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z Zagodoni Editora A Paciente, a Analista e o Dr. Green Uma Aventura Psicanalítica Silvia Lobo Cris Bassi

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z ZagodoniEditora

A Paciente, a Analista e o Dr. GreenUma Aventura Psicanalítica

Silvia LoboCris Bassi

Copyright 2016 © by Silvia lobo e CriStina Mantovani baSSi

Todos os direitos desta edição reservados à Zagodoni Editora Ltda. Nenhu ma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida, seja qual for o meio,

sem a permissão prévia da Zagodoni.

DiagraMação : Michelle Z. Freitas

reviSão: Marta D. Claudino

eDitor: Adriano Zago

CIP-Brasil. Catalogação-na-FonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

L782p

Lobo, SilviaA paciente, a analista e o Dr. Green : uma aventura psicanalítica

/ Silvia Lobo, Cristina Mantovani Bassi ; [André Green]. - 1. ed. - São Paulo : Zagodoni, 2016.

172 p. : il. ; 23 cm

ISBN 978-85-5524-016-4

1. Psicanálise. 2. Psicologia. I. Bassi, Cristina Mantovani. II. Green, André. III. Título.

16-30395 CDD: 150.195 CDU: 159.964.2

[2016]Zagodoni Editora Ltda.Rua Capital Federal, 860 – Perdizes01259-010 – São Paulo – SPTel.: (11) [email protected]

Sumário

Prefácio, Henrique Honigsztejn ....................................................................................7

apresentação, Silvia lobo ...............................................................................................9

Parte I. Relato da paciente

1. a perspectiva da paciente .................................................................................... 152. a análise ...................................................................................................................... 173. a separação ................................................................................................................ 394. o reencontro .............................................................................................................. 415. a supervisão ............................................................................................................... 456. o livro. De paciente a parceira de trabalho .................................................... 497. anexos.......................................................................................................................... 53

Parte II. Relato da analista

1. a perspectiva da analista ...................................................................................... 692. a análise ...................................................................................................................... 713. a separação ..............................................................................................................1014. o reencontro ............................................................................................................1055. as supervisões .........................................................................................................1096. o livro. De analista a parceira de trabalho.....................................................117

Parte III. Supervisão do Dr. Green

1. Convite da Sociedade brasileira de Psicanálise ...........................................123

A P a c i e n t e , a A n a l i s t a e o D r . G r e e n6

2. Carta da analista ao Dr. andré green ..............................................................1253. roteiro da supervisão ...........................................................................................1294. Material clínico ........................................................................................................1315. Fragmentos das sessões ......................................................................................1416. a sessão ......................................................................................................................1477. a supervisão .............................................................................................................1598. Morte do Dr. green ................................................................................................169

Prefácio

Henrique Honigsztejn

Freud descreveu-se, algumas vezes, como um conquistador, um ser aventurando-se a percorrer territórios nunca dantes habitados; e assim co-locou à disposição, de quem buscasse, o mapa apontador de caminhos e nomeador de lugares.

este livro que prefacio busca entrar em alguns lugares não explora-dos, abrir caminhos que aparentavam não existir. Como diz a analista:

Se as lembranças descritas fossem uniformes, coerentes, ou dizendo de outro modo, se o contradito e o discordante fossem retirados em nome de um texto único, tornado comum, corrigido, unificado, o trabalho se-ria arremessado à vala do lugar comum, de segurança empobrecedora que resulta da retirada da ambiguidade, da diversidade, das instigâncias compartilhadas na solidão emocional.

Silvia fala do que foi um dos possibilitadores para que esse relato ga-nhasse realidade: “... a confiança na parceria estabelecida permite aos pa-cientes aproximarem-se, dia a dia, de camadas cada vez mais protegidas da vida mental. essa mesma confiança autoriza aos analistas a transitar com mais liberdade nas associações que neles emergem e a falar sobre elas”.

Sublinho: confiança. a confiança que permite a liberdade no trânsito da associação livre; e a atenção flutuante é aquela que Winnicott aponta como o playground, a base na qual a possibilidade do play, do brincar, acon-tece. A Paciente, a Analista e o Dr. Green: Uma aventura psicanalítica é a con-cretização dessa liberdade, e repito: amplia territórios do espaço mental e mais, ou antes de tudo: os da terapia.

A P a c i e n t e , a A n a l i s t a e o D r . G r e e n8 9P r e f á c i o

Freud escreveu que estava seguro quanto à sua contribuição no que se pode chamar de a descoberta da mente, mas não quanto à terapia, a qual ainda muito tinha a ser estudado e descoberto. o livro que me es-timula a escrever estas linhas é um dos que contribui para esse estudo e descoberta. ele aponta, pela própria composição, para um caminho inova-dor e perturbador e, ao mesmo tempo, por essa razão, é um estimulador. e que estimulador! Um exemplo: encontro na página 132, quando a analista, apresentando a paciente, anna, ao Dr. green, relata algo do que viveu com a paciente de um modo certamente resultante da união das “instigâncias compartilhadas na solidão emocional” mais o que foi vivido em sua solidão – da analista – por apresentar-se ao supervisor: “anna sentia-se injustiçada pela vida, diante de desejos não atendidos e expectativas frustradas. nestes momentos, era intenso o ódio pela análise e seu desprezo pela analista, por não conseguir obter, com o trabalho analítico, os recursos para usufruir da onipotência que gostaria de ter e que se acreditava com direito”.

a meu ver, a analista deixa claro a impossibilidade da experiência da onipotência primária, referida por Winnicott, e que acontece quando o bebê pode sentir-se criador da mãe, e que anna não desabou, desistente, mas que persistiu buscando algo que sabia ter direito. e conseguiu. a pa-ciente (pág. 19) refere: “... sentia entusiasmo por ter encontrado um meio, um modo. Dentro do espaço físico do consultório, criava-se outro universo, construído de palavras e pensamentos”.

o entusiasmo é expressão de algo intenso, de vida que começava a ter lugar, e que iria ganhar seu maior significado quando ela refere: “o invi-sível da vida, o mal misterioso do qual eu padecia, o esquisito, o bizarro, as sensações misteriosas, os histrionismos, as enxaquecas, os terrores ganha-vam um sentido”. lembro Freud quando, no Projeto, escreve que os gestos caóticos do bebê por um mal-estar, quando encontram um objeto que os entende e atende trazendo alívio, passam de caóticos a ter um sentido: o da comunicação. nesses pequenos relatos acima, há a descrição de como a paciente afinal pôde criar sua mãe e assim experimentar a onipotência e estabelecer a confiança de poder circular e criar, brincar, no mundo, tendo como alimento interno constante a presença amorosa de mãe e pai. assim como na terapia, em seu livro, Silvia possibilitou a circulação de estímulos, poderia dizer: a circulação do que Winnicott, em uma carta, disse que era a coisa mais importante herdada pelo ser humano: o impulso à integração. escrevendo isso agora penso que o próprio livro é esse impulso em ação, e o que surge nessas linhas expressa isso.

a paciente escreve (pág. 30) que diante da ameaça de uma muralha

formar-se entre ela e a analista algo ocorreu por uma fala desta: “explicou certas dificuldades em manter-se na casa. agora estávamos no que era nos-so... esse ‘nosso’ foi a primeira trombeta que abalou a muralha de Jericó de minha prepotência”.

Freud em Inibição, Sintoma e Angústia refere que há mais continuida-de entre a vida intra e extrauterina do que nos poderia fazer supor a dra-mática cesura do nascimento; e que se o bebê encontra na mãe um útero psíquico, ele experimenta a continuidade. Seria o reencontro do nós.

vou contar algo vivido com um paciente. após ver-me afastando, logo após a consulta na rua numa direção oposta ao local onde estava, à espera do irmão – que se consultava com um terapeuta por mim indicado – a um quarteirão de distância, ele sentiu como se o chão tremesse sob seus pés, os edifícios como que desabassem, ameaçando-o (episódio referido no dia seguinte, na sessão comigo). Disse ter corrido angustiado ao consultório do colega por mim indicado, e este após ouvi-lo por algum tempo disse: “ima-gina se seu irmão vir nós dois aqui?” Prossegue o paciente falando disso: “Me peguei nesse nós e pude ir pra casa”.

a importância do nós, a importância da experiência de pertencer, de ter um lugar na intimidade de alguém, um lugar onde pousar. Penso em Freud, que ao retirar as histéricas do lugar de exclusão, deu-lhes a condição de pertencimento; e foi assim em sua condição de conquistador, abrindo a tantos e tantos essa possibilidade, a de poderem ter a experiência de formar com um outro a condição de nós. não é em essência a experiência do pro-cesso psicanalítico? o analista pelas suas interpretações, ao dar ao paciente um maior conhecimento de si (onde era id, seja ego), o faz ao mesmo tempo experimentar: estamos nós aqui, veja como eu o conheço, como eu o sinto.

em suma, este livro é um desbravador de territórios, algo a se acres-centar aos empenhos de Ferenczi, ballint, Winnicott, Kohut, bion, Klein para que a psicanálise possa ser terapêutica, possa curar. Um território desbra-vado é o do reencontro de analista e paciente, e por esta descrito, como, por exemplo, ao referir o que sentia ao estar com a analista nesse novo en-contro, diferente, sem ser paciente, sem haver pagamento e com ela elabo-rando um texto: “reconhecia nessa situação um estado ‘de análise’: a con-fiança de expor meu pânico , sua ajuda, meu desconforto de submetê-la a explicações impossíveis, a surpresa de uma reação branda por parte Dela... os momentos analíticos também foram mudando de lugar, forma e dire-ção... escrever e partilhar, pela leitura, as memórias sobre velhas questões espinhosas, trazia lágrimas mútuas, suscitava explicações, ponderações; levava-nos a revisitar lugares antigos”.

Apresentaçao

Silvia Lobo

nos primeiros anos de minha formação psicanalítica atendi uma jo-vem paciente, inteligente e sensível, que me impunha grandes desafios. a meu ver, o trabalho com ela exigia um manejo distinto do preconizado pela técnica psicanalítica clássica, por mim muito utilizada em outros aten-dimentos.

essa convicção compreensivelmente provocou algumas objeções e alertas por parte de colegas, que não reconheciam no que eu fazia um pro-cedimento verdadeiramente psicanalítico. Continuei, contudo, acreditan-do na necessidade de considerar a natureza e a peculiaridade da situação clínica que se apresentava. não sem incertezas.

Por isso, foi extremamente significativo ouvir do Dr. andré green, em uma supervisão pública, a afirmativa enfática de que: “Silvia a raison!”, de-fendendo a necessidade vital de a paciente receber o tratamento singular que – como sua analista – eu lhe dispensava.

este registro repousa no entendimento de que acima dos conheci-mentos teóricos – necessários e relevantes – há que se considerar no ana-lista um sentimento originário calcado na história pessoal, no anseio de autoconhecimento, no desejo genuíno de oferecer ao outro, que o procura como paciente, a oportunidade constitutiva de transformação que lhe foi possibilitada em sua própria análise.

aos meus pais, com amor.

Parte IRelAto dA PAciente

cRiS BASSi

1A Perspectiva da Paciente

Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.

José Saramago

É ingenuidade acreditar na memória como forma de recuperar o pas-sado enquanto expressão de verdade. Sabemos que lembranças consistem em representações moldadas conforme a disposição de quem lembra. Por isso, reminiscências devem ser sempre objeto de desconfiança.

Para lidar com essa suspeita sobre a veracidade dos fatos que com-põem meu passado, uso um critério caseiro, que parte do efeito provoca-do pela evocação. Se ela transborda em sensações, batimentos cardíacos, odores, imagens, emoções; se o lugar e o momento se recompõem com a exatidão necessária para acreditar que o fato aconteceu daquela forma, recebe atestado de verdade.

É claro que esse certificado de autenticidade funciona apenas como título honorário. Por isso, iniciei a reconstituição de minha análise sem a pretensão de alcançar exatidão, fidelidade ou mesmo veracidade; ciente de que não se armazena a totalidade das experiências passadas; avisada de que a história contada seria provisória e não necessariamente bateria com a versão Dela.

ainda assim, tinha expectativa de produzir, mesmo que falseado, um relato linear, cronológico, que me mostrasse, passo a passo, o trajeto do processo analítico. a aspiração mostrou-se inviável. Havia saltos no tempo, lacunas, fragmentos que não se completavam nem permitiam alcançar a