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Isabela Corrêa Borges Marina Reis Sousa A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES BRASILEIROS NA COMUNIDADE: revisão da literatura Belo Horizonte Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional/ UFMG 2016 Isabela Corrêa Borges Marina Reis Sousa

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Isabela Corrêa Borges

Marina Reis Sousa

A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES BRASILEIROS NA COMUNIDADE: revisão da literatura

Belo Horizonte

Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional/ UFMG

2016

Isabela Corrêa Borges

Marina Reis Sousa

A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES BRASILEIROS NA COMUNIDADE: revisão da literatura

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de

Graduação em Terapia Ocupacional da Escola de Educação

Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade

Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do

título de Bacharel em Terapia Ocupacional.

Orientadora: Profª. Dra. Adriana de França Drummond

Co-Orientadora: Rafaelle Gracine de Souza Monteiro

Belo Horizonte

Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional/UFMG 2016

RESUMO

Introdução: A participação de crianças e adolescentes pode ocorrer por meio do

envolvimento em atividades formais ou informais em diferentes contextos, incluindo

a comunidade. Objetivo: Compreender a participação de crianças e adolescentes

brasileiros com desenvolvimento típico na comunidade. Metodologia: Revisão de

literatura com busca nas bases de dados LILACS, SCIELO, DEDALUS, VÉRSILA,

MEDLINE e SCIENCE EDUCATION. Resultados: Foram selecionados sete artigos,

considerando os critérios de inclusão (artigos dos últimos cinco anos que abordaram

a participação na comunidade de crianças e adolescentes sem deficiência no Brasil,

com idade entre 6 e 18 anos) e de exclusão (revisões da literatura, teses e

dissertações e estudos que abordaram atuações específicas de profissionais das

demais áreas da saúde.) Dentre estes, quatro abordaram a vulnerabilidade social e

três abordaram a participação de formas diferenciadas, sendo: a participação social

e política de jovens em grupos inclusivos, a participação de crianças na comunidade

de pescadores e o que esse público considera sendo trabalho e lazer e a

participação da criança através do brincar. Discussão/Conclusão: No Brasil há

poucos estudos que investiguem a participação de crianças e adolescentes na

comunidade. Dentre os encontrados, destaca-se a discussão a respeito da

vulnerabilidade social à qual as crianças e adolescentes brasileiras estão expostas.

Para tentar minimizar essa condição, programas comunitários são criados, com

enfoque nos esportes, arte, cultura e educação. Os grupos têm papel importante na

participação desse público na comunidade, podendo exercer uma influência positiva

ou negativa.

Palavras-chave: Participação. Envolvimento. Engajamento. Comunidade. Infância.

Criança. Jovem. Adolescente.

ABSTRACT

Introduction: The participation of children and adolescents can occur through

involvement in formal or informal activities in different contexts, including the

community. Objective: To understand the participation of Brazilian children and

adolescents with typical development in the community. Methodology: Literature

review with research in databases such as LILACS, SCIELO, DEDALUS, VÉRSILA,

MEDLINE and SCIENCE EDUCATION. Results: Seven articles were selected,

considering the inclusion criteria (articles of the last five years that addressed the

participation in the community of children and adolescents without disabilities in

Brazil, aged 6 to 18 years) and exclusion (literature reviews, theses, dissertations

and studies that addressed specific actions of professionals from other health areas).

Amongst the seven articles selected, four addressed social vulnerability and three

addressed the participation of different forms, being: social and political participation

of young people in inclusive groups, the participation of children in the fishing

community and what this public considers being work and leisure and the

participation of the children through play. Discussion / Conclusion: In Brazil, there

are few studies that investigate the participation of children and adolescents in the

community. Between the chosen ones, the discussion regarding the social

vulnerability at which this children are exposed can be highlighted. As an effort to

minimize this condition, social programs are developed with a focus on sports, art,

culture and education. The groups have an important role in the participation of this

public in the community, and might have a positive or negative influence.

Keywords: Participation. Involvement. Community. Childhood. Child. Youth.

Adolescents.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................07

2 METODOLOGIA ....................................................................................................10

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO..............................................................................12 3.1 Participação de crianças e adolescentes em condição de vulnerabilidade social..............................................................................................12

3.2 Influência da cultura na participação....................................................15

3.3 Influência de grupos na participação....................................................17

4 CONCLUSÃO ........................................................................................................18

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................20

APÊNDICE A: Fluxograma 1- Etapas de seleção dos artigos .............................23

APÊNDICE B: Quadro 1- Estudos brasileiros que investigaram a participação de crianças e adolescentes na comunidade .........................................................24

6

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e

Saúde (2004) participação é o envolvimento de um indivíduo em situações da vida.

De acordo com LAW et al. (2012) a participação bem sucedida para a criança

relaciona-se com a autonomia para realizar alguma atividade, se divertir, estar com

os outros e ser bem sucedida. Já para os pais, relaciona-se com a conclusão da

tarefa, aumento da autoestima dos filhos, recursos disponíveis e o ajuste da

exigência da atividade com os interesses e capacidades das crianças. COSTER et

al. (2010) consideram alguns parâmetros que expressam a participação: a

frequência com que a criança realiza uma atividade e o envolvimento dela ao fazer

as atividades diárias.

A participação infanto juvenil pode ocorrer por meio do envolvimento em

atividades diárias diversas, formais e informais, como de aprendizagem de jogos,

entretenimento, de cunho religioso, dentre outras, podendo ocorrer em diferentes

contextos, incluindo a comunidade (CARLETO et al., 2010; KING et al., 2003).

Segundo LIMA e BOMFIM (2012) comunidade é:

um espaço físico, social e ambiental em que seus moradores estabelecem laços afetivos e um sentimento de pertencimento. Estes vivenciam dificuldades, necessidades, problemas e representações sociais semelhantes, num território que é compartilhado e delimitado geograficamente (LIMA e BOMFIM, 2012, p. 681).

Esses autores ressaltam que para os jovens a comunidade é um espaço

fora do ambiente familiar, no qual a partir de atividades, eles conhecem o modo de

vida e criam vínculos com os moradores daquele local (LIMA e BOMFIM, 2012).

A participação pode acontecer na comunidade por meio de saídas na

vizinhança, participação de eventos comunitários, em atividades físicas organizadas

e não-organizadas, em grupos, associações, clubes, em reuniões e atividades

religiosas, reunião com outras crianças e visitas ou viagens noturnas (SILVA et al.,

2016). De acordo com ANABY et al. (2014), a participação tem um impacto positivo

na saúde física e mental de crianças e jovens, pois podem adquirir habilidades e

uma rede social que são fundamentais para a transição para a vida adulta. Nessa

7

perspectiva, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vigente no Brasil

respalda a participação deste público na comunidade. Segundo o art.16 do ECA, a

criança e o adolescente tem direito à liberdade, o que inclui: estar e participar de

espaços públicos e comunitários; expressar-se; ter crenças e frequentar cultos

religiosos; praticar esportes; brincar e se divertir; participar da vida familiar,

comunitária e política.

Embora a legislação do ECA exista no sentido de assegurar o direito de

participação de crianças e adolescentes na comunidade, sabe-se que há fatores que

podem dificultá-la ou facilitá-la, constituindo-se barreiras ou facilitadores. Segundo a

CIF (2004), as barreiras podem se dar pela "incapacidade, limitação da atividade ou

restrição de participação designadas pelo termo genérico deficiência". Já os

facilitadores são os aspectos neutros e a funcionalidade que permitem ao indivíduo

exercer sua participação. ANABY et al (2014) e BEDELL et al. (2013) apresentam

em seus estudos que essas barreiras e facilitadores podem ser o ambiente físico,

qualidade sensorial, demandas físicas, cognitivas e sociais da atividade, relações

com os pares, atitudes das pessoas, inclusive dos pais, idade, sexo, condições

meteorológicas, segurança, informações, condições financeiras, acesso ao

transporte público (ANABY et al., 2014; BEDELL et al., 2013).

BEDELL et al. (2013) e ANABY et al. (2014) também investigaram os fatores

ambientais que afetam a participação e envolvimento de crianças com deficiência e

sem deficiência em atividades na comunidade. Apontam-se como barreiras para a

participação de ambos os grupos, a condição socioeconômica familiar e a falta de

informação das atividades, programas e serviços que ocorrem na comunidade.

BEDELL et al. (2013), ainda aborda como facilitador para o processo de

participação, o trabalho remunerado para jovens sem deficiência na comunidade.

Além disso, o envolvimento do jovem nas atividades é algo que influencia em sua

participação. Um estudo feito por COSTER et al. (2011), mostrou que com o

aumento da idade, há um aumento no número de atividades em que os jovens se

envolvem. A participação de um irmão mais velho ou de outras crianças é um fator

que pode ajudar no envolvimento das atividades, mas também pode ser limitante,

uma vez que diminui a participação social. Além disso, é preciso que os pais

escolham o ambiente que melhor possa apoiar a participação de seu filho para que

assim, ele se envolva mais nas atividades. (COSTER et al., 2012).

8

Percebe-se que grande parte dos estudos referentes à participação na

comunidade aborda crianças e adolescentes de origem norte americana com

alguma condição de saúde. No Brasil, atualmente, as políticas públicas de saúde da

criança e do adolescente ainda se concentram na atenção secundária e terciária,

mas há uma tendência de investimentos nas ações de promoção da saúde. Na

perspectiva da Terapia Ocupacional a promoção de saúde se constrói:

a partir do envolvimento dos sujeitos em ocupações significativas nos distintos contextos nos quais estão inseridos, tais como casa, escola, trabalho e comunidade. Essas ocupações são consideradas centrais para a identidade e para o senso de competência da pessoa e podem ser afetadas por diferentes motivos (CARLETO et al., 2010, p. 90).

CARLETO et al. (2010) apontam para a necessidade de investimento de

programas de promoção de saúde pela terapia ocupacional à grupos distintos, como

aqueles que se encontram em marginalização e pobreza, de modo que esses

possam se envolver em atividades significativas. Assim indica-se a necessidade de

compreender quaisquer populações independente de sua condição de saúde, a fim

de permitir uma atenção e atuação mais efetiva na promoção da participação das

crianças e adolescentes. Diante do exposto, esse estudo tem como objetivo

compreender a participação de crianças e adolescentes brasileiros com

desenvolvimento típico na comunidade.

9

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão da literatura sobre a participação de crianças e

adolescentes brasileiros na comunidade.

Revisões da literatura são caracterizadas pela análise e pela síntese da informação disponibilizada por todos os estudos relevantes publicados sobre um determinado tema, de forma a resumir o corpo de conhecimento existente e levar a concluir sobre o assunto de interesse. (MANCINI e SAMPAIO, 2006)

Este tipo de estudo, por sintetizar as informações que foram produzidas ao

longo dos anos, auxilia os profissionais tanto na pesquisa, quanto na clínica

(MANCINI e SAMPAIO, 2006).

A busca foi realizada em junho de 2016, nas bases de dados da saúde e da

educação: LILACS, SCIELO, DEDALUS, VÉRSILA, MEDLINE E SCIENCE

EDUCATION. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave com seus sinônimos,

em português e inglês, de acordo com os Descritores em Ciências da Saúde

(DECS): participação/participation, engajamento, envolvimento/involvement,

comunidade/community, criança/child, infância/childhood, adolescente/adolescent,

jovem/youth. No total realizaram-se quinze combinações de descritores em

português e dez combinações em inglês.

Os critérios de inclusão utilizados foram: artigos publicados nos últimos cinco

anos, que abordaram a participação das crianças e adolescentes brasileiros, sem

deficiência, com idade entre 6 e 18 anos na comunidade. De acordo com LANCY e

GROVE (2011), crianças na infância média, em torno dos seis anos de idade, estão

desenvolvendo o pensamento concreto, começam a raciocinar e a diferenciar o certo

do errado. É também na infância média que a criança inicia a participação na

comunidade. Segundo o Fundo para as Nações Unidas para a Infância (UNICEF,

2016), é na idade de seis anos que os pais começam a ensinar como estabelecer o

respeito mútuo, a responsabilidade e a solidariedade. Além disso, a participação é

incentivada para que a criança conheça as pessoas e como elas trabalham, para

assim, valorizar a cultura e os hábitos da comunidade. A idade de dezoito anos

como limite foi estabelecida baseada no Estatuto da Criança e do Adolescente que

10

considera adolescência pessoas com idade entre doze e dezoito anos (Estatuto da

Criança e do Adolescente, 1990).

Considerou-se comunidade todo contexto fora de casa e da escola e os

trabalhos formais (CARLETO et al., 2010). Foram excluídos artigos de revisão da

literatura, teses e dissertações, e estudos que abordaram atuações específicas de

profissionais das demais áreas da saúde. O Fluxograma 1 (APÊNDICE A) detalha as

etapas de busca dos artigos utilizados nesse estudo.

11

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram encontrados sete artigos, dos quais três são publicações de

periódicos da psicologia, um da educação física, um da terapia ocupacional e dois

da antropologia. Dentre os artigos selecionados, quatro abordam a vulnerabilidade

social como base de pesquisa. Principais informações referentes aos objetivos,

métodos e resultados principais dos artigos analisados são apresentadas no quadro

1 (APÊNDICE B).

Em geral, a vulnerabilidade social foi analisada na perspectiva da violência

que perpassa a vida dos jovens, do pobre vínculo afetivo com seus familiares, da

baixa condição socioeconômica e das estratégias para tentar amenizar os efeitos da

vulnerabilidade social, por meio de projetos de cunho social (ALVES et al., 2013;

LIMA e BOMFIM, 2012; SOUZA et al., 2012; GOMES E CONCEIÇÃO, 2014). Os

demais artigos encontrados abordam a participação de formas diferenciadas

(SEIXAS et al, 2012; CARDOSO e SOUZA, 2011; MOREIRA et al, 2013), sendo a

cultura e o envolvimento com grupos, fatores que a influenciam. Dentre esses, um

aborda a participação na comunidade através de brincadeiras na rua (SEIXAS,

2012), outro discute como ocorre a participação de crianças na comunidade de

pescadores e o que esse público considera ser trabalho ou lazer (CARDOSO e

SOUZA, 2011) e o terceiro aborda a participação social e política de jovens em

grupos (MOREIRA et al.,2013). A partir da análise dos artigos foram elaboradas três

categorias temáticas que permearam os mesmos. Estas serão apresentadas e

discutidas a seguir.

3.1 Participação de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social

A relação entre a vulnerabilidade social e a participação de crianças e

adolescentes brasileiros na comunidade permeou quatro dos sete artigos

selecionados (ALVES et al., 2013; LIMA e BOMFIM 2012; SOUZA et al., 2012;

GOMES E CONCEIÇÃO, 2014). A vulnerabilidade social é:

12

um conjunto de características, de recursos materiais ou simbólicos e de habilidades inerentes a indivíduos ou grupos, que podem ser insuficientes ou inadequados para o aproveitamento das oportunidades disponíveis na sociedade. Assim, essa relação irá determinar maior ou menor grau de deterioração de qualidade vida dos sujeitos (MONTEIRO, 2011, p. 35).

De acordo com ALVES et al. (2013), os jovens de baixa renda, são

duplamente oprimidos. Primeiro, devido ao fato das classes mais baixas serem

oprimidas pelas classes mais altas e segundo, porque crianças e jovens são

oprimidos por adultos, por viverem em uma sociedade adultocêntrica.

Em virtude de os adolescentes representarem uma porção social mais destituída de valores, referencias e privada de âncoras identificatórias estáveis, o processo de fragilização ou desestabilização das identificações os atinge de forma mais contundente (GOMES e CONCEIÇÃO, 2014, p. 49).

Em relação à violência, em um estudo feito por GOMES e CONCEIÇÃO

(2014), os jovens relatam entrar no mundo das drogas e do crime devido ao

prestígio, ao poder que o porte de armas os proporciona, influência negativa dos

amigos e relação com a família. Este último fator de risco foi abordado por GALLO e

WILLIAMS (2005) em estudo no qual adolescentes que estavam presos relataram

altos índices de violência física, abandono, negligência e punições severas por parte

dos pais.

Os adolescentes com vínculos pouco efetivos com a família têm maior probabilidade de se envolver em infrações do que aqueles com relações familiares estreitas. Estudos mostram que a disciplina pouco consistente ineficiente imposta pelos pais está associada ao comportamento delituoso (GALLO e WILLIAMS, 2005, p. 88).

Quanto às estratégias para tentar amenizar os efeitos da vulnerabilidade

social desse público, viu-se a necessidade de criação de políticas sociais (ALVES et

al., 2013) surgindo assim, os projetos sociais. Grande parte dos projetos sociais com

enfoque em crianças e adolescentes estão voltados aos que se encontram em risco

social, tendo como objetivo a ocupação do tempo livre. Tais projetos assumem

caráter de combate à violência e criminalidade e de promoção de saúde, tendo como

principal atrativo o esporte. Através desses projetos, os jovens participam de

atividades de lazer fora de casa, se sentem seguros, adquirem conhecimento e

socializam com outros da mesma faixa etária (SOUZA et al., 2012).

Além do esporte, um estudo feito por ALVES et al. (2013), demonstrou que o

teatro tem uma influência positiva na vida desses jovens, visto que conseguem

13

refletir sobre suas atitudes, melhorando assim o relacionamento com a família, com

o grupo e a timidez. Além disso, perceberam que é necessário refletir sobre os

temas que são comuns em seus cotidianos, como as drogas, violência, sexualidade,

relações com a polícia e interpessoais. A arte, esporte, cultura e educação,

possibilitam que os jovens se afastem dos perigos da rua, expressem os seus

sentimentos, reflitam e ensaiem diferentes posturas que podem ter diante da

comunidade, tornando-se nesse contexto, seres ativos (ALVES et al. 2013;

TEIXEIRA, 2007).

Segundo MOREIRA et al. (2013), a participação de jovens e adolescentes nos

contextos comunitários e sociais em grupos é motivada pelos laços de amizade na

escola e vizinhança. A busca pela autoafirmação é outro aspecto motivador na

participação desse público em grupos, sendo a inserção considerada uma

notoriedade por esses.

Em estudo feito por LIMA e BONFIM (2012) foi realizado o mapeamento

psicossocial participativo, que possibilita o conhecimento da comunidade, fazendo

com que os jovens interajam com os moradores, participem das atividades e

percebam o que precisa ser melhorado. A partir do mapeamento foi possível

perceber que os jovens não se sentiam pertencentes à comunidade.

O mapeamento psicossocial

Promoveu o reconhecimento da comunidade e as possibilidades de transformação, fortalecendo o trabalho comunitário e desvinculando as situações de opressão. Propiciou a identificação e pertencimento ao grupo, bem como o resgate das redes sociais e o exercício da cidadania, pela diminuição dos preconceitos e a superação dos sentimentos de rejeição, de insegurança, de vergonha e de culpa (LIMA e BONFIM, 2012, p. 688).

Então, percebe-se que a participação de crianças e jovens na comunidade

pode ser influenciada pela presença de projetos sociais, sugerindo que a

participação é estimulada à indivíduos que se encontrem em algum estado de

vulnerabilidade social. Vale ressaltar que quatro dos sete artigos encontrados

abordam a participação voltada à essa temática indicando que a participação nos

espaços comunitários se dá, em geral, por crianças e adolescentes em posições

socialmente desfavorecidas. Além disso, nota-se que a forma de participação, em

sua maioria, acontece relacionada a fatores negativos, excluindo-se os casos nos

quais a mesma está vincula a algum projeto social.

14

3.2 Influência da cultura na participação

Apesar dos estudos focarem mais especificamente em crianças e

adolescentes em situações de vulnerabilidades sociais, SEIXAS (2012) aponta para

um outro lado da realidade, o de crianças exercendo o seu papel ocupacional: o

brincar. Atualmente, o número de crianças brincando nas ruas tem se tornado

menor, devido aos perigos encontrados nesses ambientes (BICHARA et al., 2006;

SEIXAS, 2012).

Em grandes cidades o espaço público é um contexto que não tem sido considerado como lugar apropriado para crianças, com exceção daqueles que são planejados para uso exclusivo da infância como parques e praças. Com o crescimento das cidades e a consequente invasão de veículos, transeuntes, comércio, violência; característicos do desenvolvimento urbano atual, os espaços públicos passaram a ser considerados perigosos para crianças, levando pais, educadores e o poder público a se dedicar em delimitar espaços onde as crianças possam brincar com segurança (BICHARA et al., 2006, p.46).

Através das brincadeiras na comunidade, as crianças se relacionam com os

seus pares, o que é fundamental para o seu desenvolvimento, brincam sem

interferências dos adultos, se tornando assim, seres mais ativos. Apropriam-se do

espaço e da cultura, mas sempre os transformando para satisfazerem os seus

próprios interesses (BICHARA et al., 2006; SEIXAS, 2012). As brincadeiras muitas

vezes são interpretações de eventos que acontecem na comunidade, sempre de

maneira lúdica (SEIXAS, 2012).

No entanto, em alguns lugares o principal meio de inserção da comunidade

das crianças é pelo trabalho, como é o caso de pescadores da Amazônia. Não é um

trabalho de exploração infanto juvenil, mas um trabalho em que os indivíduos

“apropriam suas formas de pertencimento e se integram aos processos de

compartilhamento do dia a dia da comunidade” (CARDOSO e SOUZA, 2011, p.

176). Essas crianças não participam apenas do trabalho, mas também do lazer, dos

cultos religiosos e das conversas (CARDOSO e SOUZA, 2011). As crianças

trabalham junto com seus pais, a fim de serem preparadas para se tornarem adultos

15

independentes. A questão do trabalho infantil, não é somente pelas carências

materiais, mas também devido à cultura (CARDOSO e SOUZA, 2011).

A influência da cultura na participação de crianças e adolescentes leva à

reflexão do que é considerado trabalho e lazer. Percebe-se que uma mesma

atividade pode ser considerada laboral ou recreativa de acordo com a cultura,

indicando que o contexto influencia fortemente na participação desse público. Além

disso, a participação de infanto juvenil na comunidade, atualmente, parece estar

restrita devido à violência, principalmente nos grandes centros urbanos. Apesar de

só um estudo ter abordado essa temática, nota-se uma tendência de que o mesmo

ocorra com crianças e adolescentes que moram em cidades do interior, com

menores índices de violência. Vê-se então, que a violência permeia a restrição na

participação nesse contexto, mas que outros fatores parecem estar envolvidos,

sugerindo algumas hipóteses que podem ser melhores investigadas: atitude dos pais

e dos amigos, uso excessivo da tecnologia, excesso de atividades escolares e

extracurriculares na infância e adolescência.

3.3 Influência de grupos na participação

O estudo feito por MOREIRA et al. (2013) apresenta a participação política de

jovens residentes do bairro Barreiro na cidade de Belo Horizonte e do município de

Betim em grupos na comunidade. Segundo esses autores, a participação de jovens

e adolescentes nos contextos comunitários e sociais em grupos é motivada pelos

laços de amizade na escola e vizinhança. A busca pela autoafirmação é outro

aspecto motivador na participação desse público em grupos, sendo a inserção

considerada uma notoriedade por esses e proporciona a interação com seus pares.

A construção da identidade dos jovens se dá por meio de relações sociais e

ocorrem em seus contextos particulares. As vivências podem ser influenciadas por

essas relações sociais e podem transformar os contextos, permitindo a construção

de sentidos singulares aos jovens (MOLON, 2003 apud MOREIRA, et al., 2013).

Segundo BAQUERO e HAMMES (2006), os grupos de jovens são a base

para o desenvolvimento de aprendizados, pois eles partilham ideias, reconhecem a

individualidade e assumem juntos as vitórias, derrotas e os conflitos. É também

16

apontado por alguns autores que os jovens "desejam participar mais intensamente

em contextos sociais culturais e artísticos, diversos e, menor grau em organismos

instituídos, por exemplo, os partidos políticos" (ABRAMO et al., 2005 apud

MOREIRA et al., 2013).

É notável que o sentimento de pertencimento aos grupos influencia a

participação de jovens na comunidade, sugerindo que a construção da identidade

pessoal e da autoestima são fortalecidos de modo que, ao participar de uma

atividade em seu grupo, o jovem tem esse sentimento construído.

17

4 CONCLUSÃO

A partir dessa revisão da literatura foi possível perceber que existem poucos

estudos no Brasil que investigam participação de crianças e adolescentes sem

deficiência na comunidade. Durante a busca e seleção dos artigos para o presente

trabalho, viu-se que, em geral, as publicações da Terapia Ocupacional abordavam a

participação de crianças e adolescentes com alguma deficiência na comunidade.

Jovens com desenvolvimento típico foram mencionados, em sua maioria, quando

compunham os grupos controle. Esta temática é de grande relevância para a

Terapia Ocupacional, pois sua prática engloba a prevenção e promoção de saúde,

que abordam o contexto social dos indivíduos.

Os artigos selecionados para a revisão, em maior parte investigaram crianças

e adolescentes de baixo nível socioeconômico em situação de vulnerabilidade

social, além de estratégias para minimizar os efeitos dessa vulnerabilidade, de modo

a promover a participação desses na comunidade. Nesse sentido, também foi

mencionada a criação de projetos sociais, que têm como intuito a promoção de

saúde, combater a criminalidade e a violência. Tais projetos apresentam a arte, o

esporte e a educação como possibilitadores do afastamento das ruas e expressão

de sentimentos dos jovens.

Os estudos apresentaram barreiras que dificultam a inserção dos jovens na

comunidade, sendo essas: a condição socioeconômica familiar, a falta de

informação das atividades, programas e serviços na comunidade e o envolvimento

diante de uma atividade. Como facilitadores para a participação, os estudos

abordaram o envolvimento dos jovens em trabalho remunerado e o avanço da idade.

Além disso, a participação de crianças e adolescentes também pode ser influenciada

pela cultura e grupos. A cultura influencia na escolha das atividades, na sua forma

de realização, no significado das mesmas, nos grupos e na inserção política e social

dos jovens.

Destaca-se a necessidade de realização de estudos complementares que

envolvam crianças e adolescentes na comunidade, com diferentes níveis

socioeconômicos, uma vez que a participação nesse contexto pode ser influenciada

18

por esse fator, podendo mudar a natureza das atividades, frequência e o

envolvimento. Esses estudos auxiliarão não somente na clínica da Terapia

Ocupacional, mas também nas demais áreas que abordam a prevenção e promoção

da saúde.

19

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE A: Fluxograma 1- Etapas de seleção dos artigos

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APENDICE B: Quadro 1- Resumo dos artigos analisados

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