a parte geral do código civil português

26
A Parte Geral do Código Civil Português Conceito da relação jurídica Sentido Amplo : pode designar-se por relação jurídica neste sentido toda a situação ou relação da vida social que é juridicamente relevante, de modo que é disciplinada pelo Direito. A relação jurídica não abrange, por isso, todas as relações da vida social mas apenas aquelas que, sendo susceptíveis de regulamentação jurídica, são ordenadas pelo Direito. Assim, a relação jurídica é a relação da vida social disciplinada pelo Direito, sendo atribuído a uma pessoa um direito subjectivo e imposta a outra pessoa uma obrigação correspondente de respeitar aquele direito. Sentido Restrito: Pode designar-se por relação jurídica toda a relação da vida social disciplinada pelo Direito, mas só quando esta relação apresenta uma determinada fisionomia típica. Como sabemos, a ordem jurídica contém para a conformação das relações jurídicas no âmbito da autonomia privada um numerus clausus de tipos. Desta maneira, a ordem jurídica condiciona, relativamente à forma e conteúdo, embora em grau variável, a conformação de relações jurídicas, constituídas no exercício da autonomia privada. Direito Subjectivo : 1

Upload: mario

Post on 25-Jun-2015

414 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Parte Geral do Código Civil Português

A Parte Geral do Código Civil Português

Conceito da relação jurídica

Sentido Amplo: pode designar-se por relação jurídica neste sentido

toda a situação ou relação da vida social que é juridicamente

relevante, de modo que é disciplinada pelo Direito. A relação jurídica

não abrange, por isso, todas as relações da vida social mas apenas

aquelas que, sendo susceptíveis de regulamentação jurídica, são

ordenadas pelo Direito. Assim, a relação jurídica é a relação da vida

social disciplinada pelo Direito, sendo atribuído a uma pessoa um

direito subjectivo e imposta a outra pessoa uma obrigação

correspondente de respeitar aquele direito.

Sentido Restrito: Pode designar-se por relação jurídica toda a relação

da vida social disciplinada pelo Direito, mas só quando esta relação

apresenta uma determinada fisionomia típica. Como sabemos, a

ordem jurídica contém para a conformação das relações jurídicas no

âmbito da autonomia privada um numerus clausus de tipos. Desta

maneira, a ordem jurídica condiciona, relativamente à forma e

conteúdo, embora em grau variável, a conformação de relações

jurídicas, constituídas no exercício da autonomia privada.

Direito Subjectivo:

Faculdade ou o poder, reconhecido ou atribuído pela ordem jurídica

ao seu titular, de exigir ou pretender de outrem um determinado

comportamento positivo (fazer) ou negativo (não fazer), ou…

Faculdade, respectivamente o poder, de produzir determinados

efeitos jurídicos que se impõem à outra parte. A produção daqueles

efeitos que se impõem à outra parte pode resultar do exercício de um

direito potestativo directamente por meio de um acto de vontade do

1

Page 2: A Parte Geral do Código Civil Português

próprio titular (com ou sem formalidades) ou indirectamente por

decisão judicial (provocada pela vontade do titular).

Poder de exigir ou pretender ---- » dever jurídico

Poder de produzir um efeito ------» sujeição

O dever jurídico que corresponde ao direito de exigir chama-se

obrigação civil – o seu cumprimento pode ser obtido judicialmente.

O dever jurídico que respeita a um direito de pretender diz-se

obrigação natural – ela não é exigível em tribunal.

Relação jurídica em sentido abstracto: é uma relação virtual que

equivale a determinado tipo (à sua fisionomia típica) tal como ele

está regulamentado na lei, quer dizer, corresponde ao tipo negocial

legal.

Relação jurídica concreta: é uma relação jurídica em que as regras da

relação em sentido abstracto ganham vida num caso concreto

mediante a aplicação a este caso concreto do tipo regulamentado na

lei.

Sintetizando, pode dizer-se que a relação jurídica abstracta é uma

relação virtual ou em potência; ao passo que a relação jurídica

concreta é uma relação jurídica real ou em acto.

Relação jurídica simples: quando a um determinado direito subjectivo

corresponde apenas um dever jurídico ou uma sujeição.

2

Page 3: A Parte Geral do Código Civil Português

Relação jurídica complexa: Se de um dado facto jurídico resultar uma

pluralidade de direitos e/ou obrigações.

A grande maioria das relações jurídicas são relações jurídicas

complexas.

Instituto Jurídico: Conjunto dos preceitos legais relativamente às

relações jurídicas de um determinado tipo. Estes preceitos dão-nos

assim uma imagem daquilo que todas as relações jurídicas deste tipo

possuem em comum, ou seja, uma forma-padrão definidora de todas

elas. Exs: o casamento, a propriedade, a compra e venda.

O instituto jurídico diferencia-se do conceito de relação jurídica

abstracta: a relação constitui a matéria ou objecto regulado; o

instituto é a própria regulação ou disciplina jurídica desse objecto, nas

normas ou princípios que a integram. Os dois termos designam,

portanto, dois aspectos da mesma realidade.

Os diversos institutos não coexistem de uma maneira desconexa,

articulam-se entre si para constituírem institutos jurídicos mais

gerais, os quais se ligam, por sua vez, com outros institutos jurídicos,

formando no último grau a unidade do sistema jurídico.

A estrutura da relação jurídica

Estrutura interna da relação jurídica: designa-se aquilo a que se

chama também conteúdo da relação jurídica, o qual é determinado

por todo o conjunto dos elementos da relação que definem o vínculo

jurídico daí resultante. O vínculo é o centro da relação jurídica, o nexo

que se estabelece entre os seus sujeitos, ligando-os. Este vínculo é

caracterizado pela obrigação que corresponde ao respectivo direito

subjectivo.

3

Page 4: A Parte Geral do Código Civil Português

Estrutura externa da relação jurídica: Corresponde aos elementos

que, no seu conjunto, definem o conteúdo da relação jurídica,

contribuem todos para o estabelecimento do vínculo, mas não fazem

parte dele, sendo-lhe assim exteriores. Uma coisa é o próprio vínculo,

uma outra são os elementos que concorrem para que este se

constitua. Os elementos, no seu conjunto, representam a estrutura

externa da relação jurídica:

- sujeitos;

- objectos;

- factos jurídicos e

- garantia.

Diz Manuel de Andrade, podemos representar a relação jurídica por

uma linha recta. Os pontos terminais dessa linha serão as pessoas

entre as quais a relação jurídica se estabelece. São os sujeitos da

relação jurídica. Por outro lado, essa relação jurídica… pode incidir

sobre determinado objecto… Além disso, ela deriva de determinada

causa… o chamado facto jurídico. Finalmente, para que o poder

jurídico, facultado ao titular do direito subjectivo… tenha sequência…

predispõe a ordem jurídica meios coercitivos adequados, tendentes a

que tal poder obtenha… a sua realização efectiva. É a garantia.

Titular do direito subjectivo = sujeito activo

Titular da obrigação = sujeito passivo

Objecto da relação jurídica: é o direito subjectivo com a

correspondente obrigação, os quais contribuem ambos para

determinar o seu conteúdo. Assim, o objecto decompõe-se nas 2

posições jurídicas em que se encontram os respectivos sujeitos:

posição activa = o direito subjectivo; posição passiva = a obrigação.

Facto jurídico: todo o acontecimento (natural ou acção humana) que

desencadeia ou produz efeitos jurídicos. O facto jurídico é o elemento

4

Page 5: A Parte Geral do Código Civil Português

causal que leva a relação jurídica abstracta, idealizada como tipo na

lei, para o campo da realidade concreta.

Garantia: embora a ordem jurídica conte, em princípio, com o

cumprimento espontâneo das obrigações resultantes de uma relação

jurídica, ela não pode limitar-se a esta posição de confiança. Portanto,

é preciso ou reparar a violação de direito ocorrida ou prevenir contra

a ameaça da violação do direito. A garantia destina-se, deste modo, a

dar efectividade aos poderes do titular do direito subjectivo,

permitindo àquele titular fazer valer o seu direito mesmo que o

obrigado não queira cumprir espontaneamente.

Direito Subjectivo que se traduz num poder de “exigir” ---» garantia:

acção judicial

Direito Subjectivo que confere um “pretender” ----» garantia: o

cumprimento do

direito subjectivo não

pode ser conseguida

por via judicial.

Direito Subjectivo potestativo ---» o obrigado não pode furtar-se ao

cumprimento, uma vez que os efeitos se lhe

impõem, de modo que fica pura e simplesmente

sujeito a eles. Desta maneira, o direito potestativo é

garantido de modo infalível: a garantia apresenta-

nos aqui uma configuração sui generis (até se podia

dizer que os direitos potestativos não possuem

garantia, como elemento distinto deles, sendo esta

já abrangida pelo seu exercício.

5

Mas se o devedor efectuou espontaneamente a sua prestação, não pode reaver (repetir) o que foi prestado (art.º 403.º CC)

Page 6: A Parte Geral do Código Civil Português

Ver esquema no livro do Horster!!

OS ELEMENTOS DA RELAÇÃO JURÍDICA

O CONTEÚDO DA PARTE GERAL

As pessoas em sentido jurídico (sujeitos da relação jurídica) e

os seus direitos imanentes

Pessoa em sentido jurídico: Quem possuir personalidade jurídica.

Personalidade jurídica: Consiste na susceptibilidade de ser sujeito

(titular) de direitos e obrigações ou, por outras palavras, na

possibilidade de ser sujeito – activo ou passivo – de relações jurídicas.

Regime das pessoas singulares: art.º 66.º a 156.º CC

(simultaneamente com o regime dos direitos de personalidade (arts,

70.º a 81.º).

Direitos de Personalidade: direitos imanentes ao homem, quase como

fazendo parte dele.

Art.º 66.º, n.º 1: os homens possuem personalidade jurídica por si,

sem qualquer necessidade de uma concessão ou de um

reconhecimento ou de uma outra atribuição expressa pela lei, pois a

sua personalidade resulta do simples facto do nascimento com vida.

Mas pessoa em sentido jurídico não é apenas a pessoa singular…

Também temos as pessoas colectivas: organizações erigidas pelos

homens e às quais a ordem jurídica atribuiu personalidade. As

pessoas colectivas têm fundamentalmente como substrato ou

organizações de pessoas (sociedades, associações) ou conjunto de

bens, massas patrimoniais (fundações, institutos) que se encontram

6

Page 7: A Parte Geral do Código Civil Português

estruturados e organizados em função de um fim comum a realizar, o

qual transcende as potencialidades individuais.

Ao contrário da pessoa singular, que adquire a personalidade pelo

nascimento, a pessoa colectiva não possui esta qualidade sem mais,

só por si. Não basta a formação e organização do respectivo substrato

na realidade social: é preciso ainda o reconhecimento mediante o

qual a ordem jurídica concede ou atribui personalidade.

Regime das pessoas colectivas: arts. 156.º a 194.º.

Associações sem personalidade jurídica: arts. 195.º a 201.º

As coisas em sentido jurídico (objectos da relação jurídica)

Os possíveis objectos da relação jurídica em geral

a) O objecto imediato da relação jurídica

É o conjunto “direito subjectivo – vinculação”. É, de facto, sobre as

posições jurídicas, os direitos subjectivos e/ou as correspondentes

obrigações, que versam as relações jurídicas, como nos mostram as

mais variadas disposições legais.

Exs.:

- art.º 407.º considera como objectos de certa relação contratual os

“direitos sobre a coisa” (e não a coisa);

- art.º 408.º refere a “transferência de direitos reais sobre a coisa”;

- art.º 420.º contempla uma “transmissão do direito e da obrigação”;

- art.º 424.º, n.º 1 visa a “transmissão da posição contratual”;

- art.º 431.º fala da substituição dos contraentes “nos seus direitos e

obrigações”;

- art.º 446.º, n.º 1 refere o “dispor do direito à prestação”;

- art.º 879.º (e o art.º 954.º) regula a transmissão da propriedade da

coisa ou da titularidade do direito;

- arts. 2024.º e 2032.º, n.º1, referem-se à titularidade das relações

jurídicas patrimoniais.

7

Page 8: A Parte Geral do Código Civil Português

Nos exemplos referidos podemos observar que a lei distingue entre o

direito e a correspondente obrigação, por um lado, e entre aquilo

sobre que o próprio direito subjectivo incide, por outro. Este “aquilo”

é o objecto mediato da relação jurídica.

b) O objecto mediato da relação jurídica

Objecto mediato da relação jurídica: apenas pode ser o que é

susceptível de estar sujeito ao domínio do homem e que é susceptível

de lhe ser atribuído pela ordem jurídica em termos tais que a sua

vontade é juridicamente decisiva para o objecto assim atribuído. O

objecto do direito é aquilo sobre que recai o poder do sujeito. Objecto

mediato é aquilo sobre que podem incidir os poderes que

caracterizam o direito subjectivo.

Exs: uma coisa, um produto intelectual, uma prestação e até um

direito… O homem não pode ser objecto de direito “porque apenas

pode fazer parte de uma relação jurídica conforme a sua condição de

sujeito…, não como mero objecto de decisões de outrem.

O protótipo dos objectos de direito, dos objectos mediatos da relação

jurídica, são as coisas.

Coisas corpóreas: quando sobre estas pode recair um poder de

domínio (exs: animais, objectos em sentido comum…)

Coisas incorpóreas: sobre elas recai um poder de utilização exclusiva

(exs: patentes, programas de computadores, software)

As prestações, ou seja, um determinado comportamento, uma acção

ou uma omissão são também objecto mediato das relações jurídicas

(exs: art.º 397.º, 398.º, 1152.º, 1154.º e ss).

8

Page 9: A Parte Geral do Código Civil Português

De modo igual não existem dúvidas de que um direito pode er objecto

de relações jurídicas [exs: penhor de direitos (arts. 679.º e ss.),

compra e venda (art.º 879.º, a), 2.ª altern.), doação (art.º 954.º, a),

2.ª alter.), usufruto de direitos de crédito (arts. 1439.º, 1446.º, 1463.º

e 1464.º), usufruto de acções ou partes sociais (art.º 1467.º) e

hipoteca sobre direitos (art. 668.º, n.º 1, als. D), c) e e).

As coisas como objectos mediatos da relação jurídica

a) A noção de coisa no sentido do art.º 202.º, n.º 1

Art.º 202.º, n.º 1 – “Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de

relações jurídicas”.

Críticas:

- Consideram esta definição desnecessária, de tipo manualístico;

- Consideram-na incorrecta por compreender – devido à pretendida

equiparação de “coisa” e “objecto da relação jurídica” – além das

coisas propriamente ditas “ainda as prestações, os direitos e até…

pessoas, já que todas estas realidades podem ser objecto de relações

jurídicas.

PÁGS. 202 – 215

OS FACTOS JURÍDICOS E OS NEGÓCIOS (ORIGENS DA RELAÇÃO

JURÍDICA E DA SUA EVOLUÇÃO

Os factos jurídicos em geral

Facto jurídico = todo o acto humano ou todo o acontecimento natural

juridicamente relevante, na medida em que produz efeitos jurídicos.

9

Page 10: A Parte Geral do Código Civil Português

Factos ajurídicos = actos humanos (comportamentos sociais) ou

acontecimentos naturais sem efeitos jurídicos; têm o seu respectivo

significado social ou real, mas juridicamente sem relevância, uma vez

que se verificam no espaço livre de Direito.

O CC fala dos “factos jurídicos” no subtítulo III, do título II da Parte

Geral, depois de tratado “Das coisas”.

Dividido em 3 capítulos:

1) Regime do negócio jurídico (arts. 217.º a 294.º;

2) Actos jurídicos (art.º 295.º);

3) Normas relativas à repercussão do tempo nas relações jurídicas

(arts. 296.º a 333.º).

Assim, o CC não trata de todos os factos jurídicos, pois estão dela

excluídos, dentro da mesma lógica que separa a responsabilidade

contratual da extracontratual, os factos ilícitos e afins e, além disso,

certos factos involuntários (legais e naturais), distribuídos por vários

lugares da lei, bem como as consequências (legais) dos actos

jurídicos. Assim, o subtítulo III não dá um tratamento exaustivo dos

factos jurídicos.

A relevância da vontade a respeito dos factos jurídicos e da

sua classificação; os actos jurídicos

a) A classificação geral em função da vontade

São os factos jurídicos destinados à realização da autonomia privada,

ou seja, os factos correspondentes a uma actuação de acordo com a

vontade da pessoa, aqueles que o subtítulo III põe em relevo.

10

Page 11: A Parte Geral do Código Civil Português

Classificação dos factos jurídicos, conforme o seu relacionamento

com a vontade humana:

1) Factos jurídicos voluntários :

- acções humanas;

- todos os actos jurídicos resultantes da vontade, ainda que

deficiente, de uma pessoa.

É a vontade que provoca o próprio facto ao qual se dirige,

o que não quer dizer que a vontade abranja, de modo igual, os seus

efeitos (a vontade pode abrangê-los ou não, ser relevante ou

irrelevante para eles) – decisiva para a voluntariedade do facto

jurídico é a vontade a seu respeito (e não a respeitos dos seus

efeitos), mesmo que se trate de uma vontade de algum modo

deficiente ou incompleta.

1.a) Factos lícitos (que estão de acordo com a ordem jurídica);

pode acontecer que um facto lícito seja antecedido ou influenciado

por um comportamento ilícito de outrem (ex: coacção moral, dolo…) –

e este comportamento não tira a qualidade de ilícito à actuação do

próprio agente, que está em conformidade com a lei, mas afecta a

sua validade.)

1.b) Factos ilícitos: que são contrários à ordem jurídica; os

efeitos jurídicos produzidos por um facto ilícito traduzem-se numa

sanção civil. A sanção civil procura restabelecer os interesses

privados da pessoa ofendida/reparar os danos sofridos ----» danos

patrimoniais: ou por restauração natural (restabelecimento do estado

anterior), ou por restituição por equivalente (indemnização pecuniária

quando o restabelecimento não é possível ou viável); danos morais: a

indemnização pecuniária tem carácter reparatório e de compensação.

2) Factos jurídicos involuntários :

11

Page 12: A Parte Geral do Código Civil Português

- factos legais;

- factos naturais;

- uma eventual vontade coincidente com um facto legal ou

natural é juridicamente irrelevante.

O próprio facto produz-se independentemente da vontade

humana. Exs: o decurso do tempo, o nascimento, a aquisição da

maioridade, a morte, a acessão natural, o perecimento natural de

uma coisa, etc.

b) Os actos jurídicos (em sentido restrito)

Os factos voluntários lícitos também são chamados actos jurídicos em

sentido lato, conceito que compreende:

- os negócios jurídicos (art.º 217.º a 294.º);

- os simples actos jurídicos / actos jurídicos em sentido restrito

(art.º 295.º);

Negócio jurídico: produz os seus efeitos jurídicos porque estes foram

queridos pela vontade; o negócio jurídico é um acto volitivo-final

quanto aos efeitos previstos; é um acto criador a respeito da

conformação de relações jurídico-privadas. A origem, o conteúdo e as

consequências de um negócio jurídico são o resultado da vontade,

mesmo que as partes não tenham pensado em todos os feitos

possíveis, visto estes poderem ser reconduzidos à sua origem volitiva.

Acto jurídico em sentido restrito: produz os seus efeitos

independentemente da vontade, embora não raras vezes exista

coincidência entre os efeitos produzidos e a vontade do agente. Mas a

esta vontade falta o elemento volitivo-final quanto aos efeitos. Os

12

Page 13: A Parte Geral do Código Civil Português

efeitos de um acto jurídico produzem-se por lei, em virtude de normas

imperativas, sejam os efeitos abrangidos pela vontade ou não.

Ao ter em conta o alcance e o papel da vontade na produção dos

actos jurídicos, distinguem-se os:

- actos reais (para provocar o acto, é normalmente necessário e

suficiente uma simples vontade natural e agir); ex: achado de um

tesouro (art.º 1324.º), a acessão industrial (arts. 1325.º ss., 1333.º ss)

- e os actos quase-negociais (já é preciso que o agente queira e

entenda o acto a produzir); ex: interpelação do devedor (art.º 805.º),

a usucapião (arts. 1287.º, 1289.º, n.º2).

Aos actos jurídicos aplicam-se as disposições sobre os negócios

jurídicos, na medida em que analogia das situações, ou seja, as

razões determinantes dos respectivos preceitos legais o justifiquem

(art.º 295.º). Esta aplicação das disposições sobre os negócios

jurídicos aos actos jurídicos faz-se de acordo com o significado da

vontade para uns e para outros.

Com efeito, os preceitos dispositivos ou supletivos a respeito dos

efeitos dos negócios jurídicos não podem ter aplicação quanto aos

efeitos dos actos jurídicos!

Assim, pode dizer-se que o recurso às regras do negócio jurídico é

tanto mais necessário quanto mais decisivo for o alcance da vontade

como elemento provocador do acto jurídico.

c) O esquema classificativo; distinções complementares

VER ESQUEMA NO LIVRO DO HORSTER

Outras distinções

13

Page 14: A Parte Geral do Código Civil Português

Factos jurídicos positivos (que, sendo acções e não simples omissões,

se traduzem numa alteração de um estado de coisas ou situação de

facto preexistentes) e

Factos jurídicos negativos (que, não sendo acções, consistem na

perduração ou manutenção do estado de coisas anterior;

Factos jurídicos simples (que consistem num só elemento) e

Factos jurídicos complexos (que se compõem de uma pluralidade de

elemntos) – podem ser de formação simultânea (ex: contrato entre

presentes) ou de formação sucessiva (ex: contrato entre não

presentes).

Factos jurídicos resultantes de um agir em nome próprio e

Factos jurídicos resultantes de um agir em nome alheio

(representação) – significa agir dentro de vinculações originadas

pela autonomia do representado.

O negócio jurídico como facto jurídico voluntário (enunciado

geral)

a) O negócio jurídico como produtor de efeitos volitivos ou

pretendidos (efeitos volitivo-finais)

Negócio jurídico pertence aos factos jurídicos voluntários lícitos.

Negócio jurídico é uma declaração de vontade privada que visa a

produção de um efeito jurídico conforme a ordem jurídica por causa

de ter sido querido pelas partes.

14

Page 15: A Parte Geral do Código Civil Português

O negócio jurídico mais importante é o contrato.

O negócio jurídico é o meio por excelência para a realização e a

concretização da vontade dentro dos princípios da autonomia

privada.

Nos negócios jurídicos os efeitos produzem-se em função da vontade

do agente ou são atribuídos ou imputados a esta vontade quando o

agente não previu todas as consequências.

b) As consequências de uma vontade deficiente para os

efeitos pretendidos

Validade de um negócio: corresponde à situação normal e regular.

Porém, os efeitos de um negócio jurídico podem vir a ser prejudicados

quando ocorrer uma invalidade (uma “deficiência genética”, ou seja,

que a vontade dirigida à formação do negócio jurídico e à produção

dos seus efeitos, é afectada por “imperfeições”).

Em consonância com a gravidade que a deficiência genética

apresenta, a lei conhece, em geral, duas modalidades de invalidade:

- a anulabilidade e a

- nulidade.

Anulabilidade: o negócio jurídico produz, desde logo, todos os seus

efeitos pretendidos, embora de uma maneira provisória, sujeitos à

possibilidade da anulação.

Nulidade: o negócio jurídico não produz nenhum dos efeitos jurídicos

previstos e intencionados, podendo, no entanto, dar origem a alguns

feitos jurídicos laterais, estabelecidos na lei, ou certas situações de

facto.

15

Page 16: A Parte Geral do Código Civil Português

Dupla diferença entre as consequências de um negócio anulável e as

de um negócio nulo:

- produção de todos os efeitos pretendidos, por um lado e

ausência de efeitos volitivos, por outro;

- provisoriedade quanto aos efeitos produzidos, num caso, e

certeza quanto aos efeitos não produzidos, noutro.

Os efeitos do negócio jurídico anulável apenas podem ser destruídos

retroactivamente mediante uma acção de anulação (arts. 285.º, 287.º

CC).

No negócio jurídico nulo, o qual nem sequer começou a produzir os

seus efeitos jurídicos pretendidos, não é possível destruir

retroactivamente os mesmos, logo, é apenas proposta uma acção

visando a declaração de nulidade do negócio, nos termos dos arts.

285.º (modifica uma situação jurídica existente) e 286.º (acção

essencialmente declarativa).

Nulidade ---» pode ser invocada por qualquer interessado ou

declarada oficiosamente pelo tribunal.

Anulabilidade ---» Só a pode invocar “as pessoas em cujo interesse a

lei a estabelece”.

Art.º 289.º CC ----» referente quer à nulidade, quer à anulabilidade;

as consequências deste artigo não só se referem às partes do

negócio, mas abrangem também todos os terceiros que entretanto

hajam adquirido com base no negócio inválido.

O art.º 289.º, n.º 1 destrói as aquisições dos terceiros. Contudo, para

atenuar as consequências resultantes da aplicação das regras desse

artigo, em relação a terceiros, o art.º 291.º, estabelece algumas

excepções em que protege o terceiro de boa fé, contra os efeitos

16

Page 17: A Parte Geral do Código Civil Português

teroactivos e as restituições quando dizem respeitos a coisas sujeitas

a registo. Nessa medida, os efeitos subsequentes do negócio inválido

precedente são mantidos.

O tempo e a sua representação nas relações jurídicas

Art.º 296.º a 333.º (prescrição, caducidade e não uso do direito).

Prescrição, caducidade e não uso referem-se a direitos subjectivos e à

legitimidade para os invocar. A sua verificação conduz a um

enfraquecimento ou à extinção do direito em causa.

Contagem dos prazos: art. 279.º (art.º 296.º)

Prescrição (art.º 298.º, n.º1, 300.º a 327.º): tem como efeito que o

beneficiário (o devedor) tem a faculdade de se opor ao exercício do

direito prescrito (art.º 304.º, n.º1) sem, no entanto, este direito se

extinguir (art.º 304.º, n.º 2) – apenas acontece que o direito de exigir

(obrigação civil) fica reduzido a um direito de pretender (obrigação

natural). É uma excepção peremptória (conduz à absolvição do

pedido); a prescrição para ser eficaz tem de ser invocada pelo

beneficiário.

Prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (art.º 309.º, 311.º, n.º1),

mas há prazos inferiores (art. 310.º, 316.º, 317.º).

Todos os prazos começam a correr a partir do momento em que o

direito podia ser exercido (art.º 306.º).

Suspensão da prescrição (art.º 318.º a 322.º); Interrupção (arts. 323.º

a 327.º)

Interrupção = o tempo decorrido fica inutilizado, começando a corre

novo prazo

Suspensão = o período durante o qual ela se verifica não é incluído

no cálculo da contagem do prazo da prescrição.

17

Page 18: A Parte Geral do Código Civil Português

Caducidade (arts. 298.º, n.º2, 328.º a 333.º) – o direito extingue-se a

partir do momento em que expirou o prazo dentro do qual deveria ter

sido invocado. É apreciada oficiosamente pelo tribunal (art.º 333.º,

n.º 1), a não ser quando a caducidade está à disposição das partes

(ex: art.º 416.º, n.º 2 e art.º 333.º, n.º 2 e 303.º CC)

Enquanto que o direito continua a existir, o direito caducado perdeu a

sua existência.

PÁGS. 308 A 311

Personalidade, capacidade jurídica, capacidade de agir e

incapacidades

A personalidade e a capacidade jurídica

Art,º 66.º, n.º 1 – a aquisição da personalidade dá origem à

capacidade jurídica.

Art,.º 67.º - a capacidade jurídica consiste em que as pessoas podem

ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em

contrário.

18

Page 19: A Parte Geral do Código Civil Português

Capacidade jurídica: susceptibilidade de uma pessoa ser titular de

direitos e obrigações; é uma qualidade estática.

Ao contrário do conceito de capacidade jurídica, a personalidade

jurídica não é abrangida pela restrição do art.º 67.º “salvo disposição

em contrário”.

A personalidade jurídica não é susceptível de quaisquer limitações ou

ressalvas, bem diferente da capacidade jurídica, que pode ser mais

ou menos circunscrita.

Capacidade jurídica = dimensão quantitativa

Art.º 67.º = capacidade de gozo; as disposições que impedem o gozo

de certos direitos têm carácter de excepção, e estas ocorrem quando

se verificam certas “qualidades minguantes” na própria pessoa a

respeito de determinados direitos estritamente pessoais. Assim, elas

podem surgir em relação ao casamento, à perfilhação e à feitura do

testamento, conforme está expresso na lei.

A capacidade negocial, de gozo e de exercício

Da capacidade jurídica, como capacidade de gozo distingue-se a

capacidade negocial (entendendo-se esta na idoneidade de adquirir

ou exercer direitos ou de assumir e cumprir obrigações por acto

próprio e com eficácia jurídica, incluindo a possibilidade de agir por

meio de um representante voluntário).

A capacidade negocial pressupõe a capacidade jurídica. Mas uma

pessoa pode ter capacidade jurídica sem possuir simultaneamente a

capacidade negocial.

Enquanto a capacidade jurídica, como capacidade de gozo, significa a

susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas ou de ter direitos

19

Page 20: A Parte Geral do Código Civil Português

subjectivos, a capacidade negocial respeita à idoneidade de se tornar

sujeito de relações jurídicas ou titular de direitos subjectivos.

Capacidade de gozo = elemento estático

Capacidade negocial = elemento dinâmico

Se estes direitos forem de natureza estritamente pessoal, de modo

que não podem ser assumidos por outrem em nome e em vez do

titular, a capacidade para se tornar titular daqueles direitos chama-se

capacidade negocial de gozo (art.º 1600.º, 1601.º, 1591.º, 1850.º,

2188.º)

Noutros casos, a capacidade para participar no tráfico jurídico chama-

se capacidade de exercício. Esta capacidade é adquirida quando se

atinge a maioridade. Antes da maioridade, as pessoas carecem em

princípio desta capacidade, precisamente por serem menores. Mas há

casos em que também não a possuem, apesar de terem atingido a

maioridade, ou seja, quando há incapacidades que resultam de

factores existentes e situados na própria pessoa do incapaz.

Ao contrário da capacidade negocial (de gozo e de exercício), a

capacidade jurídica não pressupõe discernimento ou a vontade de

entender e querer, uma vez que diz respeito à mera titularidade e

não se refere à idoneidade da participação no tráfico jurídico.

20