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A PAISAGEM DA ARQUITETURA MODERNA DE WEISSENHOF SIEDLUNG GRUENDLING, FERNANDA S. (1); LIMA, RAQUEL R. (2) 1. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - PUCRS Av. Ipiranga, 6681 - Partenon 90619-900- Porto Alegre (RS) [email protected] 2. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo PUCRS. Departamento de Teoria e História Av. Ipiranga, 6681 - Partenon 90619-900- Porto Alegre (RS) [email protected] RESUMO A arquitetura da habitação coletiva está presente ao longo da história, suscitando estudos e investigações a partir de sua complexidade, adaptações e inovações, formando visuais que interferem na paisagem urbana. A Arquitetura Moderna enfocou o tema da habitação principalmente pelo contexto histórico em que foi implantada, o período entre guerras, no século XX. Nesse sentido, além das habitações unifamiliares, que se constituíram em verdadeiros experimentos e manifestos de seus arquitetos, as habitações coletivas foram concebidas com a intenção de oportunizar o progresso social e educação democrática das comunidades. A paisagem urbana é um conjunto de elementos, edificados ou não, que são resultados das sucessivas transformações que as cidades vem sofrendo ao longo do tempo, que definem o caráter de um local dentro da mesma. Os modos de viver em bairros assumem novas práticas, muitas vezes, enfatizando a continuidade das vivências tradicionais urbanas. O bairro, por exemplo, segue assumindo o papel de uma porta de entrada e de saída entre espaços qualificados e o espaço quantificado, e mantém o domínio onde a relação espaço/tempo é mais favorável para um usuário que deseja deslocar-se por ele a pé saindo de sua casa. O presente artigo busca apresentar a paisagem da arquitetura moderna de Weissenhof Siedlung como um dos importantes precedentes dos modos modernos de morar. O Weissenhof Siedlung foi construído em um terreno municipal de Stuttgart - Alemanha, com o princípio de ser um bairro com diversos tipos de habitação; unifamiliar isolada e geminada, em fileira e Blocos de Apartamentos. A proposta principal era a racionalização e a normalização da habitação como consequência da industrialização da 1ª Guerra Mundial. A concepção do Weissenhof Siedlung expressa um novo modo de morar, com habitações concebidas a partir de problemas modernos, tais como sociais, espaciais, construtivos e higiênicos. Mostrou-se com essa experiência, que a boa habitação não devia ser somente para as elites e sim para todos, habitações de qualidade para todos. Concebendo-se além da moradia uma nova paisagem cultural para a Europa, a paisagem das novas moradias que compunham as ruas e os bairros das cidades que viveram um período da 1ª Guerra Mundial, a paisagem das novas casas e apartamentos, modernos, compactos, diferentes de tudo que já se viu até então. Caracaterizando uma paisagem cultural urbana, com aspectos de cada região e/ou arquiteto, tendência e estilo, uma paisagem que até hoje se mantém e compõem os espaços e lugares destas cidades. Palavras-chave: Paisagem Urbana; Weissenhof Siedlung; Modos Modernos de Morar

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A PAISAGEM DA ARQUITETURA MODERNA DE WEISSENHOF SIEDLUNG

GRUENDLING, FERNANDA S. (1); LIMA, RAQUEL R. (2)

1. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 - Partenon 90619-900- Porto Alegre (RS)

[email protected]

2. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – PUCRS. Departamento de Teoria e História Av. Ipiranga, 6681 - Partenon 90619-900- Porto Alegre (RS)

[email protected]

RESUMO A arquitetura da habitação coletiva está presente ao longo da história, suscitando estudos e investigações a partir de sua complexidade, adaptações e inovações, formando visuais que interferem na paisagem urbana. A Arquitetura Moderna enfocou o tema da habitação principalmente pelo contexto histórico em que foi implantada, o período entre guerras, no século XX. Nesse sentido, além das habitações unifamiliares, que se constituíram em verdadeiros experimentos e manifestos de seus arquitetos, as habitações coletivas foram concebidas com a intenção de oportunizar o progresso social e educação democrática das comunidades. A paisagem urbana é um conjunto de elementos, edificados ou não, que são resultados das sucessivas transformações que as cidades vem sofrendo ao longo do tempo, que definem o caráter de um local dentro da mesma. Os modos de viver em bairros assumem novas práticas, muitas vezes, enfatizando a continuidade das vivências tradicionais urbanas. O bairro, por exemplo, segue assumindo o papel de uma porta de entrada e de saída entre espaços qualificados e o espaço quantificado, e mantém o domínio onde a relação espaço/tempo é mais favorável para um usuário que deseja deslocar-se por ele a pé saindo de sua casa. O presente artigo busca apresentar a paisagem da arquitetura moderna de Weissenhof Siedlung como um dos importantes precedentes dos modos modernos de morar. O Weissenhof Siedlung foi construído em um terreno municipal de Stuttgart - Alemanha, com o princípio de ser um bairro com diversos tipos de habitação; unifamiliar isolada e geminada, em fileira e Blocos de Apartamentos. A proposta principal era a racionalização e a normalização da habitação como consequência da industrialização da 1ª Guerra Mundial. A concepção do Weissenhof Siedlung expressa um novo modo de morar, com habitações concebidas a partir de problemas modernos, tais como sociais, espaciais, construtivos e higiênicos. Mostrou-se com essa experiência, que a boa habitação não devia ser somente para as elites e sim para todos, habitações de qualidade para todos. Concebendo-se além da moradia uma nova paisagem cultural para a Europa, a paisagem das novas moradias que compunham as ruas e os bairros das cidades que viveram um período da 1ª Guerra Mundial, a paisagem das novas casas e apartamentos, modernos, compactos, diferentes de tudo que já se viu até então. Caracaterizando uma paisagem cultural urbana, com aspectos de cada região e/ou arquiteto, tendência e estilo, uma paisagem que até hoje se mantém e compõem os espaços e lugares destas cidades.

Palavras-chave: Paisagem Urbana; Weissenhof Siedlung; Modos Modernos de Morar

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

1. INTRODUÇÃO

A arquitetura da habitação coletiva está presente ao longo da história, suscitando estudos e

investigações a partir de sua complexidade, adaptações e inovações. A Arquitetura Moderna

enfocou o tema da habitação, principalmente pelo contexto histórico em que foi implantada, o

período entre guerras, no século XX. Nesse sentido, além das habitações unifamiliares, que

se constituíram em verdadeiros experimentos e manifestos de seus arquitetos, as habitações

coletivas foram concebidas como intenção de progresso social e educação democrática da

comunidade.

Em diversos períodos da história brasileira o Governo investiu massivamente na construção

de habitações populares ou de interesse social, subsidiando e incentivando a formação de

bairros inteiros destinados a comunidades carentes. Na maioria dos casos, os resultados

obtidos não correspondem às particularidades desejadas para empreendimentos com esta

intenção social. Sendo assim, torna-se fundamental um olhar para o passado, para história da

habitação popular, a fim de analisar seus exemplares, ressaltando suas qualidades estéticas,

funcionais, técnicas e, principalmente, seus modos de morar.

O século XX inicia, de certo modo, em 1919, depois da 1ª Guerra Mundial, envolvendo

mudanças na geografia política da Europa. Houve a queda do Império Russo, Alemão e

Austro-Húngaro e o início dos Estados Unidos como grande potência mundial. Neste quadro,

tem-se grande desenvolvimento industrial, - segunda revolução industrial -, ou seja, se tinha o

petróleo e a eletricidade como principais fontes de energia. Sobretudo, é um período aonde o

automóvel e o rádio assumem um papel de relevância para a sociedade.

A Alemanha nos anos 20 estava sobre o Governo da República de Weimar, tendo como

grandes fábricas a Siemens, AEG e a Daimler-Benz. Ocorreu um forte avanço no campo

cultural, onde se teve um dos momentos mais produtivos e criativos do século XX da literatura,

do teatro, do cinema das artes plásticas e da arquitetura. Um grande exemplo que se tem, é a

criação da Bauhaus (1919-1933), dirigida até 1928 por Walter Gropius. Tem-se também forte

atuação da Deutscher Werkbund no campo da Jugendstil.

O Weissenhof Siedlung, em Stuttgart, se constituiu em uma exposição de arquitetura

moderna, realizada por encomenda da Deutscher Werkbund, sob a organização de Mies van

der Rohe. O arquiteto promoveu a realização de um bairro que continha basicamente

habitações unifamiliares, blocos de apartamentos e habitações geminadas ou em fileira numa

área da então periferia de Stuttgart - em 1927. Este bairro teve uma extraordinária importância

no estabelecimento de diretrizes modernas, sendo divulgado posteriormente na exposição de

Philip Johnson e Henry Russell Hitchcock, intitulada de Modern Architeture: International

Exhibition (MOMA, 1932) e publicada no The International Style: Architecture since 1922.

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“O objetivo da Werbund – reza o estatuto – é enobrecer o trabalho artesanal, coligando-o com a arte e a indústria. A associação deseja fazer uma escolha do melhor da arte, da indústria, do artesanato e das forças ativas manuais; deseja reunir os esforços e as tendências para o trabalho de qualidade existente no mundo do trabalho; forma o ponto de reunião de todos aqueles que são capazes e estão desejosos de produzir um trabalho de qualidade. ” (PEVSNER, 1945, p. 122-123 IN: BENEVOLO, 2009, p. 374)

Inserida neste contexto, que envolve a idealização e a construção do referido bairro, é

inegável a contribuição da arquitetura moderna alemã, baseada no Jugendstil para a

realização formal, funcional e tecnológica das propostas arquitetônicas criadas para o

Weissenhof Siedlung e que, com suas características de uso da racionalidade e de novos

materiais, Mies van der Rohe e sua equipe de arquitetos iriam influenciar diversos outros

arquitetos em diversas partes do mundo, como por exemplo, no Brasil.

A arquitetura do Wiessenhof Siedlung se apresenta como paisagem urbana ao trazer consigo

as marcas dos hábitos e da cultura de um povo ou de uma época, destacando-se em meio as

ruas da cidade tradicional. O edifício de Apartamentos de Mies, que se situa em Wiessenhof

Siedlung, possui fortes influências do movimento moderno e carrega consigo a marca e a

solução de um problema enfrentado neste período do modernismo, tornando-os especiais

para a paisagem da cidade e da arquitetura alemã, tornando-se um ponto de destaque da

cidade de Stuttgart. O Weissenhof Siedlung possui boa qualidade arquitetônica, tanto pelas

suas formas e técnicas construtivas quando pelas excelentes referências trazidas para os

seus elementos da composição e da arquitetura, mantendo grande relação com os pontos da

Arquitetura Moderna.

2. A PAISAGEM URBANA DO WEISSENHOF SIEDLUNG

Um dos importantes ideais da arquitetura moderna consiste na busca de um novo modelo de

cidade, alternativo à cidade tradicional. Alguns dos arquitetos modernos, tais como Walter

Gropius (1883-1969), Mies van der Rohe (1886-1969), Le Corbusier (1887-1965), foram

fundamentais na tentativa de introduzir tais ideias na prática da construção de edifícios e no

urbanismo. Para esses arquitetos, a cidade moderna deveria desempenhar as funções

primordiais do homem de forma setorizada (habitar, trabalhar, cultivar o corpo e espírito e

circular).

A feição do bairro é importante enquanto realidade e referência, pois a relação do prédio com

a rua vai mudar a feição do bairro. Certeau apresenta um método através do qual apresenta a

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matéria objetiva do bairro apenas até o ponto em que ele é a terra eleita de uma “encenação

da vida cotidiana”. Trabalha esta última enquanto relacionada com o espaço público e busca

entender as relações entre objetos, estudando o vínculo que existe entre o espaço privado e o

público.

Mas o que é um bairro? Certeau conceitua o bairro considerando suas características

históricas, estéticas, topográficas, sócio-profissionais, etc. e cita Henry Lefebvre para

corroborar sua posição: O bairro é uma porta de entrada entre espaços qualificados e o

espaço quantificado. A menção do conceito de bairro de Henry Lefebvre, feita por Certeau,

sugere que o domínio da relação tempo/espaço é mais favorável para o usuário que se

desloca a pé, saindo de sua casa, ou seja, o limite entre espaço privado e público é o pedaço

da cidade que resulta de uma caminhada. Há uma noção dinâmica que demonstra a

progressiva aprendizagem sobre o bairro pelo usuário. A privatização progressiva do espaço

público mantém a continuidade entre o que é mais íntimo (residência/dentro) e o que é mais

desconhecido (o conjunto da cidade/mundo/fora).

Os modos de viver em bairros assumem, constantemente novas práticas, porém, enfatizam a

continuidade das vivências tradicionais urbanas. O bairro, por exemplo, continua assumindo o

papel de uma porta de entrada e de saída entre espaços qualificados e o espaço quantificado,

público, e mantém o domínio onde a relação espaço/tempo é mais favorável para um usuário

que deseja deslocar-se por ele a pé saindo de sua casa. É no bairro que o espaço das

relações entre seus usuários, como seres sociais adquire importância. Sair de casa, andar

pela rua, é efetuar um ato cultural, não arbitrário, pois inscreve o habitante em uma rede de

sinais sociais que lhe são preexistentes, tais como os vizinhos, a configuração dos lugares,

etc. (CERTEAU, 1996, p.41-43). Entretanto, na implantação do urbanismo moderno, o bairro

configura-se como um domínio do ambiente social, constituindo para o usuário uma parcela

reconhecida do espaço urbano. Segundo CERTEAU, o usuário apreende o bairro como uma

porção do espaço público em geral, onde o bairro se insinua, pouco a pouco, como um espaço

particularizado pelo seu uso cotidiano.

2.1. O WEISSENHOF SIEDLUNG, STUTTGART, ALEMANHA

O Weissenhof Siedlung foi um bairro construído em um terreno municipal de Stuttgart, com o

princípio de reunir diversos tipos de habitação; unifamiliar isolada e geminada, em fileira e

Blocos de Apartamentos. A proposta principal era a racionalização e a normalização da

habitação como consequência da industrialização da 1ª Guerra Mundial. Mies van der Rohe,

arquiteto responsável pelo planejamento e desenho urbano do bairro, propunha um traçado

espontâneo para o acesso, acompanhando a topografia do terreno.

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O conjunto é dominado pelo Bloco de Apartamentos projetado por Mies, tendo a norte o

edifício de Peter Behrens e a sul pelas casas de Le Corbusier. A concepção do Weissenhof

Siedlung expressa um novo modo de morar, com habitações concebidas a partir de

problemas modernos, tais como sociais, espaciais, construtivos e higiênicos. Mostrou-se com

essa exposição, também, que a habitação não devia ser somente pensada para as elites e

sim para todos e que era possível ter habitações de qualidade para todos.

Figura 1: Cartaz de Divulgação do Weissenhof Siedlung

Fonte: SCHULZE, 1985.

A construção das principais edificações do bairro foi realizada em concreto armado com

estrutura em aço, tetos de laje plana, janelas maiores em comprimento e superfícies brancas,

tendo os interiores com divisórias móveis, planta livre e o mobiliário foi projetado de acordo

com cada arquiteto sobre os novos programas e materiais da época. Foram construídas um

total de 21 unidades, sendo que inicialmente o bairro seria patrocinado pelo município, pois

obteve enorme interesse do público, porém o empreendimento acabou não obtendo um apoio

oficial do governo. Posteriormente a 1ª Guerra Mundial e, já iniciada a 2ª Guerra Mundial, o

Weissenhof Siedlung escapou de uma possível demolição no governo nazista e foi

bombardeado em meio à guerra, restaram 11 prédios dos 21 construídos. O bairro entrou em

decadência por um período, mas devido ao enorme valor arquitetônico (vanguardista) do

local, iniciou-se um projeto de restauração do bairro, onde hoje em dia todas as casas

possuem informações originais sobre cada arquiteto autor da obra, plantas baixas originais e

informações sobre o projeto, além de que a Maison Citrohan, hoje, se tornou um museu do

bairro (MEZZADRI, 2008).

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Figura 2: Weissenhof Siedlung

Fonte: SCHULZE, 1985.

Figura 3: Arquitetos e respectivas obras no Weissenhof Siedlung

Fonte: Architecture Buildings. Edição: Fernanda Gruendling

Depois de muitos estudos, o Bloco de Apartamentos de Mies van der Rohe, conhecidos como

Haus 1-4, para o Weissenhof Siedlung tem 2.500m², divididos conforme segue: 1 subsolo, 3

andares para apartamentos e por último um terraço onde se encontra a lavanderia coberta por

uma lage plana recortada. Cada piso tem em torno de 650m², dispostos em quarto blocos (A1,

A2, A3 e A4), cada um com uma circulação vertical que serve dois apartamentos. O bloco

simétrico projeto por Mies, soluciona as divisões de apartamentos com painéis de madeira,

nada além dos painéis para a divisão dos apartamentos, sem portas, sem montantes ou

cortinas divisórias (MEZZADRI, 2008).

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“Atualmente são os motivos econômicos que exigem racionalizar e normalizar a construção de moradias de aluguel. Porém, por outro lado, a crescente diferenciação das nossas necessidades de habitabilidade exige maior liberdade na forma de uso. No futuro, será necessário fazer-se justiça a ambos os aspectos. A construção de um esqueleto é o sistema estrutural mais adequado para isso. Permite a execução racional e deixa completa liberdade para dividir o espaço interior. Se nos limitarmos apenas a configurar o banheiro e a cozinha, como espaços constantes, por causa de suas instalações, e optamos, por dividir o resto da superfície habitável com paredes móveis, creio que podemos satisfazer qualquer necessidade de habitabilidade.” (ROHE, 1927, p. 77. IN: MEZZADRI, 2008. p.29)

Figura 4: Weissenhof Siedlung em construção e Bloco de Apartamentos

Fonte: MEZZADRI, 2008

Weissenhof Siedlung busca mostrar alguns princípios arquitetônicos, ligados a qualidade de

lembrança à cidade e a à arquitetura de seu tempo. Ele também aparece como um projeto de

grande modernidade, com a utilização de máquinas, a construção de um esqueleto estrutural,

o uso de materiais industrializados, a racionalização dos elementos compositivos. É a cidade

como uma forma histórica, capaz de equilibrar as relações entre espaço aberto e espaço

construídos, gerando vínculos com a natureza.

2.2. O BLOCO DE APARTAMENTOS DE MIES NO WEISSENHOF SIEDLUNG

Ludwig Mies Van der Rohe foi, provavelmente, um dos mais influentes arquitetos da primeira

metade do século 20. É considerado, juntamente com Walter Gropius e Le Corbusier, um dos

mestres mundiais da Arquitetura Moderna. Nasceu em Aachen - Alemanha, em 27 de março

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de 1886. Aos 19 anos, mudou-se para Berlim, onde trabalhou para o arquiteto e designer de

mobiliários Bruno Paul e depois para o arquiteto industrial Peter Behrens. Desde o início da

carreira, influenciado pelos estudos do holandês De Stijl, desenvolveu uma concepção

arquitetônica de linhas puras. Mies abriu seu próprio escritório em 1912, em Berlim. Com

Gropius, criou em 1919, a Bauhaus, em Weimar - Alemanha, com o objetivo de formar, pelo

trabalho de equipe, artesãos, escultores, pintores e arquitetos para as tarefas de desenhar e

criar novos produtos industriais. Em 1930, assume a direção da escola Bauhaus. No ano

seguinte foi diretor do Instituto de Tecnologia de Illinois (cargo em que permaneceu por duas

décadas) e acabou criando as bases da moderna cidade de Chicago, construída em aço e

vidro, quando projetou, no International Style, o prédio do Federal Building. Sua importância

não está só em ter sido um grande arquiteto de grandes influências modernistas, mas também

por saber compor suas edificações com a cidade, com o seu entorno imediato e com a

natureza ali presente. Fazendo com que a composição destes três se tornasse algo

harmônico e gerando assim um paisagem, tal qual, poderia se tornar de extrema importância

para a cidade, criando assim uma identidade, ou até mesmo futuros pontos turísticos, aonde

as pessoas se concentram para admirar tamanha harmonia entre construção, lazer, habitar e

natureza.

Em Weissenhof quatro construções utilizaram estrutura metálica. Duas casas, uma de

Gropius e a outra de Stam. Dois prédios, um foi o de Behrens e o outro o de Mies. Dentre um

dos primeiros prédios de apartamentos em estrutura metálica erigidos por Mies na Alemanha

e o primeiro de sua carreira, o bloco de apartamentos de Mies marca o início de um trabalho

entre ele e Ernest Walther, engenheiro que Mies van der Rohe conheceu no escritório de

Behrens, quando trabalhou lá, e que também vai colaborar nos seus projetos para as casas de

Krefeld, Barcelona e Tugendhat.

O sistema que foi utilizado no Weissenhof era relativamente novo e era conhecido como “perfil

de abas largas”. Este sistema (Vigas Peiner) só cemçará a ser utilizado em larga escala a

partir da metade da década de 20, após o período de reparos da Guerra e a recessde da

econômica.

“As imagens do prédio em construção foram divulgadas em Bau und Wohnung mostrando ao público um sistema moderno e eficiente. Para Mies, era uma revelação. Além da racionalidade construtiva desejada, tinha também a “completa liberdade para dividir o espaço interior”. As questões espaciais, subordinadas a uma tectônica tradicional não tinham caminho para sua expressão quando teto e piso se tornam uma superfície contínua e livre de interferências estruturais.” (MEZZADRI, 2008. p.37)

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Figura 5: Edifício de Mies van der Rohe em Construção

Fonte: MEZZADRI, 2008

Devido ao sistema construtivo utilizado Bloco de Apartamentos do arquiteto Mies van der

Rohe, oportunizou-se a flexibilidade da composição dos ambientes dos apartamentos.

Podendo o mesmo apartamento servir para um casal sem filhos, como para um casal com 2

filhos. Conforme os diagramas na imagem abaixo, podemos notar, nas plantas baixas, em

verde as paredes fixas dos apartamentos (referênte à criculação comum a eles e as unidades

sanitárias) e de bordô (os painéis de maderia, dispostos de 2 maneiras diferentes). No modelo

3D, em laranja temos os pisos referêntes as áreas dos apartamentos, e em marrom referênte

a circulação comum entre eles.

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Figura 6: Diagramas e redesenhos a partir de plantas originais disponíveis em:

MEZZADRI, 2008

Autora: Fernanda Gruendling

Legendas de acordo com o diagrama da página anterior:

Paredes Permanentes

Painéis de Madeira

Área dos Apartamentos

Área da Circulação Vertical Comum

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se afirmar que a obra analisada, é de suma importância não só por caracterizar um

bairro/edífico de destaque em habitações populares, mas também, por se simbolizarem

importantes documentos materializados da arquitetura moderna, que configuraram uma

parcela da paisagem da cidade de uma maneira a implantar um registro patrimonial, de um

movimento arquitetônico do século XX. Entende-se, também, que a influência do arquiteto

Mies van der Rohe foi fundamental na obtenção do destaque das demais obras realizadas no

Weissenhof Siedlung, influência essa prcelda desde o trabalho ao método utilizado por todos

aqueles 15 arquitetos envolvidos no projeto. O uso de seus princípios compositivos e

construtivos, sua tipologia e forma arquitetônica. Além disso, a contribuição da arquitetura

moderna de Mies van der Rohe foi vital para o desenvolvimento dos edifícios na cidade, onde

os modos de morar estavam mudando devido aos problemas decorridos da 1ª Guerra

Mundial.

O Weissenhof Siedlung pode ser considerado um documento da paisagem urbana da cidade

de Sttutgart, e que se destaca por suas excepcionalidades e por suas bem sucedidas

aplicações do conceito de habitação popular moderna. Weissenhof Siedlung se encaixa na

definição de arquitetura como paisagem urbana pelo seu valor histórico e arquitetônico, e por

seu reconhecimento internacional, além de compor ambientes abertos, fazendo uma

excelente transição entre o habitar e a natureza.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ZEVI, Bruno. A Linguagem Moderna da Arquitetura. Lisboa: Dom Quixote, 1984.

5. AGRADECIMENTOS

Agradecemos o apoio à pesquisa em desenvolvimento que originou o presente artigo: à

FAPERGS - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul -, por meio da

bolsa PIBIC/FAPERGS e à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul que, por

meio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo apoia o Grupo de Pesquisa Arquitetura e

Cultura por meio de sua infraestrutura.