a paisagem enquanto fenomeno vivido

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  • 7/29/2019 A Paisagem Enquanto Fenomeno Vivido

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    A paisagem enquanto fenomeno vividoLuiz Otavio Cabral*

    ResumoEste ensaio procura articular ideias que permitam refletirsobre a paisagem enquanto fenomeno vivido. Para tanto, recorre-se

    it geografia humanista enquanto abordagem preocupada com asubjetividade das interaes humanas com 0 meio ambiente.Enquanto "uma por93o do espa9

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    I n t r o d u ~ a o

    Enquanto uma das categorias que subsidia a abordagemgeografica, a importancia da paisagem tern variado no tempo: seem certos periodos tern sido vista como urn conceito capaz defomecer unidade e identidade it geografia, em outros foi relegada ituma posi9ao secuncl3ria, suplantada pela enfase em categoriascomo regiao, espa90, territorio ou lugar.Nas Ultimas decadas, tem-se assistido a uma retomada doconceito de paisagem sob objetivos e visoes diversos, na busca deuma compreensao mais integrada ou holistica do meio ambiente.Sempre intimamente associada it ideia de formas visiveissobre a superficie da terra, a paisagem apresenta-se como urnconceito abrangente e impreciso, e, em nossa opiniao, assim devepermanecer, pois desse modo incita-nos a olhar para outroshorizontes disciplinares a fim de ampliarmos e aprofundarmos acompreensao de sua natureza e significado.Neste ensaio, nosso intento consiste em articular ideias quepermitam pensar a paisagem como fenomeno vivido. Para tanto,recorremos a autores cujas formula90es teoricas se enquadram nacorrente humanista do pensamento geognifico.

    Geografia humanista: c o n s i d e r a ~ o e s simplificadaso universo da geografia constitui-se nao somente depaises, cidades, propriedades agricolas, mares, relevo, clima, etc.,mas tambem de ideias, sentimentos, imagens e representaes.Enquanto as correntes cientificistas da geografia procurama imparcialidade e a objetividade da analise, a abordagemhumanista esta marcada pelo envolvimento do pesquisador com 0

    objeto e por assumir a subjetividade como parte da analise. Emoutras palavras, pode-se dizer que a perspectiva humanistafocaliza-se no estudo da imagina9ao e a9ao humanas e na analiseobjetiva e subjetiva de seus produtos.Werther HOLZER (1992), corrobora com a tese de que ageografia humanista advem do empenho de geografos historicos eculturalistas, que a partir dos anos setenta, estao interessados em

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    renovar suas disciplinas (com c o n t r i b u i ~ e s da antropologia,psicologia, sociologia) atraves de estudos centrados nasubjetividade das i n t e r a ~ e s humanas com 0 ambiente. Quanto aoaporte filos6fico, afirma 0 autor, ela recorre a fenomenologiaexistencialista, cuja enfase recai sobre a v a l o r i z a ~ o do individuoe, por conseguinte, sobre a aceita9ao da subjetividade e daexistencia como fontes para 0 conhecimento. "Outro aspecto quedeve ser apontado e que nunea houve urn afastamento efetivo dageografia cultural, mas uma procura em se distinguir dos que seutilizavam do positivismo como metodo" (idem, 1997a).De acordo com Yi-fu TUAN (1982), atraves do estudo da

    r e l a ~ o das pessoas com a natureza e dos seus sentimentos e ideiassobre os espa90s, paisagens e lugares, a geografia humanista refletesobre os fenomenos geograficos a tim de melhor entender 0homem e sua c o n d i ~ o .

    Entre 0 conceito e 0 fenomenoo surgimento da n09ao de paisagem vincula-se a umamaneira de ver e conceber 0 mundo, de compo-Io em uma cena.Michel COLLOT (1990), constata que 0 aparecimento da palavra

    nas linguas europeias e as primeiras representa90es pict6ricasdatam do seculo XVI e sao contemporaneas do Romantismo que,com sua teoria da paisagem como "estado da alma" acentuani 0aspecto subjetivo e egocentrico de nossa experiencia espacial.Comumente definida como "uma p o r ~ o do espa90apreendida com 0 olhar"l, e preciso reconhecer que esse processoperceptivo nao se limita a receber passivamente os dadossensoriais, mas os organiza para lhes atribuir sentido(s). Assim no que conceme a visao - considera RONAl (1976): ''Nao existeurn olhar virgem, espont3neo, inocente. 0 olhar nao e somente 0

    I Etimologicamente, 0 vocAbulo em portugues provem do frances paysage eapresenta na d e f m i ~ do lexic6grafo FERREIRA (1989, p. 1018), c o n o ~ o e svinculadas a p e r c e p r ~ o espacial e aarte: "1. Espayo de terreno que se abrangenum lance de vista. 2. Pintura, gravura ou desenho que representa uma paisagemnatural ou urbana."

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    exercicio de urn sentido (a visao), ele e tambem a p r o d u ~ a o desentido ( s i g n i f i c a ~ a o ) . " Portanto, a paisagem percebida e tambemconstruida.Para COLLOT (1990), as d e f m i ~ O e s de paisagempercebida nos remetem a tres elementos essenciais: a ideia deponto de vista, a de parte e a d e unidade.Primeiramente, a paisagem e defmida em f u n ~ a o do pontode vista de onde e observada. Ela nao e urn objeto autonomo emface do qual 0 sujeito se situaria em uma r e l a ~ a o de exterioridade;ela se revela numa experiencia em que sujeito e objeto saoinsepaniveis, especialmente porque 0 sujeito se acha envolvidopelo e s p a ~ o que e mensurado a partir dele mesmo (ponto zero daespacialidade).Em segundo, a paisagem oferece a quem observa apenas

    parte de uma area. Essa l i m i t a ~ a o se liga a dois fatores: it p o s i ~ a odo observador, que determina a extensao de seu campo visual, e aorelevo da area observada. As lacunas decorrentes dessa r e s t r i ~ a omanifestam-se por duas vias: pela c i r c u n s c r i ~ o da paisagemdentro de uma linha, alem da qual nada e visivel (horizonteexterno) e pela existencia no interior do campo, de partes naovisiveis (horizonte intemo). Na convivencia entre 0 olhar e apaisagem essas lacunas nao sao aspectos estritamente negativos; dealguma maneira elas sao preenchidas pela p e r c e p ~ a o que ultrapassao simples dado sensorial e completa as "falhas". Assim, a parte deuma area que observo como paisagem nunca e considerada comoabsolutamente isolada, eu a percebo como parte de urn e s p a ~ o maisvasto que me e fomecido pela experiencia direta (intima) ouindireta (conceitual e simb6Iica).Em terceiro, deve-se notar que esta l i m i t a ~ o do e s p a ~visivel acaba assegurando a unidade da paisagem. Isto e, por naose deixar observar totalmente eque a paisagem se constitui comototalidade coerente. Urn conjunto nao se defme senao pela exclusaode urn certo numero de elementos heterogeneos e e essaconvergencia que toma a paisagem apta a significar: "ela fala aquem olha" (ibidem, p. 24).Em outras palavras afirma-se que a paisagem e defmidapelas fronteiras do olhar e a a ~ a o de ver, alem de apreender,organiza e intetpreta os dados sensoriais. Para COLLOT (ibidem),

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    essa s e m a n t i z a ~ a o e essa s e l ~ o evita que 0 individuo se deparecom uma massa de informaes com a qual ele nao sabera 0 quefazer. Os horizontes sao assim, urn limite ao "caos sensorial". Essaseletividade tern uma origem fisiologica e psicologica. De urn ladoa prOpria estrutura dos orgaos sensoriais e discriminante e contem"limites do e s p a ~ o " (abertura de campo, c o n d i ~ o e s de f o c a l i z a ~ oretiniana, etc.); de outro, a mensagem seletiva e interpretada emf u n ~ a o dos esquemas da experiencia pessoal e ou socio-cultural.Noutro momento, reafirmando que a o r g a n i z a ~ a operceptiva nao se limita ao material fomecido, 0 autor acrescentaque cada objeto e percebido e interpretado em f u n ~ o de seucontexto, especialmente quando se trata de p e r c e p ~ o de paisagem,que esempre "visao de conjunto". Nesse caso, a p e r c e p ~ o dasdistancias, sem as quais nao ha paisagem, e urn ato fundamental eimplica em pensamento estritamente sofisticado. Razao pela qualas distancias (escalas) gozam na paisagem de urn certo privilegiosimbolico e estetico.Mas a p e r c e p ~ o espacial nao depende so do olhar: 0 corpointeiro esta envolvido nele. Na opiniao de COLLOT, a paisagem sedefine como 0 e s p a ~ ao alcance do olhar e a d i s p o s i ~ o do corpo,se revestindo de significados vinculados aos comportamentospossiveis. 0 ver amplia-se para urn poder: 0 caminho e visto comoa percorrer, 0 sino como audivel, a fruta como comive1... 0 corpotoma-se 0 eixo de uma verdadeira o r g a n i z a ~ o semantica do

    e s p a ~ o que tern por base o p o s i ~ o e s como: alto-baixo, direitaesquerda, frente-atras, proximo-distante, etc. Construidas a partirdo corpo, essas duplas antiteticas sao portadoras de s i g n i f i c a ~ o e sque repercutem em todos os registros da experiencia humana, e quefazem da paisagem urn espelho da afetividade do sujeito (ibidem).Tais ideias nos levam a enfatizar que enquanto fenomeno,ou seja, como urn conjunto dinamico no qual 0 sujeito vive,desloca-se e busca por significados, a paisagem nao pode serconsiderada isoladamente e nem ser dissociada do sujeito que avivencia. Sob uma perspectiva humanista e preciso deslocar aa t e n ~ o do objeto extemo para os processos que ocorrem com ossujeitos que interagem com a paisagem. Nao no sentido dedeterminar com precisao as f o r ~ s fisicas e psiquicas envolvidas,

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    mas de descrever e analisar a maneira pela qual eles partilhamessas r e l a ~ o e s existenciais com 0 entomo.TOOos sabemos que 0 mundo das experiencias pessoais emultifacetado. Nurna perspectiva fenomenologica, 0 "mundovivido" e aquele mundo de significados, comprometimentos eambigiiidades das nossas vidas. 2 Para BUTTIMER (1982), a n ~ ode mundo-vivido sugere essencialmente as dimensoes prerefletivas da experiencia, tomadas corno certas e determinantes dasatitudes e do comportarnento. Embora raramente seja objeto dereflexao, para cada ser humano 0 mundo-vivido geografico possuimaior ou menor grau de ordem e compreensibilidade e isso podeser interpretado de muitos modos. Aqui, estamos mais interessadosem abordci-lo com referencia apaisagem.Em nossas c o n f r o n t a ~ e s com 0 mundo, argumentaEdward RELPH (1979, p. 13), encontramos c o m b i n a ~ O e s deartefatos com os aspectos naturais e se chamamos ou nao depaisagem, sua p r e s e n ~ e inevitcivel. "Esses ambientes palpaveissao paisagens, que nao somente possuem conteudo e substanciamas tambem sao os cenarios significantes das experiencias diariase das excepcionais."Na opiniao de Eric DARDEL (1952, p. 41): "Algo maisque uma j u s t a p o s i ~ o de detalhes pitorescos, a paisagem e urnconjunto, Uma convergencia, urn momento vivido. Rei uma l i g a ~ ointema, urna 'impressao', unindo tOOos os elementos." A principio,essa l i g a ~ o intema que une os elementos da paisagem e a p r e s e n ~do homem e seu envolvimento nela. Assim, cada paisagem tern seuproprio conjunto e contem significados especificos para nOs. Naoobstante, qualquer paisagem e diferente e ao mesrno tempo possuisimilaridades com outras, pois alem dos atributos e formascomuns, nos a vemos atraves dos mesmos olhos e preconceitos.Fica claro, diante destas ideias, que mesmo que as pessoasolhem no mesmo instante para a mesma d i r ~ o nao pOOerao ver a2 Conhecida nonnalmente como estudo descritivo dos fenomenos, aFenomenologia, de acordo com HOLZER (1997b, p. 77-78), tern objetivos afmscom a geografia: 0 de estudar a c o n s t i t u i ~ o do mWldo. No caso dafenomenologia a tarefa consiste em analisar as vivencias intencionais daconsciencia para perceber como ai se produz 0 sentido dos fenomenos.

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    mesma paisagem. Podeni haver consenso na Vlsao de muitoselementos (arvores, casas, rios, estradas, montanhas) em termos denumero, forma, cor, textura, distfutcia, etc., mais tais fatos precisamser ajustados de acordo com algum sistema de ideias paraadquirirem sentido ou significado. "Dessa maneira nosconfrontamos 0 problema central: qualquer paisagem e compostanao apenas por aquilo que esm a frente de nossos olhos, mastambem por aquilo que se esconde dentro de nossas c a b e ~ s [...]nos estamos preocupados nao com os elementos mas com aessencia, ideias organizadoras que utilizamos para dar sentidoaquilo que vemos." (MEINIG apudHOLZER, 1992, p. 208).

    Paisagem e geograficidadeNa medida em que sao experienciadas diretamente comoatributos do mundo-vivido, paisagens, assim como espa90S elugares, constituem as bases fenomenologicas da realidadegeognifica e representam sentido dos nossos envolvimentos com 0mundo. Conquanto, convem lembrar que sob a perspectiva daexperiencia nao ha limites rigidos entre as categorias espaciais enem a r e l a ~ o entre elas e constante: "Lugares tern paisagens,

    paisagens e espa90s tern lugares" (RELPH, 1979, p. 16). Embora,comumente, esses significados possam se sobrepor, ha algumasnuan9as que diferenciam teoricamente as tres nQ90es espaciais.TUAN (1983), observa que espa90 e lugar indicamexperiencias comuns e seus significados as vezes se fundem,porem, 0 espa90 e mais abstrato enquanto que a n09ao de lugar serefere a centros aos quais atribuimos valor (moradia, abrigo,a l i m e n t a ~ o , lazer, etc.). Tratam-se de ideias complementares: 0que come9a como espa90 indiferenciado acaba assumindo a

    c o n f i g u r a ~ o de lugar ao conhecermos e 0 dotarmos de valor.Citado por HOLZER (1992, p. 225), e tambem TUAN que propoea d i s t i n ~ o entre cena ou paisagem e lugar: "Urna cena pode ser urnlugar, mas a cena em si nao e urn lugar. Falta-lhe estabilidade: e danatureza de urna cena a propriedade de se alterar a partir de cadam u d a n ~ de perspectiva, enquanto que [... ] e da natureza do lugarque ele a p a r ~ como tendo urna existencia est:avel [... ]"

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    Para DARDEL (1952, p. 2), as r e l a ~ O e s humanas come s p a ~ o s , paisagens e lugares sao chamadas de "geograficidade"(geographicite). Mais vivida do que expressa, a geograficidade euma ideia que encerra todas as respostas e experiencias que temosdos ambientes nos quais vivemos. Quando sao positivas eagradaveis sao experiencias topojilicas, mas quando sao negativas,desagradaveis ou repulsivas, sao experioocias topof6bicas.Topofilia e topofobia emo associadas com 0 carater do ambiente ecom os valores e atitudes daqueles que 0 experienciam.Geograficidade inclui os bons e os maus encontros com osambientes e, possivelmente, a a t r a ~ o por urn e 0 desagrado pelooutro adquiram suas f o r ~ a s e qualidades atraves cia c o m p a r a ~ o .HOLZER (1992), concorda que a geograficidade e estacumplicidade constante entre 0 homem e 0 seu entomo; que sedesenrola em urn e s p a ~ material do qual a existencia hurnana naopode se descartar. Ele esta sempre ligado a nos e sua experiencia esempre antropocentrica, pois a materia tern urn valor de utensilio.E provavel que a geograficidade seja extremamentecomplexa e isso pode ser inferido constatando-se a variedade deatitudes e comportamentos humanos. Alem disso, assim como 0mundo-vivido, a geograficidade esta constantemente sendoobscurecida por conceitos, ideias e e x p l i c a ~ o e s . "Comoconseqiiencia, a relayao e a experiencia da geograficidade cessamde ser de profundo envolvimento e significado; e s p a ~ o s sao urnpouco mais que vazios entre objetos, paisagem e 0 cenario defundo e lugares sao simplesmente l o c a l i z a ~ o e s das atividades."(DARDEL, 1952; RELPH, 1979,p. 21).Epreciso, contudo, enaltecer 0 conceito de paisagem porentender que ele se toma singular no quadro de urna geografiaefetivamente humanista. Para COSGROVE (1998), ao contrano doconceito de lugar, 0 de paisagem lembra-nos sobre a nossa p o s i ~ ono esquema da natureza. Ao contnirio de espafo ou ambiente, elenos diz que apenas atraves da consciencia e raziio humana esteesquema pode ser conhecido. Ao mesmo tempo, paisagem lembranos que a geografia esta em toda a parte, que e uma fonte constantede beleza e feiura, de alegria e sofrimento, de acertos e erros.Sobretudo, pelo que vimos ate emao, paisagem e uma fonteincessante de significayao e uma vez acessivel ao olhar e amente

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    toma-se guia para as a ~ s e condutas humanas; nao se trata de urnhorizonte fIxo e estitico, mas construido de movimento, valores esentimentos. Ao incluir aquilo que tern signifIcancia para osdiferentes sujeitos, a paisagem deixa de ser 0 pano de fundo dasatividades e acontecimentos e integra-seaexistencia humana.Campo de visibilidade e de s i g n i f i c a ~ i o

    Aceita como texto a paisagem serve a uma multiplicidadede leituras. Augustin BERQUE (1998), alerta para 0 faOO de que epreciso compreende-Ia de dois modos: enquanto marca, ela e vistapor urn olhar, experienciada por uma consciencia, valorizada porsua utilidade e por sua estetica, regulamentada por uma politica,etc., e, enquanto matriz, ela determina esse olhar, essa consciencia,essa valorayao, essa politica, etc.Este duplo sentido tambem pode ser reconhecido - a partirdas ideias que articulamos neste ensaio - no enquadramento dapaisagem como campo de visibilidade e de signifIca9ao. Em suadimensao visivel ou morfol6gica, a paisagem tende a ser defmidacomo urn conjunto de formas naturais e culturais existentes eassociados em uma dada area (CORREA e ROZENDAHL, 1998).Ja em sua dimensao semantica, e preciso ter em mente que 0arranjo de formas naturais e/ou artificiais assume diferentessentidos segundo 0 "modo de olhar" (atribuir signifIcados).Oferecida a nossa percep9ao e, ao mesmo tempo, produto denossas experiencias, a paisagem traduz-se como campo designifIcayao individual e s6cio-cultural (BARBOSA, 1998);indicando que essa categoria geografica deve ser considerada emseu carater pluridimensional, isto e, como urn campo decoexistencia de diversos fenomenos interrelacionados.

    Sobretudo, tomar a paisagem como campo de signifIcayao,e concebe-la como encontro de 16gicas provenientes de diferentesescalas (individuo-grupo-sociedade). LOgicas essas, determinantese determinadas pelos diferentes atores sociais que interagem e seapropriam diferentemente da paisagem. Para sermos coerentes coma realidade e preciso dizer que por esse vies, a paisagem tambem seapresenta como campo de sobreposiyao de interesses, e, portanto,

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    reveladora de tensoes e conflitos socio-ambientais que saoconstituintes dos proprios atores.Acreditamos que e 0 exame de diversas rubricas, fazendocom que se iluminem reciprocamente (0 morfologico sendoiluminado pelo politico, este pelo psicologico, aquele peloecologico), que toma a paisagem urn campo de visibilidade e des i g n i f i c a ~ o e s . Diante das l i m i t a ~ o e s e dificuldades de realizar taltarefa, BERQUE (1998), nos encoraja lembrando que se tais l a ~ o snao existissem, nao haveria nem sociedade e nem paisagem.

    C o n s i d e r a ~ o e s finaisPensando a paisagem como m e d i a ~ o entre 0 mundo das

    coisas e aquele da subjetividade humana, admite-se que aoinventariar e decodificar os significados das paisagens it nossavolta estamos refletindo sobre nossos proprios papeis parareproduzir a cultura e a geografia humana de nosso mundo diario.BERQUE (1998), nos' fala que a paisagem e plurimodal,assim como e 0 sujeito para 0 qual a paisagem existe. Enquantofenomeno vivido, admite-se que tanto pela diversidade de arranjose cenarios como pelas diferentes maneiras de olhar e atribuirsignificados, seria mais adequado referir-se a paisagens queemanam de uma mesma paisagem. Dai se preferir encerrar esseensaio com uma a p r e c i a ~ o poetica daquilo que e sua essencia:

    Paisagem /paisagens:Sentido dos sentidos,paisagens surgem de uma unica paisagem.Sonhos ecoam num so espa90;acordam realidades: complexas, ambivalentes, ambiguas.Realidades que desvelam niio so as inumerasfaces da paisagem,mas a busca do "olho" por um significado, por uma leitura,

    por um lugar onde a aten9ao despendida traduzaordem, sentido, valor, identidade.Paisagens sao perspectivas!

    sao espelhos que rejletem nossos sentimentos e pensamentos,

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    anseios e medos.Nossa individualidade na individualidade do entorno.

    Armazenadas na memoria e na alma .antes de serem eftmeras, paisagens sao duradouras .antes de comporem apenas quadros e cartoes postais,sao "substancias" que integram e animam nossas vidas.

    Referencias bibliognificasBARBOSA, Jorge Luiz. Paisagens americanas: imagens erepresenta90es do wilderness. E s p a ~ o e cultura, n. 5, jan./jun.1998. p. 43-53.BERQUE, Augustin. Paisagem-marca, paisagem-matriz: elementos

    da problematica para uma geografia cultural. In: CORREA,Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Paisagem,tempo e cultura. Rio de Janeiro: Editora da VERI, 1998. p. 84-91.BUTIIMER, Anne. Apreendendo 0 dinamismo do mundo vivido.In: CHRlSTOFOLETII, A. (org.). Perspectivas da Geografia.Sao Paulo: Difel, 1982. p. 165-193.COLLOT, Michel. Pontos de vista sobre a p e r c e p ~ a o daspaisagens. Boletim de Geografia Teofl3tica, Rio Claro, v. 20, n.39, e. 21-32, 1990.CORREA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny. Apresentandoleituras sobre paisagem, tempo e cultura. In: __ (orgs.).Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: Editora da UERJ,1998. 123 p.COSGROVE, Denis. A geografia esta em toda parte: coltura esimbolismo nas paisagens humanas. In: CORREA, RobertoLobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Paisagem, tempo ecultura. Rio de Janeiro: Editora da VERJ, 1998. p.92-123.DARDEL, Eric. L'Homme et la terre: nature de la realitegeographique. Paris: Presses Universitaires de France, 1952.133p.FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda. Novo dicionario daLingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

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