2013: “Vocês devem estar

lembrados dessa história escabrosa ocorrida na capital paulista”.

Além disso, o modo alocutivo não figurou sozinho em nenhuma crônica, sempre

apareceu atrelado aos outros modos enunciativos. Ainda assim, seu percentual de uso

foi baixo – com o modo delocutivo (3,9%, 3 oc.); e com os modos delocutivo e

elocutivo (9,1%, 7 oc.),

A terceira hipótese indicada nesse estudo é que Zuenir Ventura usaria diversas

estratégias de patemização para persuadir o auditório. Isto é, estratégias linguístico-

discursivas que têm como finalidade desencadear estados emocionais no auditório para

que este assinta a tese defendida pelo cronista.

Mesmo que apresentasse preferência por um ou outro tipo de estratégia, no

geral, os textos revelariam um uso variado de índices de patemização por parte do

enunciador, evidenciando sua versatilidade no ato de persuadir. Essa hipótese também

foi confirmada no levantamento dos dados, como comprova o gráfico abaixo:

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Gráfico 3 – Percentual geral.

Como se pode observar no gráfico acima, das 13 estratégias de patemização

apresentadas nesta tese como possíveis desencadeadoras de estados emocionais, apenas

três apresentam 0% de uso: termos de emoção descritiva, verbos que selecionam uma

emoção e termos de cores.

Sendo assim, não foram detectados dados em que houvesse estruturas com a

descrição de sentimentos, como em “Um sentimento de raiva”; que seria um exemplo de

emoção descritiva. Também não foram encontradas formações com verbos que exigem,

pelo seu conteúdo semântico, um termo de emoção, ainda que implícito, como mostra o

exemplo retirado de Plantin (2010, p. 63): “Pedro se consumia”, que seria um caso de

verbos que selecionam uma emoção. Tampouco foram levantados dados em que um

termo de cor se fizesse presente, como o exemplo a seguir, também retirado de Plantin

(ibidem): “Pedro estava verde”.

Outras três estratégias apresentaram percentuais considerados baixos por

indicarem menos de 1% de uso: palavras que designam calamidade (0,3%, 17 oc.),

topoi (0,03%, 2 oc.) e menção a situações vividas (0,7%, 39 oc.). Ainda assim, restam

sete estratégias que têm algum percentual de uso considerável (acima de 1%). Isso

comprova a versatilidade do autor ao usar estratégias com a finalidade de persuadir o

público leitor. Cada uma dessas estratégias será mais bem trabalhada mais adiante,

quando se discutir o uso das estratégias por tema.

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Também com base nesse gráfico, é possível comprovar a quarta e última

hipótese desta tese, segundo a qual as crônicas teriam, dentre todas as estratégias

utilizadas, as expressões modalizadoras como a mais produtiva (40,6%, 2256 oc.).

Como os dados indicam, essa estratégia apresentou um número alto de

ocorrências, tornando-se a mais utilizada pelo cronista. Cabe destacar, no entanto, que

ela concentra um número grande de componentes linguístico-discursivos que foram

colocados sob o mesmo rótulo por compartilharem a característica de serem capazes de

modalizar o discurso. Assim, agruparam-se nesse item as orações modalizadoras, os

advérbios modais, os operadores argumentativos e os verbos modais. Era de se esperar,

portanto, que o número de ocorrências nessa estratégia fosse superior a todas as outras.

Cada um desses itens será mais aprofundado quando se apresentarem os gráficos das

estratégias separados por tema.

Conforme foi dito acima, pelo seu caráter plural, a estratégia expressões

modalizadoras acaba por registrar um número elevado de ocorrências e se coloca como

a mais utilizada pelo cronista. Todavia, os dados constantes no gráfico 3 apontam uma

outra estratégia que também apresenta um número alto de ocorrências: palavras ou

expressões que desencadeiam emoções (28,2%, 1536 oc.).

Conforme foi apresentado na fundamentação teórica, Plantin (2011) defende que

a emoção pode ser analisada por três vias diferentes: a manifestação da emoção, a

declaração da emoção e a situação emocionante.

A estratégia palavras ou expressões que desencadeiam emoções faz parte desta

última via apresentada por Plantin. Isto é, são palavras ou expressões que não

descrevem explicitamente emoções, mas que as constroem por meio de itens lexicais

que estruturam uma visada patêmica no texto. Observe o exemplo abaixo:

Pelo menos uma lição de 68 não foi aprendida e assim não se evitou o

incidente mais lamentável das manifestações do Rio: coquetéis molotov

atirados contra a Alerj e carros incendiados na marcha dos 100 mil

anteontem. (“Lembrando 68”, 19/06/2013)

As palavras e expressões grifadas no trecho acima geram um clima de tensão,

desencadeando os sentimentos de “tristeza” e “medo” nos leitores. Mesmo sem, em

momento algum, nomear tais sentimentos, os constroem ao descrever e recriar uma

situação que propicia essas sensações.

Assim, percebe-se a importância dessa estratégia que é responsável por ajudar a

configurar e reforçar a mise-en-scène patêmica do texto. Isso justifica, portanto, a sua

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grande utilização nos textos aqui em análise, fato que também era esperado nos

resultados desta tese.

Após análise mais geral, feita com o objetivo de confirmar as hipóteses

levantadas, será realizada uma análise de cada estratégia de patemização que teve um

percentual de uso considerado produtivo, isto é, mais de 1% de uso (exceto princípio da

avaliação que foi a primeira a ser detalhada nesse capítulo), buscando-se detectar sua

utilização em cada tema e clarificar seus conceitos por meio de exemplos retirados do

corpus.

A primeira a ser analisada será a estratégia palavras que descrevem emoção, que

leva em consideração a utilização, nos textos, de palavras do campo semântico das

emoções, tais como “indignação”, “fúria”; bem como seus correlatos derivados, como

“indignados”, “enfurecidos”. Essa estratégia teve um total de 79 ocorrências no corpus,

gerando um percentual de 1,4%. Veja-se agora como ficou sua distribuição por tema.

Gráfico 4 – Percentual por tema.

Como o gráfico acima apresenta, a estratégia palavras que descrevem emoções

teve maior uso no tema comportamento, com 30,4% (24 oc.); seguido dos temas

violência (16,5%, 13 oc.) e manifestações (15,2%, 12 oc.).

O tema comportamento é o que agrupa o maior quantitativo de textos, 19 no

total. Sendo assim, espera-se que as estratégias registrem maior quantitativo de

ocorrências nesse tema, no entanto, a temática em si já contribui para esse percentual

elevado, visto que possibilita uma visada patêmica ao discutir hábitos e culturas,

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conforme o exemplo a seguir, retirado da crônica “Na era da complicação”, de

31/08/2013.

Preocupado com a saúde debilitada do asilado, Saboia colocou-o um dia num

carro, viajou 1600 quilômetros acompanhado de dois fuzileiros brasileiros, e

depositou-o em Corumbá, enfurecendo o governo boliviano.

No texto, do qual esse trecho faz parte, o cronista discute o relativismo das

situações atuais. Ele defende a tese de que diferentes pontos de vista podem existir

numa mesma situação, de que tudo é relativo e, por isso mesmo, é difícil saber que

atitudes tomar em cada caso e as consequências que elas podem gerar.

No trecho colocado para análise, o cronista utiliza dois termos de emoção

(“Preocupado” e “enfurecendo”) para apresentar explicitamente dois estados emocionais

divergentes em relação a uma mesma situação. Enquanto Saboia se sentia preocupado

com o estado de saúde de Roger Pinto, o governo boliviano ficou em estado de fúria por

conta da atitude de Saboia, sem levar em consideração a motivação: a saúde do senador.

Percebe-se, portanto, o uso da estratégia diretamente ligada à defesa da tese presente no

texto, gerando no auditório os sentimentos de “compaixão” e “indignação” ao mesmo

tempo.

Veja-se, agora, um exemplo retirado da temática manifestações que, assim como

a temática anterior, tem abertura para uma visada patêmica, sendo até mais forte:

Mais grave ainda foi a invasão do Hospital Sírio-Libanês em SP por 50

enfurecidos gatos pingados para reivindicar melhores condições de

atendimento à população [...]. (“Sim à não violência”, 17/08/2013)

O texto do qual esse excerto foi retirado trata dos atos violentos que estavam

ocorrendo durante as manifestações realizadas no ano de 2013. Nesse texto, o autor

defende a tese de que não vale a pena usar da violência na luta por direitos, e busca criar

uma imagem negativa dos grupos responsáveis por esses atos durante as manifestações.

Assim, a palavra em destaque (“enfurecidos”) qualifica negativamente o estado

emocional dos envolvidos, o que eles estavam sentindo no momento do ato, nesse caso,

“fúria”. Assim, o autor gera no auditório os sentimentos de “medo” e “repulsa”.

Além dos temas mais produtivos quanto à estratégia palavras que descrevem

emoções, é possível depreender também do gráfico os temas que não tiveram nenhuma

ocorrência, são eles: mobilidade urbana, censura, tecnologia, obras públicas, mídia e

carnaval. Tais temáticas, além de apresentarem um quantitativo baixo de textos – entre

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1 e 2 textos – também não apresentam, à primeira vista, uma visada patêmica forte.

Talvez isso possa ter inibido a presença de termos de emoção.

A estratégia analisada acima faz parte do grupo que Plantin (2010) intitula como

designação direta das emoções, juntamente à estratégia termos de emoção descritiva,

que, como já foi apresentado aqui, não registrou ocorrência nesse corpus.

A partir de agora, serão analisadas as estratégias agrupadas pelo autor como

designação indireta das emoções, ou seja, estratégias que não fazem referência direta às

emoções (não as nomeiam), mas que as constroem ao longo do texto.

Começar-se-á pela estratégia palavras ou expressões que desencadeiam

emoções. Essa estratégia refere-se a vocábulos ou expressões que, de acordo com seu

valor cultural e com o contexto da comunicação, podem desencadear estados

emocionais no auditório, ora por seu valor prévio somado ao contexto do texto, ora

apenas pelo significado que ganham dentro do texto, relacionado ao tema e à tese

defendida. Observe-se a sua produtividade nas diversas temáticas.

Gráfico 5 – Percentual por tema.

Como se pode observar no gráfico 5, a estratégia palavras ou expressões que

desencadeiam emoções apresentou sua maior frequência, 22,6% (354 oc. em 19

textos), na temática comportamento. Outros dois percentuais se destacaram também:

16,7% (261 oc. em 13 textos) na temática manifestações; e 15,7% (246 oc. em 11

textos) na temática política.

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Observe-se que a distribuição dos dados é muito próxima nas três temáticas, com

uma média de 20 ocorrências por texto, demonstrando, assim, que a diferença

percentual se deu mais por conta do número de textos em cada temática. Além disso, as

três são propícias a uma discussão com visada patêmica, dando liberdade ao autor para

construir e desenvolver emoções nos textos.

Veja-se um exemplo da temática que aparece com maior índice:

Era um fim de tarde ao mesmo tempo triste e de celebração. Dias antes, um

tiroteio no Fórum do bairro matara, além de um PM, o menino Kayo, de 8

anos, que saía do treino na escolinha de futebol do Bangu vestindo o

uniforme esportivo do clube em cuja sede acontecia o nosso encontro.

(“Periferia como centro”, 09/11/2013)

No trecho destacado, há quatro ocorrências de palavras que não pertencem ao

universo emocional, mas que, em vista do contexto, podem desencadear algum tipo de

emoção.

A crônica trata a respeito da mudança de polo cultural que está ocorrendo na

cidade do Rio de Janeiro. As periferias, segundo o autor, estão se tornando centros

culturais de destaque, porém, isso não está ocorrendo de maneira fácil, pelo contrário.

Assim, ele relata alguns eventos dos quais participou e suas dificuldades. No trecho em

destaque, ressalta o fato de o evento estar ocorrendo num local onde dias antes havia

acontecido uma tragédia e descreve brevemente o fato.

Nesse momento, o texto abre-se para a possibilidade de criação de uma forte

visada patêmica. Dessa forma, nesse contexto, as palavras “celebração”, “tiroteio”,

“matara” e “menino” ganham um matiz emocional, desencadeando no leitor,

primeiramente, o sentimento de “alegria”, para logo após despertar os sentimentos de

“tristeza” e “compaixão”.

Ainda sobre a estratégia palavras ou expressões que desencadeiam emoções é

importante destacar o fato de que todos os temas apresentam algum percentual de uso.

O mais baixo deles foi a temática mídia com 0,5%, (8 oc. em 1 texto). Isso comprova a

produtividade dessa estratégia, principalmente se comparada à estratégia anteriormente

analisada, que apresentou diversos temas com 0% de uso.

Além do tema mídia, outros que também apresentaram percentuais baixos

foram: natal, com 0,7% (11 oc.); e mobilidade urbana e educação, cada um com 1%

(16 oc.). Cabe ressaltar mais uma vez que tais temas apresentaram um baixo

quantitativo de textos, o que está refletindo nos dados percentuais.

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Conforme foi visto acima, palavras ou expressões podem desencadear emoções,

sendo consideradas, de acordo com o contexto em que aparecem, estratégias de

patemização. Por vezes, entretanto, não é apenas um vocábulo que carrega essa carga

patêmica, mas um enunciado inteiro. Por isso, outro índice patêmico analisado nesta

tese é o denominado aqui como enunciados que podem produzir efeito patemizante.

Essa estratégia é muito parecida com a anterior, consistindo a diferença na sua

abrangência em relação às estruturas textuais. Enquanto naquela se analisa uma palavra

ou expressão, nesta a análise recai sobre um enunciado inteiro, uma vez que, se desfeito,

perderia sua força patêmica.

Gráfico 6 – Percentual por tema.

De acordo com os dados apresentados no gráfico acima, comportamento, mais

uma vez, é a temática que se destaca no uso de uma estratégia de patemização, com

23,3% (34 oc.). Em seguida, aparecem política, com 17,8% (26 oc.); manifestações,

com 13% (19 oc.); e violência, com 12,3% (18 oc.). Repare-se que todas essas

temáticas possibilitam o surgimento de efeitos patêmicos, pois discutem assuntos que

dão margem a uma visada emocional. Observe-se o exemplo retirado da temática

violência:

Afinal, não é por desconhecer o que é certo, por atropelar as regras de

urbanidade e as maneiras civilizadas que um motorista arranca quando uma

senhora está subindo, usa o “freio de arrumação” dando freadas bruscas,

invade ciclovias, sobe em calçadas ou não para nos pontos onde há idosos,

porque eles viajam de graça. (“Punir, mais que reciclar”, 04/05/2013)

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Na crônica de onde o trecho acima foi retirado, o autor discute as atitudes

violentas que existem nos transportes públicos, que matam e ferem pessoas diariamente.

Além disso, o autor defende a tese de que, para resolver ou dirimir esses atos, a punição

é mais eficiente do que cursos de reciclagem, pois acredita que tais atitudes não advêm

de uma falta de conhecimento, mas, da impunidade que assola o país.

No excerto em análise, o cronista descreve a rotina violenta de um motorista,

apresentando o comportamento habitual e impune desse profissional. Para isso, utiliza

vários enunciados que podem gerar efeito patemizante, tais como “motorista arranca

quando uma senhora está subindo”, “invade ciclovias”, “sobe em calçadas” e “não para

nos pontos onde há idosos, porque eles viajam de graça”. Nesses casos, o enunciador

desperta no auditório os sentimentos de “indignação”, “revolta” e até “medo”.

Observe-se, contudo, que, em cada um desses enunciados, não há apenas uma

palavra ou expressão que provoque uma emoção. O efeito patemizante só surge no

momento em que se considera a estrutura do enunciado por completo.

Cabe destacar ainda a alta produtividade dessa estratégia, já que apenas duas

temáticas apresentaram índice de 0% de uso: mobilidade urbana e mídia. Duas

temáticas, aliás, que vêm apresentando baixos índices para várias estratégias, pois são

textos em que a visada patêmica não é tão forte, inibindo assim o uso de estratégias de

patemização.

Outras estratégias fazem parte do grupo denominado por Plantin como

designação indireta das emoções, são elas: termos de cores e verbos que selecionam

uma emoção. Conforme já foi indicado neste capítulo, essas estratégias, porém, não

apresentaram percentual de uso nesse corpus. Sendo assim, os comentários sobre esses

índices de patemização já foram feitos anteriormente. Assim, a análise recairá, a partir

de agora, em índices de patemização considerados por Plantin (2010 e 2011) também

como elementos que ajudam a construir as emoções nos textos.

Conforme foi já exposto na fundamentação teórica, segundo Plantin (idem),

Ungerer (1995 apud Plantin) propõe uma teoria em que apresenta desencadeadores de

emoção em textos jornalísticos, a que ele denomina por princípios de inferência

emocional. Para esta tese, foram levados em consideração alguns desses índices,

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123

contudo os nomes foram alterados para melhor se adequar às necessidades da análise

aqui empreendida15

.

O primeiro índice a ser analisado será o princípio da proximidade. Essa

estratégia trabalha com termos que indicam proximidade ou distanciamento no tocante a

tempo, espaço e seres, em relação ao leitor. Dessa forma, é uma estratégia muito

importante para desencadear e reforçar as emoções construídas no texto, reforçando a

tese defendida pelo autor.

Gráfico 7 – Percentual por tema.

Como o levantamento dos dados aponta, tem-se maior frequência dessa

estratégia nas seguintes temáticas: comportamento, com 21,8% (90 oc.); manifestações,

com 16,2%, (67 oc.); e política, com 16% (66 oc.). Veja-se um exemplo da temática

política:

Essa verdadeira invasão de privacidade revolta não apenas nossas

autoridades, mas também os cidadãos em geral, porque é um atentado à

individualidade de todos e de cada um de nós. (“Yankees, go home!”,

10/07/2013)

A crônica “Yankees, go home!” aborda a polêmica atitude dos EUA em espionar

autoridades de outros países, inclusive a presidente Dilma Rousseff. O trecho acima é a

tese defendida pelo cronista no texto e apresenta dois itens que estabelecem uma relação

15 – A professora doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa propõe essa mudança na nomenclatura dos

índices de patemização em seu trabalho de pós-doutorado (2016), que será publicado em breve.

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mais próxima entre enunciador e destinatário. Ao criar essa aproximação, o cronista

insere o leitor no centro da discussão, mostrando, de forma sutil, que, de algum modo,

ele também está envolvido na questão, como a própria tese defende.

Observe agora outro exemplo, retirado da temática manifestações:

Eram quase duas horas da madrugada anteontem e a televisão continuava

transmitindo imagens estarrecedoras de fúria e destruição que poderiam ser

da Turquia ou da Síria. Mas o barulho ensurdecedor dos helicópteros

sobrevoando nossos prédios não deixava dúvida: o clima de guerra civil era

aqui, em Ipanema e, principalmente, no Leblon, bairros conhecidos pelo

hedonismo e não pelos conflitos. (“A invasão dos bárbaros”, 20/07/2013)

Neste texto, o cronista fala sobre os atos de violência que passaram a vigorar nas

manifestações que ocorriam naquele ano (2013) e critica os responsáveis pelos atos. No

trecho em foco, três elementos são analisados sob o rótulo princípio da proximidade.

Colocou-se essa passagem do texto para que se pudesse mostrar a riqueza desse

princípio que agrupa elementos de natureza argumentativa um pouco diferenciada.

O primeiro deles, “anteontem”, aproxima o leitor do fato discutido no eixo

temporal. Assim, gera-se no leitor a consciência de que o que está sendo apresentado e

discutido no texto é muito recente, colocando o autor como um ser que está sempre

atualizado em relação aos acontecimentos.

O termo “nosso” aproxima leitores e cronista, envolvendo ambos na

problemática apresentada no texto, colocando essas figuras quase como “vizinhas”.

Dessa forma, o leitor se reconhece no depoimento do autor.

Por fim, o termo “aqui” também aproxima os leitores do fato abordado, porém

agora no eixo espacial. Além de recente, o fato também ocorre próximo aos leitores. Por

seu caráter dêitico, o termo só ganha conteúdo semântico quando contextualizado.

Nesse caso, ele faz referência à cidade do Rio de Janeiro, em especial aos bairros da

Zona Sul.

Tudo isso gera nos leitores os sentimentos de “preocupação”, “medo”,

“indignação”, uma vez que os fatos relatados são muito recentes e estão ocorrendo

próximo aos seus lares, criando um clima de tensão ao descrever quase um cenário de

guerra.

Voltando-se ao gráfico, assim como já se destacou para outras estratégias,

chama-se a atenção para a alta produtividade desta, uma vez que apresentou percentual

em todas as temáticas, sendo o menor deles na temática natal, com 0,5% (2 oc.).

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125

Portanto, o princípio da proximidade é uma estratégia de grande importância na

construção de uma argumentação via pathos.

Ainda com base nos princípios da inferência emocional, de Ungerer, será feita a

análise do que o autor nomeia como princípio da classificação e enumeração. Para

facilitar a realização desta pesquisa, no entanto, o nome foi estendido para princípio da

classificação, enumeração e quantidade. Assim, essa estratégia é constituída,

basicamente, por numerais e expressões que indiquem quantidade. Ver-se-á que, a

depender da temática e da tese defendida, apresentar quantidades pode reforçar a

construção de emoções no texto. Primeiramente, porém, será observada a distribuição

dessa estratégia.

Gráfico 8 – Percentual por tema.

De acordo com os dados, há apenas uma temática em que não houve ocorrência

dessa estratégia: a temática tecnologia, a qual não apresentou nenhuma expressão que

indicasse quantidade. Todas as outras demais temáticas, todavia, apresentaram algum

índice percentual, sendo o mais baixo deles 0,7% (4 oc.), na temática mídia.

Conforme ocorreu para quase todos os índices patêmicos já analisados, a

temática comportamento apresenta o maior percentual de uso, com 24,5 % (132 oc.),

seguida por manifestação (15,4%, 83), violência (13,8%, 74) e política (13%, 70).

A fim de ilustrar a importância dessa estratégia, retirou-se um exemplo da

crônica “O que diria Jesus?”, publicada em 23/02/2013, da temática comportamento.

Nesse texto, o cronista fala sobre uma pesquisa realizada por uma revista

portuguesa que tinha como investigação o tema que dá título à crônica. O autor defende

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a tese de que Jesus, caso fizesse uma visita ao plano terrestre, ficaria feliz por um lado

(ter muitos seguidores na internet), porém ficaria insatisfeito com a qualidade dos

acontecimentos atuais. Assim, num dado momento ele afirma que Jesus:

Certamente, se indignaria ao saber que o número de pessoas que vivem com

menos de 1 dólar por dia nos 49 países mais pobres do mundo duplicou nos

últimos 30 anos, chegando a 307 milhões.

Perceba-se que, para reforçar a sua tese e fazer com que o leitor compartilhe o

sentimento de “indignação” endereçado a Jesus, o autor utiliza vários termos para

quantificar o cenário de pobreza e miséria que apresenta. Primeiramente, ele especifica

para o destinatário o valor monetário recebido por um grupo de pessoas no mundo –

“menos de 1 dólar por dia” –, que é baixíssimo. Em seguida, quantifica o número de

países considerados os mais pobres do mundo – “49 países” –, apontando a dimensão da

pobreza global. Depois, afirma que a quantidade de pessoas pobres, que já não parecia

ser pequena, dobrou em apenas três décadas. Por fim, apresenta esse quantitativo em

números absolutos – “307 milhões” –, gerando, assim, os sentimentos de

“perplexidade” e “indignação” no auditório.

Nesse pequeno trecho, fica evidente o quanto o princípio da classificação,

enumeração e quantidade é importante para a construção emotivo-argumentativa do

texto. Como o gráfico mostra, é uma estratégia produtiva e utilizada com frequência por

Zuenir Ventura (9,7%), que demonstra ser um cronista com um forte perfil informativo,

uma vez que, sempre que o tema permite, ele recorre a dados numéricos e percentuais

para apoiar seu ponto de vista.

Por fim, passar-se-á à análise da estratégia mais utilizada pelo cronista em seus

textos: expressões modalizadoras. Cabe relembrar, que, neste trabalho, entende-se a

modalização como uma das estratégias que marcam o posicionamento do enunciador e

sua intencionalidade através da orientação argumentativa construída no texto.

Kerbrart-Orecchioni (1997) apresenta um vasto estudo da subjetividade na

linguagem e, dentre os elementos que considera em seu estudo, apresenta as estruturas

de modalização. Segundo a autora, diferentemente dos termos axiológicos e afetivos, os

modalizadores são explicitamente enunciativos. São, desta forma, expressões que têm

grande importância na argumentação, pois permitem a identificação do ponto de vista

do enunciador no discurso.

Cabe ressaltar que, sob o rótulo expressões modalizadoras, agruparam-se

diferentes estruturas de modalização: expressões adverbiais modais, verbos modais,

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orações modalizadoras e operadores argumentativos16

. Optou-se por reunir todas essas

possibilidades em uma mesma estratégia por se acreditar que, para os objetivos desta

pesquisa, elas apresentam formatos diferentes, porém uma mesma finalidade: indicar o

ponto de vista do enunciador.

O gráfico a seguir apresenta o percentual de uso desse índice de patemização em

cada temática. A partir dele, será feita a análise quantitativa dessa estratégia altamente

produtiva, se comparada às demais. Além disso, será ilustrado, por meio de exemplos

retirados do corpus, cada um dos tipos de modalização abarcados neste trabalho.

Gráfico 9 – Percentual por tema.

Do mesmo modo que ocorreu para outras estratégias de patemização, o tema

comportamento foi o que apresentou o maior índice para as expressões modalizadoras,

com 25,6% (577 oc.). Em seguida, aparecem os temas política, com 16% (360 oc.); e

manifestações, com 13,8% (311 oc.). Veja-se este exemplo retirado da temática

política:

Os tucanos resistem a aceitar a popularidade da presidente, preferindo

desqualificá-la, em vez de tentar descobrir as causas, que talvez estejam mais

nos seus próprios erros do que nos acertos da adversária. (“Brigando com os

fatos”, 04/12/2013)

A crônica em questão discute a difícil relação entre os políticos de direita e de

esquerda no cenário brasileiro. Traz como tese o fato de nenhuma das partes admitir

16

Lúcia Helena Martins Gouvêa propõe esse agrupamento em seu trabalho de pós-doutorado (2016).

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seus próprios erros, ou o acerto dos adversários, sempre entrando em conflito com os

fatos, o que torna o panorama político caótico e sem diálogo.

No excerto em análise, é utilizada a expressão adverbial modal “talvez”, que

instaura a modalidade da possibilidade no texto, fazendo com que o enunciador não se

comprometa diretamente com a afirmação. Entretanto, mesmo modalizando o discurso

pela modalidade da possibilidade, o autor reforça sua tese de que os políticos não

analisam os fatos e não enxergam suas próprias falhas, gerando no auditório o

sentimento de “desesperança”.

Observe-se agora outro exemplo, retirado da temática manifestações:

Cobrindo a manifestação no Rio, a repórter Lilia Teles notou um pequeno

cartaz com a seguinte inscrição, que poderia funcionar como uma espécie de

epígrafe: “Menos eu e mais nós”. (“Protesto sim, arrastão não”, 22/06/2013)

Esse trecho foi retirado de uma crônica que é dividida em duas partes. Na

primeira, aborda-se a surpreendente adesão dos jovens às manifestações, pois se havia

criado a ideia de que esta seria uma geração não politizada, individualista e narcisista. A

partir disso, o cronista defende a tese de que essa é uma geração anárquica e muito

diversa, tão diversa que não poderia ser nem mesmo definida como uma geração. Além

disso, o autor acredita que as palavras entre aspas no trecho em análise tenham sido as

palavras de ordem que mais representaram essa geração.

No excerto, além de outras estratégias, pode ser identificado o verbo modal

“poder” no futuro do pretérito do indicativo (“poderia”). Essa expressão modalizadora

insere no enunciado a modalidade da possibilidade. Dessa forma, indica o ponto de vista

do enunciador na sua avaliação em relação ao trecho “Menos eu e mais nós”, que,

segundo o modalizador, teria a possibilidade de ser uma “epígrafe”.

No trecho a seguir, retirado da temática comportamento, é possível identificar

mais dois tipos de expressões modalizadoras: orações modalizadoras e operadores

argumentativos.

Pode-se alegar que, se não fosse assim, o Rio não teria removido sua

degradada herança colonial. Mas pode-se argumentar também que foi por

causa dessa visão excludente que surgiu um problema cuja solução ainda

desafia as autoridades, o das nossas favelas. (“A palavra é gentrificação”,

28/12/2013)

A crônica da qual esse trecho foi retirado, discute o processo de

“enobrecimento” pelo qual algumas partes da cidade do Rio vêm passando – a

gentrificação – e seus perigosos efeitos colaterais. A tese que o autor defende é que esse

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processo tem duas facetas opostas, pois estimula a economia local, gerando novas

oportunidades; porém, aumenta o custo de vida, atingindo as camadas mais pobres.

No fragmento em análise, pode-se ter acesso à argumentação feita pelo cronista

nessas duas direções. Para construí-las, ele opta pelo modo delocutivo, utilizando duas

orações modalizadoras “Pode-se alegar que” e “pode-se argumentar que”. Ambas

apresentam a modalidade da possibilidade, o que é coerente, dado que a tese defendida

no texto não apresenta a questão de forma simplista, mas mostra os prós e os contras do

processo denominado de “gentrificação”.

Além disso, para reforçar o antagonismo dos efeitos colaterais gerados pelo

processo de “enobrecimento”, o autor utiliza o operador argumentativo “mas”, que

instaura uma oposição entre o primeiro argumento (desenvolvimento e evolução da

cidade) e o apresentado logo em seguida (diferença de classes e problemas sociais).

Ao fazer isso, contudo, o enunciador indica o argumento que considera ser mais

forte, uma vez que, como afirmam Ducrot e Vogt (1979), num estudo exaustivo sobre

esse operador, o “mas” introduz o argumento mais forte do enunciado numa estrutura de

oposição, uma vez que não invalida o argumento contrário (polifonia), mas o

desqualifica do ponto de vista argumentativo. Dessa forma, o autor, ao apresentar o

caso de forma complexa, dá espaço para a argumentação contrária, reconhecendo-a

como plausível; contudo indica, por meio desse operador, sobre qual argumento recai a

sua defesa.

Também nesse trecho, tem-se o uso do operador “ainda”, veja-se: “(...) um

problema cuja solução ainda desafia as autoridades, o das nossas favelas”. Esse

operador marca uma pressuposição no enunciado, a de que o problema surgiu no

passado e perdura até o momento atual da crônica. Segundo Koch (2009), o “ainda”

pode servir como um marcador de excesso temporal, justamente o que ocorre no trecho

em destaque.

Com isso, o cronista reforça seu argumento, mostrando que, apesar de haver dois

lados possíveis e plausíveis para a questão posta em debate, somente um deles deixou

consequências históricas que até o momento não foram sanadas, trazendo prejuízos à

população. Ou seja, o processo de enobrecimento de partes da cidade, quando feito sem

planejamento, gera desigualdade e pobreza. Dessa forma, o cronista faz suscitar no

auditório o sentimento de “compaixão”.

Com essas análises, ficaram evidentes os diversos formatos das expressões

modalizadoras e os temas em que a estratégia foi mais recorrente. Mais interessante do

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que isso, entretanto, é observar que ela é, de fato, uma estratégia altamente produtiva,

com o índice mais baixo de 1% – na temática mobilidade urbana, que apresentou

apenas uma crônica.

Expressões modalizadoras foi a única estratégia a apresentar índice igual ou

superior a 1% em todas as temáticas. Isso revela que, mesmo nas temáticas que tiveram

poucos textos representados no corpus, tais como mobilidade urbana, mídia, natal entre

outros; houve um grande uso dessa estratégia.

Essa relação fica mais evidente se se modificar o eixo da análise, isto é, ao invés

de se analisar os dados partindo de cada estratégia para os temas, pode-se fazer o

inverso, partindo do tema e observando como se distribuem os índices de patemização

em cada um deles.

A fim de ilustrar essa outra maneira de proceder à interpretação os dados, veja-

se o gráfico abaixo que torna patente a supremacia das expressões modalizadoras frente

às demais estratégias que foram aqui base de estudo.

Gráfico 10 – Índices de patemização.

Como se pode perceber claramente no gráfico, as expressões modalizadoras são

a estratégia mais utilizada nessa temática, que conta com apenas um texto no corpus

utilizado nesta pesquisa. A estratégia aparece com 35% de uso (22 oc.) em apenas um

texto, com uma diferença de quase 10% para a segunda estratégia mais utilizada,

palavras ou expressões que desencadeiam emoções, que apresenta um índice de 25,4%

(16 oc.)

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Foram produzidos gráficos iguais a este para cada uma das 18 temáticas

encontradas no corpus. Acredita-se, no entanto, que não seja produtivo apresentar todos

esses gráficos e discuti-los, pois tornaria a pesquisa repetitiva e enfadonha. Cabe

apresentar, apenas, uma tabela comparativa com o percentual da estratégia ora em foco

para que se perceba a preponderância desta frente às demais.

Temas N° Textos Total de estratégias - oc. Expressões Modais - oc. (%)

Esporte 3 154 77 (50%)

Mobilidade Urbana 1 63 22 (35%)

Justiça 3 221 72 (32,5%)

Manifestações 11 811 311 (38,5%)

Violência 7 568 208 (37%)

Política 13 869 360 (41%)

Censura 2 127 54 (42,5%)

Tecnologia 1 68 31 (45,6%)

Educação 2 114 46 (40%)

Comportamento 19 1341 577 (43%)

Obras públicas 2 139 59 (42,4%)

Religião 4 305 116 (38%)

Mídia 1 57 28 (49%)

Natal 1 66 33 (50%)

Saúde 1 95 36 (37,9%)

Carnaval 1 103 43 (41,9%)

Acidente/Morte 4 362 148 (40,4%)

Preconceito 1 88 35 (30,9%)

Quadro 2 – Relação entre o total de estratégias e as

expressões modalizadoras em todas as temáticas.

A tabela é autoexplicativa, não cabem grandes discussões sobre os dados ali

apresentados, cabe somente ressaltar a relação entre número de textos por temática,

ocorrência geral de estratégias e ocorrência específica das expressões modalizadoras.

Essa relação mostra o quanto essa estratégia é estável e se apresenta forte em todos os

tipos de temática, independentemente da quantidade de textos. Isso comprova que,

realmente, é a estratégia mais utilizada pelo cronista.

Neste item, buscou-se apresentar uma análise quantitativa dos índices

investigados nesta pesquisa, com o objetivo de solidificar as hipóteses levantadas e

mostrar mais robustez nas apreciações aqui realizadas.

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Com base nas análises qualitativas e quantitativas, confirmam-se as hipóteses

apresentadas na introdução desta pesquisa e comprova-se a tese aqui defendida: Zuenir

Ventura utiliza diferentes estratégias de patemização em suas crônicas para realizar a

construção de uma argumentação também via pathos.

A seguir, serão apresentadas as considerações finais, a fim de condensar os

resultados e indicar as possíveis aplicações deste trabalho.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde perceber nas análises, tanto qualitativas quanto quantitativas, a

Análise do Discurso – especificamente os trabalhos de Charaudeau em Semiolinguística

– e as pesquisas na linha argumentativa – principalmente as propostas de Plantin em

argumentação – oferecem as bases teóricas e as ferramentas necessárias para uma

análise discursiva do ponto de vista das emoções.

Com base nessas teorias, podem-se fazer investigações a fim de descrever as

estratégias patemizantes utilizadas, sua produtividade e seu efeito visado. Cabe

relembrar que, para isso, o texto precisa, segundo Charaudeau (2010), preencher três

requisitos prévios: 1) deve fazer parte de um contrato de comunicação que dê abertura

para o uso das emoções; 2) deve trabalhar com temáticas que propiciem uma discussão

com viés patêmico e 3) deve viabilizar uma misè-èn-cene do pathos.

Com base nesses requisitos e nos índices patêmicos que foram inventariados

como critérios de análise nesta tese (conf. capítulo 4), os textos foram analisados e foi

possível confirmar as hipóteses levantadas na introdução deste trabalho. Cabe ressaltar

que, não há hipóteses especificamente ligadas à análise qualitativa ou quantitativa. Na

verdade, todas as hipóteses foram confirmadas conjuntamente pelos dois tipos de

análise.

Nesse sentido, como se apresentou no capítulo 5, a primeira hipótese foi

confirmada, uma vez que a crônica jornalística é um gênero textual que apresenta um

espaço de manobras que permite a introdução de aspectos subjetivos, inclusive o

posicionamento do cronista frente a um tema, como foi comprovado pela presença de

variados índices patêmicos, principalmente o princípio de avaliação, que apresentou

valores percentuais de uso em todos os textos e temáticas.

Além disso, mostrou-se que a crônica jornalística é um gênero que tem como

característica uma diversidade temática bem ampla, podem-se abordar assuntos de

diferentes áreas de conhecimento, até mesmo de âmbito pessoal em uma crônica. Desse

modo, o autor tem abertura para tratar de temas polêmicos, emotivos, pessoais etc., que

apresentam visada patêmica evidente, possibilitando assim a criação de uma mise-en-

scène emocional.

Ao se investigar a construção da encenação argumentativa, corroborou-se

também a segunda hipótese, pois se constatou que o cronista faz uso do modo de

organização enunciativo do discurso, oscilando entre os comportamentos elocutivo,

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modalidade da opinião, e delocutivo, modalidade da asserção ou relato. Isto é, há

momentos em que o autor se apaga do discurso, apresentando os fatos de forma objetiva

(cabe lembrar que é uma estratégia que busca criar a ideia de objetividade, pois a

subjetividade permanece presente no texto mesmo no comportamento delocutivo), e há

momentos em que ele se implica no discurso, apresentando sua opinião de forma

explícita.

Como terceira hipótese, levantou-se a ideia de que, para movimentar o espírito

dos leitores e fazer com que eles assintam à tese defendida no texto, o cronista faria uso

de diversas estratégias patemizantes, hipótese que também foi confirmada. Detectou-se

que o cronista utiliza, por exemplo, palavras que descrevem emoção, princípio da

avaliação, expressões modalizadoras, entre outras estratégias. Assim, conclui-se que é

um autor que se apropria de diferentes formas linguístico-discursivas para comover o

auditório, utilizando as emoções que podem ser suscitadas neste como uma ferramenta

argumentativa em seus textos.

Apesar de variar no uso dos índices de patemização, como já se viu, as

expressões modalizadoras foram o mais produtivo, confirmando-se, assim, a quarta e

última hipótese. Conforme foi apresentado no item 5.2, era esperado esse resultado

uma vez que a estratégia agrupa diversos elementos diferentes, mas que apresentam a

mesma finalidade para o interesse da análise aqui empreendida: expressar a

subjetividade do enunciador. Com isso, gerou-se um número grande de dados presentes

nessa estratégia. De toda forma, isso não diminui a sua importância, já que os textos de

Zuenir, além de opinativos, têm um caráter informativo evidente. Sendo assim, o fato de

ser a modalização a estratégia mais utilizada faz sentido, pois o autor é contido em suas

declarações, não apresentando com frequência termos que marcam a subjetividade de

maneira explícita.

Por esse motivo, é importante ressaltar também a segunda estratégia mais

utilizada, que foi palavras ou termos que desencadeiam emoções. Essa estratégia é

particularmente interessante, pois tem uma abrangência que recobre o léxico da língua,

uma vez que toda palavra pode, em potencial, desencadear uma emoção. Contudo, só é

possível essa interpretação de acordo com a misè-èn-scene estabelecida pelo texto.

Dessa forma, o percentual elevado desse índice, conforme foi visto no capítulo de

análises, reforça que a crônica jornalística faz parte de um dispositivo comunicativo que

possibilita uma visada patêmica.

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Fica patente, portanto, que o cronista apresenta grande variedade de estratégias

de patemização para tocar o auditório, além de ora se implicar no discurso (modo

elocutivo), ora se apagar dele propositalmente (modo delocutivo). Tudo isso é usado

com o intuito de fazer com que o auditório adira à tese colocada por ele, o que

comprova que essa adesão pode ser conquistada não só por estratégias argumentativas

que utilizam o raciocínio lógico, mas também (e talvez com mais frequência) por táticas

que evoquem as emoções que podem ser suscitadas no auditório por meio do discurso.

Ou seja, é possível argumentar por meio das emoções, quebrando-se com a ideia de que

argumentação pertence exclusivamente ao campo da lógica, como se defendeu por

muito tempo.

Nesse sentido, este trabalho finaliza-se relembrando a tese aqui defendida e que

foi corroborada: Zuenir Ventura utiliza diferentes estratégias de patemização em suas

crônicas para realizar a construção de uma argumentação também via pathos. No

entanto, não dá por encerrada as possibilidades de estudos futuras, muito menos a

discussão aqui iniciada.

Acredita-se que esta pesquisa oferece interessantes contribuições para o campo

da análise discursiva e da argumentação, uma vez que apresenta uma demonstração não

só conceitual, mas também prática do estudo do pathos com base em conceitos da teoria

Semiolinguística e da Argumentação, além de lançar um olhar contemporâneo sobre o

modo de organização argumentativo e sobre o gênero crônica jornalística, já que quebra

com a tradicional separação entre razão e emoção, alinhando-se aos estudos mais

recentes. Apesar de as teorias darem as ferramentas necessárias para as análises, ainda

são poucos os trabalhos nessas áreas, principalmente que apresentem modelos e

metodologias de análise.

Por esse motivo, cabe destacar também a possibilidade de aplicação deste

estudo, com as devidas adequações, em aulas de língua portuguesa, já que apresenta um

extenso capítulo de análise em que é feito um trabalho exaustivo de prática com o texto,

propondo uma conduta de interpretação textual com base em índices patêmicos para

fundamentar uma argumentação.

Sabe-se que os estudos voltados para o trabalho com o texto, principalmente de

cunho argumentativo, carecem de metodologias e propostas práticas de como se realizar

a análise textual. A forma como os textos foram abordados aqui propiciam uma abertura

na visão de mundo dos alunos para além dos argumentos lógicos tradicionalmente

trabalhados, possibilitando a formação de cidadãos mais críticos e conscientes em

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relação ao efetivo domínio dos diversos recursos que a língua oferece na produção e

leitura dos mais diversos tipos de texto.

Assim, finaliza-se, por ora, esta pesquisa, com a esperança de que este seja

apenas um mergulho inicial nesse campo de estudos que é complexo, porém

indiscutivelmente, e talvez por isso mesmo, fascinante.

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ANEXOS

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Rio de Janeiro, 10/08/2013

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Rio de Janeiro, 14/08/2013

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Rio de Janeiro, 17/08/2013

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Rio de Janeiro, 21/08/2013

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Rio de Janeiro, 24/08/2013

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Rio de Janeiro, 28/08/2013

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Rio de Janeiro, 31/08/2013

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Rio de Janeiro, 04/09/2013

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Rio de Janeiro, 07/09/2013

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Rio de Janeiro, 11/09/2013

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Rio de Janeiro, 05/10/2013

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Rio de Janeiro, 09/10/2013

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Rio de Janeiro, 12/10/2013

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Rio de Janeiro, 23/10/2013

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Rio de Janeiro, 26/10/2013

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Rio de Janeiro, 31/10/2013

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Rio de Janeiro, 06/11/2013

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Rio de Janeiro, 16/11/2013

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Rio de Janeiro, 20/11/2013

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Rio de Janeiro, 27/11/2013

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Rio de Janeiro, 04/12/2013

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Rio de Janeiro, 07/12/2013

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Rio de Janeiro, 14/12/2013

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Rio de Janeiro, 28/12/2013