a osce e a segurança europeia

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A OSCE e a segurança europeia A Organização para a Segurança e para a Cooperação na Europa (OSCE) é hoje vista como o parente pobre das organizações multilaterais de segurança. E, no entanto, será justo creditar-lhe historicamente um papel central na paz e na estabilidade que hoje se vive no continente europeu e, mesmo, no espaço euro-asiático. Para um observador exterior, menos atento aos meandros políticos subjacentes ao projecto da OSCE, a fragilidade institucional da organização é a primeira grande surpresa com que se defronta. A ausência das estruturas que normalmente caracterizam modelos internacionais comparáveis, bem como a inédita flexibilidade/adaptabilidade dos respectivos instrumentos, tornam a OSCE muito menos uma organização internacional de tipo tradicional e, muito mais, uma espécie de sedimentação relutante da antiga Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). E escrevemos “relutante” porque alguns parecem continuar a preferir a subsistência no tempo do modelo de conferência em detrimento do reforço da instituição. A Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) foi estabelecida através do Acto Final de Helsínquia, assinado em 1 de Agosto de 1975, que lançou as bases para a chamada nova arquitectura de segurança europeia. Correspondeu ao culminar de um processo negocial de dois anos, que a Ostpolitik e a détente do início dos anos 70 tornaram possível. A Conferência tinha como objectivo ser um fórum multilateral de diálogo e de negociação entre o Ocidente e o Leste europeus, área onde o papel da URSS era então predominante. A assinatura, em Novembro de 1990, da Carta de Paris para uma Nova Europa, que consagrou o final da Guerra Fria, conferiu outro vigor à CSCE, a qual, na Cimeira de Budapeste, em 1994, se converteu finalmente na OSCE.

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A OSCE e a segurana europeiaA Organizao para a Segurana e para a Cooperao na Europa (OSCE) hoje vista como o parente pobre das organizaes multilaterais de segurana. E, no entanto, ser justo creditar-lhe historicamente um papel central na paz e na estabilidade que hoje se vive no continente europeu e, mesmo, no espao euro-asitico.Para um observador exterior, menos atento aos meandros polticos subjacentes ao projecto da OSCE, a fragilidade institucional da organizao a primeira grande surpresa com que se defronta. A ausncia das estruturas que normalmente caracterizam modelos internacionais comparveis, bem como a indita flexibilidade/adaptabilidade dos respectivos instrumentos, tornam a OSCE muito menos uma organizao internacional de tipo tradicional e, muito mais, uma espcie de sedimentao relutante da antiga Conferncia para a Segurana e Cooperao na Europa (CSCE). E escrevemos relutante porque alguns parecem continuar a preferir a subsistncia no tempo do modelo de conferncia em detrimento do reforo da instituio.A Conferncia sobre Segurana e Cooperao na Europa (CSCE) foi estabelecida atravs do Acto Final de Helsnquia, assinado em 1 de Agosto de 1975, que lanou as bases para a chamada nova arquitectura de segurana europeia. Correspondeu ao culminar de um processo negocial de dois anos, que aOstpolitike adtentedo incio dos anos 70 tornaram possvel. A Conferncia tinha como objectivo ser um frum multilateral de dilogo e de negociao entre o Ocidente e o Leste europeus, rea onde o papel da URSS era ento predominante. A assinatura, em Novembro de 1990, da Carta de Paris para uma Nova Europa, que consagrou o final da Guerra Fria, conferiu outro vigor CSCE, a qual, na Cimeira de Budapeste, em 1994, se converteu finalmente na OSCE.Para melhor se interpretar a OSCE e as suas limitaes actuais , assim, essencial comear por entender que esta sua desestruturao foi, desde o incio, uma opo deliberada de alguns. Hoje, ela prolonga-se pela prevalncia de uma cultura funcional onde se projectam, com um singular efeito conjugado na inrcia reformadora, as diferentes filosofias de abordagem da organizao mantidas pelos seus parceiros centrais os EUA e a Rssia.As estruturas permanentes da OSCE assentam num Secretariado com escasso poder de iniciativa, vocacionado para a gesto administrativa e para a montagem logstica de operaes de limitada dimenso e, no plano poltico, totalmente subordinado orientao das Presidncias anuais. Existem, alm disso, trs instituies - o Escritrio para as Instituies Democrticas e Direitos Humanos, o Alto Comissrio para as Minorias Nacionais e o Representante para a Liberdade dos Media - dotadas de estatutos diferenciados e com uma autonomia operacional que no facilita uma coerncia global de aco. A organizao dispe ainda de 18 Misses operando em vrios dos seus Estados participantes, dotadas de diferentes mandatos e designaes, correspondentes a objectivos operacionais diversos.A Presidncia anual da OSCE, como cpula de toda esta estrutura heterognea, aparece aos olhos exteriores como uma realidade que dispe de um considervel poder formal, que assume a organizao por inteiro, define as respectivas linhas de orientao e marca o ritmo da sua agenda. O Presidente em Exerccio, que o Ministro dos Negcios Estrangeiros do pas que exerce a presidncia, o porta-voz poltico da organizao e, nessa qualidade, pronuncia-se regularmente sobre os acontecimentos internacionais relevantes em matria de segurana, na respectiva esfera geopoltica de responsabilidade. Para tal, dotado de alguma autonomia decisria e de autoridade opinativa, sem prejuzo de estar sujeito a um controloa posteriori,pela leitura pblica que venha a fazer da vontade poltica da OSCE. Dispe, alm disso, de uma certa margem de liberdade na seleco de altos funcionrios da organizao.No quotidiano do trabalho em Viena, a OSCE dirigida por um Conselho Permanente, que rene os representantes diplomticos em Viena dos Estados participantes e que presidido pelo Representante Permanente do pas que exerce a Presidncia.Mas sero as Presidncias anuais efectivamente poderosas? A nosso ver, a realidade difere bastante da teoria. Na boa tradio das conferncias internacionais, a OSCE tem a regra do consenso como elemento basilar do seu funcionamento, o que implica a consonncia de todos os seus membros com as decises tomadas no seu seio. Mas, por outro lado, a indispensabilidade de tal consenso baixa, de forma por vezes dramtica, a fora e a relevncia poltica das decises, por ser fruto de laboriosos compromissos, muitas vezes assentes numa inescapvel ambiguidade. Isso agravado pelo facto de, contrariamente a outras organizaes internacionais, que tm na base slidas culturas polticas comuns, a OSCE sofrer ainda da sua principal virtualidade a imensa diversidade dos 55 Estados que a compem[1], que vo desde estveis e prsperas democracias a Estados que acumulam tenses, subdesenvolvimento e regimes cuja solidez democrtica muito incipiente, ou melhor, em que os modelos autoritrios so ainda o padro predominante. Se pensarmos que se trata de uma organizao focada na rea da segurana, matria que se liga ao mago da soberania dos Estados, e se reflectirmos na multiplicidade e, por vezes, na conflitualidade de agendas geopolticas entre os seus membros, fcil ser presumir os bloqueios e os impasses que regularmente se registam no seu seio.Neste contexto, o maior erro que uma Presidncia da OSCE pode cometer levar letra o seu poder formal, ter a tentao de o explorar de forma desmesurada, tornando-se autista e julgando que pode avanar contando apenas consigo prpria, para a formulao das decises, mesmo que estas teoricamente lhe compitam em absoluto. Qualquer Presidncia cedo tem de entender que, nas orientaes que projecte em nome da organizao, deve garantir um apoio muito alargado, em especial por parte dos Estados tidos como mais influentes.Uma sabedoria consuetudinria dentro da organizao institucionalizou, alis, dois modelos para atenuar o risco das Presidncias serem tentadas a uma deriva autnoma muito radical.O primeiro, de natureza mais formal, aTroika.Trata-se de um mecanismo de consulta da Presidncia em Exerccio, envolvendo o anterior e o futuro titulares da presidncia, e que esta pode utilizar para alargar a potencial aceitabilidade das propostas que faz organizao.O segundo o mecanismo regular de consultas com os mais importantes parceiros poltica e financeiramente. Uma boa gesto deste mecanismo, que funciona exclusivamente a nvel dos Representantes Permanentes em Viena, permite assegurar um ritmo de trabalho seguro a qualquer Presidncia, que nele deve tambm saber jogar com a potencial conflitualidade de interesses que, por vezes, se regista entre os parceiros mais influentes.Se aTroikaexiste como um filtro de teste e legitimao de iniciativas, as consultas so um reflexo de bom-senso e derealpolitik. E as propostas acolhidas favoravelmente pelaTroikaantecipam muitas vezes a sua aceitao nas consultas, que o mesmo dizer, abrem caminho a uma sua aprovao pela generalidade dos membros da organizao. um mecanismo delicado, de gesto vista, cujo sucesso est tambm muito dependente da natureza e relevncia das crises eventualmente emergentes.A questo do poder na OSCEMas, na realidade, onde se situa o poder dentro da OSCE?Embora possa no ser politicamente correcto escrev-lo, foroso reconhecer que a OSCE constitui uma espcie de condomnio onde prevalecem, em primeiro lugar, os EUA e a Rssia sem cujo acordo conjunto, implcito ou explcito, nada de significativamente importante avana. Esta uma realidade que tem as suas origens histricas no processo que levou criao da CSCE e de que a OSCE se no libertou. Segue-se, na hierarquia dos poderes fcticos, um grupo relativamente homogneo de pases ocidentais (Alemanha, Frana e Reino Unido), os quais, pelo seu peso individual, compensam a fragilidade afirmativa da Unio Europeia, enquanto entidade poltica. Pode dizer-se que estes cinco pases acabam por constituir um directrio informal que marca o ritmo da organizao, pela sua expresso oramental e peso diplomtico, bem como pela sua contribuio para os recursos humanos da estrutura da OSCE[2]. O sentimento emergente deste directrio informal tem de ser levado em permanente conta por qualquer Presidncia, se pretender garantir um mnimo de eficcia nas suas iniciativas. Alguma capacidade de manobra das Presidncias reside, precisamente, na habilidade em explorar, com efeitos no reforo do seu prprio poder, as eventuais contradies emergentes no seio do directrio - normalmente entre a Rssia e os membros ocidentais, mas que igualmente ocorrem entre estes ltimos.Importante se torna, tambm, assegurar uma consulta permanente a alguns outros pases que conseguiram granjear algum peso especfico no seio da organizao tais como os chamadoslike-minded(de que fazem parte Estados com o Canad, a Noruega e a Sua) e a Turquia. No primeiro caso, por virtude das respectivas contribuies financeiras e/ou expresso diplomtica, e no ltimo caso, por se tratar de um pas com laos importante a reas mais a Leste da organizao, alm de relevante membro da NATO.Todas estas peculiaridades do OSCE uma natureza muito especial e justificam uma gesto cuidadosa pelas Presidncias das suas diversas estruturas, implicando um respeito permanente pela cultura organizativa dominante a qual , partida, muito conservadora e refractria mudana, pelo temor de afectar os delicados equilbrios em que a organizao assenta. Tentar afrontar abertamente tal cultura com propostas muito ousadas, centrar a gesto de iniciativas da Presidncia luz de uma ostensiva agenda nacional de interesses, em especial se no testada de forma alargada, torna-se a receita mais fcil para o desastre. Tais crises pagam-se, em especial, no termo do exerccio anual altura em que tem lugar o Conselho Ministerial, por cujos resultados acaba quase sempre por ser medido, s vezes um tanto injustamente, o exerccio global de cada Presidncia.H que notar que, para uma estrutura marcada por uma debilidade institucional to evidente, a OSCE se comporta surpreendentemente bem no plano operacional, em particular se atendermos exiguidade do seu oramento, recursos humanos e estruturas permanentes. A sua flexibilidade institucional, que uma das suas debilidades, acaba, curiosamente, por lhe conferir a possibilidade de se mobilizar com alguma rapidez para aces no terreno, desde que uma deciso poltica para tal seja tomada.A experincia mostra que a OSCE desenvolve hoje algumas capacidades operativas com prestgio nos cenrios em que actua, embora muitas vezes com a discrio prpria das intervenes em matria de diplomacia preventiva. A circunstncia de ser uma organizao com um espectro alargado de membros, originrios e pertencentes a culturas polticas e geoestratgicas muito diferenciadas, confere sua actividade, um pouco imagem das Naes Unidas, um carcter relativamente mais neutral, que se repercute positivamente na sua aceitabilidade, em contraste com o modo como as intervenes da NATO ou da Unio Europeia so, por vezes, vistas por terceiros.A maior fragilidade da OSCE residir, porventura, no facto de, por si s, no ter mecanismos prticos, para alm dos meios declaratrios, de constrangimento ou de recompensa perante quantos so objecto das suas aces ou das suas recomendaes. Da a crescente importncia da organizao continuar a estabelecer ligaes estreitas a outras estruturas como a Unio Europeia, o Conselho da Europa, o FMI, o Banco Mundial, o PNUD, o BERD , das quais possa transparecer que, para esses actores internacionais, os pareceres da OSCE constituem sempre elementos condicionantes para as suas prprias decises, das quais o quotidiano ou as expectativas de muitos pases dependem. No xito desta aco conjugada poder estar muito do futuro das Misses que a OSCE tem actualmente no terreno.Dimenses sem equilbrioComo sabido, a interveno da OSCE objectiva-se atravs das suas chamadas trs Dimenses: Poltico-Militar, Econmico-Ambiental e Humana. Trata-se, de certo modo, da institucionalizao dosbasketsem que o funcionamento da sua antecessora CSCE assentava.Com o termo da Guerra Fria e com as vicissitudes que o Tratado CFE[3]entretanto sofreu, a Dimenso Poltico-Militar da OSCE entrou num regime de rotina operativa. As estruturas da OSCE que foram criadas neste domnio, se bem que numerosas e muito especializadas, no so, em geral, sede de regular conflitualidade entre os Estados participantes. O regime de normalidade a que se chegou nesta Dimenso deve ser lido, precisamente, como um atestado positivo sobre a sua prpria eficcia.A implementao das medidas criadoras de confiana nas reas militares e de segurana[4]faz-se hoje com toda a regularidade e pode dizer-se que a OSCE tem a seu cargo a gesto de um modelo normativo e regulador que emerge de uma cultura de segurana que est j socializada no seu seio e que um dos seus mais respeitveis patrimnios. Alguns podero objectar que a emergncia dessa cultura mais no que o produto da diluio das tenses no ps-Guerra Fria. A assim ser, h que responder que a CSCE tem tambm um crdito a reivindicar na origem da situao que hoje lhe cumpre controlar.A principal Dimenso que hoje ocupa a OSCE , sem dvida, a Dimenso Humana que engloba os mecanismos de observao do respeito pelos direitos humanos, pelo Estado de direito, pela liberdade de organizao da sociedade civil, pela observncia de prticas eleitorais correctas, direitos das minorias nacionais e liberdade dos meios de comunicao social. No mbito desta Dimenso, avulta o trabalho do Escritrio para as Instituies Democrticas e Direitos Humanos (ODIHR), sediado em Varsvia, que um papel activo na rea da monitorizao e superviso eleitoral, na formao e promoo de direitos humanos, no desenvolvimento da sociedade civil, no reforo das instituies democrticas, na promoo das actividades das Organizaes No-Governamentais e da sociedade civil, na formao da comunicao social, em questes relacionadas com as comunidades ciganas (Roma/Sinti), etc.Neste domnio, o dia-a-dia da OSCE aparece cada vez mais marcado por aquilo que alguns chamam as duas OSCE - os pases a Oeste de Viena e os pases a Leste de Viena - com os primeiros muitas vezes a assumir-se como zeladores pela observncia pelos segundos das regras por todos subscritas. Mais adiante avaliaremos as consequncias deste confronto no funcionamento e nas perspectivas de futuro da organizao.Note-se que foi o desenvolvimento da Dimenso Humana que, nos anos 90, levou criao das Misses da OSCE no terreno e que, no essencial, ainda hoje justifica a respectiva manuteno. Por muito que se pretenda conferir um carcter apelativo, para os Estados em que se situam, ao trabalho das Misses OSCE, h que reconhecer que, sem excepo, elas continuam a ser vistas pelos pases que as hospedam como uma espcie de ndoa perante a comunidade internacional. O que no deixa de ter alguma justificao, porquanto a sua prpria manuteno reflecte o reconhecimento da existncia de problemas importantes que o pas tem a resolver e que os respectivos governos tendem frequentemente a no querer ver sublinhados. Essa , alis, a razo pela qual quase todos os Estados onde h Misses OSCE tentam evitar a sua eternizao, atravs da procura da sua limitao no tempo, e tentam uma progressiva diluio do contedo substantivo dos respectivos mandatos.Perante a rotina que hoje marca a Dimenso Poltico-Militar, e como forma de contrabalanar o peso desproporcionado da Dimenso Humana no mbito da organizao, tem havido tentativas para procurar desenvolver o restante brao de interveno da OSCE a Dimenso Econmico-Ambiental. importante perceber que a activao desta Dimenso deve assentar em projectos que, directa ou indirectamente, tenham a ver com as questes de segurana para as quais a organizao est vocacionada, pelo que, frequentemente, necessrio adoptar uma interpretao muito extensiva de tal conceito para poder comport-los nesse mbito. A mobilizao da cooperao regional ou sub-regional, que poderia favorecer o lanamento de projectos de natureza econmico-ambiental com alguns ganhos de escala, frequentemente dificultada pela persistncia de conflitos ou tenses nesses mesmos quadros regionais. Alm disso, o escasso oramento da OSCE leva, frequentemente, a que tais projectos s possam ser executados com recurso a contribuies de natureza voluntria, bastante mais difceis de mobilizar. Tudo isto conduz a que a Dimenso Econmico-Ambiental seja hoje o parente pobre da OSCE e no se consiga assumir como uma expresso suficientemente equilibradora do carcter mais intrusivo da Dimenso Humana.Este flagrante desequilbrio entre as trs Dimenses constitui uma dificuldade com que todas as Presidncias tm que conviver. E a efectiva desigualdade de expresso das Dimenses dificulta, muitas vezes, a aceitao do trabalho das Misses no terreno. Comea a ser cada vez mais difcil conseguir persuadir certos Estados do argumento de que essas mesmas Misses podem funcionar como factores de credibilitao, aferidores da evoluo dos respectivos sistemas polticos na sua aproximao ao padres internacionalmente tidos como mais adequados. Essa avaliao pode ter repercusses favorveis, se tal evoluo for, de facto, positiva, em especial nas pretenses de alguns em virem a integrar estruturas euro-atlnticas e, noutros casos, em obterem facilidades junto de instituies financeiras internacionais, que mantm alguns critrios de condicionalidade em matria de direitos humanos e princpios democrticos. Mas pode ter um efeito inverso, se e quando tal evoluo no se processar ou se a situao interna dos pases regredir. que as Misses OSCE l estaro, em ambos os casos, a servir de amplificadores da realidade dos factos.EUA e Rssia a paridade desigualComo atrs ficou implcito, os EUA e a Rssia funcionam como uma espcie de membros permanentes de um Conselho de Segurana que, efectivamente, condiciona fortemente o dia-a-dia da OSCE. So eles que tm, na prtica, um implcito direito de veto em todas as matrias da organizao, mesmo a montante da respectiva apresentao formal, pelo que necessrio com eles testar sempre qualquer iniciativa que se pretenda propor. Que fique claro, porm, que esse estatuto de aparente equiparao no os transforma, necessariamente, em parceiros iguais na organizao.Se, durante a Guerra Fria, russos e americanos se equilibravam no seio da CSCE, constituindo-se como um verdadeiro duoplio, ainda que conflitual, a posterior evoluo em sentidos opostos do poder relativo de cada pas no plano mundial acabou por se repercutir, como no podia deixar de ser, no seu posicionamento relativo no quadro da prpria organizao. Embora se situe na OSCE, muito provavelmente, o terreno multilateral em que a fico de um equilbrio formal de poderes mais sobreviveu. O que, num juzo cnico, pode tambm ser lido como um reconhecimento implcito da falta de importncia da prpria OSCE, ao prolongar no tempo uma realidade que s os livros de Histria hoje acolhem.Verdade seja que Washington tem sempre um cuidado muito particular em respeitar o estatuto especial da Rssia, mesmo em face de parceiros e aliados ocidentais com os quais tem uma proximidade de cultura poltica mais evidente. Os EUA pressentem que, estando a OSCE crescentemente centrada em reas que fazem parte da herana estratgica da antiga URSS, no podem deixar de manter com a Rssia um dilogo preferencial no mbito da organizao, particularmente num momento em que as suas mais perigosas tenses no plano bilateral esto, de certo modo, atenuadas. Naturalmente que os acontecimentos de Setembro de 2001, com o subsequente maior envolvimento dos EUA na sia Central e no Cucaso, veio potenciar esta necessidade de entendimento Washington-Moscovo num palco estratgico como a OSCE.Importa agora reflectir um pouco sobre o modo como EUA e Rssia se comportam hoje perante a organizao.Na observncia de uma filosofia de sempre, os EUA continuam a insistir numa linha tendente a manter a OSCE como organizao desestruturada[5]. Tal reflexo vem do tempo em que a ento URSS queria reforar institucionalmente a CSCE, com vista a atribuir-lhe um estatuto internacional elevado, aproveitando ento a considervel influncia de que dispunha no Centro e Leste europeus. Para o interesse americano, a estrutura actual da OSCE continua a ser a mais conveniente: influencia a organizao no seu quotidiano, atravs do trabalho junto das Presidncias, garante uma presena estratgica por via da participao activa nas Misses no terreno, onde coloca pessoal de perfil diverso e controla e selecciona as actividades extra-oramentais que mais lhe interessam. Desta forma, os EUA pretendem impedir que um excessivo reforo institucional da organizao possa conduzir a que ela se converta num instrumento passvel de escapar ao seu controlo. A nosso ver, as lies aprendidas noutrosforano esto ausentes da opo por esta linha de comportamento.No obstante esta insistncia na precariedade institucional da OSCE, os EUA mantm alguma ateno actividade de uma organizao que lhes continua a permitir legitimar um papel central, por via multilateral, numa rea geogrfica que tem a importncia de ser, simultaneamente, a fronteira circundante da Rssia e uma rea estratgica, poltica e economicamente, de que um poder global se no pode desinteressar, em especial depois dos desenvolvimentos ocorridos nos ltimos anos e da liberdade de aco que entretanto conseguiram garantir nesse contexto.Para a Rssia, esta fico de poder equiparado tambm traz algumas vantagens. Por um lado, no tocante ao seu prestgio internacional - o que no deixa de ter consequncias no modo como a liderana russa apresenta internamente a imagem do pas, em especial como factor de apaziguamento de certas tendncias nacionalistas que, ciclicamente, exploram o declnio efectivo do seu poderio. Num plano mais prtico, a nova situao estratgica criada com o ambiente posterior a Setembro de 2001 como que atenuou alguma presso crtica por parte dos EUA em termos de Direitos Humanos, que passaram a privilegiar o papel da Rssia como parceiro importante na luta anti-terrorista, numa opo derealpolitikque sobreleva certos pruridos tico-polticos. Neste domnio, Moscovo procurou habilmente retirar das conjunturais prioridades americanas algum abrandar temporrio da presso para o cumprimento dos Compromissos de Istambul[6]. Noutra vertente, a Rssia conseguiu, em 2002, dar por encerrada a misso da OSCE na Chechnia[7], sem ter com isso pago um preo poltico internacional de monta, que lhe teria sido difcil evitar noutras circunstncias. Restar saber por quanto tempo esse ambiente se manter e se a Rssia poder preservar a liberdade de aco que o ambiente da luta anti-terrorista lhe proporcionou.Em todo este complexo contexto, Moscovo parece alimentar hoje mais dvidas do que certezas sobre o modo como se comportar perante a organizao, sendo claro que muito do futuro desta passar tambm pelo resultado dessa mesma avaliao. Desaparecidas as vantagens realmente paritrias da CSCE, ultrapassado que foi o perodo de ilusria lua-de-mel Leste-Oeste, no perodo imediatamente ps-Guerra Fria, a Rssia confronta-se hoje com uma organizao que j no domina, embora possa condicionar ou bloquear, e onde prevalece uma cultura poltica que entende afectar os seus interesses imediatos. Os alargamentos da Unio Europeia e da NATO, com tenses no resolvidas com alguns pases blticos, e as incurses petro-estratgicas dos EUA no seu espao tradicional de influncia Cucaso e sia Central - no podem deixar de causar perplexidade num poder que, historicamente, sempre confundiu estabilidade na sua vizinhana com controlo poltico-militar dos vizinhos, numa cultura obcecada de segurana. Neste contexto, a OSCE no resolve hoje nenhuma das preocupaes de Moscovo, antes lhe acrescenta algumas mais.Na estreita margem de manobra de que dispe, a Rssia est, contudo, a tentar explorar na OSCE uma virtualidade estratgica marginal. Tendo em ateno a contnua ateno dos pases ocidentais face s deficincias na evoluo poltico-institucional dos pases sados do desmantelamento da URSS, a Rssia comea a detectar as vantagens de poder, regularmente, dar a mo no seio da OSCE s actuais lideranas de muitos desses pases, ajudando-as a resistir s presses ocidentais para cumprirem os compromissos de evoluo poltico-institucional que subscreveram ao integrarem a organizao. Por essa via, Moscovo procura recuperar alguma influncia perdida, tenta restaurar feridas do passado recente e, o que no despiciendo no caso de alguns pases da sia Central, procura evitar alguma atraco desses mesmos Estados por parte da China[8].Como se disse, a Rssia parece hoje hesitante sobre como actuar no seio da OSCE. Descontente com a liberdade que as contribuies voluntrias e os regimes desecondmentde pessoal facultam aos pases ocidentais, Moscovo deixou de pugnar por um reforo institucional que, seguramente, lhe viria a exigir responsabilidades oramentais impossveis de comportar, no que acaba por coincidir com os EUA, em detrimento da estruturao progressiva da organizao. Nesta indeciso, a Rssia espera para ver e mantm uma atitude de muita prudncia, pontuada por uma poltica de obstruo selectiva.Finalmente, e numa apenas aparente contradio, a Rssia revela-se como o grande promotor do esforo de reflexo sobre a reforma da organizao. Mas a sua agenda neste domnio relativamente simples: Moscovo quer provocar um debate sobre a necessidade de uma maior transparncia no funcionamento da OSCE, quer sublinhar a importncia de um maior rigor na observncia de regras e procedimentos, em suma, pretende controlar o uso mais eficaz que outros fazem hoje da organizao. E procura utilizar tal debate para colocar sobre a mesa outra questo, para ela muito importante: a avaliao das consequncias poltico-estratgicas dos alargamentos da NATO e da Unio Europeia nos equilbrios internos dentro da OSCE.A ausncia da Unio EuropeiaSe a Poltica Externa e de Segurana Comum existisse, a OSCE poderia vir a ser um importante instrumento a utilizar na afirmao estratgica da Unio Europeia, nomeadamente junto dos pases sados da imploso da URSS. No sendo esse o caso, e talvez por isso mesmo, a presena da Unio no seio da OSCE aparece hoje como uma disperso pouco coerente de iniciativas, as mais das vezes impulsionadas, de forma no totalmente coordenada, pelo Reino Unido, pela Frana ou pela Alemanha. A aco da Unio Europeia na OSCE , quase sempre, reactiva e casustica, muitas vezes meramente declaratria e s episodicamente utilizando o seu potencial econmico nomeadamente a aco externa da Comisso Europeia como instrumento efectivo de influncia.A Unio parece no se dar conta que, se se quer afirmar como um poder mundial, no pode descurar uma estratgia clara que atenue o potencial de tenses na sua nova fronteira a Leste (Bielorrssia, Ucrnia e Moldvia), que influencie activamente a resoluo das crises no Cucaso (Gergia e Armnia/Azerbaijo) e possa projectar o seu peso na sia Central, passando a ser actor relevante nesse mercado estratgico-energtico. A Europa, enquanto unidade poltica, parece no se ter ainda apercebido que essa rea pode ser-lhe cada vez mais vital, particularmente se se tiver em conta a crescente expresso americana no Golfo e nas zonas adjacentes na sia Central e do Sul. Sem uma relao activa com os Estados dessas reas, a Unio Europeia no conseguir garantir, em tempo til, uma influncia relevante no processo de evoluo do espao euro-asitico da OSCE. Infelizmente, a Unio parece incapaz de entender que a OSCE poderia ser por ela utilizada de forma muito mais eficaz neste domnio.Convm deixar claro que o problema da melhoria da eficcia da aco da Unio Europeia no seio da OSCE no se situa predominantemente em Viena. Nesta cidade apenas se sentem os efeitos secundrios da leitura feita em Bruxelas, no apenas em termos da colocao dos temas OSCE na hierarquia de prioridades da aco externa da Unio, mas igualmente os bloqueamentos entre os Estados membros que resultam em certos impasses.No primeiro caso, constata-se que Bruxelas tem vindo, com alguma lentido, a absorver as mensagens que a sua antena no seio da OSCE lhe envia. Essa mensagem relativamente simples: torna-se necessrio que a Unio Europeia, que tem hoje quase metade dos Estados OSCE, alguns deles com uma grande proximidade geogrfica das questes mais conflituais que ocupam a organizao, e que paga uma fatia considervel do oramento, se concentre em acordar numa massa crtica de jurisprudncia diplomtica, no apenas face aos temas actualmente mais apelativos para a PESC, mas igualmente nas reas do Cucaso e sia Central, por onde passa muito do futuro dos interesses europeus. foroso, neste contexto, que a Unio se ponha de acordo e, neste caso, a Alemanha, a Frana e o Reino Unido, em especial se est ou no disposta a afirmar uma poltica autnoma para essas regies, eventualmente arriscando pontuais conflitualidades com os EUA, quando a estratgia deste possa contrapor-se aos seus interesses. A sensao prevalecente que a Europa d a Washington o direito de estabelecer em tais reas a linha prioritria de aco, ficando a actuar apenas nas margens desta e, por essa razo, aparecendo sempre como um poder subsidirio, o que afecta a sua prpria relevncia no dilogo com a Rssia.Uma segunda linha de preocupaes prende-se com algumas questes de princpio e com a evoluo de certas dimenses da aco externa da Unio Europeia, no perodo subsequente ao ltimo alargamento. Estamos a referir-nos aos temas ligados s tenses traumticas que alguns dos novos aderentes, em especial os Estados blticos, mantm com Moscovo e ao modo como tal se repercute na formulao de algumas linhas de interveno substantiva da Unio no seio da OSCE de que o tratamento das minorias nacionais o exemplo mais evidente. Mas isso igualmente vlido nas questes como o tratamento das matrias ligadas ao combate intolerncia e autonomia a dar s diversas componentes de tal conceito. Se a Unio Europeia no conseguir ultrapassar, a muito curto prazo, o bloqueamento que obriga a solidariedades que se situam acima dos princpios que deve observar, no nos deveremos admirar que tal possa ter repercusses srias, em especial no equilbrio da nossa relao com a Rssia. No seio da OSCE, a Unio sempre deu a entender que tinha uma diplomacia de valores e que, muitas vezes, esse era o elemento distintivo face a certos jogos derealpolitikque enfraqueciam a credibilidade de outros parceiros. Se a dinmica do seu processo interno de deciso vier a ficar congelada pela fragilidade na afirmao dessa dimenso tica, a Europa passar a ser vista dentro da OSCE como adoptando o mesmo cinismo tctico que, por vezes, identifica negativamente nos outros.Mas importa dizer que magnificar a influncia da Unio Europeia na OSCE no pode constituir um fim em si mesmo, mas apenas um meio para utilizar os instrumentos ao dispor da organizao para as finalidades da PESC. Para tal, impe-se que todos os actores relevantes na Unio Estados membros, Comisso,Policy UnitPESC, PSC, COSCE - se articulem com vista a aproveitar as eventuais contribuies e meios da OSCE para objectivos comuns da Unio Europeia, em cada pas ou sub-regio, que no ser possvel, ou ser muito mais difcil, desenvolver fora deste quadro multilateral. Ser pela cumulao criativa dos diversos instrumentos que a Unio e os seus Estados membros tm na sua mo, em Bruxelas e nas capitais, que vai ser possvel conferir credibilidade ao processo declaratrio que se desenvolve em Viena. Meios financeiros, instrumentos de poltica comercial, poltica de sanes, influncia junto de outras instituies multilaterais estes so alguns de entre muitos instrumentos que a Unio Europeia (com a Comisso Europeia a ter um papel relevante) e os seus Estados membros tm ao seu dispor e que devem utilizar em pleno.A ligao entre as delegaes da Comisso Europeia e as Misses OSCE so, neste domnio, um elemento da maior importncia. A Unio, alm disso, tem de saber trabalhar muito melhor a montante da gesto quotidiana definida no quadro do Conselho Permanente, influenciando as agendas e as prioridades da OSCE, nomeadamente atravs do desenho do seu oramento anual e da planificao capaz das suas decises substantivas, com carcter estratgico, que so aprovadas nos Conselhos Ministeriais anuais. Finalmente, torna-se vital que os Estados Membros que tm agendas nacionais muito vincadas em alguns pases da rea OSCE, onde a Unio tem um dfice de influncia enquanto entidade colectiva, consigam trabalhar de forma coordenada e coerente, numa lgica interventiva europeia. Isto passa, nomeadamente, pelo dilogo no desenho dos projectos com financiamentos nacionais e pela poltica de candidaturas para os postos OSCE.No imediato, o empate de vontades que se detecta na Unio Europeia conduz a que as suas intervenes na OSCE acabem por ser uma manancial de platitudes, a expresso de uma diplomacia de lugares comuns, que contrasta flagrantemente com a importncia potencial de representar politicamente 25 Estados num contexto de 55[9]. Se assim continuarmos, no apenas enfraqueceremos a nossa imagem na OSCE como contribuiremos para enfraquecer a prpria organizao.As dvidas existenciaisEmbora oficialmente assuma um discurso auto-congratulatrio sobre a preservao das virtualidades da sua aco e sobre a subsistncia de um espao prprio no mercado das organizaes de segurana, patente que o ambiente que se vive na OSCE est longe de ser de extrema confiana quanto ao respectivo futuro. Muito pelo contrrio, h uma constante interrogao sobre o modo como a organizao se deve situar na arquitectura de segurana europeia, depois da evoluo de outras entidades que, em certa medida, podem conflituar com a preservao do seu domnio especfico de interveno.Na prtica, a evoluo da filosofia que hoje enforma a NATO, o vasto alargamento desta organizao e, em especial, o modelo de articulao que ela j conseguiu com a Rssia, vieram renovar as dvidas que existiam sobre o espao de afirmao futura para a OSCE na rea da segurana. Se a organizao surgiu no passado como terreno privilegiado para gerir o dilogo com a URSS, a verdade que a Rssia dispe hoje de quadros prprios muito mais eficazes, no apenas para sustentar o seu entendimento com os EUA, mas igualmente para organizar o seu relacionamento directo com a NATO. Naturalmente que passam pela OSCE algumas questes residuais em matria de controlo dos processo de desarmamento convencional, a que se ligam mecanismos de transparncia para assegurar as medidas geradoras de confiana em matrias de segurana. Mas, como atrs se assinalou, estamos j muito mais no domnio da gesto das rotinas e, muito menos, num terreno que pressuponha um nvel de interveno negocial em que a OSCE venha a ser instrumental.Por outro lado, o ltimo alargamento da Unio Europeia tambm no resulta neutral para a OSCE, tendo particularmente em conta que vai de paralelo com o reforo de uma dimenso prpria de segurana, a qual, assuma-se ou no, conflitua, de certo modo, com o terreno tradicionalmente ocupado pela organizao. Um exemplo bem evidente o papel crescente da Unio nos Balcs, num modelo de interveno que claramente se substitui e vai mesmo muito para alm quele que a OSCE est em condies de oferecer. Alm disso, e uma vez mais, a Rssia no necessita da mediao da OSCE para dialogar com a Unio Europeia: f-lo em quadros que configuram o caminho para uma parceria estratgica perfeitamente autnoma. Diramos mesmo que importar Unio no seio da OSCE evitar que os temas mais problemticos na sua agenda acabem por prejudicar este mesmo entendimento, em lugar de o reforar.Embora ningum o afirme abertamente, tambm evidente existir uma subterrnea competio entre a OSCE e as estruturas do Conselho da Europa, nomeadamente nas reas da Dimenso Humana, se bem que, neste ltimo caso, a OSCE possa reivindicar ter no seu seio os pases da sia Central que no fazem parte da instituio de Estrasburgo, para alm de parceiros do outro lado do Atlntico com estatuto pleno. A questo estar em saber-se se, numa lgica de economias polticas de escala, a comunidade internacional pode continuar a dar-se ao luxo de manter separadas organizaes que se cruzam no mesmo plano de actividades, apenas por uma espcie de luta pela sobrevivncia assente em lgicas corporativas e de inrcia reformista.Voltando OSCE, parece importante que seja feito um inventrio sereno das suas virtualidades como organizao, do seu acervo institucional e normativo, da utilidade dos instrumentos ao seu dispor e do valor acrescentado que a massa crtica que conseguiu gerar pode dar para os esforos internacionais de segurana. A estes pontos deve somar-se uma anlise prospectiva sobre novas reas temticas a que poder dedicar ateno.No est nos objectivos deste texto entrar em tal exerccio, mas sempre diremos que a preservao integral dos instrumentos que consagram os compromissos assumidos pelos Estados participantes da OSCE deve estar no centro das preocupaes de qualquer reflexo sobre o futuro da organizao. Por outro lado, no vemos como dispensvel o papel extremamente relevante que a rede das Misses OSCE hoje representa, como factor de monitorizao e presso para a evoluo de certas sociedades em transio. Finalmente, cremos que questes como o combate ao Trfico de Seres Humanos, a gesto de fronteiras e a formao de polcia, a par de outras dimenses de natureza horizontal, constituem hoje um espao de crescimento potencial da organizao.Talvez uma reflexo alargada sobre a diviso internacional de trabalho em matria de segurana internacional pudesse ser desenvolvida com alguma vantagem, mas temos dvidas que tal se possa fazer apenas no contexto euro-atlntico-asitico, como aquele em que a OSCE se projecta. A nosso ver, s como resultante de uma evoluo das Naes Unidas, com a atribuio de responsabilidades subsidirias a organizaes de natureza regional ou sub-regional, que o futuro da OSCE poderia ser assegurado em plenitude. Mas esse outro debate que no cabe neste texto.Finalmente, a ideia de alguns Estados no sentido de, a prazo curto, ser promovida uma Cimeira de chefes de Estado e de Governo dos pases OSCE continua a ser tema de anlise recorrente na organizao[10]. Confessamos o nosso cepticismo sobre o interesse e oportunidade de levar a cabo, no imediato, tal exerccio. No apenas porque tememos que ele possa ser escassamente mobilizador, espelhando ainda mais o desinteresse actual que os Estados participantes mantm pela organizao, mas igualmente porque ele poderia contribuir para o relevar de algumas clivagens, por ser impensvel que alguns sectores dentro da organizao se no sentissem tentados a expressar as suas preocupaes fundamentais num debate a nvel to elevado. E, neste caso, o exerccio acabaria por ser contraproducente e reforar as perplexidades que, em princpio, tinha como objectivo superar.A Presidncia PortuguesaA Presidncia portuguesa da OSCE[11]foi, desde o primeiro momento, assumida como uma oportunidade nica para que Portugal possa continuar a dar expresso ao seu apego a uma poltica de direitos humanos, de enraizamento da democracia e da promoo da paz, da estabilidade e da prosperidade no mundo e em particular no continente europeu[12]. O objectivo era utilizar o palco da OSCE para reforar a nova visibilidade externa que se pretendia para o pas, nomeadamente atravs de uma activa participao no quadro europeu e na crescente afirmao de uma diplomacia de valores.Para tal, Portugal definiu, durante 2001, um completo programa de trabalho onde ressaltava alguma ambio de tocar, com eficcia e sentido prospectivo, nos principais vectores operacionais da OSCE, nomeadamente atravs de um maior equilbrio das respectivas Dimenses, de um impulsionar de linhas internas de reforma e de uma procura de sinergias com outras organizaes internacionais e regionais, no quadro do conceito da Plataforma para uma Segurana Cooperativa[13], lanado na Cimeira de Lisboa, em 1996, e consagrado em Istambul, trs anos mais tarde.De registar que os trs temas de natureza regional, ligados aos chamadosfrozen conflictsque subsistem no seio da OSCE, tambm mereceram a ateno da Presidncia portuguesa: Transnstria, Nagorno-Karabakh e Osstia do Sul.Valer fazer referncia breve a cada um deles, pois constituem o cerne das preocupaes da organizao e, na realidade, configuram situaes de tenso, restos da Guerra Fria, que no podem deixar de colocar ameaas constantes estabilidade.Na regio moldava da Transnstria, na fronteira com a Ucrnia, mantm-se uma administrao separatista que no aceita o governo central moldavo, expressando uma vontade poltica que hesita entre o secessionismo e modelos de grande autonomia. Embora no haja um reconhecimento formal de tal administrao por parte de qualquer pas, a circunstncia das autoridades transnstriasde factodificultarem a destruio e remoo de armas e munies de uma antiga base russa a localizada traz consequncias srias para o cumprimento por Moscovo de parte dos j referidos Compromissos de Istambul. O problema transnstrio apresenta, assim, duas vertentes, que regularmente se conjugam no plano poltico: o desmantelamento do arsenal militar russo e o processo negocial para o estabelecimento de um acordo poltico-constitucional com as autoridades legtimas da Moldova. O ano de 2002 trouxe alguns avanos nas duas frentes, embora sem uma soluo necessariamente vista em ambas. Em 2003, a Rssia tentou promover um plano prprio para a resoluo do diferendo, que contou com a oposio do governo moldavo e um idntico cepticismo por parte da comunidade internacional ocidental.A OSCE, atravs do chamado Grupo de Minsk (co-presidido pelos EUA, Rssia e Frana), tem, na ltima dcada, tentado mediar o conflito provocado pela ocupao pela Armnia de cerca de 16% do territrio do Azerbaijo, a regio do Nagorno-Karabakh, onde reside uma populao de etnia armnia. Desde o cessar-fogo obtido em 1994, que culminou um sangrento conflito iniciado em 1988, que a situao se tem mantido sob elevada tenso, com incidentes regulares, embora com uma intensidade baixa de conflito nos ltimos anos. Os esforos das diversas Presidncias OSCE para promover um dilogo com efeitos prticos na definio do estatuto futuro daquele territrio tm sido totalmente infrutferos.Finalmente, o territrio da Osstia do Sul mantm um conflito com as autoridades da Gergia, que recusam conceder o estatuto de ligao Rssia que reclama. Trata-se de um problema que a OSCE trata desde h vrios anos, com sucesso muito limitado, mas com regular promoo de dilogo entre as partes. De paralelo com a questo do territrio da Abcsia, que est a cargo das Naes Unidas, a questo da Osstia do Sul constitui uma das heranas da presena russa na Gergia.Porm, todos os esforos de Portugal nestes domnios, se bem que reconhecidos e saudados no seio da organizao, tiveram um sucesso semelhante aos que haviam sido levados a cabo por anteriores Presidncias. A prevalncia de tenses locais muito fortes e a incapacidade ou indisponibilidade de outros actores internacionais de forarem solues levou, em todos os casos, a um prolongamento prtico dostatus quo. Vale a pena registar que as Presidncias posteriores foram, at ao momento, igualmente incapazes de dar qualquer salto qualitativo nestas mesmas questes.Terrorismo desafio e oportunidadeNuma perspectiva mais geral, importante notar que, sem ter perdido de vista alguns dos principais objectivos do seu programa, a Presidncia portuguesa se viu forada, desde o primeiro momento, a proceder a uma readequao parcelar do mesmo luz das exigncias da nova situao criada pelos acontecimentos de Setembro de 2001. Assim, constituiu preocupao central do nosso exerccio potenciar a visibilidade e a utilidade efectiva da organizao no esforo colectivo, liderado pela ONU, e assumido como linha comum por toda a comunidade internacional, de luta contra o terrorismo. Tratava-se, neste caso, de prosseguir e complementar o inteligente e oportuno esforo feito pela anterior Presidncia romena nos seus ltimos meses, onde havia consagrado, neste domnio especfico, o Plano de Aco de Bucareste e o Programa de Aco de Bisqueque que passaram a constituir-se eixos importantes no esforo de visibilidade da OSCE no campo da luta anti-terrorista.Se bem que ningum duvidasse da importncia de que se revestia uma organizao de segurana como a OSCE afirmar a sua disponibilidade para colaborar na luta internacional anti-terrorista, muitos se interrogaram, desde o incio, sobre qual seria o valor acrescentado que ela poderia dar a tal esforo. O que ficara definido em Bucareste e Bisqueque era, sem dvida, importante, mas estava por demonstrar o papel operativo particular que a OSCE poderia vir a desempenhar neste mbito. Alguns viram mesmo, nesse movimento de colagem agenda de oportunidade, um ensejo para consolidar o futuro da organizao certos cnicos afirmaram ento que talvez o terrorismo pudesse vir a fazer mais pelo futuro da OSCE do que a OSCE pelo combate ao terrorismoA Presidncia portuguesa procurou, desde o primeiro momento, assumir uma posio realista. Sem tentar magnificar as potencialidades da organizao neste domnio, colocou-se a si prpria trs objectivos paralelos.O primeiro consistia em dar sequncia aos esforos muito positivos da Presidncia romena, garantindo que, durante 2002, seriam avaliados os progressos e as boas prticas entretanto desenvolvidas pelos Estados no combate ao terrorismo, estruturando algumas linhas para exerccios similares no futuro, a aprovar no Conselho Ministerial do Porto, em Dezembro desse ano.O segundo seria a possibilidade de elevar a visibilidade da aco da organizao no contexto internacional, utilizando para tal os instrumentos da Plataforma para uma Segurana Cooperativa. Desde o incio da nossa Presidncia, havia sido planeada a realizao, em Lisboa, de uma reunio com os Secretrios-Gerais e/ou altos representantes da ONU e das organizaes regionais relevantes, que viria a ter lugar em Junho de 2002.Finalmente, um terceiro objectivo, a que cedo atribumos grande importncia, foi o de procurar fixar, num nico instrumento escrito, as bases de uma aproximao poltica comum dos Estados OSCE no quadro da luta anti-terrorista. A ideia de conferir a tal documento o ttulo de Carta foi recorrentemente mencionada como um dos objectivos para o Conselho Ministerial do Porto.O risco deste ltimo objectivo e que acabaria por ser a nossa mais original contribuio neste domnio era reconhecidamente elevado. A crescente simplificao de tratamento do tema, pela situao traumtica que o relanara e pelo pragmatismo das aces que a ONU concentrava, deixava escasso espao para um esforo de abordagem mais conceptual. Esse esforo tanto se poderia perder em generalidades inconsequentes como cair no terreno perigoso de definies muito elaboradas ou restritivas, as quais, neste ltimo caso, iriam em contra-ciclo com a mar poltica do tempo. Acrescia que a diversidade de culturas polticas que compem a OSCE facilmente faria resvalar tal tarefa para uma colagem s clivagens tradicionais no seio da organizao, como j se comeara a verificar em Bucareste.Cedo se verificou que todas estas preocupaes tinham fundamento. Depois de um ensaio do exerccio, antes do Vero de 2002, em moldes que a comunidade OSCE no acolheu com grande entusiasmo, viramos, nos ltimos meses, a reverter em Viena o processo atravs de um modelo que se revelou mais consensual, embora curiosamente mais imaginativo e criativo. Dele viria a resultar, por aproximaes sucessivas, a Carta de Preveno e Combate ao Terrorismo, que seria aprovada no Conselho Ministerial do Porto, em Dezembro de 2002. As discusses em Viena foram muito difceis, a prpria utilidade do exerccio chegou a estar em dvida, o conceito de Carta s muito tardiamente foi aceite por todos e, mesmo assim, apenas depois de um delicado trabalho de convico individualizada dos Estados mais relutantes, com o recurso a complexostrade-offcom outros dossis. Pelo percurso ficaram dificuldades dewordingligadas a problemas especficos de alguns pases e um esforo para uma orientao pragmtica e, tanto quanto possvel, isenta de ambiguidade.No Porto viramos tambm a aprovar uma Deciso, sob impulso dos EUA, relativa aos compromissos e actividades da OSCE no combate ao terrorismo precisamente na linha de fixao do quadro de monitorizao futura que sempre pretendramos. A assuno, por parte da Presidncia, desta ideia americana, que sempre procurmos que no afectasse substantivamente a integridade e a prpria identidade conceptual da Carta, acabaria por ser garantida como contrapartida do apoio activo de Washington, nomeadamente junto de terceiros Estados, a outros documentos que pretendamos incluir no pacote que viria a ser aprovado no termo do Conselho Ministerial do Porto.Neste domnio politicamente tenso e propenso simplificao caricatural que o combate ao terrorismo, a Presidncia portuguesa ter conseguido, atravs de um empenhamento e determinao constante, assegurar um dos principais sucessos do seu exerccio, o que foi por todos reconhecido[14].Algumas iniciativas singularesNo tendo este trabalho uma vocao de inventrio de resultados, entendemos, contudo, importante apontar algumas iniciativas que marcaram muito positivamente a nossa Presidncia e deixaram uma marca substantiva que, estamos certos, se reflectir no futuro da organizao.A Declarao sobre Trfico de Seres Humanos[15]aprovada no Porto , neste domnio, um caso exemplar. Pela primeira vez a OSCE conseguiu assumir colectivamente um conjunto de princpios num tema que tem crescente actualidade em toda a rea geogrfica da organizao, suscitando dada vez maior ateno e preocupao da opinio pblica e dos responsveis polticos. F-lo atravs da difcil fixao de linhas de abordagem que vo para alm, no apenas da retrica declarativa, mas igualmente de perspectivas tericas tradicionais, por envolverem simultaneamente os pases de origem e as fontes de procura que originam e estimulam o trfico. Com esta Declarao, a OSCE abriu caminho a um papel central num domnio que hoje reconhecido como da maior importncia no contexto europeu. A estrutura especfica que, em 2004, acabou por ser criada no organograma da OSCE para a questo do Trfico de Seres Humanos o resultado concreto deste esforo portugus e a prova da sua pertinncia.Ainda no captulo da Dimenso Humana, julgamos de interesse relevar a Deciso aprovada sobre Tolerncia e No Discriminao. Fruto de uma negociao complexa e laboriosa, que evidenciou as conflitualidade de interesses que o tema acolhe, foram lanadas importantes bases para um domnio que se revela central nas modernas questes de segurana. A realizao, em 2003 e 2004, de duas importantes iniciativas neste mbito, que decorrem directamente desta Deciso, comprova a importncia do que no Porto aprovmos. Diga-se que, quando este tema surgiu na mesa negocial da nossa presidncia, muitos poucos estavam convencidos da possibilidade de aprovao de algo de substantivo.Finalmente, sublinharamos duas Decises que podem ter um impacto decisivo sobre o futuro da organizao.A primeira tem uma natureza conceptual e prende-se, indissoluvelmente, com o prprio futuro da OSCE enquanto instituio. Tratou-se do lanamento da ideia do estabelecimento de umacomprehensiveEstratgia da OSCE para enfrentar as Ameaas Segurana e Estabilidade no Sculo XXI, nomeadamente analisando a respectiva mudana de natureza e principais causas, o papel e a adaptao de toda a rede institucional e operativa da organizao em funo dessas mesmas ameaas, a avaliao de eventuais novos meios de aco e a ligao prtica s aces nacionais e de estruturas regionais ou internacionais relevantes. Na sequncia da Declarao ministerial acordada em Bucareste, a Presidncia portuguesa em Viena tomou a iniciativa de solicitar aos EUA e Rssia, no primeiro semestre de 2002, uma contribuio conjunta neste domnio. Com base nela, foi feita uma fixao detalhada deste ambicioso programa de aco, o qual constitui, porventura, uma das contribuies mais relevantes e originais que a Presidncia portuguesa prestou OSCE, obrigando-a a repensar-se luz de uma abordagem muito extensa do novo ambiente de segurana em que se move[16].Uma segunda Deciso, que julgamos dever tambm notar, dotada de uma natureza operativa muito evidente, tinha a ver com a proposta de realizao de uma Conferncia Anual de Reviso da Segurana, que se pretendia o frum para uma avaliao, conjunta e coordenada, do trabalho anual da organizao em todas as dimenses da segurana, desde a resposta s novas ameaas, verificao da implementao das medidas de combate ao terrorismo, aos aspectos poltico-militares da segurana, s actividades de alerta precoce, preveno de conflitos, gesto de crises e reabilitao ps-conflito, s questes de polcia, aco das instituies e das Misses no terreno, etc. Trata-se de uma iniciativa de grande alcance, que se colocou de imediato no centro das prioridades da Presidncia que nos sucedeu, e que representa um modelo integrado sem precedentes na histria da OSCE[17].A actividade de uma Presidncia no se esgota nos textos aprovados no seu termo, mas estes revelam muito do trabalho desenvolvido[18]. O facto da Presidncia holandesa que nos sucedeu ter como programa, praticamente, o desenvolvimento dotaskingque fizemos aprovar no Porto d uma ideia da relevncia do nosso contributo.Mas evidente que o trabalho de uma Presidncia constitudo, tambm, pela gesto diria de uma complexa organizao como a OSCE, pela capacidade de promover a orientao regular actividade do Secretariado, de procurar dar coerncia aco das diversas instituies e, muito em especial, pelo modo como se afirma na coordenao diria do trabalho das Misses no terreno, nomeadamente com vista a ajud-las a superar os seus problemas, de natureza substantiva ou operacional.Essa aco de rotina est maioritariamente assente na Representao Permanente da Presidncia em Viena e julgada, no dia-a-dia, pelo conjunto da organizao, dela resultando a imagem que a Presidncia cria e que a sua marca distintiva.Neste contexto apreciativo, sobressai tambm a forma, mais ou menos eficaz, como as Presidncias conseguem articular o binmio capital/Viena. A complementaridade ou as tenses que sempre marcam esta dualidade resultam perfeitamente visveis aos olhos dos observadores, a comear nos Estados participantes e a acabar no Secretariado. No caso da Presidncia portuguesa da OSCE, em 2002, valer a pena afirmar que o modelo de funcionamento do binmio capital/Viena foi um factor muito notrio na nossa actividade, durante grande parte do ano, salientando-se em termos pblicos em moldes que permanecem muito vivos na memria da organizao.As crises de percursoA Presidncia portuguesa teve de enfrentar, nos primeiros meses da sua gesto da organizao, a difcil situao decorrente de no ter sido aprovado, at ao termo de 2001, o oramento da OSCE para o ano seguinte. Um trabalho aturado de dilogo e persuaso foi levado a cabo com uma eficcia tcnica que assegurou o primeiro sucesso da nossa Presidncia, garantindo tempestivamente os meios para o funcionamento regular da organizao. Valer a pena notar que, no termo da sua prpria Presidncia, Portugal conseguiu deixar finalizado, a tempo e horas, o oramento para 2003.Uma segunda crise de percurso foi gerada pela deciso da Bielorssia de, progressivamente, deixar de renovar a acreditao diplomtica dos membros estrangeiros da Misso OSCE em Minsk, como protesto pelo alegado comportamento da chefia dessa mesma Misso face situao interna no pas, em especial aquando das eleies presidenciais de 2001. O trabalho do pessoal da OSCE foi visto pelas autoridades bielorussas como tendo favorecido abertamente as foras da oposio. Como reaco s dificuldades criadas Misso em Minsk, a Assembleia Parlamentar da OSCE viria a suspender, em Julho de 2002, a participao de deputados bielorrusos nos seus trabalhos. Em resultado da atitude bielorussa, a Misso da OSCE em Minsk deixou, no final de Outubro de 2002, de poder contar com qualquer funcionrio internacional e, na prtica, cessou todas as suas actividades, j muito reduzidas desde h vrios meses.Perante a degradao crescente dos laos entre a Bielorrssia e a OSCE, a Presidncia portuguesa procurou, desde muito cedo, encetar um dilogo com as respectivas autoridades, para estudar em conjunto o modo como a presena futura da organizao no territrio poderia vir a ser mantida. As autoridades bielorussas furtaram-se a esse dilogo at cessao, de facto, do trabalho da Misso em Minsk. Entretanto, no seio da Unio Europeia, e na sequncia da recusa checa em permitir a deslocao do Presidente bielorusso Cimeira da NATO em Praga, em Novembro, gerou-se e acabou por prevalecer uma linha maioritria no sentido de impor medidas restritivas em matria de vistos de viagem a oito dirigentes bielorussos, incluindo o Presidente e o Ministro dos Negcios Estrangeiros. Portugal entendeu no dever associar-se a esta medida restritiva e isso permitiu que o MNE bielorusso se deslocasse reunio ministerial do Porto, o que, na prtica, facilitou o incio do regresso da Bielorssia mesa de negociaes. Mais de duas semanas de intensas negociaes em Viena, sob a exclusiva e autnoma responsabilidade da Presidncia portuguesa do Conselho Permanente, permitiram fixar as bases de um novo mandato, que viria a assegurar a reabertura formal de um novo escritrio da OSCE em Minsk, a partir de 1 de Janeiro de 2003.Este significativo xito da Presidncia portuguesa, no tocante preservao da presena da OSCE em Minsk, no teve paralelo na questo da continuidade da presena da Misso da OSCE na Chechnia a partir de 31 de Dezembro de 2002. Os dois processos tm, contudo, contornos bastante diferentes. Aquando da renovao do mandato daquela Misso, no termo de 2001, a Rssia deixara j entender que 2002 seria o ltimo ano em que a presena da OSCE em Grozny se manteria aberta, luz do mandato existente. Aps o Conselho Ministerial do Porto, em Dezembro de 2002, a Rssia apresentou Presidncia portuguesa um projecto de novo mandato para 2003, que permitia a continuao de uma Misso no terreno. Porm, tal texto dilua grande parte da substncia poltica do anterior mandato e, na prtica, transformava um futura presena da OSCE numa mera estrutura de cooperao tcnica com as autoridades russas, sem real consistncia com os objectivos que a organizao pretendia desenvolver no territrio, nomeadamente na rea dos direitos humanos. Intensas rondas de contactos com os parceiros em Viena vieram a resultar na rejeio liminar da proposta russa. Sucessivos projectos alternativos de texto para o futuro mandato, preparados e propostos pela Presidncia portuguesa, tendentes a fazer a ponte entre os interesses russos e as pretenses dos principais parceiros ocidentais, nunca conseguiram gerar um mnimo de consenso entre as partes, at ao final do ano, data limite de vigncia do anterior mandato e em que a Misso encerrou as suas actividades.Que razes tero conduzido a este impasse? A nosso ver, a Rssia cedo ter percebido que o preo poltico a pagar pela deciso de forar o encerramento da Misso OSCE em Grozny acabaria por no ser muito elevado, num tempo subsequente ao atentado checheno no teatro de Moscovo e em que a prevalncia de um ambiente securitrio no plano internacional funcionava em seu favor. A Rssia, de facto, no estava enganada.Uma outra crise que muito marcou a Presidncia portuguesa da OSCE respeitou substituio do director do Escritrio para as Instituies Democrticas e Direitos Humanos (ODIHR), a importante instituio da OSCE sediada em Varsvia, dedicada observncia dos direitos humanos. O processo de seleco de candidatos teve incio antes do Vero e viria a ficar marcado por vrios incidentes de percurso, com tenses entre candidaturas e questes de natureza processual em que h que assumi-lo a gesto da Presidncia poder ser vista como no estando totalmente isenta de culpas. Perante o evidente bloqueio criado entre as candidaturas apresentadas at ao Vero, a Presidncia portuguesa em Viena viria a lanar, em Setembro, um novo processo, desta vez apoiado num grupo dewise persons, que acabou por apontar para uma soluo em torno de um nico nome. O nome proposto pela Presidncia portuguesa em Viena, com base nesse novo modelo seleco, viria a merecer o consenso dos 55. Mas tal s acabou por ocorrer em incio de Janeiro de 2003, j sob Presidncia holandesa, pela peculiar insistncia de um Estado participante nosso vizinho em no desistir da sua candidatura enquanto a Presidncia portuguesa estivesse em funes, descontente da forma como Lisboa gerira a questo.Cosas de la vidaOutro domnio em que se verificaram alguns problemas foi o da nomeao de personalidades para a chefia ou lugares de relevo em Misses da OSCE, decises que dependiam essencialmente da Presidncia portuguesa e que eram da exclusiva responsabilidade da chefia poltica em Lisboa. Esta uma rea em que, tradicionalmente, surgem questes e tenses, em especial porque toca de perto as ambies de certos Estados participantes na assuno ou preservao da titularidade de alguns postos. tambm um domnio em que o Estado que exerce a Presidncia procura garantir alguma autonomia decisria, s vezes para gerir equilbrios no seu quadro de relaes bilaterais, e onde tambm frequentemente se confronta com a opinio do Estado receptor. Em perspectiva, diramos que Portugal fez uma gesto deste dossi que ganharia em ter sido muito mais transparente, clere e, em alguns casos, mais apoiada em critrios de competncia objectiva. Assim teria sido evitada a fixao de uma desnecessria imagem de hesitao e de desleixo temporal.Finalmente, uma nota sobre as relaes entre o Conselho Permanente e a Assembleia Parlamentar da OSCE[19]. Depois de um perodo inicial da nossa Presidncia em que, a exemplo de anos anteriores, se tentou trabalhar no estabelecimento de um Memorando de Entendimento, com vista a fixar a articulao funcional entre as duas estruturas, que cedo se verificou ter difceis condies de aceitabilidade entre os 55 Estados participantes, entrou-se, na segunda metade do ano, num perodo de alguma tenso interinstitucional, com a Assembleia a apresentar pretenses que a Presidncia em Viena verificou que no tinha condies de fazer aceitar pelos parceiros. Atravs de um dilogo directo entre o Presidente do Conselho Permanente e o Presidente da Assembleia Parlamentar, Portugal acabou por definir, por deciso tomada em Viena, um modelo pragmtico de ligao entre a nova representao da Assembleia e as diversas instncias do Conselho Permanente, para o que contou com a til colaborao da futura Presidncia holandesa, com vista a assegurar a sobrevivncia no tempo de talgentlemens agreement. Desta forma, as tenses diluram-se e foi possvel entrar em 2003 com uma frmula de interveno da Assembleia Parlamentar nos trabalhos do Conselho Permanente que j no suscita susceptibilidades de maior. Julgamos ser justo creditar tambm este resultado no saldo da nossa Presidncia.Os problemas fazem parte da vida das organizaes e a OSCE, bem como as respectivas Presidncias, no fogem a esta regra. Olhando para trs, sem complexos, para as dificuldades enfrentadas e para os erros cometidos, vemos que outras solues poderiam ter sido seguidas e que disso teria beneficiado a imagem da nossa Presidncia. Numa anlise temporalmente distanciada, o autor deste texto assume que, atentas certas condicionantes e aspectos conjunturais menos favorveis, nos planos interno e externo, Portugal pode dar-se por muito satisfeito com o saldo geral do seu exerccio de 2002. Esta perspectiva ganha mais evidncia se pensarmos no que poderia ter acontecido se os funcionrios do Estado portugus, nomeadamente os que estiveram colocados em Viena, se tivessem deixado absorver por situaes e atitudes que, no limite, os poderiam ter desincentivado de prosseguirem com entusiasmo o seu trabalho. Felizmente assim no aconteceu porque sempre prevaleceu, do seu lado, a vontade em salvaguardar os interesses do pas.Pistas de reflexoChegados a este ponto, parece-nos til procurar tirar algumas breves concluses sobre o futuro da organizao, nomeadamente no tocante s possveis adaptaes a introduzir na sua estrutura, como forma de melhor responder ao seu novo posicionamento no contexto da arquitectura de segurana europeia, num momento de acelerada instabilidade internacional, cuja resultante final no por ora visvel. Do mesmo modo, importa tambm reflectir sobre qual poder ser o papel de Portugal no futuro da organizao e o modo como a poder utilizar no quadro da sua aco externa.Como se assinalou, a OSCE vive num impasse difcil de superar, no que toca s suas estruturas. Por um lado, bvio que a organizao retiraria vantagens de um reforo institucional, de uma maior operacionalidade e autonomia funcional do trabalho do Secretariado e, em especial, da possibilidade do Secretrio-Geral dispor de algum poder poltico de iniciativa, nomeadamente na rea da preveno de conflitos e da gesto de crises.Tendo em ateno o actual momento de algum bloqueio que atravessa a organizao, julgamos irrealista poder apontar para que seja possvel fazer aprovar uma reforma institucional profunda, que reformule todo o actual organograma, dando-lhe maior coerncia e alterando a relao funcional e hierrquica prevalecente. No imediato, somos da opinio de que s um esforo reformista de adaptao, de natureza poltica, pilotado pelas prximas Presidncias[20], poder ter condies de sucesso. Esse esforo poderia passar por uma progressiva delegao de competncias de representao poltica no Secretrio-Geral, o qual, para ter condies para exercer em pleno tais funes complementares, deveria passar a ser coadjuvado por um Secretrio-Geral Adjunto, que teria a seu cargo as questes de natureza administrativa[21]. Assim, as prximas Presidncias deveriam ser persuadidas a fazer um esforo de auto-limitao da sua prpria autoridade, em favor do Secretrio-Geral, aproveitando a circunstncia de uma nova figura dever vir a ser designada para este cargo em 2005. Tratar-se-ia de uma progressiva responsabilizao dos factores de continuidade, dentro de uma organizao que vive sem uma slida memria que faa a ligao entre as Presidncias e permita garantir uma coerente evoluo do acervo poltico da sua interveno. Esta evoluo no deveria, em nenhuma circunstncia, subverter a relao de subordinao poltica entre a Presidncia e o Secretrio-Geral, tal como actualmente existe, mas apenas reforaria a capacidade de representao poltica deste ltimo, em nome da Presidncia, na ordem externa e na sua capacidade de gesto interna.Neste ltimo domnio, seria do maior interesse poder dar ao Secretrio-Geral a possibilidade de ser o principal veculo de orientao das Misses no terreno. Tal pressuporia um reforo do actual Centro de Preveno de Conflitos (CPC), que deveria ser dotado de uma clula de anlise e prospectiva e de uma unidade de planeamento de interveno, esta ltima englobando as actuais actividades na rea da gesto de fronteiras e aces de polcia e a progressiva criao de uma massa crtica prpria em matria depeacekeepinge aces ps-conflito, em articulao com outros actores internacionais.Ao Secretariado, e dentro dele ao CPC, deveria ser conferida uma autoridade exclusiva na gesto das Misses no terreno, hoje objecto de instrues directas da Presidncia, de orientaes que dimanam dos debates no Conselho Permanente, das intervenesad hocdos Enviados ou Representantes da Presidncia e da aco autnoma das diversas instituies. O CPC deveria passar a ser o nico veculo de transmisso de orientaes polticas e operacionais s misses no terreno, garantindo a coerncia global da aco destas, nomeadamente nas actuaes de natureza regional. Repete-se: tal no implicaria que o Secretrio-Geral ficasse isento de responder perante a Presidncia.Ainda no tocante s Misses, o cenrio ideal apontaria para o aumento dos postos de pessoal contratado, em progressiva substituio do actual regime desecondment, que tem fortes desvantagens pela dependncia que cria face aos pases que designam o pessoal e pela rotao excessiva que introduz, com instabilizao constante das estruturas. No sendo possvel, realisticamente, enveredar por essa via no actual quadro de disponibilidades oramentais, importaria, contudo, que as Presidncias pudessem vir a conferir ao Secretariado um papel decisivo na seleco desses mesmos quadros. Esta questo prende-se, em especial, com as chefias e as subchefias das Misses, que deveriam passar a ser feitas atravs de uma comisso independente, dirigida pela Presidncia e integrada pelo Secretariado, este com direito de veto, e por personalidades indicadas pelo Conselho Permanente. Assim se garantiria uma maior transparncia a tais processos de seleco, que deveriam ser marcados por critrios de gesto profissional, com provas rigorosas de seleco. Alguns desastres cometidos neste tipo de seleco, inclusiv durante a nossa Presidncia, a esto para demonstrar a fragilidade do actual mtodo, baseado em avaliaes impressionistas e meras apresentaes curriculares.No ignoramos que a eventual adopo deste novo modelo contrariaria as vantagens que alguns pases retiram da prtica actual. Para alm das Presidncias irem perder, nesse caso, parte da influncia autnoma de que hoje dispem, tambm os pases que hoje providenciam pessoal em regime desecondmentficariam afectados no poder de efectivo controlo que hoje tm o qual, curiosamente, tambm se objectiva em detrimento do poder da Presidncia. Do que no duvidamos que tal resultaria em favor de um acrescido reforo da organizao.Em termos gerais, a experincia aponta para a necessidade absoluta de garantir um reforo das estruturas de continuidade no seio da OSCE o que s pode significar um reforo do papel do Secretariado. A menos que houvesse uma improvvel vontade poltica para caminhar no sentido de uma ambiciosa reforma global o que poderia ser dinamizado por um Grupo de Sbios[22]mandatado a nvel ministerial, como o fez h anos o Conselho da Europa , quaisquer passos eficazes e realistas naquele sentido s podem ter sucesso se houver uma disponibilidade de delegao de poder por parte das futuras Presidncias.Portugal e a OSCE o futuroA Cimeira de Lisboa de 1996 deu a Portugal uma imagem de um pas capaz de mobilizar meios e vontades para ajudar a redireccionar o rumo da OSCE, num momento decisivo do respectivo percurso. A Cimeira de Lisboa continua a ser considerada um evento da maior importncia na histria da organizao, pelo aprofundamento a feito do papel chave da OSCE no processo de segurana e estabilidade, atravs das suas trs Dimenses. Foi em Lisboa que se lanaram os fundamentos daquilo que viria a constituir a Carta para a Segurana Europeia, que viria a ser aprovada em Istanbul, em 1999. Mais tarde, o modo srio e responsvel como planemos e definimos as linhas orientadoras para a presidncia 2002, a aco relevante que desenvolvemos naTroikadurante 2001 (nomeadamente na gesto da questo transnstria) e a capacidade com que soubemos adequar o nosso programa de aco s novas realidades subsequentes a Setembro de 2001 tudo isso nos garantiu o crdito de confiana com que inicimos o exerccio da Presidncia.J atrs fizemos o balano possvel da Presidncia de 2002. Resta sublinhar que nela veio a somar-se o efeito conjugado de dois factores: um externo e um interno.O primeiro prende-se com as prprias interrogaes existenciais que hoje em dia marcam a organizao, neste tempo novo de transio no cenrio geo-estratgico mundial. Os consequentes bloqueios das estruturas da OSCE, bem como o deslocar das agendas de prioridades de alguns parceiros para outros quadros institucionais tidos por mais operativos perante os desafios da conjuntura, conduziram quilo que foi a mdia de vontades entre[i]os Estados participantes que serviu de pano de fundo implementao do nosso programa.O segundo liga-se s inevitveis consequncias induzidas pelas alteraes de titularidade ocorridas durante o curso da Presidncia, no tocante aos trs actores principais envolvidos na respectiva gesto Presidente em Exerccio, Presidente do Conselho Permanente e Coordenador OSCE em Lisboa. Note-se que nenhuma outra presidncia anterior sofreu uma to profunda convulso no seu curso de trabalho. Qualquer que seja a leitura que se faa da resultante prtica de cada uma dessas mudanas para o curso da nossa Presidncia, h que convir que apenas por um grande acaso, que no se verificou, essas alteraes poderiam resultar neutrais para os equilbrios de que dependia o xito do exerccio. E, independentemente do auto-retrato que procuremos dele fixar, a imagem que ficou nos outros prevalecer como aquilo que fizemos, ou deixmos de fazer, na OSCE durante 2002. Cada um de ns.Dito isto, onde est hoje, e onde deve estar no futuro, Portugal na OSCE ?Fora de contextos muito particulares (cimeiras, presidncias,Troikas) que se no repetiro, a relevncia de Portugal na OSCE acompanha o normal padro da afirmao da nossa poltica externa no plano mundial. O que significa que, se quisermos ir para alm desse padro, temos de estar dispostos a adoptar polticas voluntaristas, algumas das quais passam pela elevao do perfil com que encaramos algumas das nossas responsabilidades no plano externo. Atentas as limitaes financeiras que vulgarmente aparecem associadas a tais esforos, facilmente se concluir que o nosso pas s tem condies para apoiar tal aco atravs do reforo de uma diplomacia de valores.A situao do nosso pas numa organizao em que os principais problemas se situam em reas geogrficas muito distantes das nossas fronteiras polticas que no das nossas fronteiras de segurana - d-nos um ptimo ensejo para nos afastarmos, no quadro da OSCE, de juzos de algumarealpolitik, quase sempre inibidores de uma total coerncia. Isso permite-nos uma maior iseno face a determinados cenrios, que outros vivem sob reflexos de maior proximidade geopoltica ou de cargas histricas muito particulares.A OSCE deve ser, assim, para ns, um terreno de afirmao dos princpios com que fomos aculturando a nossa expresso externa nas ltimas dcadas, nomeadamente no tocante estrita observncia das regras democrticas, preservao dos valores do Estado de direito, bem como a uma poltica activa de promoo dos Direitos Humanos, nas suas vrias dimenses. Da decorre o interesse em aproveitarmos o subgrupo da Unio Europeia como espao privilegiado para consagrarmos, no dia-a-dia da OSCE, essa mesma linha de orientao. Torna-se importante que continuemos a dar de Portugal, tambm no contexto especfico da OSCE, a imagem de um pas previsvel e responsvel nos seus reflexos externos, elemento essencial nossa credibilidade como actor internacional, que ainda dispe de uma aprecivel projeco em vrios cenrios geopolticos.Complementarmente, a OSCE pode ser, tambm, um espao interessante para alimentarmos e completarmos o nosso tecido de relaes bilaterais, nomeadamente em reas do mundo no cobertas por uma presena fsica permanente da nossa rede diplomtica e consular, como o caso do Cucaso e da sia Central. A nossa Presidncia da organizao poderia ter constitudo, alis, um momento importante para esse trabalho de fixao e cultivo de uma imagem de um pas com uma poltica externa no subordinada a agendas de oportunidade e com uma vocao tradicional para manter a concertao como prtica determinante em todas as situaes, em especial no quadro de crises de conjuntura.O trabalho junto dos pases a Leste de Viena , neste domnio, um caminho interessante que entendemos que o nosso pas deveria dedicar-se a explorar no quadro OSCE, se nele soubermos projectar, simultaneamente, uma imagem de rigor e exigncia na observncia dos princpios e uma predisposio constante para o dilogo. Em especial, Portugal deve situar-se na primeira linha dos pases que, no seio da OSCE, entendem essencial no deixar deteriorar o acervo da parceria estratgica construda entre a Unio Europeia e a Rssia, elemento vital para a estabilidade e segurana na Europa. Sem o menor prejuzo para as nossas alianas preferenciais e para as nossas afinidades naturais, deveremos ter a sabedoria, e a coragem poltica, de no nos deixarmos enlear em alguns jogos conjunturais, susceptveis de virem a contribuir para minar o valor essencial em que assenta a OSCE: a confiana.

[1]Fazem actualmente parte da OSCE todos os pases europeus, os EUA, o Canad e a totalidade dos Estados, mesmo os asiticos, que emergiram da diviso da antiga URSS. dependncia financeira[2]Em 2004, o Secretariado e as trs instituies da OSCE dispunham de menos de 400 funcionrios permanentes. Nas Misses no terreno havia cerca de 1000 funcionrios internacionais, a maioria dos quais destacados (seconded) pelos Estados participantes, a que se somavam cerca de 2500 funcionrios recrutados localmente.[3]O Tratado sobre as Foras Convencionais na Europa (CFE) foi assinado na Cimeira de Paris, em 1990, tendo entrado em vigor em 1992. Sempre considerado como um dos documentos mais importantes negociados no seio da organizao porque juridicamente vinculativo , o Tratado CFE permitiu a destruio de mais de 60 mil peas de armamento, na sua grande maioria provenientes da antiga URSS e dos pases do antigo Pacto de Varsvia. Dada a necessidade da sua actualizao, viria a ser assinado na Cimeira de Istambul, em 1999, o chamado Tratado CFE Adaptado, que at hoje no entrou em vigor por divergncias de diversa ordem.[4]CSBM -Confidence and Security Building Measures. Sobre este assunto, ver Francisco Seixas da Costa, The OSCE Confidence and Security Building Measures, inAplicability of OSCE CSBMs in Northeast Asia Revisited, ed.Institute of Foreign Affairs and National Security, Seoul, 2003[5]Os EUA so o nico Estado participante que recusa a conceder OSCE personalidade jurdica plena no plano internacional.[6]Na cimeira de Istambul, em 1999, a Rssia comprometeu-se a retirar de algumas bases militares que dispunha no territrio da Gergia e a destruir armamento e munies que mantinha na regio transnstria da Moldvia, at ao fim de 2002. Com argumentos diferentes, tais Compromissos no foram, na sua grande maioria, cumpridos e uma nova data at ao final de 2003 ficou estabelecida na reunio ministerial do Porto, em 2002. Embora verificada a persistncia do incumprimento dos Compromissos no termo do novo prazo, durante o Conselho Ministerial da OSCE em Maastricht, em Dezembro de 2003, a Rssia recusou ento aceitar uma renovao daqueles mesmos Compromissos, em termos que os pases ocidentais, em especial os EUA, pretendiam mais constrangentes do que os acordados no Porto, no ano anterior. De certo modo, a Rssia quer significar que no tem obrigao de cumprir tais Compromissos que entende como um mero acordo poltico - antes que os pases ocidentais ratifiquem o Tratado CFE Adaptado e, em particular, que a ele adiram os pases blticos. Os pases da NATO, por seu turno, entendem que compete Rssia cumprir os Compromissos de Istambul antes de se iniciar a ratificao do Tratado CFE Adaptado, por considerarem ligados, poltica e institucionalmente, esses dois tempos. Foi esta contraposio de leituras que levou impossibilidade de acordo em todos os documentos finais do Conselho Ministerial de Maastricht, em Dezembro de 2003.[7]A Rssia no autorizou a renovao do mandato da misso que a OSCE mantinha na Chechnia desde 1997, que assim foi encerrada em final de 2002.[8]A China tem vindo a dar sinais de interesse numa aproximao OSCE, que vem complementar o seu crescente relacionamento econmico com pases como o Casaquisto e o Quirguisto. Numa lgica similar, a maior aproximao OSCE que tem vindo a ser evidente tambm por parte do Japo pode ser vista na perspectiva de alguma competio com a influncia da China junto de pases da sia Central. Para uma anlise do percurso poltico recente dos cinco Estados da sia Central, na perspectiva da OSCE, ver Francisco Seixas da Costa, Central Asia Not Always a Silk Road to Democracy, in OSCE Magazine, OSCE, Vienna, July 2004.[9]As declaraes da Unio Europeia passaram a ser subscritas regularmente, a partir de 2004, pela Bulgria, Romnia, Turquia e Crocia, dado o seu processo de aproximao Unio.[10]A OSCE tinha a inteno original de promover, cada dois anos, a realizao de uma Cimeira a nvel de chefes de Estado e de Governo. A crescente e generalizada fadiga internacional relativamente a este tipo de eventos veio a espaar a respectiva realizao.[11]O autor desempenhou as funes de presidente do Conselho Permanente da OSCE, a partir de Setembro de 2002.[12]Gama, Jaime, A Presidncia Portuguesa da OSCE, inNegcios Estrangeiros, n 2, MNE, Lisboa, Setembro 2001[13]A Plataforma para uma Segurana Cooperativa tem como objectivo a promoo da cooperao, sem hierarquias, entre as organizaes internacionais e regionais que compem a chamada arquitectura de segurana europeia (ONU, NATO, UE, Conselho da Europa e OSCE).[14]Sobre a leitura portuguesa do trabalhos da OSCE em matria de combate ao terrorismo, ver Francisco Seixas da Costa, OSCE and the fight against Terrorism, inThe Search for Effective Conflict Prevention in the New Security Circumstances, Ministry of Foreign Affairs of Japan, Tokyo, 2004[15]Esta Declarao resultou de uma oportuna iniciativa tomada em Viena pelo embaixador Joo de Lima Pimentel, que antecedeu o autor na presidncia do Conselho Permanente da OSCE. Na sequncia do aprofundamento desta temtica no seu seio, a OSCE acabou por estabelecer uma estrutura autnoma para monitorizao da questo do Trfico de Seres Humanos em todo o seu espao..[16]A Estratgia veio a ser aprovada na reunio ministerial de Maastricht, em Dezembro de 2003, e hoje um eixo programtico central da actividade da OSCE.[17]A partir de 2003, passaram a ter anualmente lugar em Viena estas Conferncias, nascidas da iniciativa portuguesa.[18]Foi sob Presidncia portuguesa da OSCE, em 2002, que, pela ltima vez, foi possvel obter um acordo entre os 55 Estados que fazem parte da organizao, traduzido numa Declarao final consensual. Divergncias entre a Rssia, por um lado, e a generalidade dos pases ocidentais, por outro, impossibilitaram as Presidncias que nos sucederam (Pases Baixos, Bulgria e Eslovnia) de conseguir aprovar qualquer Declarao Final, pelo que a Declarao do Porto continua a constituir a mais recente base de consenso.[19]A Assembleia Parlamentar, cujo Secretariado est sediado em Copenhague, constituda por mais de 300 deputados dos parlamentos nacionais dos Estados participantes e tem por objectivo promover o envolvimento parlamentar nas actividades da organizao, debatendo as suas principais questes e adoptando resolues e recomendaes, desenvolvendo tambm aces de monitorizao eleitoral. A sua sesso principal em Julho de cada ano, reunindo em Viena em Fevereiro, realizando ainda vrias outras reunies, visitas e seminrios. Contrariamente ao que acontece com a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, o rgo similar da OSCE no tem qualquer interveno na seleco do Secretrio-Geral da organizao, funcionando apenas como uma instncia de formulao de posies polticas, s quais, contudo, nem a Presidncia nem o Conselho Permanente se sentem necessariamente vinculados.[20]Em 2006, 2007 e 2008, a Presidncia ser assegurada, sucessivamente, pela Blgica, pela Espanha e pela Finlndia. Existe uma candidatura do Casaquisto para 2009.[21]Como j referido, na actual estrutura, o Secretrio-Geral ochief administrative officerda OSCE. No tem substituto directo, sendo representado, nas suas ausncias, pelo director que, caso a caso, venha a designar. Na eventualidade de vir a criar-se um lugar de Secretrio-Geral Adjunto, este posto poderia vir a ser atribudo a um pas a Leste de Viena, o que apaziguaria os Estados que entendem que o actual Secretariado, nos lugares essenciais, continua a ser um feudo dos pases ocidentais.[22]Esta sugesto, avanada pela primeira vez por Portugal em 2003, por iniciativa da nossa Representao Permanente em Viena, veio a ser aprovada pela organizao em 2005.

(Publicado em "Negcios Estrangeiros", n 7, Lisboa, 2004)