a participaÇÃo cidadà como um sistema: o caso do … · disso, outro elemento importante diz...

22
VIII Encontro ABCP Gramado, 1-4 de julho 2012. AT07 Participação Política A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COMO UM SISTEMA: O CASO DO GOVERNO ESTADUAL GAÚCHO Alfredo Alejandro Gugliano Professor do PPG em Ciência Política/UFRGS Marcelo T. Daneris Doutorando do PPG em Ciência Política/UFRGS Priscilla R. dos Santos Mestranda do PPG em Ciência Política/UFRGS Vanessa Marx Professora Colaboradora do PPG em Ciência Política/UFRGS

Upload: dinhdien

Post on 11-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

VIII Encontro ABCP

Gramado, 1-4 de julho 2012.

AT07 – Participação Política

A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COMO UM SISTEMA:

O CASO DO GOVERNO ESTADUAL GAÚCHO

Alfredo Alejandro Gugliano

Professor do PPG em Ciência Política/UFRGS

Marcelo T. Daneris

Doutorando do PPG em Ciência Política/UFRGS

Priscilla R. dos Santos

Mestranda do PPG em Ciência Política/UFRGS

Vanessa Marx

Professora Colaboradora do PPG em Ciência Política/UFRGS

RESUMO:

Um dos temas que está gerando debate na Ciência Política é a ampliação da participação dos cidadãos na gestão pública, discussão alimentada pelo desenvolvimento de um conjunto de experiências, como os conselhos gestores e orçamentos participativos. Uma novidade dessa discussão, em termos de Brasil, é a proposta de formação de sistemas integrados de participação cidadã. No Rio Grande do Sul vem sendo colocada em prática a ideia desse sistema tendo como base novas experiências inclusivas, como o PPA participativo, o CDES-RS, o Gabinete Digital e a formulação de um novo modelo de OP estadual vinculado aos conselhos de desenvolvimento regional e consultas populares. Tendo esse quadro como ponto de partida, o trabalho pretende analisar as principais fundamentações da proposta, sua estrutura, assim como os primeiros resultados do sistema participativo gaúcho.

1. Introdução

A proposta deste trabalho é iniciar a discussão sobre o sistema de participação

do Rio Grande do Sul, estado com aproximadamente dez milhões de

habitantes. Atualmente a região é governada pelo Governador Tarso Genro, do

Partido dos Trabalhadores, vitorioso nas eleições de 2010 com 54% dos votos

válidos.

O Rio Grande do Sul é um estado que vem se destacando, nos últimos anos,

em termos de inovação de experiências de participação popular, sendo que, de

sua capital (Porto Alegre), emergiu uma das principais experiências de inclusão

dos cidadãos na gestão pública em nível internacional, que é o Orçamento

Participativo (OP). Conhecido como um fenômeno mundial, existem

orçamentos participativos em todos os continentes com um número variável de

países nos quais a proposta foi aplicada.

Em nível estadual, entre 1999-2002, teve a organização do orçamento

participativo pelo Governador Olívio Dutra, também do Partido dos

Trabalhadores. Com a derrota deste nas eleições regionais, a proposta foi

retirada pelo novo Governador Germano Rigotto (2003-2007).

Com a volta do Partido dos Trabalhadores ao governo do estado, o tema da

participação popular foi retomado sendo colocado na ordem do dia por diversos

programas governamentais. Apesar do caráter ainda inicial da ideia, que recém

está dando seus primeiros passos, pretendemos realizar algumas reflexões

sobre a proposta de um sistema regional de participação popular e cidadã.

2. A participação popular como programa de governo

O conceito de participação é provavelmente um dos mais abertos no campo

das ciências sociais, sendo atualmente empregado numa variedade de casos e

numa pluralidade de sentidos.

Em termos da gestão pública, é central a percepção da forma como cada

governo encara a questão em termos de seu projeto de gerenciamento. Além

disso, outro elemento importante diz respeito à efetividade desta participação:

se ela se restringe a uma condição de consulta, ou se, claramente, interfere

nos rumos das políticas públicas.

É importante sublinhar o fato de que alguns governos hoje utilizam a

participação popular como sendo um dos programas de governo, não só uma

ação eventual. A concepção de programa governamental aqui é considerada

como uma ação estratégica, que pretende levar adiante pontos centrais das

políticas governamentais, vinculados aos fundamentos do projeto político.

Representa a abertura de espaços, nos quais a própria população tenha

condições de apresentar demandas, prescrever propostas e deliberar soluções.

A participação, portanto, vem a ocupar o espaço existente entre as demandas

da sociedade civil e as decisões estatais. Abre a possibilidade de uma maior

inclusão da sociedade no processo decisório, fortalecendo a ideia de que os

atores sociais possuem capacidade de propor soluções para demandas e

problemas locais, influenciando positivamente a gestão pública.

Para além das instituições representativas, a possibilidade de inserção da

sociedade civil nos processos políticos permite a emergência de novas

temáticas na agenda governamental, bem como a tomada de decisões por

parte do Estado com base em a consulta a determinados grupos (AVRITZER,

2000).

Em especial, a perspectiva apresentada acima corresponde a um amplo

processo de mudança, que não envolve só a administração pública, mas

também a própria concepção de democracia, vista desde o prisma de uma

democracia participativa.

Por democracia participativa podemos entender um projeto político, a partir do

qual os cidadãos são incorporados ao processo deliberativo do Estado,

enquanto elemento decisório central na definição de determinadas questões

públicas. Diferentemente de outras formas de participação política, nas

democracias participativas, ao mesmo tempo em que os cidadãos mantêm sua

autonomia, enquanto núcleo de composição da sociedade civil, também são

empoderados na condição de um dos elementos decisivos no processo de

seleção, execução e fiscalização das políticas públicas.

Propostas que ampliam a participação cidadã na administração pública

potencializam profundas transformações na esfera política.

No modelo tradicional de democracia, a eleição é um fim em si mesma, no

sentido mais preciso do termo: para os eleitores um fim, porque suas

obrigações eleitorais iniciam e finalizam nelas; para os políticos profissionais,

porque sua liberdade começa a partir delas (sem eleitores, sem comícios, etc.)

Numa democracia participativa, as eleições são um meio e não um fim, nada

termina com a eleição dos representantes parlamentares, na medida em que

existe ainda um processo participativo de gerenciamento à continuação.

Ademais, em termos da relação entre os cidadãos e o Estado, a existência de

canais de participação fortes geram laços de compromisso entre indivíduos e

instituições. No entanto, para que isto ocorra é necessário que o sistema de

gerenciamento político apresente determinadas características como:

a. Existência de uma pré-disposição dos governantes para compartilhar

com a sociedade civil os espaços de poder que correspondem a esfera

do Estado;

b. Criação de espaços de comunicação, que articulem representantes da

esfera estatal (governo e/ou parlamento) e da sociedade civil, nos quais

seja possível estabelecer uma mediação decisória entre ambas;

c. Constituição de uma agenda pública de discussões, envolvendo a

cidadania enquanto um todo e/ou seus representantes eleitos;

d. Reconhecimento dos acordos previamente negociados entre Estado e

sociedade civil pelas estruturas estatais ou por mecanismos de co-

gerenciamento públicos.

e. Desenvolvimento de canais alternativos de participação política

explorando, por exemplo, as novas tecnologias de comunicação.

Nesse sentido, a ideia de sistema de participação vem a somar nesta

perspectiva na medida em que representa um canal por meio do qual as

diferentes formas de participação podem ser desenvolvidas de maneira

articulada. Uma perspectiva que pode ser observada muito especialmente a

partir do que estão sendo os primeiros passos de organização do sistema de

participação no Rio Grande do Sul.

3. O Sistema de Participação Gaúcho

O sistema de participação do Rio Grande do Sul é composto por um conjunto

de experiências pré-existentes na região, bem como a criação de novos

espaços de participação. Isto é, não foram criados novos espaços

participativos, mas sim potencializadas propostas que, ou tinham sido

desestruturadas em governos anteriores, ou ainda existiam de maneira

bastante precária.

A reconhecida diversidade das experiências de participação popular do estado,

tais como o Orçamento Participativo, a Consulta Popular, os Conselhos

Setoriais de Políticas Públicas e os Conselhos Regionais de Desenvolvimento

(COREDES), fornecem subsídios para a conformação do sistema proposto.

Entre as diretrizes do Sistema, destacam-se a participação direta do cidadão,

de forma presencial ou digital, na elaboração, monitoramento e avaliação das

políticas, a transversalidade em suas execuções, e a promoção de um diálogo

com a sociedade qualificado e sistemático (SEPLAG/RS, 2011).

Figura 1 – Organograma do Sistema Estadual de Participação

(Fonte: SEPLAG/RS, 2011)

Como pode ser visualizado na figura 1, o Sistema Estadual de Participação

possui um Comitê Gestor Paritário (Sociedade e Governo) e tem sua

coordenação executiva na Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação

Cidadã (SEPLAG/RS). Seus principais eixos de atuação são: decisões

orçamentas, controle social, diálogos sociais e participação digital.

Em 2011, os novos mecanismos criados para compor este Sistema foram:

1. O Gabinete dos Prefeitos, enquanto uma porta para o relacionamento

federativo e para as demandas locais e regionais;

2. o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, reunindo 90

representantes da sociedade civil gaúcha, que aconselham o Executivo

sobre as temáticas do desenvolvimento estadual;

3. o PPA Participativo, que instaurou uma metodologia participativa para

discussão do Plano Plurianual do Governo;

4. o Gabinete Digital, que por meio de ferramentas virtuais, busca o diálogo

entre o Governador e a sociedade; e

5. a promoção de Encontros para o Desenvolvimento nas regiões do

interior do estado.

Em termos de propostas anteriores que ou estavam desarticuladas ou foram

executadas por outras gestões, se destaca o orçamento participativo estadual,

que foi desestruturado pelo Governo Rigotto, em 2003. Retomado em 2012, o

orçamento participativo estadual pretende ser desenvolvido na totalidade dos

municípios gaúchos. Outro importante espaço participativo do sistema de

participação são os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES). Os

COREDES foram criados em 1991, pelo Governador Alceu Colares com o

objetivo de estabelecer uma maior integração regional. Os COREDES

atualmente estão integrados por 28 regiões.

De acordo com a Constituição do Rio Grande do Sul, os COREDES teriam os

seguintes objetivos:

a. Formular e executar estratégias regionais, consolidando-as em planos

estratégicos de desenvolvimento regional;

b. avançar a participação social e cidadã, combinando múltiplas formas de

democracia direta com representação pública;

c. regionalização das estratégias e das ações do Executivo, Legislativo e

Judicial do Rio Grande do Sul, conforme estabelece a Constituição do

Estado;

d. avanço em a construção de espaços públicos de controle social dos

mercados e dos mais diversos aparelhos do Estado;

e. conquistar e estimular a crescente participação social e cidadã em a

definição dos rumos do processo de desenvolvimento gaúcho;

f. intensificar o processo de construção de uma organização social em

favor do desenvolvimento regional; e

g. difundir a filosofia e a prática cooperativa de pensar e fazer o

desenvolvimento regional em associação.

Entre os diferentes espaços participativos estaduais, uma das experiências que

vem se destacando neste inicio do sistema de participação é o CDES/RS, tema

que passaremos a analisar a seguir.

4. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)

As experiências de Conselhos Econômicos e Sociais datam a partir da

Segunda Guerra Mundial e tem como origem os países europeus de maior

tradição corporativa. Em os países europeus, o desenvolvimento das práticas

de concertação revelou uma tentativa de compatibilização entre a democracia

liberal e o sistema capitalista.

Tendo como contexto as políticas consolidadas do Welfare State, os

mecanismos de concertação social trataram do conflito capital/trabalho sem

contestar o modo de organização da produção. Ao invés, almejavam contribuir

para um acordo entre os detentores do capital e os trabalhadores, como no

caso das concertações sobre preços e salários. As tensões entre opostos

emergiram na esfera de discussão, mas com o objetivo de construir propostas

de consenso que beneficiassem ambos os lados. Pode ser afirmado que é

expressiva a polaridade na composição dos Conselhos Econômicos e Sociais

entre participantes detentores de alto capital financeiro e aqueles conectados à

representação de interesses trabalhistas, como no caso das centrais sindicais.

Nessa perspectiva, para que o bom funcionamento do ciclo de produção seja

garantido, é necessário que tenha uma negociação entre empresários e

trabalhadores, evitando, assim, momentos de instabilidade na relação entre

ambos.

Considera-se que Jurgen Habermas está na base conceitual da formação dos

conselhos de desenvolvimento, particularmente os formados a partir da terceira

onda democrática. A integração do Estado com as esferas públicas, bem como

a incorporação de atores sociais relevantes nos processos de democratização

do gerenciamento público, são premissas da formação do CDES nacional e

estadual.

Diferentemente do que frequentemente se afirma, a sociedade civil não sofre

um processo de institucionalização em órgãos como os conselhos de

desenvolvimento. O que sim ocorre é a institucionalização de espaços

democráticos de diálogos sociais, envolvendo Estado e sociedade. Primeiro,

porque nenhuma experiência é capaz de totalizar a presença da representação

da sociedade civil em um espaço público, institucional ou não; segundo, porque

a integração não se dá de forma subordinada.

O resgate das experiências mundiais dos conselhos, particularmente os

modelos europeus, revela em que espaço histórico se inscreve o caso

brasileiro, definitivamente mais identificado com as experiências pós 1970 na

Espanha e Portugal. Também é possível destacar características diferentes

relevantes do CDES, em relação aos modelos europeus da última geração: o

caráter pluralista, não classista da experiência brasileira; e a emergência

socioeconômica e não político-institucional na gênese de sua criação.

De modo geral, pode ser afirmado que os Conselhos se caracterizam pelo

caráter consultivo aos poderes constituídos, tendo a tarefa de emitir opiniões

diante de decisões que remetam às questões sociais e econômicas. Os

destinatários de tais recomendações são os poderes Executivo e Legislativo,

os quais se reservam a prerrogativa da consulta. Apesar da literatura afirmar

que historicamente tais conselhos não desempenham protagonismo nos

processos de tomada de decisões, já que se inserem em o papel de

instituições não majoritárias (AVILÉS, 1992), é preciso atentar para os efeitos

produzidos pelo Conselho em termos das relações com os poderes

constituídos. Além disso, é necessário atentar para o papel que possuem de

intermediários entre o poder político e as forças sociais que o integram.

Segundo Fleury (2003), o surgimento dos Conselhos Econômicos e Sociais

está relacionado: a um ciclo crescente da economia, gerando as condições

materiais necessárias para o consenso sobre como melhor distribuir o

excedente na sociedade; ou a um contexto em que há um acordo sobre a

necessidade da consolidação dos valores democráticos. No entanto, a não

existência de uma base material para fornecer o consentimento não serve de

impedimento para a atuação de um Conselho. Sua eficácia em contextos

recessivos dependeria do grau de adesão dos indivíduos aos valores

democráticos, de modo a possibilitar a geração de consensos sobre como

distribuir.

A constituição do CDES, no Brasil, tem um enorme valor democrático,

principalmente considerar o passado colonial e oligárquico, os vários regimes

militares, a democracia recente, a falta de tradição em processos participativos,

a cultura política de clientelismo e assistencialismo e a incipiente organização

da sociedade civil em as esferas públicas.

Inserindo em uma proposta de convite à representação de interesses sociais

diversos, para além das instituições representativas, o Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República inaugura,

sob os moldes democráticos, a prática da concertação entre os gestores

públicos e os segmentos sociais para o planejamento de políticas nacionais de

médio e longo prazo. O CDES revela-se uma inovação institucional, que busca

debater reformas estruturais, ampliando as discussões a respeito do

desenvolvimento econômico e social. O pacto social proposto dá ênfase à

necessidade de mudanças para superar as desigualdades, sendo que a

discussão de reformas institucionais se fez pauta prioritária da agenda do

Conselho em seus primeiros anos de funcionamento.

O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES – é um órgão de

assessoramento do Presidente da República para a formulação de políticas e

diretrizes específicas, voltas ao desenvolvimento econômico e social,

produzindo indicações normativas, propostas políticas e acordos de

procedimento.

Regulamentado pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, o Conselho

caracteriza-se como um foro consultivo, que visa criar uma esfera institucional

de diálogo entre o governo e os representantes da sociedade civil organizada.

Segundo Trindade (2003), a criação do CDES insere-se em uma proposta de

“novo contrato social”, com a eleição de primeiro mandato do presidente Luiz

Inácio Lula de Silva, em que emerge a discussão sobre novos espaços de

deliberação sobre a temática do desenvolvimento nacional, por meio da

interlocução com setores estratégicos da sociedade civil (TRINDADE, 2003).

Dentro da estrutura institucional, o Conselho possui um caráter consultivo ao

Executivo federal, tendo a tarefa de emitir indicações sobre temas que

remetam às questões sociais e econômicas. Nesse caso, o Estado assume a

iniciativa em convocar representantes sociais para o diálogo de um projeto de

desenvolvimento nacional que atenda aos anseios e às expectativas sociais de

crescimento econômico, aliado à redução das desigualdades e à promoção de

qualidade de vida para a população. Ao compartilhem suas experiências e suas

informações a respeito do que está em questão para resolução, os

conselheiros possibilitam a construção de uma proposta mais inclusiva que

atenda às demandas dos setores sociais representados. O componente da

participação compreende o princípio da deliberação, por meio do qual é

estruturado o consenso. Pelo diálogo entre representantes da sociedade civil e

os gestores públicos, há uma apropriação dos temas para deliberação, de

modo que os documentos oficiais aprovados nas reuniões plenárias buscam

refletir a tentativa de construção de consensos.

Com base em a experiência de diálogo e concertação iniciados em o CDES da

Presidência da República, o modelo inspirou a criação de colegiados análogos

nos níveis regionais e municipais, em variadas regiões do país, congregando

gestores públicos e representantes da sociedade civil.

Estão atualmente em funcionamento os Conselhos de Pernambuco (CEDES -

criado em 2007), da Bahia (CODES – criado em 2008), do Rio Grande do Sul

(CDES/RS – criado em 2011) e do Distrito Federal (CDES/DF – criado em

2011). Estão previstos em legislação estadual, mas não estão em

funcionamento os Conselhos de Desenvolvimento Econômico e Sociais dos

estados de Alagoas (criado em 2007), do Maranhão (criado em 2007) e da

Paraíba (criado em 2009). Nos municípios, há a atuação de Conselhos de

Desenvolvimento Econômico e Social em Goiânia (GO), Canoas (RS), Erechim

(RS), Diadema (SP) e São Carlos (SP).

Os Conselhos regionais e municipais possuem sua estrutura vinculada ao

Gabinete do Executivo e seu funcionamento é similar ao CDES da Presidência

da República, com atividades permanentes de acompanhamento de projetos

estratégicos e subdivisões em grupos de trabalho sobre temáticas do

desenvolvimento. Enquanto um colegiado de assessoramento direto dos

chefes do poder Executivo, a eleição dos conselheiros é dada em função da

eleição destes, buscando garantir a representatividade social. O número de

conselheiros representantes da sociedade civil muda, mas nunca em minoria à

presença dos representantes do governo.

O CDES RS é composto por 90 conselheiros(as) da sociedade civil e 12

Secretários de Estado. Para mapeamento dos setores sociais dos Conselhos,

construíram-se três categorias: de organizações da sociedade civil (entidades,

ONGs, movimentos sociais, Academia); setores industrial e empresarial

(federações, grandes e médios empresários); e setor do trabalho (centrais

sindicais, federações e associações de trabalhadores urbanos e rurais).

Conforme consta abaixo, no gráfico 1, afirma-se que é expressiva a

participação de conselheiros representantes de organizações da sociedade civil

na composição do CDES RS. Dentre as temáticas abrangidas, destacam-se a

representação de movimentos sociais, ONGs, entidades, Academia e

associações diversas que não estão relacionadas à economia e ao trabalho. A

sociedade civil é representada por conselheiros que atuam e militam em áreas

como: educação, direito, saúde, segurança pública, comunicação, meio

ambiente, esporte, religião e ciência e tecnologia. Também a participação de

conselheiros provenientes da relação capital/trabalho merece destaque, pois

totaliza um percentual de 52%. Os representantes do capital, empresários e

grandes industriais, figuram como participantes estratégicos, que trazem ao

Conselho a pluralidade dos setores que compõem a matriz produtiva do

estado. Os setores representados por estes são: agropecuária, indústria,

comércio, setor financeiro, infraestrutura e logística. O setor composto por

representantes sindicais totaliza 17 conselheiros, provenientes de associações

de servidores, cooperativas e sindicatos do estado. Destacam-se a CUT, a

Força Sindical, a CGTB e a FETAG.

Gráfico 1

CDES - RS

Distribuição dos Conselheiros por setores representados

48%

33%

19%

Organizações da sociedade civil Industrial e empresarial Trabalho

(Fonte: elaboração própria)

Utilizando-se das mesmas categorias de setores representados, em

comparação com a distribuição de conselheiros do CDES da Presidência da

República, em seu ano de formação, evidencia-se certa similaridade com a

composição do CDES RS, conforme gráfico 2, abaixo. Entretanto, apesar de

possuírem o mesmo número de conselheiros, totalizando 90, os percentuais

relativos às organizações da sociedade civil e ao setor industrial e empresarial

possuem variações. A criação do CDES RS foi inspirada na experiência do

CDES da Presidência da República, como já referido anteriormente, mas o

Conselho gaúcho foi capaz de agregar uma maior participação de conselheiros

provenientes de organizações e movimentos sociais, totalizando 48%, em

contraste com 36% do Conselho Nacional. A participação do setor industrial e

empresarial neste último é também expressiva no ano de 2003, com 50% da

composição total do quadro. No caso gaúcho, esse percentual reduz para 33%.

O setor do trabalho também possui maior percentual no CDES RS, com 19%.

Gráfico 2

CDES da Presidência da República

Distribuição dos conselheiros por setores representados - ano 2003

36%

50%

14%

Organizações da sociedade civil Industrial e empresarial Trabalho

(Fonte: elaboração própria)

Diferentemente do CDES nacional, que completou oito anos de existência, em

2011, a experiência do CDES do Estado do Rio Grande do Sul ainda é muito

recente; o exercício do diálogo para concertação político-social não possui

resultados mais amplos.

Nesse período de funcionamento do CDES RS, pode ser afirmado que a

experiência tem sido muito desafiadora, especialmente por se tratar de

constituição de um espaço público institucional, que se propõe a promover uma

nova cultura, de amplo debate e concertação social, em um Estado marcado

por quase dois séculos de relações políticas polarizadas.

Segundo Ladislau Dowbor (2010, p. 14), referindo-se a estratégia de criação

desses conselhos em Brasil: “a construção de consensos e a compatibilização

de interesses diferenciados que os conselhos permitem [...] já deram provas de

seu papel importante na construção de processos mais democráticos de

governo”.

Este seria o caso do CDES gaúcho que, no decorrer do ano de sua fundação,

vem organizando boa parte dos principais debates sobre as políticas e

estratégias de desenvolvimento do Estado.

De um modo geral, os conselhos de desenvolvimento propõem-se a este

exercício: promover um ambiente de diálogo que reúna atores sociais num

esforço comum na busca de alternativas para temas complexos e, muitas

vezes, polêmicos, sem gerar derrotados ou vitoriosos, provocando assim uma

ruptura de paradigmas com os defensores de um realismo político baseado na

imposição de maiorias.

As experiências de fóruns com deliberação exclusivamente por consenso,

como as que são tomadas nos espaços de articulação do Fórum Social

Mundial, os COREDES, ou ainda os movimentos via redes sociais,

acompanhados no ano de 2011 em parte de Europa, com suas ações

decididas sem votação, desafiam os modelos democráticos tradicionais. A

validade e a possibilidade de ampliação deste método de decisão, bem como a

atualidade do debate imposto pelas novas dinâmicas sociais, exigem um

estudo rigoroso sobre práticas que podem significar uma nova tendência do

fazer democrático.

Cabe, ainda, destacar que espaços institucionais democráticos de amplo

diálogo e concertação social não dificultam a ação executiva governamental, ou

mesmo movimentos reivindicativos dos atores envolvidos.

De qualquer modo, o crescimento de novas formas de comunicação, o papel

desempenhado pelas redes sociais no confronto a regimes autoritários, ou em

defesa de direitos sociais contra o avanço de políticas neoliberais, o

crescimento das organizações sociais e a incapacidade dos Estados de

responder, sozinhos, à crise econômica mundial, desafiam as democracias.

Da atual crise econômica do capitalismo emerge uma nova ética de

responsabilidade coletiva, tão evidenciada nos movimentos de resistência

política originários das redes sociais, ou, ainda, no trabalho realizado em

ambientes de concertação social. Em artigo escrito durante a criação do CDES,

o então Ministro das Relações Institucionais e Secretário Executivo do

Conselho do Presidente Lula, Tarso Genro, afirmava que tinha,

[...] a necessidade de criação de um novo bloco social dirigente, não excludente, que não pede atestado ideológico, nem político, nem partidário para ninguém, mas que informe uma coesão social que dê sustentabilidade ao processo de transição, de um modelo econômico perverso para um modelo econômico de inclusão e de redução das desigualdades (GENRO, 2003, p. 98).

As forças progressistas, herdeiras das lutas libertárias das organizações

sociais, estão desafiadas a traduzir os novos processos de democratização,

participação e interação das esferas públicas e redes sociais institucionais ou

não, numa nova revolução democrática, portadora de futuro transformador das

relações entre sociedade e Estado. Uma revolução capaz de inaugurar novas

formas de fazer política e exercer a cidadania, através de um pacto social que

ative as modernas formas democráticas, produzindo o amplo diálogo social em

direção à concertação para o desenvolvimento econômico, com inclusão social

e sustentabilidade ambiental.

5. Considerações Finais

Neste trabalho fizemos algumas considerações gerais sobre o desenvolvimento

do sistema de participação no Rio Grande do Sul, experiência que inicia a dar

seus passos a partir do ano de 2012.

De um modo geral ainda não existem dados específicos a partir dos quais a

proposta possa ser analisada, porém consideramos importante sua

apresentação como uma maneira de aprofundar o debate não só em termos de

uma política que começa a ser desenvolvida no sul do Brasil, mas por

considerar que a ideia de sistema de participação representa uma importante

inovação em termos do que vem sendo realizado no campo das políticas

participativas na região.

Pensamos que a proposta de articular diferentes espaços participativos, num

campo comum, potencializa a realização de avanços importantes em termos

das diferentes forças que compõe a sociedade civil, além de também criam

canais para que regiões que sem encontram em etapas diferenciadas em

termos de participação política da cidadania possam fazer parte desse projeto.

6. Bibliografia

ALBUQUERQUE, Esther. Novas tecnologias para a democracia participativa

consultas e orçamento participativo na era digital: governo e redes sociais.

Ciclo de Debates Diálogos RS. Fundação Perseu Abramo (org.) Porto Alegre,

2010.

ALMOND, Gabriel.: “A functional approach to comparative politics” in:

ALMOND, G; COLEMAN, J. The Politics in the developing areas. Princenton:

Princenton University Press, 1960

ARATO, A.; COHEN, J. Sociedade civil e teoria social. In: AVRITZER, L. (Org.).

Sociedade civil e democratização. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

AVRITZER, L.; COSTA, S. 2004. Teoria crítica, democracia e esfera pública:

concepções e usos na América Latina. Revista de Ciências Sociais. Rio de

Janeiro, vol. 47, nº 4, 2004.

AVRITZER, Leonardo; SANTOS, Boaventura de Souza. Para ampliar o cânone

democrático. IN: SANTOS, Boaventura de Souza (org). Democratizar a

Democracia: os caminhos da Democracia Participativa. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2002.

AVRITZER, Leonardo. Teoria democrática e deliberação pública. São Paulo:

Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 2000.

_______. A Moralidade da democracia: ensaios em teoria habermasiana e

teoria democrática. São Paulo: Perspectiva, 1996.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

CÂNEPA, Mercedes Maria Loguercio. Partidos e Representação Política: a

articulação dos níveis estadual e nacional no Rio Grande do Sul (1945 – 1965).

Porto Alegre: UFRGS, 2005.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania, estadania e apatia. Jornal do Brasil,

São Paulo, 24 jun. 2001, p.08.

CASTELLANOS, Renan Rápalo. La teoría del contrato y los procesos de

concertación social em América Latina. 1. ed. Tegucigalpa: PNUD, 2001.

CÔRTES, Soraia Vargas; GUGLIANO, Alfredo. Entre corporativistas e

deliberativos: Uma interpretação sobre os paradigmas de análise dos fóruns

participativos no Brasil. Sociologias, Porto Alegre, ano 12, n. 24, mai.-ago.

2010.

DAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os

dilemas da confluência Perversa. Política e Sociedade, São Paulo, n. 5, 2004.

DOWBOR, Ladislau. Brasil: um outro patamar - Propostas de estratégia.

CDES, Brasília, jul. 2010.

EASTON, David. Esquema para el análisis político. Buenos Aires: Amorrortu

Editores, 1969.

EISENSTADT, Shmuel. Instituciones Sociales. In: SHILLS, Edward (org).

Enciclopedia Internacional de las Ciencias Sociales, Madrid: Aguilar, v. 6. p.

85-94, 1073.

FARIA, Cláudia Feres. Democracia Deliberativa: Habermas, Cohen e Bohman.

Lua Nova, São Paulo, n. 49, 2000.

_______. Fóruns participativos, controles democráticos e a qualidade da

democracia no Rio Grande do Sul. Opinião Pública, Campinas, v. 12, n. 2, p.

378-406, nov. 2006.

FLEURY, Sonia. Concertação e efetividade da ação política: o Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social do governo Lula. In: Congresso

Internacional del CLAD, Panamá. Anais, n. 8, 2003, Disponível em:

<www.clad.org.ve/fulltext/0047205.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2009.

GENRO, Tarso. Democratizar as relações entre governo e sociedade. In:

CORREA, Jaime Montalvo et al. Novos Espaços Democráticos: diálogo

social no Brasil e a experiência da Espanha. São Paulo: Fundação Perseu

Abramo, 2003.

_______. O futuro por armar. Petrópolis: Vozes, 1999.

GOODE, Luke. Jurgen Habermas: Democracy and public sphere. Ann Arbor:

Pluto Press, 2005.

GROSSI, Maria; SANTOS, Mario R. dos. La concertación social: una

perspectiva sobre instrumentos de regulación económico-social en processos

de democratización. Crítica e Utopia, Buenos Aires, n. 9, 1983. Disponível em:

<bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/critica/nro9/GROSSI.pdf> Acesso em:

15 jun. 2010.

GUGLIANO, Alfredo. Democracia, participação e deliberação. Contribuições ao

debate sobre possíveis transformações na esfera democrática. Civitas, Porto

Alegre, v.4, n.2, p.257-283, jul.-dez. 2004. Disponível em:

<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/14/1616>

Acesso em: 21 jul. 2010.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. v. 2 São Paulo: Tempo Brasileiro,

1997.

_______. Mudanças estruturais na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1984.

LUCHMAN, Ligia. A representação no interior das experiências de participação.

Lua Nova, São Paulo, n. 70, p. 139-170, 2007.

MAINWARING, Scott P. Sistemas Partidários – O caso do Brasil. Porto

Alegre: Mercado Aberto, 2001.

MARINGONI, Gilberto. Desenvolvimento, planejamento e atores sociais:

conceito e experiências. Análises e propostas. [s.l], Fundação Friedrich Ebert

Stiftung, n. 36, 2009.

MARSHALL, Thomas. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro:

Zahar, 1967.

MOISÉS, José Álvaro. Os brasileiros e a democracia - bases sócio-políticas

da legitimidade democrática. São Paulo: Ática, 1995.

PARTIDO DOS TRABALHADORES RS. Programa de Governo - Tarso

Genro Governador. Porto Alegre, 2010.

PESAVENTO, Sandra; OSTERMANN, Nilse. História do Rio Grande do Sul.

Porto Alegre: CORAG, 1980.

PINTO, Celi Regina Jardim. A sociedade civil institucionalizada. Politica &

Sociedade, Florianópolis, v. 5, p. 99-116, 2004.

_______. Espaços deliberativos e a questão da representação. Revista

Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 19, n 54, 2004.

PUTNAM, Robert D.. Comunidade e Democracia - A experiência da Itália

Moderna. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Petrópolis: Vozes,

2007.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria executiva do conselho de desenvolvimento

econômico e social do Rio Grande do Sul. Termo de Referência. Dispõe sobre

a Formação da Secretaria Executiva do Conselho de Desenvolvimento

Econômico e Social do Rio Grande do Sul (SECDES) e do Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social (CDES RS). Porto Alegre: Governo do

Estado do Rio Grande do Sul, 2011.

RIO GRANDE DO SUL. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Lei nº

13.656. Cria o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio

Grande do Sul e revoga a Lei 11.931, de 24 de junho de 2003. Porto Alegre,

2011.

SANTOS, Mario dos. Concertación social: redistribución del poder. Revista

Nueva Sociedad, n. 70, 1984.

SEDES. CDES - Relatório Anual de Atividades 2003. Disponível em:

http://www.cdes.gov.br/. Acesso: 18/02/2012.

TAPIA, Jorge R. B. Concertação Social, negociações coletivas e flexibilidade: o

caso italiano (1992-2002). Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol.

46, n. 2, p. 215-263, 2003.

THOMPSON, John. The theory of the public sphere. [s.l.], Theory, Culture &

Society, v. 10, n. 1, p. 173-189, 1993.

URBANI, Giuliano. “Sistema Político”. In: BOBBIO, N.; MATEUCCI, N.;

PASQUINO, G. Eds. Dicionário de Política. Brasília: UnB, 1995.