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A PANDEMIA de Covid-19 E OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL NOTA TÉCNICA REALIZAÇÃO Fundação Getulio Vargas Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) PESQUISADORES RESPONSÁVEIS Gabriela Lotta Michelle Fernandez Marcela Garcia Corrêa Giordano Magri Claudio Aliberti de Campos Mello Amanda Lui Beck jul/2020 2ª Fase

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Page 1: A pAndemiA de Covid-19 e os profissionAis 2ª Fase …...A pAndemiA de Covid-19 e os profissionAis de sAúde públicA no brAsil noTA TÉcnicA reAliz Ação Fundação Getulio Vargas

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionAis de sAúde públicA no brAsil

n o TA T É c n i c A

r e A l i z A ç ã o

Fundação Getulio VargasNúcleo de Estudos da Burocracia (NEB)

p e s q u i s A d o r e s r e s p o n s á v e i s

Gabriela LottaMichelle FernandezMarcela Garcia CorrêaGiordano MagriClaudio Aliberti de Campos MelloAmanda Lui Beck

j u l / 2 0 2 0

2ª Fase

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A pAndemiA de Covid-19 e os profissionAis de sAúde públicA no brAsil

2ª Fase

dos(as) proFissionais de sAúde senTem medo do

novo coronAvírus

85,5%

senTe medo?

colegA que TesTou posiTivo:

em mÉdiA,dos(as)profissionAis conhecem Algum colegA diAgnosTicAdo por Covid-19

80%

acs/ace

Médico(a)

Profissional deenfermagem

Outros

sim

19,1%

47,3%

33,9%

36%

não

80,1%

52,7%

66,1%

64%

sim

30,3%

62,8%

64,7%

61,6%

não

69,7%

36,2%

35,3%

38,4%

sim

12,9%

41,3%

48,5%

41,1%

não

87,1%

58,7%

51,5%

58,9%

prepAro? em mÉdiA, ApenAs 30,7%

dos(as) proFissionais de sAúde se senTem

preparados(as) para lidAr com A crise

recebeu epi? em mÉdiA, meTAde

dos(as) proFissionais recebeu os

equipAmenTos de proTeção individuAl

(epis) neCessários

recebeu TreinAmenTo? em mÉdiA, 68,8%

dos(as) proFissionais de sAúde não recebeu

TreinAmenTo pArA enfrenTAr A crise

epi

recebeu Apoio A sAúde menTAl? ApenAs

20% dos(as) proFissionais disse Ter recebido Algum Tipo de Apoio pArA cuidAr dA sAúde menTAl

senTe que A sAúde menTAl foi AfeTAdA? em mÉdiA,

78,2%dos(as) proFissionais

Alegou que A suA sAúde menTAl foi AfeTAdA

pelA pAndemiA

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A pAndemiA de Covid-19 e os profissionAis de sAúde públicA no brAsil

apresentação1

A pandemia do novo Coronavírus é o maior desafio contemporâneo. A crise sanitária e o potencial alargamento

das desigualdades sócio-históricas são apenas dois dos inúmeros efeitos gerados pela COVID-19. Nesse

contexto, a área da saúde se tornou o principal foco do debate público nos últimos meses: no Brasil e no

mundo, as discussões acerca do funcionamento dos sistemas de saúde e das complexidades envolvendo

a rápida disseminação e as consequências do vírus às pessoas contaminadas ocuparam as reportagens de

revistas e jornais e as videoconferências impostas pela pandemia. Dentre os(as) trabalhadores(as) que atuam

na linha de frente, um segmento em especial merece destaque: dos(as) profissionais de saúde pública.

Em alguns países europeus como França, Itália e Espanha, a atuação dos profissionais de saúde foi

constantemente apoiada pela população por meio de manifestações públicas. Em outros casos, o olhar

foi inverso: profissionais foram reprimidos nos transportes públicos por pessoas que tinham medo de ser

contaminadas e em algumas ocasiões foram agredidos quando se manifestavam nas ruas por melhores

condições de trabalho, como ocorreu durante o mês de maio, no Brasil. Em contato direto com as

pessoas contaminadas, os profissionais de saúde estão constantemente expostos ao vírus. Até dia 17

de julho, segundo o Conselho Federal de Enfermagem, o número de casos confirmados de COVID-19

em profissionais da área era de 26.954, com óbitos confirmados2. Esse montante representa cerca de

30% do total de mortes de profissionais de enfermagem por COVID-19 no mundo3. No caso de Agentes

Comunitários de Saúde(ACS) e de Combate às Endemias (ACE), que exercem um trabalho de extrema

importância na Atenção Primária, o número de óbitos ultrapassa 46 casos4. De acordo com dados do

Ministério da Saúde, no fim de maio tínhamos cerca de 10.788 médicos infectados e 18 mortes entre

esses profissionais5. Ainda que não encontremos dados sistematizados e atualizados para infecção e óbito

de médicos, sabemos que após mais de 4 meses do início da pandemia de COVID-19 no Brasil essas cifras

estão bem elevadas. Em termos gerais, o Brasil ultrapassa 2 milhões de pessoas infectadas e mais de 75

mil mortes acumuladas nos últimos cinco meses.

1 Agradecemos o apoio das diversas instituições que auxiliaram na divulgação da pesquisa, em especial: Conacs, Cofen, Coren-SP, Simesp, CRM-DF, SinMedRJ, Coletivo Adelaides, IEPS, GV Saúde. Também agradecemos a colegas que ajudaram de diversas formas na pesquisa: Pesquisadores do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB), Mario Aquino Alves, Lauro Gonzalez, Mario Monzoni, Ana Maria Malik, Adriano Massuda.

2 Dados extraídos do portal: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/. Os principais casos se concentram nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (ambos com 4 mil casos, respectivamente), epicentros da pandemia, além de Bahia, Pernambuco, Ceará, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (com mais de mil casos).

3 Disponívelem:https://www.brasildefato.com.br/2020/06/19/brasil-tem-record-de-mortes-de-profissionais-da-enfermagem-por-covid-19,combase em dados do Cofen

4 Disponívelem:http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/agentes-de-saude-na-mira-da-covid-19

5 Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/06/12/169-profissionais-de-saude-morreram-com-a-covid-19-segundo-relatorio-do-ministerio-da-saude.ghtml

2ª Fase

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Com um cenário crítico que tende a se agravar, é preciso pensar nos(as) profissionais que atuam no

contato direto com a população, o que a literatura sobre políticas públicas chama de “linha de frente”

ou “nível da rua” (LIPSKY, 1980 [2019]). Assim, o presente relatório, organizado pelo Núcleo de Estudos

da Burocracia (NEB FGV-EAESP), busca apresentar de forma sintética os resultados da segunda etapa de

uma pesquisa voltada a entender os impactos da pandemia nestes trabalhadores. Os dados apresentados

aqui foram extraídos de um survey online realizado com 2.138 profissionais da saúde pública no Brasil.

O intuito foi de compreender qual a percepção destes profissionais sobre os impactos da crise em seu

trabalho, bem-estar e modo de agir cotidianamente.

NOta metOdOlógica

A coleta dos dados aqui apresentados foi realizada a partir da aplicação de um survey online6, realizado

entre os dias 15 de junho de 2020 e 1º de julho de 2020. Os resultados são frutos de uma amostra coletada

por conveniência (não probabilística), que se delimita a partir de respostas voluntárias ao questionário7.

Esse tipo de amostragem é comumente utilizado por estudos exploratórios, principalmente no campo de

estudos organizacionais, e produz resultados interessantes (BRYMAN, 2016). No entanto, uma limitação

das amostras não probabilísticas é a incapacidade de realizar generalizações mais amplas. As dificuldades

impostas pela pandemia impediram a realização de um desenho amostral probabilístico. Por esse motivo,

os resultados aqui expostos não podem e nem devem ser generalizados para o universo de profissionais

de saúde pública no Brasil.

No mais, o contexto de urgência permite uma maior aceitabilidade do uso da amostra por conveniência8,

uma vez que há uma grande oportunidade de preencher uma lacuna de falta de informações sintéticas e

descritivas sobre a realidade desses profissionais na linha de frente.

Cumpre salientar que o formato de pesquisa adotado na presente investigação também foi utilizado por

outros grupos de pesquisa no mundo que buscaram investigar as condições dos profissionais de saúde no

combate ao novo Coronavírus (GAVIN et al., 2020; LIA et al., 2020) e no contexto de antigas pandemias

(KHALID et al., 2016; LIN et al., 2007).

A crise do Coronavírus demanda diagnósticos emergenciais e respostas rápidas. Dessa forma, a

estatística realizada nos resultados ora apresentados é puramente descritiva, uma vez que só pode ser

vista como uma espécie de balanço sobre a população “entrevistada” (isto é, 2.138 respostas válidas dos

profissionais respondentes)9. É exclusivamente sobre a percepção dessas pessoas que se pode afirmar

algo. A falta de inferência estatística, portanto, não invalida os dados, apenas circunda a análise a um

universo específico (n = 2.138).

6 O “survey” corresponde a um método de coleta de dados e se delimita a partir da construção de um roteiro estruturado de perguntas elaboradas e ordenadas a partir da pergunta de pesquisa (research question) delimita pelos(as) pesquisadores(as). Ainda, segundo Bryman (2016) as vantagens de se aplicar um “survey online” são: (i) o desenho do questionário permite perguntas condicionadas; (ii) fácil visualização do questionário e múltiplas formas de perguntas (abertas, múltipla escolha, numéricas, áudios, etc); (iii) conversão automática em uma base de dados, o que facilita o processo decodificaçãodasinformações.

7 Paraampladivulgaçãodoquestionário,olinkdeacessoàwebpagefoidifundidoemredessociaisdeprofissionaisdesaúdedetodoopaís.Inclusive,antigoscontatosestabelecidosnaprimeirafasedapesquisaforamretomados.Outrosgruposcomorepresentantesdosprofissionaisdesaúde como o Conacs, os Corens o Cofen também foram acionados.

8 BRYMAN, Alan. Social research methods. Oxford university press, 2016, p. 299.

9 Vale mencionar que foram recebidas 2.281 respostas iniciais, das quais 127 eram duplicadas (e por isso foram retiradas da presente análise), 13 correspondiamaprofissionaisdosetorprivado(equenãoatuamnasaúdepública,focodainvestigação)e3eramprofissionaisdaassistênciasocial.

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A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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Vale mencionar que o presente esforço corresponde à segunda fase da pesquisa “A pandemia de COVID-19 e

os profissionais de saúde pública no Brasil”10. A continuidade da investigação iniciada em abril deste ano se fez

necessária à medida que o cenário nacional da pandemia do novo Coronavírus tem continuamente se agravado

em termos do número de mortes e casos confirmados. Mais do que isso, a adoção de algumas medidas precoces

de “reabertura” econômica adotadas em diversos estados e deliberada pelo governo federal colocam em risco

a saúde e vida de boa parte da população, em especial os profissionais de saúde que atuam na linha de frente.

A segunda fase da pesquisa sofreu algumas adaptações, entre as quais o desenho do questionário foi

revisado e aprimorado – inclusive a partir da adaptação de perguntas antes de caráter aberto e dos

aprendizados cumulados. Entre a primeira e a segunda fase da pesquisa, é possível perceber um salto de

mais de 700 respostas, cenário que pode estar ligado a maior capilaridade do alcance das redes dos(as)

profissionais e confiabilidade na pesquisa após a divulgação dos primeiros resultados.

A amostra de 2.138 respondentes diz respeito a profissionais de saúde pública que atuam em todas as

Unidades da Federação (UF). Um esforço adotado, a despeito do caráter não probabilístico da amostra, foi

a tentativa de aproximação proporcional das informações da amostra ao universo, a partir da desagregação

tanto por região como por profissão11. Tal medida foi adotada como um controle de credibilidade dos

dados, e se baseou no constante cálculo dos percentuais representados na amostra em comparação aos

respectivos universos12 ao longo dos 15 dias em que o questionário esteve aberto. Como resultado desse

procedimento, há uma certa aproximação, em termos percentuais, da amostra obtida com a realidade.

As análises presentes nesse relatório são, portanto, referentes a estatística descritiva à luz do universo

de respondentes (sem que possa ser feita qualquer inferência ou generalização sobre a população). Em

concomitância, no que tange às informações qualitativas coletadas (oriundas das perguntas abertas),

foram realizados procedimentos de categorização a fim de encontrar possíveis padrões e tendências13.

No que tange o perfil regional da amostra, há a seguinte distribuição: 9,3% do Centro Oeste; 35,8%

do Nordeste; 5,8% do Norte; 39,2% do Sudeste; e 10% do Sul. As principais Unidades da Federação

representadas são São Paulo (23,5%), Bahia (11%), Minas Gerais (10%) e Rio Grande do Norte (10%).

Em termos gerais, o perfil majoritário dos(as) respondentes é: mulheres negras e brancas (cada um desses

grupos representa 37,5% e 37% do total, o que junto corresponde a 74,6% da amostra)14. Há também

uma concentração de respostas de profissionais da Atenção Básica (60% da amostra). A divisão por

gênero observada é de 77,3% mulheres (brancas, negras, indígenas, amarelas), 20% homens e 2,7% que

preferiram não mencionar. No que tange à raça/cor, 48,3% se autodeclaram negras; 46,7% brancas, 1,8%

amarela, 0,1% indígena e 3% que preferiram não declarar. Ademais, a apresentação dos dados que aqui se

segue foi organizada a partir das categorias profissionais, que subdivididas em: 1) Os agentes comunitários

de saúde e de combate às endemias (ACS e ACE, que correspondem a 40,7% dos(as) profissionais da

10 Para mais detalhes sobre, conferir a nota técnica com os resultados referentes a primeira etapa (cujos dados foram coletados entre 15 de abril de2020e1ºdemaiode2020):https://neburocracia.files.wordpress.com/2020/06/rel01-saude-covid-19.pdf

11 OsdadosdouniversosãonocasodosprofissionaisdeenfermagemeACS/ACE:9,1%noNorte;27,2%noNordeste;41,4%noSudeste;14,8%noSul;7,6%noCentroOeste.Ademais,os(as)profissionaisdeenfermagemrepresentam73%dessesuniversoenquantoosACS/ACE27%.Assim,naatual pesquisa, há uma sobrerrepresentação dos ACS/ACE.

12 AsinformaçõesextraídasdosuniversosforamretiradasdaClassificaçãoNacionaldasAtividadesEconômicas(CNAE)doIBGE.

13 Para a análise de conteúdo/codificação, utilizamos os critérios descritos em: SALDAÑA, Johnny. The coding manual for qualitative researchers. Sage, 2015;

14 Porprofissãooqueseobservaé:53,9%dos(as)ACSeACEsãomulheresnegras;48%dos(as)médicos(as)sãomulheresbrancas;46,5%dos(as)profissionaisdeenfermagemsãomulheresbrancase36%mulheresnegras.

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A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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amostra); 2) os(as) profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, que

expressam 20,8% dos(as) respondentes); 3) médicos(as), que somam 14,7% das respostas; e 4) as demais

profissões que atuam tanto na Atenção Básica como Hospitalar e Especializada15, incluindo gestores de

equipamentos (cujo percentual é de 23,8% das respostas).

Quanto ao tempo de atuação, 66,3% dos(as) profissionais respondentes exercem seu trabalho na respectiva

área há mais de 10 anos. Em concomitância, 62,1% atua há mais de 10 anos na atual localidade em que

trabalha. Em relação àqueles que declararam possuir vínculos prévios com o bairro/comunidade em que

atuam (75% dos(as) respondentes), os principais tipos de laços existentes são: residência atual; local de

nascimento; relações familiares; frequenta a Igreja/culto/terreiro do bairro; reside em região próxima.

60,3% informou morar na região, 43,8% disse que nasceu no local, 36,8% mantêm relações familiares e

13,2% alegaram frequentar a Igreja/culto/terreiro do bairro.

PaNOrama geral: O que Os dadOs NOs dizem?

Como abertura da pesquisa, foi perguntado aos(às) participantes se eles(as) sentiam medo do novo Coronavírus.

Os resultados extraídos a partir da pergunta demonstram que 85,5% dos(as) profissionais responderam

positivamente. Quando os dados são desagregados por região, é possível observar uma baixa variação desse

resultado, sendo a distribuição de afirmações sobre o sentimento de medo: Centro Oeste (88,9%), Nordeste

(86,4%), Norte (82,1%), Sudeste (84,1%) e Sul (85,9%). Ademais, o Gráfico 01 abaixo demonstra o comportamento

das respostas por profissão. Vale destacar que os(as) ACS/ACE são os(as) que proporcionalmente sentem mais

medo (88%), enquanto os(as) médicos(as) e os(as) profissionais de enfermagem possuem uma visão um pouca

mais positiva em relação a esse sentimento (79% e 83%, respectivamente).

gráfico 01 - medo do novo coronavírus - por profissão (%)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.

15 Estão incluídos nesta categoria os profissionais das equipes de NASF (fisionterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas etc);profissionaisdasáreasadministrativasdeatendimento(recepção,portaria),gestores(gerentesecoordenadoresdeequipamentos),farmacêuticos,biomédicos,técnicosdelaboratórioeetc.

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%acs e ace Médico(a) outroProfissional de

enfermagem

Não sim

11%

89%

21%

79%

14%

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17%

83%

6

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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Em concomitância, 80% das pessoas que responderam ao questionário afirmam conhecer um(a) colega

que possui diagnóstico positivo para COVID-19 ou que está com suspeita.

No que se refere à sensação de preparo para enfrentar a crise, é possível observar que apenas 30,7%

dos(as) profissionais de saúde se sente preparado(a). Por região, a distribuição percentual das respostas

positivas demonstra que os(as) respondentes do Centro Oeste (24,3%) e Nordeste (23,9%) se sentem

em cerca de 7 pontos percentuais mais despreparados(as) que o panorama geral da amostra. Os(As)

profissionais da região Sul (37,6%) e Sudeste (36,7%) são os mais confiantes nesse quesito, enquanto os(as)

da região Norte apresentam a percepção positiva em 30% dos casos. A seguir, o Gráfico 02 demonstra que

a maior parte das ACS/ACE (80%) não se sente preparada para enfrentar a crise do coronavírus, resultado

diferente do encontrado entre os(as) médicos, em que 53% se sente despreparado(a).

gráfico 02 - sensação de preparo - por profissão (%)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.

A sensação de segurança e preparação para lidar com a crise é

um componente essencial para manutenção do trabalho nas

conformidades adequadas e para o bem-estar dos profissionais

do “nível da rua”. Assim, a distribuição de equipamentos

de proteção individual (EPIs) adequados é importante

para proteger o(a) profissional de possíveis contágios,

garantindo assim sua segurança e dos pacientes

que atende. Em termos gerais, metade dos(as)

respondentes recebeu EPIs para trabalhar. Já a

distribuição regional aponta a seguinte realidade

nesse quesito: Centro Oeste (48,8%), Nordeste

(34,6%), Norte (38,2%), Sudeste (61,6%)

e Sul (66,7%). Assim, o que se observa é

uma desigualdade regional quanto à

confirmação de EPIs recebidos para

“Medo do desconhecido, sensação de que poderemos

permanecer num vai-e-volta por muito tempo até

encontrarem a vacina, o distanciamento social, muito

necessário, mas que nos distancia de todos que gostamos e o medo de

perder pessoas importantes.”

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%acs e ace Médico(a) outroProfissional de

enfermagem

Não sim

80%

20%

53%

47%

64%

36%

66%

34%

7

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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lidar com a crise - o que pode afetar a sensação de preparo desses(as) profissionais. No Nordeste e Norte,

haveria uma certa lacuna na distribuição dos equipamentos essenciais de trabalho.

Aliado a isso, é possível observar a partir do Gráfico 03 que 70% dos ACS/ACE não receberam esses

equipamentos. Tal cenário é crítico, uma vez que estes profissionais são indispensáveis para Estratégia

de Saúde da Família, e atuam diretamente nos territórios, com a realização de visitas domiciliares e

acompanhamento das famílias nas comunidades.

gráfico 03 - distribuição de equipamentos (ePi) - por profissão (%)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.

Dos(as) profissionais de saúde que receberam os EPIs (n = 1066), 22,8% dos(as) consideram de excelente

qualidade, 53,6% alegam ser boa e 23,5% baixa ou péssima. No caso dos ACS/ACE, cuja proporção de

declaração de recebimento é a mais baixa dentre todas as categorias representadas, 32,1% consideram

os EPIs de baixa ou péssima qualidade.

Aliado à distribuição de materiais adequados para proteção individual (EPIs), o treinamento dos(as)

profissionais de saúde para lidar de forma padronizada e seguindo indicações do Ministério da Saúde

é imprescindível para que se sintam seguros(as) e possam realizar seu trabalho cotidianamente. Chama

atenção o resultado de que apenas 31,2% dos(as) profissionais respondentes recebeu treinamentos sobre

como atuar na linha de frente. Mais uma vez, as desigualdades regionais são acentuadas à medida que no

Nordeste e Norte esse valor se reduz para 18,4% e 26%, respectivamente - enquanto nas demais regiões

remanesce entre 30 e 40%. O Gráfico 04 a seguir expõe que os(as) ACS/ACE são os que menos receberam

treinamento (apenas 13%).

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%acs e ace Médico(a) outroProfissional de

enfermagem

Não sim

70%

30%

36%

64%

38%

62%

35%

65%

8

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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gráfico 04 - treinamento - por profissão (%)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.

Os equipamentos de testagem também fazem parte dos recursos essenciais para combater a pandemia,

uma vez que são instrumentos que permitem o diagnóstico pessoal dos(as) profissionais, seus(suas)

colegas e também dos(as) pacientes que atendem. Em termos gerais, apenas 35,2% dos(as) profissionais

respondentes alegou ter recebido esse tipo de equipamento. Ainda, o Gráfico 05 abaixo expressa que,

se compararmos proporcionalmente o cenário das respostas por profissões, os(as) ACS/ACE alegam

ter recebido menos equipamentos de testagem (apenas 27% de respostas positivas). Com isso, há uma

considerável distância com a realidade descrita pelos(as) médicos(as) - 43% de respostas positivas - e

pelos(as) profissionais de enfermagem (41%).

gráfico 05 - distribuição de testagem - por profissão (%)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%acs e ace Médico(a) outroProfissional de

enfermagem

Não sim

87%

13%

59%

41%

59%

41%

51%

49%

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%acs e ace Médico(a) outroProfissional de

enfermagem

Não sim

72%

27%

56%

43%

63%

36%

58%

41%

9

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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Nesse mesmo quesito, distribuição de testagem, temos a seguinte distribuição por região: Centro Oeste

(54%), Nordeste (31%), Norte (39%), Sudeste (32,3%), Sul (41,8%).

Com a complexidade da crise, exige-se que os(as) profissionais sejam devidamente treinados(as),

orientados(as), equipados(as), se sintam preparados(as), recebam suporte de seus superiores e dispositivos

de testagem rápida. O Gráfico 06 compila o resultado dessas dimensões, desagregando-as por tipo de

serviço de saúde (Atenção Básica, Hospitalar, Especializada e Gestão). As percepções dos(as) profissionais

da Atenção Básica demonstraram uma tendência que se afasta dos demais serviços, e lança luz a um

possível cenário de sensação de falta de apoio.

gráfico 06 - Percepções sobre suporte, testagem, orientações, treinamento, equipamentos e preparo - por serviço (%)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.

“Estamos lidando com o invisível, essa doença leva cinco dias para começar aparecer os sintomas isso já é um motivo de preocupação em todas as vezes que atendemos um paciente suspeito ou caso confirmado. Não sabemos se fomos ou não contaminados, há demora nos resultados do exame Swab, não temos kits suficientes para teste rápidos para nós profissionais, estamos trabalhando dobrado correndo risco de vida e não somos valorizados. Sofremos discriminação nos transportes coletivo etc...”

recebeu suporte dos supervisores

recebeu testagem

recebeu orientações da chefia

recebeu treinamento

recebeu equipamentos

sente-se preparado

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0%

gestão atenção especializada atenção Hospitalar atenção Básica

53,548,8

50,928,7

25,043,9

33,333,7

53,564,9

66,757,2

42,253,5

41,419,9

51,768,8

60,841,1

42,239,840,1

24,2

10

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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Como é possível observar no Gráfico acima, apenas 28,7% dos(as) profissionais da Atenção Básica

acreditam ter recebido orientação dos(as) supervisores(as). Quando indagados sobre suporte da chefia, a

percepção cresce para 57,2%. Vale mencionar que no caso dos(as) profissionais da Atenção Especializada

e Hospitalar esses números sobem: 48% e 50,9% sente que recebeu suporte dos supervisores e 64,9% e

66,7% da chefia, respectivamente. Esses dados denotam que, no geral, a Atenção Básica tem sido menos

valorizada enquanto nível estratégico de atenção para o enfrentamento da pandemia, o que coloca seus

profissionais em uma situação de maior vulnerabilidade (FERNANDEZ; LOTTA, 2020).

O Gráfico abaixo demonstra que os(as) ACS/ACE são os que se sentem proporcionalmente menos apoiados

por seus supervisores (22%). Esse valor se distancia em mais de 20 pontos percentuais das demais profissões

- com destaque para os(as) médicos(as), que apresentam uma percepção positiva de 49%. Os ACS/ACE

percebem menos que os(as) demais sobre as orientações recebidas pela chefia (54% contra 62% e 66%).

gráfico 07 - Percepção positivas sobre orientações da chefia e suporte de supervisores - por profissão (%)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.Nota:o100%correspondeaouniversoderespondenteseasporcentagensexpressasnográficodizemrespeitoàspercepçõespositivas(Sim=1).

Em relação às orientações da chefia, a divisão por região segue da seguinte forma: Centro Oeste (66,2%),

Nordeste (55,2%), Norte (49,6%), Sudeste (62,6%) e Sul (63,4%). Já no que tange ao apoio de supervisores

temos: Centro Oeste (36,9%), Nordeste (28,8%), Norte (32,5%), Sudeste (44,3%) e Sul (41,8%). Mais uma

vez, os(as) profissionais das regiões Norte e Nordeste apontam para uma percepção de menor apoio

institucional para combater a pandemia.

Em paralelo, a pesquisa buscou investigar se os respondentes identificam ações de proteção e suporte por

parte das três esferas de governo. O resultado obtido expressa que os(as) profissionais de saúde acreditam

mais na existência de ações dos governos subnacionais (municipal e estadual) do que federais (em que

acs/ace médico(a) Profissional de enfermagem Outro

Orientação da chefia suporte dos supervisores

54%

23%

66%

45%

62%

49%

62%

48%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

11

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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apenas 22% respondeu positivamente). Tal panorama pode estar ligado ao

desgaste das instituições nacionais. Vale mencionar que o Ministério da Saúde

está oficialmente com uma equipe interina há aproximadamente dois meses.

gráfico 08 - Percepção sobre proteção dos governos aos profissionais de saúde pública

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulio Vargas, 2020.

Quando observamos o comportamento dos dados por profissão e por região temos os resultados

expressos nas tabelas abaixo.

tabela 01 - Percepção positiva sobre a ação dos governos - por profissão

governo municipal governo estadual governo Federal

acs/ace 33,2% 33,2% 22,5%

Médico(a) 43,2% 42,2% 23,2%

Profissional de enfermagem 43,1% 40,0% 19,1%

outro 55,3% 52,0% 21,9%

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.Nota:o100%correspondeaouniversoderespondenteseasporcentagensexpressasnatabeladizemrespeitoàspercepçõespositivas(Sim=1).

“Falta de apoio do presidente, ministro da saúde (que no momento não temos) entre outros motivos. Vejo que estamos sem suporte, sem estrutura de planejamento para o enfrentamento ao coronavírus”

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Não sim

58%

42%

60%

40%

78%

22%

governo municipal governo estadual governo Federal

12

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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tabela 02 - Percepção positiva sobre a ação dos governos - por região

governo municipal governo estadual governo Federal

centro-Oeste 30,8% 34,3% 18,7%

Nordeste 40,3% 41,8% 23,7%

Norte 38,2% 39,8% 21,1%

sudeste 44,0% 37,3% 19,8%

sul 53,1% 53,5% 25,8%

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.Nota:o100%correspondeaouniversoderespondenteseasporcentagensexpressasnatabeladizemrespeitoàspercepçõespositivas(Sim=1).

A pesquisa avaliou também em que medida os(as) profissionais estão fazendo articulações com outros

serviços públicos a fim de buscar alternativas para resolver as problemáticas que enfrentam. Este tipo de

articulação intersetorial é especialmente importante em momentos de crise, quando as vulnerabilidades

se exacerbam. O Gráfico 09 abaixo aponta que apenas 30% dos(as) respondentes alegaram ter realizado

algum tipo de articulação com outros serviços durante a crise.

gráfico 09 - Panorama geral da articulação dos profissionais de saúde com outros serviços durante a crise

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).Elaboraçãoprópria,2020.

Do total de profissionais de saúde que realizam articulações com outros serviços (n = 653), 76%

responderam se articular com outras áreas da saúde (Básica, Hospitalar, Especializada, Vigilância), 34%

com a assistência social (CRAS e CREAS), 13% com a segurança pública (Polícia Militar, Civil, Guarda

Municipal e etc.), 1% com a educação e 14% com outros tipos de serviços.

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Não sim

70%

30%

13

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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gráfico 10 - setores com os quais profissionais da saúde realizaram articulação

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=653).Elaboraçãoprópria,2020.Nota:o100%correspondeaototalderespondentesqueestãosearticulando(n=641),easporcentagenssãocalculadasapartirdamençãopositivaadeterminadacategoria.

Uma dimensão importante que a literatura sobre profissionais de linha de frente trabalha diz respeito ao momento

de interação entre os(as) profissionais e os(as) cidadãos(ãs). Lipsky (2019 [1980]) considera que essa dinâmica é

imprescindível para definir como as políticas públicas são efetivamente implementadas. Nesse sentido, a pesquisa

buscou identificar as percepções dos(as) profissionais de saúde sobre possíveis transformações nas rotinas de

trabalho e, principalmente, na forma de se relacionar com os(as) usuários(as) do serviço. Esses dois fenômenos

podem estar relacionados, mas foram perguntados de forma apartada. Ainda assim, chama a atenção o fato de

que o percentual de respostas positivas e negativas em ambos os casos é igual. O Gráfico 11 demonstra que a

grande maioria (94,9%) dos(as) respondentes acredita que houve mudanças nessas dinâmicas.

“Se já existia o cuidado com a assepsia, isso foi triplicado. A preocupação em não se contaminar nem aos demais gera

um estresse maior ao plantão. Mas, principalmente, (é triste) vivenciar tantas perdas de vida no dia-a-dia. É a parte mais

angustiante, chegar a um ponto de não ter mais nada a fazer. Sentimento de impotência.”

saúde assistiencia social segurança Pública educação outro

76%

1%

13%

34%

14%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

14

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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gráfico 11 - Percepção sobre mudança nas dinâmicas de trabalho e relações com os(as) usuários(as)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).Elaboraçãoprópria,2020.

Esse panorama é pouco alterado

se observamos o resultado das duas

perguntas por profissão. Na pesquisa,

solicitamos também que os(as) respondentes

explicassem o que mudou em ambas dinâmicas.

No caso das alterações da rotina de trabalho, as

principais transformações estão ligadas à forma de

abordar o(a) usuário(a), os fluxos e procedimentos,

os horários, escalas, carga e em alguns casos o escopo

de trabalho. Quanto a alterações na maneira de se

relacionar com cidadãos, as principais mudanças estão

relacionadas ao distanciamento e menor contato, muitas

vezes físico, às relações e modo de trabalho de forma geral,

ao medo de aproximação e contágio e ao afeto e vínculo no

atendimento.

Indagamos quais usuários os(as) profissionais de saúde consideram

mais vulneráveis frente à crise. O resultado obtido a partir da

codificação das respostas demonstram que as principais menções

são: (i) os próprios profissionais de saúde (mencionados em 32% dos

casos); (ii) idosos (30%); (iii) pessoas com comorbidades (22%); (iv) idosos

com comorbidades (15%); (iv) pessoas em situação de vulnerabilidade

socioeconômica (11%). O Gráfico 12 expõe tal panorama.

“(o que mudou foi) principalmente o distanciamento social, até nos lanches, no almoço, nas discussões técnicas... nas tristezas pela perda de um paciente a falta do acolhimento e abraço do colega. A lavagem das mãos , os cuidados mais rigorosos com EPI, com técnicas de higienização.”

Não sim

5,05%

94,95%

15

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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gráfico 12 - usuários considerados mais vulneráveis por profissionais da saúde

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).Elaboraçãoprópria,2020.Nota:O100%corresponde ao total de respondentes, e as porcentagens são calculadas a partir da menção positiva a determinada categoria.

Vale mencionar um estudo coordenado pela PUC-Rio que informa que a maioria dos casos de COVID-19 se

concentra em pessoas de 50 a 70 anos. Ainda, se observa uma disparidade no percentual de óbitos entre

negros e brancos (55% e 38%, respectivamente). A pesquisa também mostra que aqueles com maior

escolaridade possuem menos chances de vir a óbito - enquanto entre aqueles sem escolaridade 71,3%

faleceu. No caso das pessoas com ensino superior esse valor é de 22%16.

saúde meNtal dOs(as) PrOFissiONais de saúde

A investigação sobre o estado da saúde mental dos(as) profissionais, tal como das possíveis medidas de

apoio em curso, é uma novidade implementada na segunda rodada da pesquisa. Isso porque, estudos

recentes e sobre epidemias passadas demonstram a importância de atentar-se para como os(as)

profissionais se sentem, as pressões, tensões que experienciam para que assim estratégias de escuta e

apoio sejam realizadas (GAVIN et al., 2020; LIA et al., 2020; KHALID et al., 2016; LIN et al., 2007).

Tendo isso em vista, o panorama geral demonstra que 78,2% dos(as) respondentes acredita que houve

piora na sua saúde mental em decorrência da pandemia. Por região as respostas afirmativas encontradas

são expressas em: Centro Oeste (85,8%), Nordeste (73%), Norte (76,4%), Sudeste (82,6%), Sul (78,2%). O

Gráfico 10 demonstra que os(as) ACS/ACE são os que percebem proporcionalmente menos os impactos

na saúde mental (74%), enquanto os(as) profissionais de enfermagem percebem isso mais fortemente.

16 Os dados desse estudo estão disponíveis em: http://www.ctc.puc-rio.br/diferencas-sociais-confirmam-que-pretos-e-pardos-morrem-mais-de-covid-19-do-que-brancos-segundo-nt11-do-nois/

Profissionais dos serviços de saúde

idosos

Pacientes com comorbidades

idosos com comorbidades

toda população

Pacientes com vulnerabilidade socioeconômica

mulheres e crianças

trabalhadores informais e autônomos

População em situação de rua

População negra e indígena

0,0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%

32%

33%

22%

15%

10%

11%

6%

4%

2%

1%

16

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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gráfico 13 - Percepção sobre impactos na saúde mental - por profissão

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).Elaboraçãoprópria,2020.

Em paralelo, apenas 19,6% dos(as) profissionais recebeu algum tipo de apoio para cuidar da saúde

mental durante a pandemia. Mais uma vez, a divisão por região encontrada na amostra é: Centro Oeste

(27,3%), Nordeste (15%), Norte (14,3%), Sudeste (22,5%), Sul (20,2%). O Gráfico 14 abaixo sintetiza essa

distribuição por profissão, e mostra que os(as) ACS/ACE são aqueles(as) que se sentem mais desamparados

nesse sentido.

gráfico 14 - Percepção sobre apoio à saúde mental - por profissão

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).Elaboraçãoprópria,2020.

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%acs e ace Médico(a) outroProfissional de

enfermagem

Não sim

87%

13%

59%

41%

59%

41%

51%

49%

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%acs e ace Médico(a) outroProfissional de

enfermagem

Não sim

88%

12%

77%

23%

75%

25%

73%

27%

17

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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Na pesquisa, solicitamos por aqueles(as) que afirmaram receber algum apoio institucional que contassem

quais estratégias foram adotadas pela gestão do serviço ou pelos governos. As principais respostas

categorizadas foram: oferta de consultas com psicólogos do NASF (29,1%); oferta de consultas com

psicólogos do trabalho (16,2%); oferta de teleatendimento (3,2%); reuniões e orientações dos gestores

(9,5%); e disponibilização de conteúdo online (3,8%).

Ainda, buscamos explorar quais as principais emoções que os(as) profissionais de saúde têm sentido no contexto

da pandemia. O Gráfico 15 expressa o percentual das menções dos(as) respondentes em relação a cada uma

dessas emoções. Cada profissional poderia mencionar mais de uma emoção. Chama atenção o fato que os

principais sentimentos elencados são negativos: medo, ansiedade e estresse, cansaço. A despeito de alguns

sentirem empatia e esperança, é possível perceber que o cenário vivido por esses(as) profissionais é crítico.

gráfico 15 - emoções pessoais dos(as) profissionais de saúde

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).Elaboraçãoprópria,2020.Nota:o100%corresponde ao total de respondentes, e as porcentagens são calculadas a partir da menção positiva a determinada categoria.

Em concomitância, as principais situações mencionadas pelos(as) respondentes que levaram a tais sentimentos

são: aumento progressivo da disseminação do vírus; possibilidade de se infectar; possibilidade de transmitir

o vírus para colegas e familiares; sobrecarga de trabalho; falta de EPIs; exaustão

física e psicológica; incertezas sobre o futuro; falta

de recursos e instruções de como agir e ver os

colegas com medo ou desesperança.

Nesse contexto, é importante compreender a

quem esses(as) profissionais recorrem para lidar

com problemas na saúde mental. O Gráfico 16 expõe

os resultados das codificações e expressa que família e

amigos(as) são os mais procurados. De um lado, é positivo

que os profissionais da área de saúde mental como psicólogos

“As pessoas têm sentido medo de receber os profissionais de

saúde em suas residências. Sempre falam em tom de

brincadeirinha que eu vou levar doença pra eles.”

medo

ansiedade/estresse

cansaço

afeto/empatia

distanciamento/frieza

desesperança

raiva

esperança

reconhecimento

indiferença

tristeza

0,0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%

77%

62%

53%

39%

25%

25%

17%

17%

11%

6%

9%

18

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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foram mencionados com uma proporção considerável. De outro lado, poucos recorrem ao chefe e superior

para falar sobre momentos de tensão no trabalho.

gráfico 16 - a quem os(as) profissionais de saúde recorrem em casos de problemas com a saúde mental

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=1671).Elaboraçãoprópria,2020.Nota:o100%corresponde ao total de respondentes, e as porcentagens são calculadas a partir da menção positiva a determinada categoria.

Ademais, perguntamos que tipo de estratégias pessoais os(as) profissionais têm empregado para se

sentirem motivados. Os resultados das codificações demonstraram a distribuição nas seguintes menções:

isolamento social quando não está trabalhando (60%); humor e empatia com colegas (58,7%); estar em

contato com família e amigos (46,3%); compra de EPIs pessoais (42%); não se sentem preparados ou

motivados (18%).

Por fim, a pesquisa investigou se os(as) profissionais de saúde têm sofrido assédio moral durante a

pandemia. O Gráfico 17 mostra que quase 30% dos(as) respondentes alega que sim, sendo que 12,9% diz

que se agravou com o contexto e 6,2% que teve início a partir do mesmo.

“Minha gerente negou máscara N95 para mim, sendo que estou na linha de frente atendendo urgências odontológicas. Detalhe: ela estava usando a máscara N95. Essa mesma superior

disse que protocolos só existem no papel. Que não dá para segui-los, o que considero um absurdo,

quando se trata de protocolos de biossegurança.”

Família/companheiro(a)

amigos(as)

Profissionais da área de saúde mental

colegas de trabalho

guia religioso

Ninguém

chefe/supervisor

Oração/fé

0,0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%

58%

37%

34%

26%

19%

12%

1%

7%

19

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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gráfico 17 - assédio moral na pandemia

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).Elaboraçãoprópria,2020.

Por fim, ao se tratar das expectativas em relação ao próprio

trabalho nos próximos meses, a maior parte dos(as) profissionais

relata uma expectativa negativa, de dificuldade e estresse,

enquanto uma parte não consegue imaginar o trabalho futuro

e outra relata uma expectativa positiva e motivada. Grande parte

dos(as) respondentes imagina um trabalho com restrições, cuidados

e precauções, além de aumento no volume de trabalho.

desigualdades Na liNHa de FreNte

Um dos elementos que os dados nos sugerem é que a pandemia exacerba

desigualdades regionais históricas no Brasil. Embora a situação não seja

favorável em nenhuma região, as regiões Norte e Nordeste aparecem ainda como

aquelas que sofrem piores situações na pandemia e as que fornecem as piores condições

para os trabalhadores da linha de frente da saúde. É nestas regiões que os(as) profissionais receberam

proporcionalmente menos EPIs; menos treinamento e menos apoio para saúde mental. Também é

nestas regiões, junto com o Centro Oeste, que os(as) trabalhadores se sentem mais despreparados.

Estas condições piores de trabalho refletem desigualdades históricas como o acesso a menores recursos

financeiros, a distribuição desigual de recursos humanos (principalmente médicos) e a desigualdade

no acesso a equipamentos e tecnologias de saúde vivenciadas por estas regiões. Os gráficos abaixo

sintetizam esses resultados.

“(isso tudo é) exaustivo. Profissionais adoecendo cada vez mais e serviço sendo acumulado entre os que não adoeceram ou já trataram.”

71,5%

9,4%

6,2%

12,9% Não

sim, e aumentou no contexto da pandemia

sim, e se iniciou com a pandemia

sim, mas continua igual ao que era antes

20

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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gráfico 18 - resumo das percepções positivas sobre os sentimentos de despreparo e medo - por região

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.Nota:o100%correspondeaouniversoderespondenteseasporcentagensexpressasnatabeladizemrespeitoàspercepçõespositivas(Sim=1).

gráfico 19 - resumo das percepções positivas sobre as condições de trabalho - por região (%)

Fonte:SurveyonlineImpactosdoCoronavírusnotrabalhodosprofissionaisdesaúdepública(n=2138).FundaçãoGetulioVargas,2020.Nota:o100%correspondeaouniversoderespondenteseasporcentagensexpressasnatabeladizemrespeitoàspercepçõespositivas(Sim=1).

Outra disparidade que os dados apontam diz respeito às profissões. Enquanto em quase todos os

indicadores, os(as) médicos(as) são os(as) que encontram situações menos ruins (mais acesso a EPI,

treinamento, apoio à saúde mental, etc), ACS e ACE são os(as) que se encontram em maior situação

de vulnerabilidade. Isso também é reflexo de desigualdades históricas entre as profissões e que são

intensificadas durante a pandemia. Essa desigualdade também é consequência da falta de orientações do

Ministério da Saúde sobre quais as expectativas para o trabalho dos(as) ACS durante a pandemia e a falta

de suporte para que possam desenvolver suas funções.

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%centro-Oeste Nordeste sulsudesteNorte

sente medo sente-se despreparado

89%

76%

86%

76%82%

70%

84%

63%

86%

62%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%centro-Oeste Nordeste sulsudesteNorte

equipamentos suporte dos supervisores treinamento apoio a saúde mental

48%

35%38%

62%67%

36%

28%32%

44% 41%

33%

18%

26%

40% 41%

27%

15% 14%

22%20%

21

A pAndemiA de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no brasil

2ª Fase

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Além disso, é importante lembrar também que a maioria dos respondentes são mulheres (77%) e uma parte

considerável são mulheres negras (37,5% do total de respondentes). Isso reflete também a realidade de

algumas profissões - especialmente ACS, ACE e profissionais de enfermagem. É importante lembrar aqui das

desigualdades estruturais às quais mulheres, em geral, e mulheres negras, em particular,

estão sujeitas e que se acentuam durante a pandemia17. Estas profissões, ligadas

ao cuidado, são ainda mais demandadas durante a crise da COVID-19. Soma-se ao

aumento da demanda profissional o acúmulo de trabalho em casa com cuidados

da família e dos filhos, que se complexificam durante a pandemia. Neste sentido,

muitas delas relatam, por exemplo, ausência prolongada de casa, dificuldades

sobre com quem deixar os(as) filhos(as) para trabalhar ou medo de contaminar

suas próprias famílias com a doença. Assim, o racismo e o sexismo expõem de

forma distinta essas trabalhadoras à pandemia - principalmente nas profissões

que atuam na Atenção Básica e que se encontram em maior vulnerabilidade. Os

dados coletados pela amostra, por exemplo, ilustram que é preciso estar atento

aos efeitos da pandemia nas condições de vida e trabalho das mulheres profissionais de

saúde, porém considerando como raça, classe, território e ocupação modificam e exacerbam as

desigualdades. Assim, a divisão étnica racial do trabalho é suplementada pela divisão sexual do mesmo - e

no caso do trabalho do cuidado, se expressam em desigualdades salariais, racismo e sexismo (HIRATA, 2016).

A título de exemplo, nessa pesquisa: 75% do total de mulheres médicas são brancas; enquanto 71% das

mulheres ACS/ACE são negras. Estes dados reforçam a importância de um olhar interseccional entre

gênero e raça para a realidade dos(as) profissionais da linha de frente durante a pandemia.

O que Parece ter mudadO eNtre a 1ª e a 2ª Fase da Pesquisa

Embora não possamos fazer uma relação exata sobre o antes e depois com os dados coletados - já que os(as)

respondentes não são necessariamente os(as) mesmos(as) - ainda assim é possível construir algumas hipóteses

do que parece ter mudado entre os dois meses que separam as coleta de dados realizadas. Abaixo traçamos

algumas comparações simples sobre como as condições parecem (ou não) ter se alterado entre abril e junho.

Esperávamos que, após dois meses, a situação dos(as) trabalhadores(as) fosse estar melhor, dado o

processo de aprendizado da pandemia e o maior investimento em recursos no período. No entanto,

encontramos resultados bastante diversos. Enquanto alguns elementos de fato melhoraram, outros

continuam bastante problemáticos e as condições gerais de trabalho dos(as) profissionais de saúde na

pandemia não parecem ter melhorado consideravelmente.

Com relação ao medo, a primeira fase da pesquisa tinha apontado que cerca de 90% dos profissionais

sentiam medo. Esta segunda fase não mostrou muita diferença, sendo que cerca de 85,5% dos

profissionais ainda apontam sentir medo. Com relação ao sentimento de preparo, esta segunda etapa

mostra uma pequena melhora, embora a situação ainda esteja ruim. Em abril, em média apenas 15% se

sentiam preparados; os dados de agora subiram para 30% de sensação de preparo.

17 SegundooGrupodeEstudosdaFiocruzemnotatécnicapublicadarecentemente,asmulheresrepresentam70%dos(as)profissionaisdesaúdeconformedadosdaOMS.Ainda,asmulheresnegrassãoasprincipaistrabalhadorasdomésticas(maisde75%segundodadosdaPNAD2018).Muitasnão obtiveram o direito ao isolamento social, seja porque atuam como trabalhadoras na linha de frente seja no trabalho informal.

“Serviço doméstico, duas crianças e ainda

o trabalho.É impossível de lidar em casa”

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2ª Fase

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Para explicar esta mudança no sentimento de preparo é importante olhar para as mudanças nas condições

materiais. E nelas há algumas alterações importantes. Em relação ao recebimento de EPI, em abril apenas

30% dos(as) profissionais haviam recebido equipamentos; agora este percentual subiu para 50% (embora o

percentual entre ACS e ACE tenha se permanecido, mas houve alteração nas demais profissões). Ainda assim,

isso significa que 50% dos profissionais de saúde estão trabalhando sem EPI fornecidos pelos governos.

Com relação ao treinamento, houve também um aumento, chegando a 31,20% em comparação à média

de 21% em abril (sendo que mais uma vez não houve variação entre ACS e ACE).

Os(As) profissionais continuam não sentindo suporte das esferas municipais, estaduais e federal. No

entanto, em comparação com a situação de abril, os dados pioraram com relação ao governo federal. À

época, 71% não sentiam apoio do governo federal, e atualmente este dado chegou a 78%. As articulações

se mantiveram baixas em ambas as pesquisas, com pequena variação de piora (34% realizavam articulação

em abril, 30% em junho).

Por fim, parece ter ocorrido uma elevação nos que percebem que a pandemia alterou suas práticas de

trabalho: em abril, eles(as) correspondiam a 75% e atualmente a 95%, mostrando como a pandemia tem

instalado novos procedimentos ao longo do tempo.

recOmeNdações

Os resultados mencionados acima suscitam um conjunto de recomendações que deveriam ser atendidas

pelas três esferas de governo (União, estados e municípios) para melhorar a situação em que os(as)

profissionais de saúde trabalham perante a crise, garantindo a todos(as) recursos, informações adequadas

e proteção. A seguir elencamos algumas delas que, embora não esgotem as possibilidades, ajudam a

construir uma agenda de ações. A continuidade e agravamento da pandemia no território brasileiro

exigem que políticas, recursos, investimentos sejam direcionados para manter a segurança e bem-estar

dos(as) profissionais da ponta. Muito embora os dados coletados e apresentados estejam circunscritos

dentro do universo amostral (n = 2138), as análises demonstram, mais uma vez, que é preciso atenção

com a saúde e a vida desses(as) profissionais.

• Contínua distribuição de EPIs de qualidade para todos os profissionais dos diferentes níveis de atenção,

em especial os(as) Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias;

• Distribuição massiva de testes rápidos tanto para monitoramento da população como, acima de tudo,

dos(as) profissionais de saúde;

• Organização, planejamento e disseminação de informações adequadas/oficiais sobre novos fluxos de

trabalho, procedimentos, práticas de proteção, etc. frente à crise;

• Reorganização dos serviços da Atenção Básica, direcionando-os de forma clara para atuarem durante a

pandemia com a devida e necessária proteção;

• Consolidação dos canais de teleatendimento médico (teleconsulta) na Atenção Básica para a manutenção

da assistência médica com baixo risco de contágio para profissionais e pacientes;

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2ª Fase

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• Atenção especial aos ACS e ACE, tanto em relação às funções que podem assumir na pandemia, com

nos cuidados que devem receber em termos de informações, treinamento e equipamentos. Estes são

atualmente os(as) profissionais com maior percepção de vulnerabilidade, segundo os dados da pesquisa;

• Contínua formação e treinamento adequados para que os(as) profissionais estejam mais preparados

para enfrentar a crise, utilizando tecnologias simples, como vídeos com transmissão online, infográficos

ou outro materiais de comunicação simples e assertiva que chegue na ponta rapidamente;

• Manutenção de redes de comunicação entre a secretaria de saúde e profissionais (como rede de

whatsapp) para tirar dúvidas, fazer comunicação rápida e repassar informações oficial;

• Distribuição de material informativo oficial para profissionais repassarem para população e combater as

fake news;

• Realização de campanhas de valorização dos(as) profissionais da saúde para sensibilizar a população

sobre sua importância e demonstrar o suporte que possuem por parte dos governos;

• Viabilizar e incentivar a articulação intersetorial pelos profissionais da linha de frente, por meio de fluxos

de encaminhamentos definidos e repasse de informações sobre os serviços de emergência;

• Manutenção e ampliação de políticas de suporte emocional e psicológico para os(as) profissionais da

ponta – por exemplo disponibilizando os psicólogos da saúde para fazerem acompanhamento destes(as)

profissionais;

• Realização de atividades de prevenção ou punição de práticas de assédio moral, como canais de denúncia,

campanhas de conscientização, valorização dos profissionais da ponta etc;

• Realizações de ações que considerem a realidade das mulheres profissionais de saúde como:

disponibilização de alternativas de cuidado para os(as) seus(suas) filhos(as); pensar em turnos e escalas

que atendam essa necessidade e etc.

reFerêNcias BiBliOgráFicas

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2ª Fase

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2ª Fase

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A pAndemiA de Covid-19

e os profissionAis de sAúde públicA

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