a origem social dos estudantes...

35
Rui Macheie * A origem social dos estudantes portugueses A analise das origens sociais dos estudan- tes portugueses revela profundas desigualda- des no acesso ao ensino superior. Por outro lado, o princípio da igualdade das oportuni- dades, conduzindo a uma selecção dos mais aptos, impõe-se hoje, não apenas por razões de ordem, ética, mas também por motivos económicos e sociais. Pode caminhar-se para uma certa democratização do ensino superior através de auxílios directos e indirectos à população estudantil. Mas só um sistema ins- titucional diversificado e flexível, capaz de responder sem rigidez aos aumentos da pro- cura, permitirá realizar uma verdadeira igualdade das oportunidades. I — SIGNIFICADO E IMPORTÂNCIA DO PRINCIPIO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NA EDUCAÇÃO 1. Introdução Émile DURKHEIM, nas lúcidas e penetrantes páginas que de- dicou aos problemas da sociologia da educação, por mais de uma vez acentua a estreita conexão existente entre o tipo e estrutura de uma dada sociedade e o seu sistema de educação. A educação é essencialmente um fenómeno social que se caracteriza como «a acção exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não possuem ainda a maturidade suficiente para participar na vida social e tem por finalidade suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados * Rui Chancerelle de MACHETE— Licenciado em Direito. Curso Comple- mentar de Ciências Políticas. Professor do Instituto de Estudos Sociais. N. do A. —Constitui grata obrigação deixar expresso um sincero agradecimento aos Dr. Alberto RAMALHEIRA e Eng. Fernando GOMES DA SILVA

Upload: others

Post on 25-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

RuiMacheie *

A origem socialdos estudantesportugueses

A analise das origens sociais dos estudan-tes portugueses revela profundas desigualda-des no acesso ao ensino superior. Por outrolado, o princípio da igualdade das oportuni-dades, conduzindo a uma selecção dos maisaptos, impõe-se hoje, não apenas por razõesde ordem, ética, mas também por motivoseconómicos e sociais. Pode caminhar-se parauma certa democratização do ensino superioratravés de auxílios directos e indirectos àpopulação estudantil. Mas só um sistema ins-titucional diversificado e flexível, capaz deresponder sem rigidez aos aumentos da pro-cura, permitirá realizar uma verdadeiraigualdade das oportunidades.

I — SIGNIFICADO E IMPORTÂNCIA DO PRINCIPIO DAIGUALDADE DE OPORTUNIDADES NA EDUCAÇÃO

1. Introdução

Émile DURKHEIM, nas lúcidas e penetrantes páginas que de-dicou aos problemas da sociologia da educação, por mais de umavez acentua a estreita conexão existente entre o tipo e estruturade uma dada sociedade e o seu sistema de educação. A educaçãoé essencialmente um fenómeno social que se caracteriza como «aacção exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que nãopossuem ainda a maturidade suficiente para participar na vidasocial e tem por finalidade suscitar e desenvolver na criança umcerto número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados

* Rui Chancerelle de MACHETE— Licenciado em Direito. Curso Comple-mentar de Ciências Políticas. Professor do Instituto de Estudos Sociais.

N. do A. —Constitui grata obrigação deixar expresso um sinceroagradecimento aos Dr. Alberto RAMALHEIRA e Eng. Fernando GOMES DA SILVA

Page 2: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

pela sociedade política considerada no seu todo e pelo meio especiala que particularmente se destina»1. Em parágrafo profético,adverte mesmo que «as transformações profundas que as socie-dades contemporâneas têm experimentado e estão para experi-mentar, necessitam de transformações correspondentes nos planosde educação» 2.

Para aquele sociólogo francês, no entanto, a relação socie-dade -> sistema de ensino apresenta-se de um modo demasiadosimplista e unilateral. Simplista porquanto a sociedade predeter-mina os fins e as normas que hão-de reger a preparação das novasgerações para a vida em comum, apenas em função das suasnecessidades presentes5. Unilateral porque o binómio socie-dade -> sistema de educação é visto como uma relação de ante-cedente para consequente e não como uma interdependência ondese admitem influências recíprocas.

Um dos grandes méritos dois estudos sobre a educação doapós-guerra resulta precisamente do reconhecimento do caráctercomplexo da acção da estrutura social sobre o tipo de sistema deensino e da análise das possibilidades1 que este, por sua vez, temde conformar a evolução social posterior4.

2. Perspectivas económicas

Foram sobretudo o© economistas preocupados com os proble-mas do crescimento económico quem contribuiu decisivamente paracolocar a educação no centro das discussões sobre a estratégiado desenvolvimento.

Certas características da sociedade industrial do nosso tempo

que, como membros cie um Grupo de Estudos do CODES— Gabinete de Estu-dos e Projectos de Desenvolvimento Socio-Económico — SCRL, leram e dis-cutiram comigo o problema do acesso ao Ensino Superior e a quem fiqueia dever numerosas sugestões e pertinentes correcções. A responsabilidadedo artigo cabe, porém, exclusivamente ao seu Autor.

1 Educação e Sociologia, tradução portuguesa de LOURENÇO FILHO,2.a ed., S. Paulo,, s. d., pág. 45.

^ IbUem, pág. 113.3 DURKHEIM afirma categoricamente: «é vão pensar que podemos edu-

car os nossos filhos como queremos» e ainda «em cada momento, há, assim,um tipo regulador de educação de que não nos podemos afastar sem enfren-tarmos vivas resistências que restringem as veleidades de dissidência»,,Ibidem, págs. 318-39.

4 Seria injustiça não recordar aqui, o pensamento de ORTEGA YGASSET, neste domínio também precursor como em tantos outros, para quema pedagogia é «a arte de transformar as sociedades». — La Pedagogia Socialcomo Programa Político in «Obras Completas». l.a ed., vol. I, Madrid, 1946,pág. 506.

Haverá igualmente que citar os trabalhos, agora no campo da Socio-logia, de Karl MANNHEIM, especialmente Freedom, Power & DemocraUcPlanning, Londres, 1951 e Diagnosis of our time: War Time. Essays ofa Sociologist, Londres, 1954,

Page 3: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

— crescimento contínuo da sector terciário, progressiva diversifi-cação dos ramos da produção e aparecimento de novas indústrias,utilização de mais poderosías fontes energéticas, técnicas de pro-dução e de organização de trabalho cujo grau de complexidadeaumenta dia a dia, emprego de automação, para não reter senãoas mais importantes do ponto de vista do aparelho produtivo —requerem uma elevação substancial do nível de qualificação pro-fi&sionail5. Acresce que a necessidade de assegurar uma expansãoeconómica de ritmo certo em conjugação com a complexidade dosprocessos tecnológicos de que falámos exige uma verdadeira ins-titucionalização da investigação e da inovação. Outrora actividadesdeixadas ao acaso das iniciativas individuais de personalidadescriadoras, são hoje objecto de um esforço organizada para a suapromoção e rápido aproveitamento6.

O aumento, sem precedentes, da procura de pessoal altamentequalificado e a incapacidade para satisfazêla a curta prazo vieramdemonstrar as insuficiências de uma teoria económica que teimavaem considerar o produtor à maneira clássica, como unidade fun-gível, e, do mesmo passo, sublinharam o papel, que cabe à educaçãona preparação da mão-de-obra especializada.

Outrossim, uma reflexão mais atenta dos factores do pro-gresso económico revelou que as variáveis significativas não sãosó constituídas pelos investimentos em equipamento material, comodurante algum tempo, sob a influência do pensamento Keynesiano,se propendeu a crer. Se a enumeração desses factores exterioresà relação capital-produto se mantém controversa, é cada vez maioro acordo em atribuir à educação particular relevância, encarando-anão apenas como um consumo mas também coma um verdadeiroinvestimento7.

5 G. FRIEDMANN, «Sociologie des Techniques de Productions et du Tra-vaib>, in Traité de Sociologie dirigido por G. GURVITCH, vol. I, págsi. 441-458.Cf. também P. JACCARD Politique d'Emplo*i et de VÉducation, Paris, 1957,pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the IndustrialOrder, Londres, 1951, págs. 42-43.

6 Cf. F. Russo, «La Création Scientifique et Technique, Base et Moteurdu Progrès Économique», in Encyclopédie Française, t. IX: UUnivers Écono-mique et Social, 9.12.13. Sob o ponto de vista da integração da actividadeinovadora no quadro do desenvolvimento económico, merecem leitura as pági-nas que François PERROUX lhe dedica na sua Théorie Générale du ProgrèsÉconomique, Cahiers de TI. S. E. A., série I, «La Création», 1957.

7 Cf., por todos, M. DEBEAUVAIS, «La Notion de Capital Humain» inRevue Internationale des Sciences Sociailes, vol. XIV, n.° 4, 1962, págs. 711--726 e J. VAIZEÍY, Économie de VÉducation, trad. franc, Paris, 1964, pág. 41•e segs. Como VAIZBY refere, cabe a Alfred MARSHALL O grande mérito de terconsiderado a educação como um investimento e de ter, pela primeira vez,tentado estimar o seu rendimento. O parágrafo 7 do capítulo 6, do livro IVdos Principies of Economics, intitula-se «Education as a nationaí investment»•e no apêndice matemático, nota XXIV, inclui-se uma demonstração dos mé-todos para calcular o rendimento da educação.

215

Page 4: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

A qualificação da educação como um investimento tem comoconsequência imediata a necessidade de subtraí-la a uma subor-dinação exclusiva aos capricho® da procura, pois que as suas flu-tuações qualitativas e quantitativas vêm a repercutir-se, em prazomais ou menos dilatado, na taxa de crescimento económico. Danatureza económica da educação depende também a aplicação doscritérios de rentabilidade e a escolha dos processos do seu finan-ciamento.

A importância dò sistema escolar na formação de mão-de-obraqualificada e a consideração da educação como investimento modi-ficaram radicalmente a perspectiva sobre as políticas da educação.De simples previsão plurianual de despesas, motivada pela neces-sidade de fazer face ao avolumar «espontâneo» da procura, tran-sita-se para um ensaio de planeamento, em que se estabelecem osobjectivos a atingir, definidos qualitativa e quantitativamente, ese preconizam as medidas adequadas para os alcançar. A educa-ção tende a integrar-se no esquema geral do desenvolvimento pro-vocado e o sistema de ensino de cada país passa a ser conformado,em apreciável medida, segundo as antecipações da classe dirigentesobre o que deve ser a sua estrutura económica e social futura*

Compreende-se que, neste contexto, o aproveitamento óptimodas aptidões dos membros da comunidade política assuma umsignificado de primordial valor.

A capacidade intelectual desempenha, na perspectiva econó-mica da educação, um papel correspondente à terra na economiaclássica8.

O conhecimento da «matéria-prima», dos recursos e reservasintelectuais do país, é condição essencial do êxito das políticaseducacionais que se pretendam empreender9. Infelizmente, nestecapítulo, ainda se estão a ensaiar os primeiros passos. Admite-se,apenas, como hipótese plausível, que numa determinada população,-as suas qualidades genéticas constituam o limite intransponívelao desenvolvimento, pela educação, da inteligência e energia hu-manas. Porém, «mesmo nos países da O. C. D. E. onde os sistemasde ensino são mais aperfeiçoados, os obstáculos de ordem socioló-

8 J. VATZEY, ob. cit, pág. 135.9 Por recursos intelectuais entendemos a fracção da população que

segundo um determinado critério, se considera adequada para seguir um certotipo bem definido de estudos; as reservas constituem a parte dos recursosque efectivamente não participa nesse tipo de ensino. Cf. P. BE WOLFF,«Ressources Intelectuelles et Développement de P Enseignement Supérieur»,in Prévoir ies Cadres de Demain, O. E. C. R, 1960, pág. 89. Cf. também,P. DE WOLFF e K. HÃRNQUIST, «Reserves d'Aptitudes: leur Importance et leurRépartition», esp. págs. 157-58, in Aptitude Intelectuelle et Éducation,O. C. D. E., 1962.

216

Page 5: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

gica ou educacional, à mobilização dos talentos chegarão ainda pormuito tempo, para absorver a atenção dos responsáveis pela polí-tica social e pela política de ensino» 10. São estes que, para já, nosterão que preocupar.

Por outra parte, seria errado pensar a capacidade intelectualcomo uma qualidade geral, existente em doses maiores ou meno-res em todos os indivíduos. O que há, na realidade, são diferentesaptidões particulares, que aliás serão diversamente encorajadase apreciadas consoante os sistemas de valores de cada sociedade.HALSEY sublinha bem a influência social na descoberta e valori-zação dos talentos ao concluir que «um processo de desenvolvi-mento económico e social constitui um processo de criação de novasaptidões» ".

3. Perspectiva étioo-jurídica

Para quem continue a dar primazia, na escala axiológica, aosvalores éticos e culturais, as ponderosas razões expendidas nonúmero anterior não são ainda as mais decisivas. «O homem sóse torna homem pela educação. O que ele é deve-o à educação»notava KANT e acrescentava: «é possível que a educação se tornecada vez melhor e que cada geração, por seu turno, dê mais umpasso para o aperfeiçoamento da humanidade, porque, no fundo,é na educação que reside o grande segredo da perfeição da natu-reza humana» 12.

O reconhecimento da educação como instrumento essencial dodesenvolvimento da personalidade humana impõe logicamente asua inclusão nos caracteres em que se analisa o princípio da igual-dade dos cidadãos perante a lei, solenemente proclamado nos textosconstitucionais desde 1789. No entanto, só muito, tardiamente sedeu conta desse incindível nexo entre a equiparação dos membrosda sociedade política e o livre e efectivo acesso aos estabeleci-mentos de ensino de todos os graus.

A lentidão com que, no plano social e político, se tomou cons-ciência da extrema relevância do papel desempenhado pelo ensino,por um lado, a difícil e cruenta transformação do Estado burguêsde direito em novas formas políticas influenciadas por preocupa-

10 «ApMtude Intelectuelle...», cit., A. H. HALSEY, «Compte-Rendu de IaConférence», págs. 24-25.

11 Ibidem, pág. 25. A visão pessimista de M. YOUNG no seu notável en-saio The Rise of the Meritocracy, 1958, resulta, em parte, de não ter tomadoem consideração este aspecto do problema.

12 Réflexions sur VÉducaMon, trad. franc. de PHILOMENKO, Paris* 19-66,págs. 73-74.

Page 6: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

ções de justiça material, por outro, explicam, em grande parte,os motivos desse atraso.

Tem sido frequentemente observado que, no, fluir das socie-dades, não são sempre as mesmas instituições a atrair as atençõesprincipais. Consoante os períodos da história social, assim umainstituição, ou um grujpo de instituições se avantajam sobre outros.A situação actual das instituições religiosas, por exemplo, é bas-tante diversa da posição central que tinham na Europa medieval.Ora não será exagero afirmar que à medida que se processa aevolução da sociedade industrial, a escola vai adquirindo uma po-sição de primeira grandeza. A universalidade da estratificaçãosocial e a consequente necessidade de escolher os indivíduos ca-pazes de ocupar os diferentes postos com os deveres e recompen-sas inerentes, exigiram sempre a existência de processos de con-trole destinados a valorizar as aptidões dos candidatos e a cana-lizá-los para os vários lugares do sistema1S. A escola constituiuem todas as épocas e sociedades — desde que estas naturalmentetenham atingido um grau de desenvolvimento que permita a auto-nomização da função educativa — um mecanismo servindo simul-taneamente para a apreciação das capacidades dos indivíduos epara a sua distribuição pelos vários estratos14. Era, porém, ummecanismo entre outros e de uma relativa modéstia em compara-ção, por exemplo, com a família. Mesmo depois da revolução in-dustrial, já no século XIX, «a frequência de um dado tipo de escolaconstituía a confirmação de um determinado status ou posiçãosocial (dos pais) e não a sua conquista» 15. A educação espelhavaa estratificação social, apresentando-se como simples corolário daposição do indivíduo e da sua família. A sua função selectiva eradiminuta. Actualmente, pelo contrário, a escola constitui um dosprincipais órgãos de valorização das aptidões e competências e dehierarquização dos indivíduos, pois que a manutenção da posiçãoherdada dos pais, ou a ascensão social são, em grande medida,condicionadas pelos sistema de ensino. Na verdade, o nível depreparação escolar condiciona o ingresso nas várias profissões,tornando-se normal a exigência da obtenção de um diploma univer-sitário para o exercício das mais prestigiosas e especializadas.

13 Cf. Kingsley DAVIS and Wilbert E. MOORE, «Some Principies of Stra-tification», The American Sociological Review, vol. 10, n.° 2, págs. 242-249,reproduzido em Class, Status and Power, editado por R. BENDIX e S. MartinLIPSET, 2.a ed., Nova Iorque, 1966, págs. 47-53. Este «reader» contém igual-mente a crítica de M. TTJMIN, «Some Principies of Stratification», págs. 53-58e a réplica de Kingsley DAVIS, págs. 59-62.

14 Cf. P. SOROKIN, Social Mobility, caps. VIII e IX (in «Paperbackedition» de 1964, respectivamente, págs, 164-181 e págs, 182-211).

15 H. SCHELSKY, Sociologische BemerKungen Zur Rolle der Schwle inunserer Gesellschaftverfassung, 1956, pág. 3.

218

Page 7: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

Por outra parte, é sabido que a categoria profissional constituium dos mais importantes factores de diferenciação social, sendopor isso mesmo o mais utilizado na elaboração das «escalas deprestígio» aferidoras da mobilidade sociaJl16.

A educação constitui, assim, um título de legitimação do«status» do indivíduo de importância crescente.

O Estado de direito consagrando a divisão dos poderes, coma sua enumeração dos direitos fundamentais e a subordinação es-treita das actividades administrativa e jurisdicional à lei, enten-dida como norma jurídica de carácter geral e abstracto, correspondea uma bem concreta situação social e política do século passado,caracterizada pelo domínio da classe burguesa. Esta verdade foicompreendida com toda a clareza por MARX e contribuiu, semdúvida, para a sua concepção da luta de classes como luta política,bem como para o. esclarecimento do significado político do Estadoliberal17. O Estado burguês de direito (pressupunha igualmenteuma nítida separação entre a Sociedade e o Estado. A ordem so-cial apresentava-se como concretização de um princípio «justo»de organização da Sociedade. Os direitos individuais, inscritos naconstituição, asseguravam com particular vigor, frente ao Estado,a intangibilidade dessa ordem social. O dualismo Sociedade-Estadotraduzia-se num definição de zonas de competência próprias eautónomas.

São por demais conhecidas as vicissitudes de diversa índoleque obrigaram o Estado a abandonar essa atitude respeitosa epassiva e lhe impuseram o dever de intervenção na vida económicae social, quer revestido da sua autoridade pública,, quer partici-pando nas actividades produtivas como qualquer outro empre-sário. Aqui queremos tão somente referir que a conformação deuma ordem social nova, norteada por princípios de justiça distri-butiva, se tornou na mais ingente tarefa do Estado moderno.«Verteilungsstaat», Estado de repartição de bens, na impressivadesignação de FORSTHOFF, preocupa-se em garantir aos seus cida-dãos, não só a igualdade jurídica e política, mas também, em certamedida, uma maior nivelação económica e social e, sobretudo, uma

1 6 Cf. Martin LIPSET e H. L. ZETTERBERG, «A Theory of Social Mobi-lity», in «Transacthns of the third World Congress of Sociology, V, 2 (1956),págs. 155-177, reproduzido no «Reader» de BENDIX e LIPSET, págs. 561-573e R. W. HODGE, Donald TREIMAN e Peter H. Rossi, «A Comparative Studyof Occupational Prestige», in «Reader» de BENDIX e LIPSET, cit., págs. 309-321.

Deve notar-se, no entanto, que a escola constituirá um importantefactor de mobilidade social enquanto a educação auferida pelos diferentesestratos da população for diferencial. Com a homogeneização tendencial jáhoje previsível na sociedade americana, a sua importância decrescerá acen-tuadamente.

17 Cf. para uma análise crítica extremamente interessante da concepçãomarxista de classes e, em última análise, do valor operacional da conceito,

Md

Page 8: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

igualdade de oportunidades1S. Para tanto utilizará os mais varia-dos processos técnicos, desde a reestruturação dos sistemas fiscaise da política monetária e salarial, até à visão global de um pla-neamento integrando sectores económicos e sociais. A extensãodo «suum cuique tribuere» para além da zona tradicional da re-muneração do trabaJlho levou, por seu turno, a observar os pro-blemas do ensino a outra luzia.

Essas novas tendência® não tardaram a encontrar eco nasdeclarações de direitos contemporâneas, de que o artigo 26 daDeclaração Universal dos Direitos do Homem constitui o melhore mais conhecido exemplo: «1. Todas as pessoas têm direito àeducação. A educação deve iser gratuita pelo menos no que se re-fere ao ensino elementar e fundamental. O ensino elementar éobrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado;o acesso aos estudos superiores deve ser aberto a todos, em com-pleta igualdade, em função do mérito próprio»20.

Vemos, assim, que neste domínio e por felicidade rara, háuma certa harmonização entre as exigências éticas e as necessi-dades económicas. Enquanto a actual penúria de técnicos se man-tiver, e as previsões indicam-nos que a situação tende a perdurarpor longo período, não haverá contradição entre os imperativoséticos e o& económicos. Esta concorrência propicia a criação de

Ealf DAHRENDORF, LOS Clases Socmles y su Conflicto en Ia Sodedad Indus-trial, trad. esp., Madrid, 1962, esp. págs. 17-55 e 160-205.

18 A bibliografia sobre as relações Estado de direito-Estado social évastíssima. No texto seguimos de perto E. FORSTHOPF, Lehrbuch des Verwal-tungsrechts, 9.a ed., Berlim, 1966, pág. 57-77 e ainda o trabalho do mesmoautor «La Republica Federale Tedesca come Stato di Diritto e Stato Sociale»,publicado na Rhtista trimestrale di Diritto Pubblico, 1956, págs. 548-562.

™ Cf. T. H. MARSHAL, «Social Selection in the Welfare State», inEducation, Economy and Sodety, editado por A. H. HALSEY, J. FLOUD e C.A. ANDERSON, 1961, págs. 148-163. Veja-se também do mesmo autor Citizen-ship and Social Class, Cambridge, 1950.

20 Cf. sobre a interpretação correcta a dar a este n.2 1 do artigo 2*6,A. VERDOOT, Naissance et Signification de Ia Declaration Unwerselle desDroits de UHomme, 1964, pág. 242 e seg.

Com a afirmação do texto não se quer afirmar a inexistência nos textosconstitucionais do século passado de referências ao ensino. Assim, logoa primeira Constituição francesa de 1791, prescrevia no seu título I a cons-tituição e organização da instrução pública «comum a todos os cidadãose gratuita naquelas matérias de ensino indispensáveis a todos os homens...».Cf. também os artigos 237 e 238 da Constituição Portuguesa de 1822,§§ 30 e 32 do artigo 145 da Carta Constitucional, artigo 28, n.08 1 e 2da Constituição de 1838, artigo 3, n.° Hl da Constituição de 1911, artigo 8,n.° 5 e todo o Título IX da Parte I da Constituição de 1933. Porém, paraalém do frequente estabelecimento da obrigatoriedade do ensino primário,o tema principal é sempre o da liberdade de ensino e da repartição dosdireitos respectivos do Estado e da família. Cf. Paul BASTID, VÉtat et VEn-seignement, «Droit Constitutionnel (doctorat)», policopiado, Paris, 1963-64,esp. págs. 4-18.

Page 9: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

uma mentalidade receptiva às reformas da estrutura de ensino epredispõe a atitudes mais inovadoras por parte dos poderes públi-cos e dos próprios consumidores de educação.

4. A igualdade de oportunidades na educação

Para completar esta primeira parte do objecto do nosso tra-balho, interessa sobremaneira clarificar o conceito de igualdadede oportunidades perante a educação ou como também frequente-mente se diz, de democratização no ensino.

As dificuldades neste capítulo surgem, não tanto na defini-ção do conceito abstracto de igualdade de oportunidades ou, numaintonação mais cara aos economistas, de aproveitamento óptimode aptidões, como na sua transformação num conceito operacionalcapaz de sugerir medidas concretas de política educativa21.

Devemos, no entanto, fazer uma observação prévia. O com-pleto desenvolvimento das potencialidades do indivíduo a que serefere a democratização do ensino, diz respeito, na actual confor-mação do sistema de educação, sobretudo às capacidades acadé-micas. Quer dizer, os problemas de formação do carácter e deaperfeiçoamento das qualidades morais, de um modo geral, sóindirectamente são considerados na medida em que, como asjpectosda personalidade, se acham correlacionados com o desenvolvimentointelectual. Saber se o sistema de ensino deve ou não incluir, paraalém da apreciação das qualidades académicas, uma classificaçãoe escolha em função do carácter e das qualidades morais é questãoainda em aberto e de extremo melindre, já pela sua própria natu-reza, já pelas facilidades de controle social e político que é sus-ceptível de proporcionar.

Para caracterizarmos a democratização do ensino podemos,com Jean CAPELLE, considerar três ordens de elementos: a distri-buição natural de talentos pelos componentes de uma dada socie-

21 Há que salientar que igualdade de oportunidades e aproveitamentoóptimo de aptidões não são conceitos rigorosamente coincidentes. Um repre-senta um ponto de partida, as perspectivas que se abrem ao estudante qual-quer que seja o seu sexo, posição económico-social ou localização geográfica,e que para se realizarem exigem o concurso de liberdade e de vontadehumanas; o outro acentua mais o ponto de chegada, os resultados que seobtêm quando se eliminam todos os obstáculos sociais ao livre desenvol-vimento das capacidades naturais. O primeiro encara o problema da pers-pectiva do indivíduo, o segundo vê-o sob o prisma da sociedade. Utilizandouma terminologia conhecida diríamos que um e outro são aspectos do mesmoproblema, obtidos respectivamente por uma óptica micro-social no primeiro,macro-social no segundo. Não está excluído, de resto, que também aqui possa-mos vir a deparar com um «no bridge» semelhante ao encontrado na análiseeconómica.

Page 10: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

dade, que se verifica segundo uma curva de Gauss independente-mente da estratificação social dessa mesma sociedade; a distri-buição dos níveis de qualificação com aproximada correspondên-cia na escala de ocupações e na estratificação social; e a distri-buição das ambições ou planos de estudos dos candidatos a in-gressar no sistema de ensino ou das suas famílias22.

Se marcarmos em ordenada os níveis de talento, qualificaçõesou pretensões e em abcissa o número de indivíduos correspondenteaos mesmos níveis, obteremos a representação gráfica dessesmesmos elementos. Para que numa sociedade se realizasse o apro-veitamento óptimo das aptidões seria necessário que as três curvascoincidissem, o que significaria que cada indivíduo teria feito osesforços necessários para alcançar o nível de qualificação que lhepermite desenvolver no máximo as suas capacidades intelectuaise que se encontra plenamente consciente dessa situação. Trata-se,como bem se compreende, de um tipo ideal de sociedade, no sentidoweberiano do termo, ^irrealizável na sua perfeição, mas de que associedades históricas se deverão acercar em maior ou menor graupdas razões éticas e económicas que já vimos.

Porém, como se concretiza em matéria de educação esse es-forço de aproximação do tipo ideal, que às sociedades cumpre fazer?

O tipo ideal que definimos assenta em quatro condições fun-damentais.

l.a Conhecimento e desenvolvimento perfeitos das aptidõesde todos os indivíduos componentes da sociedade atravésdo respectivo sistema de ensino;

2.a Consciência e aceitação por parte de cada indivíduo dassuas limitações naturais23;

3.a Realização por parte de cada indivíduo dos esforços ne-cessários ao desenvolvimento das suas capacidades;

4.a Correspondência entre os níveis de qualificação (dadospela escola) e a posição funcional e o estrato social atin-gidos por cada indivíduo.

A acção da educação far-se-á diferentemente sentir quantoà realização aproximada de cada uma destas condições. A últimasitua-se nitidamente fora do âmbito do sistema de ensino e corres-ponde, como vimos, a uma tendência da sociedade industrial con-temporânea. A (Segunda e a terceira serão largamente tributáriasda primeira, na medida em que o conhecimento das aptidões e da

22 Cf. J e a n CAPEIJ4E, UÊcoie de Demaán Reste à Faire, P a r i s , 1966,págs , 9-12.

23 Importa sempre ter presente que as aptidões e a sua importânciavariam com a evolução social.

222

Page 11: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

importância do seu desenvolvimento agirá fortemente sobre asmotivações dos consumidores de educação. A procura de educaçãoreflecte a visão prospectiva do consumidor sobre a sua eficiênciacomo meio de ganhar a vida. A utilização de «mass media» poderácontribuir igualmente para a criação de um clima social favorávelà educação e sensível aos seus estímulos. Por outro lado, a educa-ção poderá influenciar a actual forma de estratificação e o pres-tígio social, permitindo a sua evolução para formas menos aristo-cráticas. 24

Onde, porém, a política educacional se inscreve «de pleno»é, como a sua formulação já deixava antever, no conhecimentoe aproveitamento das aptidões dos indivíduos. Para tanto terá nãosó que eliminar o® óbices sociais que viciam o seu processo deconhecimento, como ainda de criar uma estrutura suficientementediversificada e plástica para permitir o desenvolvimento de quali-dades tão multiformes. A supressão dos óbices de carácter socialimplica, não apenas o desaparecimento de todas as diferenciaçõesbaseadas no sexo, na religião, na raça, na classe social ou nalocalização geográfica, mas também a revisão e purificação dospróprios procedimentos pedagógicos e de selecção, em si mesmosInquinados de preconceitos sociais.25 Verificadas estas condiçõespoderemos dizer que o princípio da democratização do ensino serárespeitado se se oferecerem a todos os indivíduos oportunidadescontínuas de escolarização enquanto os ganhos de aprendizagemresultados dessa educação adicional atingirem nível de aproveita-mento considerado pedagógica e economicamente aceitável. A defi-nição desse nível de aproveitamento e do grau de diversificaçãodo sistema de ensino resultarão de critérios exteriores ao princípioda democratização. A função deste limita-se portanto a garantira observação da justiça distributiva, no sistema de ensino, em cadaestádio do desenvolvimento económico e dos conhecimentos peda-gógicos.26

24 Cf. as observações de TUMIN, sobre a estratificação social in «SomePrincipies of Stratification», ant. cit.

25 É sabido que as escalas de aferição da inteligência e do aproveita-mento dos alunos são influenciados em medida apreciável, por factores extra--escolares de origem social. Cf., v. g., BOURDIEU e PASSERON, Les Héritiers,cit., passam e Basil BERNSTEIN, «Social Class and Linguistic Development:A Theory of Social Learning» in Education, Economy and Society, cit.,paga,. 288-314,

26 Admite-se que salvaguardando o livre funcionamento das diferen-ciações naturais, o grau de aproveitamento das aptidões varie em função doerecursos afectados à educação. Quer dizer, ultrapassada a escolarizaçãoobrigatória, o aumento do esforço educativo levará ao aproveitamentode aptidões de indivíduos até aí deixados fora do sistema.

Page 12: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

A primeira etapa do longo caminho a percorrer em cada paísconsiste, assim, em fazer um reconhecimento e diagnóstico dasituação presente e em aventar a aplicação dos primeiros remédios.Ulteriores etapas se seguirão de aprofundamento do conhecimentoda realidade e sua evolução e da adequação das medidas já emcurso aos fins que se pretendam atingir.

5. Razão de ordem

Na segunda parte deste artigo procuramos justamente forne-cer uma achega para o conhecimento da situação portuguesa emmatéria de igualdade de oportunidades perante a educação, emborarestringida ao Ensino Sujperior. Num momento em que o Paísparece empreender um sério esforço de reflexão sobre os seus pro-blemas pedagógicos e educativos, julgamos oportuno contribuirpara essa introspecção, reunindo e comparando vários elementosdíspares, alguns publicados em primeira mão. Importa, no entanto,prevenir o leitor de que se trata de um contributo modesto. Paraalém das naturais deficiências de quem escreve, há que contarcom as imprecisões e carências dos dados estatísticos disponíveis,particularmente sensíveis no domínio das características sociais.Por isso mesmo, este estudo representa apenas uma primeira apro-ximação.

Cremos, porém, que descontadas as margens de erro que a pru-dência aconselha, a análise apresentada é válida nos seus traçosfundamentais e válidas são também as inferências daí decorrentes,revelando uma situação que urge remediar.

Page 13: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

—ANALISE DA SITUAÇÃO PORTUGUESA ACTUAL

1. Introdução

A progressiva tomada de consciência da problemática dademocratização do ensino e a melhoria dos dados estatísticosutilizáveis têm levado, ultimamente, à multiplicação dos estudossobre o binómio «sistemas de educação-condições exteriores acapacidade intelectual dos estudantes», dando-se particular realce,dentre estas, à situação económico-social. Todos os trabalhos queconsultámos são concordes em salientar, mesmo nos países maisevoluídos, uma desigualdade na participação no ensino dos estu-dantes oriundos dos diversos estratos sociais, logo que se ultra-passa o limite de idade ou o ano escolar fixado para o termo daescolaridade obrigatória27. O grau de disparidade na repartiçãodos benefícios do ensino é que compreensivelmente varia forte-mente de país para país, conforme a história nacional, a ideologiapolítica dominante, o grau de desenvolvimento económico e aescala de diferenciação de remunerações. É precisamente namaior ou menor discrepância na participação no ensino dasdiversas classes ou estratos, apreciada em função da importâncianumérica desses mesmos estratos na população activa, que resideo principal critério operacional para avaliar a situação existenteem cada país.

No âmbito deste artigo, vamos, como dissemos, considerarapenas o problema da democratização do Ensino Superior metro-politano. A íntima articulação existente entre este e os ensinosde acesso obrigam-nos, porém, a fazer também algumas obser-vações sobre estes últimos. Ê que, no caso português, os obstá-culos maiores a uma mais equitativa participação no ensino uni-versitário residem, não na passagem do Ensino Secundário(entendido em sentido amplo de modo a incluir o Ensino Médio)para o Superior, mas, muito mais atrás, nas enormes quebras defrequência que se registam na transição do Ensino Primário parao Secundário e nos abandonos nos primeiros anos do EnsinoSecundário.

27 A título exemplificativo citam-se: Jean FLÔUD, «Role de Ia ClasseSociale dans PAccomplissement des Études», in Aptitude Intelectuelle etEducation, cit., págs. 93-114; Alfred SAUVY e Alain GIRARD, «Les DiversesClasses Sociales Devant FEnseignement», in Population, 1965, págs. 205-232;e já numa tentativa de comparação internacionjal, C. Arnold ANDERSEN,«Access to Higher Education and Economic Development», in Education,Economy and Society, cit., págs. 252-265 e Rose KNIGHT, «Trends in UniversityEntry: An Inter-Country Comparison», in Social Objectives in EducationalPlanning, O.C.D.E., 1967, págs. 149-212. \ \

Page 14: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

ses

s1•3

I

1ISoa

i

oQ<

1964

/65

1963

/64

1962

/63

1961

/62

1960

/61

1959

/60

1958

/59

1957

/58

1956

/57

1955

/56

1954

/55

Ano

sle

ctiv

os

Idad

es

t> t-CO IO O Cfi " í t - O CO H

THCÍLOIOIOCOTHOOCOTHCO

"3*r-ICO«DCOCOCOCOC<lt>©

17 an

os

18 »

19 »

20 »

21

»22

»23

»24

»25

»26

»27

e m

ais

anos

..

31375

29

788

26

924

25

393

24 1

4922

481

21

23

520

25

919

515

18 9

53

18

236

TO

TA

L

-8

>

i< 53

4^

O> S TO

S ^ 2

I 51 5

i r.

§

226

Page 15: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

alunos matriculados no Ensino Superior nos anos lectivos de 1954/55 a 1964/65

QUADRO II

"^^^ Anos lectivos

Alunos ^"^-N

Efectivos

índices

1954/55

18 236

100

1955/56

18 953

103

1956/57

19 515

107

1957/58

20 259

111

1958/59

21235

116

1959/60

22 481

123

1960/61

24149

132

1961/62

25 393

138

1962/63

26 924

147

1963/64

29 788

163

1964/65

31375

172

Page 16: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

H T-I 00 (M i-l

(MOcOrH^HCO IO oo <N <N

T i-T T-T O O O

ÍHHHOQO

t- "* 00O d H rí H r i H H O O O

OOCOCMOLOCOt-OOt-COOOTRí^r-^lO^iO^C^r-^O^OO^t^OO O T-T TH r-í" i-T r-T T-i O O O*

a

I:o $

l!

Page 17: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

2. Aumento dos efectivos universitários

O contínuo aumento dos efectivos a todos os níveis quecaracteriza a «explosão escolar» do após-guerra europeu tem-sefeito igualmente sentir na frequência do Ensino Superior emPortugal. Os quadros I e II mostram-nos a evolução dos efectivosescolares no Ensino Superior no período de 1954/55 a 1963/64.As taxas de escolaridade verificadas no mesmo período são-nosdadas no Quadro III.

O aumento percentual dos indivíduos de cada geração quefrequentam a Universidade representa uma melhoria na repar-tição de oportunidades escolares. Há, no entanto, que observarque, regra geral, como veremos, só a partir da «saturação» dogrupo proveniente dos estratos superiores é que se regista umaumento de possibilidades para os estudantes oriundos dosestratos médios e, por último, das camadas situadas na parteinferior da escala social. Como bem se compreende, essa evoluçãonatural, além de demasiado lenta, não satisfaz as exigências doprincípio de igualdade de oportunidades, pois o critério quepreside ao ingresso no Ensino Superior é alheio à capacidadedos estudantes.

3. A origem social dos estudantes universitários

A) A condição sócio-económica definida através da profissãodo pai ou do respectivo nível de instrução constitui o critériomais frequentemente utilizado para apreciar as influências fami-liares nas possibilidades educacionais dos estudantes.

O Quadro IV elucida-nos detalhadamente sobre a origemsocial da população universitária em 1952/53 e em 1963/64,datas, respectivamente, do I e do II Inquéritos efectuados pelaJuventude Universitária Católica 28.

As percentagens dos filhos de trabalhadores, empregadosou auxiliares, membros de patente inferior das Forças Armadase funcionários civis do Estado, dos Organismos Corporativose de Coordenação Económica de hierarquia modesta totalizavam14,6% em 1962 e 12,3% em 1964. Se eliminarmos a últimacategoria enunciada, mais susceptível de divergências de inter-pretação nas respostas ao questionário, obteremos 8,8 % para

28 O Pensamento CatóUco e a Universidade, 2.° volume; «Situação Uni-versitária Portuguesa», 3 tomos, Lisboa, 1953, que designaremos simplesmentepor «Inquérito de 1953»; Situação e Opinião dos Universitários, Lisboa, 19-87,que designaremos apenas por «Inquérito de 1964».

229

Page 18: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

1952 e 10% para 1964. Quer dizer, o notável aumento da taxade escolarização no Ensino Superior ainda não se traduziu numamelhoria de participação dos estudantes oriundos destes estratosna educação de nível universitário.

No Quadro V apresenta-se uma tentativa de comparaçãoentre a importância relativa dos diversos grupos de homens per-tencentes à população activa, com a mesma profissão ou vivendode rendimentos, segundo o Censo de 1960 e a situação na pro-fissão dos pais dos estudantes universitários obtida no Inquéritode 19642».

Situação na profissão dos pais dos estudantes universitáriose da população activa masculina 3o

QUADRO V Valores em %

Situação na profissão dos pais dos estudantesPopulação

activaPais dos

alunos

1 — Trabalhadores2 — Industriais, comerciantes (patrões e isolados)

e patrões agrícolas3—-Empregados4 — Proprietários (urbanos e rurais)5 — Funcionários públicos£ — Membros de patente inferior das Forças Arma-

das7 — Profissões liberais8 — Directores9 — Professores primários

10 — Membros de patente superior das Forças Arma-das (incluindo a marinha mercante)

11 — Professores secundários12 — Não especificados

73,5 4,2

10,95,32,62,5

1,51,50,60,2

0,20,10,7

20,83,6

12,116,1

2,412,114,23,5

3,52,96,7

29 O método mais perfeito para avaliar a participação dos diversosestratos, consistiria em subdividir segundo a profissão do pai, o grupo deidade normal para a frequência no ensino universitário, compreendida entreos 17-23 anos, e posteriormente, apurar apenas em percentagem, os compo-nentes de cada grupo que ingressam naquele grau de ensino. Como, entrenós, faltam dados estatísticos para qualificar os1 grupos de idade segundo aprofissão do pai, temos de proceder a comparações mais grosseiras.

80 Os valores apresentados referentes à população activa foram ex-traídos do X Recenseamento Geral da População.

Na rubrica «Trabalhadores» incluiram-se os operários especializados e

Page 19: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

Reproduzimos, a seguir, graficamente, os resultados obtidosatravés do traçado da respectiva curva de concentração deLORENZ (Vide Gráfico I).

GRÁFICO I

Pais dos estudantes universitáriossegundo a situação na profissão (%)

População activa segundoa situação na profissão (%)

A análise do conjunto dos dados apresentados, através daobservação do Gráfico I, permite verificar a enorme concentraçãoque se processa no domínio da distribuição dos estudantes univer-sitários em função da categoria profissional dos pais. A grande

indiferenciados dos sectores secundário e terciário, os trabalhadores ruraise os isolados agrícolas.

A rubrica «Empreigados» engloba os trabalhadores por conta de outrémque se não encontram incluídos na rubrica anterior e nas restantes. Podeafirmar-se que englobará, de uma maneira geral, os empregados de escri-tório e similares. Para esclarecimento de possíveis dúvidas, perante a discre-pância dos totais afectos a cada uma das duas rubricas pode consultar-se oQuadro n.° 12, do Tomo V, vol. 1.° do X Recenseamento.

A rubrica respeitante a «Membros de patente inferior das forças ar-madas», inclui também o número de polícias e investigadores da PolíciaJudiciária.

Nas restantes rubricas, extraídas por forma mais directa do Censo,

231

Page 20: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

Distribuição cios estudantes universitários segundo a profissão do pai

QUADRO VI

Profissão do pai

Trabalhador (na agricultura, pesca, indústria ouserviços)) ou emp. de com. ou escritório

Funcionário público (civil ou militar)Funcionário público de categoria superiorComercianteindustrialProprietário ....Director, administrador, gerente ou funcionário

superior de empresa prVada ..,.,.Profissão liberal .OutrasNão responderam

C. Sociais

22,211,19,3

12,96,47,1

6,799,16,3

100

Engenharia

18,46,4

16,6106,85,3

817,87,82,9

100

Agronomia

9,49,7

12,68,85,7

16,4

4,117,613,5

2,2

100

Veterinária

)ura

do

03

Ain

da,

não

TOTAL

19,59,1

12,611,46,57,2

713,3

8,94,5

100

FONTE: Inquérito à Universidade Técnica de Lisboa no ano lectivo de 1966/67.

Page 21: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

dimensão da área a ponteado, tendo presente que a diagonalcorresponde à linha de igual distribuição, evidencia claramenteas grandes desigualdades de oportunidades que se oferecemà juventude portuguesa para o acesso ao ensino universitário.E tal facto apenas porque uma parte dela provém de famíliascujo chefe pertence ao grupo dos trabalhadores, enquanto a outraparte a agregados familiares nos quais o chefe é funcionáriopúblico, proprietário, membro de profissão liberal, director oufuncionário superior de empresa.

De facto, os dados apresentados permitem afirmar que estegrupo profissional, representando 7,2 % da população activa, éindicado como constituindo a profissão do pai de 54,5 % dos estu-dantes universitários portugueses em 1964. Por sua vez, o grupodos trabalhadores, representando 73,5% da população activa,corresponde à profissão do pai de apenas 4,2 % dos universi-tários. A grandeza das disparidades verificadas permite consi-derar despicienda a margem de erro do método de comparaçãoutilizado.

Distribuição dos estudantes universitários de acordo com a profissãodo pai segundo os sectores de actividade

QUADRO VII

Sectoresde

actividade

Sector primárioSector secundárioSector terciárioOutras situações

TOTAIS

Ciê

ncia

s

4,410,685,0

100,0

Dir

eito

||

%

8,1

86,1

100,0

IIL

etra

s

5,88,5

«5,7

100,0

Ciê

ncia

sre

lativ

asà

Med

icin

a

%

5,47,6

87,0

100,0

Agr

icul

tura

%

20,55,1

74,4

100,0

Ciê

ncia

sSo

ciai

s

%

7,211,181,7

100,0

Eng

enha

ria

%

5,214,780,1

100,0

TO

TA

L

%

6,69,9

83,5

100,0

considerou-se, separadamente, o caso dos «Patrões» do sector primário, porparecer não se «adaptar» por forma muito clara nas rubricas indicadas noverbete do inquérito.

A arrumação apresentada no Quadro V corresponde àquela que sejulgou, dentro das possibilidades fornecidas pelos dadas disponíveis, maisoperacional e que melhor traduz a realidade em causa.

233

Page 22: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

Um recente inquérito à Universidade Técnica de Lisboa,levado a efeito no ano lectivo de 1966/67, forneceu os resultadosque se indicam no Quadro VI31.

Uma outra expressão do problema que vimos analisandoobtém-se considerando a profissão dos pais segundo o sector deactividade. Com base nos dados de um Inquérito à Universidadede Lisboa (Clássica e Técnica)fe2, efectuado no ano lectivo de1963/64 (Quadro VII), construiu-se o Gráfico II. Da sua obser-vação resulta imediatamente a posição desfavorável quantoao acesso à Universidade, ocupada pelo sector primário e mesmopelo secundário.

GRÁFICO II

Profissões dos paissegundo os sectores

de actividade

Composição da população activacom profissão segundo os sectores de actividade

31 O Inquérito à Universidade Técnica de Lisboa foi levado a efeitopelo Grupo de Trabalho sobre a situação económica dos estudantes univer-sitários da Universidade Técnica de Lisboa. Tomámos conhecimento dos resul-tados que citamos por amável deferência do Senhor Vice-Reitor da Universi-dade Técnica, Prof. António Maria GODINHO, a quem agradecemos.

32 «Inquérito às Origens Sociais dos Alunos da Universidade de Lisboa»,pelo Dr. João EVANGELISTA, in Revista do Centro de Estudos Demográficos,n.° 16, págs. 201-264.

234

Page 23: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

Distribuição segundo os graus de instrução dos pais dos estudantesuniversitários e da população activa masculina com profissão

(Valores em

QUADRO VIII

Distribuição dos pais dos estudantes

GRAUS DE INSTRUÇÃO

Seminstru-

ção

Instru-•ud o*B5mária

Instru-ção

secun-dária

Cursomédio

Cursosupe-rior

Semres-

posta

1952-53

ConjuntoCoimbraLdsboaPorto

1963-64

Conjunto

Coimbra ...

Lisboa

Porto

Ramos de ensino

LetrasDireit oCiências sociaisCiências exactas e natu-

raisEngenhariaCiências relativas à Medi-

cinaAgricultura ,Belas Artes

HMHMHMHM

HMHMHMHM

HMHM

HMHM

HMHMHM

HMHM

HMHMHM

32,3

)1

25,7

2,73,41,72,83,32#2,93,71,62,02,51,0

3,12,34,8

2,73,5

1,15,00,0

32,634,429,737,5

26,026,5

27,425,430,625,9

11,77,8

36,3

31$25,736,238,730,8

31,530,838,9

38,722^5

33,012,526,3

25,031,029,527,633,U

29,824,630,1

27,326,0

22,625,032,5

8,78,29,46,15,37,2

10,09,5

10,78,37,9

8,56,27,2

8,113,3

8,912,58,0

30,327,632,527,9

27,527,327,626,227,5

29,529£30,1

2h,9

26,234,418,4

21,733,7

33,742,531,2

1,21,31,11,61>61,51,21,30,90,80,90,7

0,91,80,6

1,51,2

0,82,52,0

1960

Distribuição da populaçãoactiva com profissão ... 58,0 37,0 3,8 1,2

1 O I.N.E. inclui na instrução secundária os cursos médios.FONTE: Inquéritos de 1953 e 1964 e Censo da População, de 1960.

235

Page 24: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

B) A instrução do pai (ou da mãe quando haja dados esta-tísticos que permitam o seu apuramento) constitui outro preciosoindicador da situação económica e da ambiência familiar doestudante.

Com efeito, já referimos que existe uma estreita correspon-dência entre o nível de instrução, a importância social da pro-fissão e a remuneração auferida. Por isso, a análise da formacomo a população universitária se distribui segundo os graus deinstrução dos pais representa um meio de confirmarmos asobservações anteriores.

Por outro lado, é conhecida a influência que a atitude dospais exerce na carreira e no rendimento escolares dos filhos.Sempre que o trabalho do estudante é objecto de séria atençãopor parte da família, aquele tem um incentivo e cria uma noçãode responsabilidade que se repercutem, em geral benèficamente,no aproveitamento. Ora essa preocupação com o trabalho escolardos filhos é sensivelmente mais favorável nos pais com um graude instrução de nível mais elevado. Também a maior consciênciado papel desempenhado pela educação na definição da profissãoe do «status» social futuros dos filhos, induz os pais a reservarpercentagens substanciais do orçamento familiar para os gastoscom a instrução, mesmo que isso implique o sacrifício de outrosconsumos importantes. Acresce que o escolar cujos pais possuemum grau de instrução secundário ou superior, usufrui da van-tagem de dispor, no seio da família, de uma maneira naturale sem necessidade de qualquer esforço suplementar, de meiosinstrumentais que facilitam e elevam a qualidade do seu labore cultura —livros, revistas, discos, filmes, frequência habitualde espectáculos, etc.—, beneficiando ainda da ajuda e esclare-cimento dos pais para vencer as dificuldades do curso.

Fontes de receita dos estudantes universitáriosQUADRO IX (1953)

Fontes de receitaLisboa

HM H M

Porto

HM H M

Coimbra

HM M

81,54,107,0

0,74,12,6

FamíliaBens própriosEmpregoExplicaçõesOutros trabalhos remune-

radosBolsas de estudoOutros

70,45,64,48,4

3,54,13,6

69,26,16,4'6,2

4,73,64,8

72,74,62,3

12,5

1,45,21,4

75,84,32,57,3

3,24,82,1

70,83,73,3

11,1

4,14,52,5

82,15,11,52,5

2,05,1

77,94,90,75,4

3,25,12,8

74,15,71,53,8

5,76,13,0

FONTE: Inquérito de 1953,

Page 25: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

Estes factores adjuvantes, se são particularmente sensíveisna decisão de prolongar os estudos para além da escolaridadeobrigatória e ao longo de todo o ensino secundário, fazem-secontudo ainda sentir directamente no Ensino Superior, parti-cularmente nos cursos em que a conexão entre a cultura gerale os conhecimentos especializados a adquirir é mais imediata.Mas os seus efeitos incidem no Ensino Superior, sobretudo, porforma reflexa, através da eliminação, nos ensinos de acesso, dosmais desfavorecidos.

Os elementos constantes do Quadro VIII elucidam-nos acercada situação portuguesa a esse respeito, na parte referente aoEnsino Superior. A curva de LORENZ do Gráfico III mostra aindaa assimetria existente entre o nível de instrução da populaçãoactiva e o acesso à Universidade. De salientar a quase constânciados elementos fornecidos pelos Inquéritos de 1953 e de 1964,apenas com uma ligeira diminuição de percentagem dos pais cominstrução superior, que de 30,3% passou para 27,5%. Naquelemesmo Quadro vem indicada a repartição da população activamasculina com profissão, segundo o Censo de 1960, na qual

GRÁFICO III

Instrução dos pais

Instrução da população activa

Page 26: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

00

QUADRO X

Origem dos recursos dos estudantes universitários(1964)

Origem dos recursos

Conjunto

HM H M

Lisboa

HM H M

Coimbra

HM H M HM

Porto

H M

Ajuda da famíliaEmprega próprioEmprego do cônjugeExplicaçõesRendimentos de bens própriosBolsa de estudosOutras

80,017,24,4

10,52,54,93,5

75,223,13,7

10,12,65,84,6

87,77,75,4

11,12,43,51,7

75,322,65,6

14,82,84,7

69,729,34,5

12,72,46,24,3

84,611,37,5

15,73,42,21,6

90,45,42,24,22,05,54,1

88,47,22,74,02,76,06,2

92,83,31,54,61,15,01,5

80,216,83,68,92,44,83,3

76,223,02,69,43,14,63,7

88,53,65,67,£1,05,22,3

FONTE: Inquérito de 1964.

Page 27: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

o grupo dos sem instrução representa 50% do total, logoseguido do grupo de indivíduos que apenas possuem a instruçãoprimária, com 37%.

O grupo aglutinando os indivíduos com instrução secundáriae superior representa apenas 5% da população activa. Signifi-cativamente, 63,6% dos universitários declaram que o seu paipossui instrução secundária, média ou superior.

C) Os três Quadros seguintes (IX, X e XI) dizem respeito àorigem dos recursos com que os universitários provêem à suamanutenção, dados obtidos respectivamente nos Inquéritos de1953 e 1964 e no Inquérito à Universidade de Lisboa de 1967.Os resultados só podem comparar-se de maneira aproximada,pois que as rubricas não são exactamente correspondentes.

Entidade a cargo de quem vivem os estudantes universitários

QUADRO XI

Entidades

PaisPróprioOutra famíliaInstituiçãoNão respondeu

C. Sociais

%

50,741,81,50,85,2

100,0

Engenharia

%

86,210,11,10,52,1

100,0

Agronomia

%

85,011,0

0,60,33,1

100,0

Veterinária

%

O

Conjunto

%

68,226,2

1,20,63,8

100,0

FONTE: Inquérito à U. T. L. 1966/67.

Da análise dos referidos Quadros resulta com nitidez adependência dos universitários da ajuda da família, o quereforça a importância do nível económico desta como factorcondicionante das possibilidades de acesso ao ensino. De notartambém a importância das «explicações» como modo de anga-riação do sustento, cuja percentagem é superior à das bolsasde estudo. Esta última oscila à volta dos 5 %, o que é manifes-tamente insuficiente.

2S9

Page 28: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

III — CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

Traçado, ainda que a largas pinceladas, o conspecto dapresente situação do Ensino Superior metropolitano em matériade igualdade de oportunidades, forçoso nos é reconhecer que nosencontramos muito afastados de um estádio aceitável de demo-cratização de acesso à Universidade. Já acentuámos, também,que a evolução espontânea da procura do Ensino Superior só emmedida reduzida contribuirá para a atenuação dessas dispa-ridades. A esse respeito parece suficientemente elucidativa acomparação entre os dados do Inquérito de 1953 e os do Inquéritode 1964, reproduzidos atrás no Quadro IV; muito embora entrea realização dos dois Inquéritos tivesse mediado o espaço de onzeanos, caracterizado por um aumento contínuo dos efectivos esco-lares, os progressos verificados na percentagem de participaçãodos estudantes provenientes das camadas modestas foram nulos.

Se quisermos obviar a este estado de coisas e aproximar--nos do tipo ideal de democratização do ensino que definimosna primeira parte deste artigo, haverá que efectuar um sérioesforço nesse sentido.

A correcção da actual desigualdade no acesso ao EnsinoSuperior requer a um tempo a determinação das causas quea originam e a procura das medidas tendentes a eliminá-las.

Para efeitos de análise, convém distinguir dois tipos defactores que poderemos designar, respectivamente, por exógenose endógenos. Os primeiros, estranhos ao funcionamento dosistema educativo, terão de ser considerados como variáveisindependentes, sobre os quais as políticas de educação não têmum controle directo e imediato. Estão neste caso, v. g., o grau dedesenvolvimento económico do país e o modo como se reparteo rendimento nacional pelas diferentes classes da população.Os segundos, pelo contrário, dizem respeito às próprias caracte-rísticas das instituições de ensino, sendo por isso susceptíveisde modificação e variação consoante as políticas especificamenteadoptadas neste sector.

Só este segundo grupo de factores naturalmente nos inte-ressa aqui.

A composição da frequência do Ensino Superior é deter-minada, em ampla medida, pela triagem realizada nos ensinosde acesso. Se nestes a selecção for influenciada por critériosalheios aos da vocação e capacidade dos escolares, as iniciativasque, já no Ensino Superior, procurem beneficiar os estudantesde mais parcos recursos terão necessariamente uma repercussãolimitada.

Infelizmente, não se possuem elementos que permitam

240

Page 29: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

conhecer com certo rigor a forma como se processa a selecção napassagem do ensino primário para o secundário e ao longo desteúltimo33. As enormes quebras de frequência registadas no termodo ensino obrigatório, na passagem do ensino secundário parao superior e mesmo as perdas registadas dentro de cada grau deensino, na passagem de ciclo para ciclo, fornecem-nos uma provaindirecta, mas inequívoca, da acção dos critérios ocultos deselecção de base social e económica. O Quadro XII dá-nos umaindicação das perdas verificadas na transição do ensino primário,ainda actualmente coincidente com a escolaridade obrigatória,para o ensino secundário. Embora se registe uma melhoria,a percentagem dos escolares que não prossegue os seus estudospara além do ensino primário, orça pelos 65 %, em 1964/65,último ano considerado no Quadro.

Tão elevado número de abandonos não pode atribuir-se,evidentemente, a deficiências pedagógicas ou a falta de capa-cidade intelectual. São certamente motivos de ordem cultural,social e sobretudo económica que explicam a renúncia por partedos pais a proporcionarem a seus filhos uma formação escolarmais prolongadaS4.

A divisão do ensino secundário em liceal e técnico profis-sional, na sua actual estruturação, tem igualmente repercussõesdesfavoráveis em matéria de democratização do ensino. Os alunosdo ensino técnico profissional formam um conjunto de candidatoseventuais ao Ensino Superior, distinto do dos seus colegasdo ensino liceal e com possibilidades de acesso muito maismodestas.

Em primeiro lugar, a própria índole dos cursos, reflectidano elenco e conteúdo das suas disciplinas, reveste-se de umcarácter acentuadamente pragmático, pois que fundamentalmentese destinam a conceder uma habilitação profissional. Essas carac-terísticas mais utilitárias contrastam com a formação habitual-

33 O trabalho do Dr. João EVANGELISTA, «Inquérito às Origens Sociaisdos Alunos dos Liceus de Lisboa», publicado na Revista do Centro de EstudosDemográficos do I.N.E., n.° 14, págs. 123-188, oferece-nos, ainda que a umaescala geograficamente limitada, algumas indicações claras sobre a influênciados critérios culturais, sociais e económicos na frequência do curso liceal.Vd. especialmente o Quadro II, a páginas 130-131.

34 « U m dos cr i tér ios «ocultos» de ordem económica, mani fes ta -se nospaíses em que a instrução primária é gratuita mas onde os alunos do ensinosecundário têm que pagar propinas e comprar os livros e outro materialescolar. Esta forma de discriminação pode passar despercebida mas nempor isso compromete menos o progresso da educação e da economia», escreveFrank BOWLES, no seu relatório sobre o Accès à UEnseignement SupérieuryUNESCO, 1964, pág. 43.

Outro factor de discriminação igualmente importante reside na dispo-sição geográfica da rede de escolas secundárias mais rara nos meios rurais.

w

Page 30: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

Alunos matriculados na 2.° classe e alunos aprovados no exame de admissão

aos liceus e às escolas técnicas nos anos lectivos de 1958-59 a 1964-65

QUADRO XII

Anos lectivos

1958-59

1960-61

1962-63

1964-65

Matriculadosna 4.a classe

(menores em idadeescolar)

(D

153 013

183 027

186 406

193 366

Aprovados na admissãoao liceu

(2)

19 839

21631

24 823

29 145

%de (1)

12,9

11,8

13,3

15

Aprovados na admissãoao ensino técnico pro-fissional ou dispensados

(3)

20157

26 565

29 511

38 003

%de (1)

13,1

14,5

15,8

19,6

Total

(2 + 3)

39 996

48196

54 334

67148

de (1)

26,1

26,3

29,1

34,7

FONTE: Estatística de Educação, do I.N.E.

Page 31: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

mente seguida nos cursos superiores, exigindo, por isso, esforçossuplementares.

Em segundo lugar, o número de anos a percorrer para sechegar ao Ensino Superior excede, em regra, o septénio liceal emuma, duas ou até três unidades, obrigando ainda a uma mudançade grau do ensino secundário (em sentido estrito) para o ensinomédio.

Em terceiro lugar, os institutos de ensino médio constituemum verdadeiro nó de estrangulamento do sistema, pelo seu redu-zido número e consequente concentração geográfica em Lisboa,Porto e Coimbra.

Em quarto e último lugar, o leque de opções que se ofereceaos alunos do ensino técnico está limitado àquelas Faculdadesou Institutos Superiores que mais de perto se relacionam coma preparação ministrada nos diversos institutos médios35.

Por estas razões não admira que a entrada dos novos alunosnos cursos superiores através do ensino médio seja tão dimi-nuta 36.

Extravasa dos objectivos deste artigo debruçarmo-nos sobreo problema da escola única e do tronco comum de estudos noensino secundário. Queremos apenas salientar com estas consi-derações que a inexistência de orientação escolar e de meios fáceisde comunicação entre o ensino liceal e o ensino técnico, tornapenosa e demorada qualquer «reconversão» da carreira escolare marca prematuramente o destino dos alunos. Também, aqui,a escolha entre o liceu e a escola técnica é feita, na maior partedos casos, por razões de ordem social ou económica: opta-sepela escola técnica porque se teme a longa duração do cursoliceal sem formação imediata utilizável na vida activa quandointerrompido ou porque se prefere um ingresso sem delongas navida profissional com a remuneração correspondente.

O ciclo preparatório criado pelo Decreto-Lei 47 480, de 2de Janeiro de 1967, se puder ser aplicado dentro do espírito queanimou o legislador, traduz-se numa melhoria apreciável, namedida em que adia de dois anos o momento da escolha entreo liceu ou a escola técnica e considera a orientação escolar comouma das suas principais finalidades. A sua articulação com a 5.ae 6.a classes do ensino primário resultantes do alargamento da

35 N ã o só, ao con t rá r io do que acontece no liceu, os cursos1 médios n ã odão acesso a a lgumas faculdades, v.g. Medicina, Direi to e Le t r a s , como a indap g r a u de estanquecidade e n t r e os diferentes cursos, agrícola, comercial eindus t r i a l não sofre comparação com as v á r i a s a l íneas do 3.° ciclo licial.

36 No ano lectivo de 1960/61 a participação na entrada dos cursos supe-riores por parte dos alunos do ensino médio cifrou-se em 5 %. Cf. Evoluçãoda Estrutura Escolar Portuguesa, pág. 65.

Page 32: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

escolaridade obrigatória —passo essencial na igualização deoportunidades— é, porém, muito defeituosa, pois que a dife-rença de matérias professadas e a orientação dos respectivosensinos erguem barreiras à circulação entre o ensino primárioe o ciclo preparatório, de muito difícil transposição37.

As considerações que antecedem permitem-nos situar a im-portância relativa das políticas de democratização que no nossopaís restrinjam a sua actuação ao Ensino Superior. De qualquermodo, a sua importância não deve ser subestimada, não só pelosseus resultados imediatos, como ainda pelas perspectivas queabre aos planos de estudos dos alunos que frequentam os ensinosde acesso.

As medidas susceptíveis de melhorar a igualdade de oportu-nidades no nosso Ensino Superior são múltiplas e variadas. Sema preocupação de as enunciarmos a todas, até porque raros sãoos actos de reestruturação universitária que mais ou menosremotamente não vêm a ter incidências neste domínio, poderemoscontudo agrupá-las em duas alíneas principais: de um lado asque visam a reforma de estrutura ou do modo de funcionamentodas instituições universitárias; do outro as que fornecem ao estu-dante um auxílio financeiro.

Entre as primeiras contam-se a criação de novos «curricula»escolares em consonância com a variedade das aptidões dos estu-dantes e as necessidades cada vez mais diversificadas do mundodo trabalho, o alargamento dos horários da frequência doscursos de modo a permitir a participação nas aulas, ao fim datarde ou à noite, dos estudantes a tempo parcial, a organizaçãode cursos especiais para alunos empregados, em coordenação deesforços com as empresas ou serviços públicos eventualmenteinteressados («Sandwich courses», etc.) e a atenuação da«capitis diminutio» que «de facto» afecta os alunos voluntáriosnos cursos que os admitem.

O auxílio financeiro aos estudantes, esse pode ainda revestirduas modalidades: a ajuda directa que implica uma prestaçãopecuniária, paga a estudantes individualmente considerados, ou arenúncia, por parte da entidade que presta o auxílio, do recebi-mento de uma determinada quantia (propina), também em rela-ção a estudantes individualmente considerados; e a ajuda indi-recta, dada a todos os estudantes ou apenas a certas categoriasdeles, mas em que não se entra em consideração com as quali-dades pessoais dos beneficiários.

O primeiro grupo corresponde às bolsas de estudo, aos

37 Cf. sobre este ponto, as observações de Rogério FERNANDES, Ensino,Sector em Crise, 1967, págs. 73-112.

Page 33: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

empréstimos e créditos a estudantes, à redução e isenção depropinas, etc. De todos estes instrumentos, as bolsas de estudosão inegavelmente o elemento mais importante. Ora, apesar doacréscimo trazido pela acção da Fundação Gulbenkian, o númeroe montante das bolsas de estudo é ainda manifestamente insu-ficiente ss. Particularmente no que diz respeito às bolsas deestudo concedidas pelo Estado, impõe-se um imediato esforço derevisão do seu quantitativo, do seu processo de atribuição e umaumento substancial do seu número. Para que se possam esperarresultados efectivos de uma política de bolsas de estudo, o seunúmero deverá beneficiar entre 25 % a 30 % do número total dosefectivos do Ensino Superior, para nos atermos às percentagenscomummente praticadas nos países económica e socialmentemais desenvolvidos ou nos que pretendem recuperar o atraso queos separa daqueles, através de um sério esforço de reforma dosseus sistemas económico e de ensinoB9. O quantitativo das bolsasdeve também assegurar a subsistência e as despesas dos univer-sitários com livros e outro material de estudo, de modo a torná-losindependentes das condições de precariedade económica das suasfamílias.

A questão do auxílio directo, pela sua complexidade e impor-tância, carece de um tratamento desenvolvido. Neste lugar, só épossível chamar a atenção sobre a gravidade do problema e aurgência das iniciativas a tomar. A política das bolsas de estudoterá, de resto, de ser conjugada com outras acções correctorasda actual fisionomia do Ensino Superior, nomeadamente com osesforços tendentes a incrementar a frequência dos cursos onde seprofessam ciências exactas ou da natureza, por contraposiçãoaos chamados cursos literários.

O auxílio financeiro indirecto traduz-se na criação de condi-ções favoráveis para os estudantes em matéria de alojamentos,refeições gratuitas ou a preços módicos, assistência médica,facilidades em transportes, etc, habitualmente integradas sob arubrica da acção social escolar. Neste ponto, também o caminhoa percorrer ainda é longo, embora a situação presente seja melhordo que em matéria de auxílio directo. Impõe-se, sobretudo, umapolítica que procure, através da constituição de lares ou outrasformas de alojamento que, de preferência, proporcionem tambémrefeições aos seus utentes, compensar as desigualdades regionais

3« Em 1964-65, por exemplo, foram concedidas 2221 bolsas do EnsinoSuperior.

39 Cf. «Aide Financière Apportée aux Étudiants», publicado comoAnexo C ao trabalho de F. BOWLES, Accès à UEnseignement Supérieur, jácitado, esp. pág. 200-212.

Page 34: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

que afectam os estudantes oriundos de distritos diferentes dos deLisboa, Porto e Coimbra, onde se situam as quatro univer-sidades portuguesas.

Para fecharmos este rápido e forçosamente incompleto inven-tário das principais medidas a tomar no domínio da democra-tização do Ensino Superior, queremos ainda referir um derra-deiro problema derivado das previsões sobre o aumento dosefectivos nos próximos anos.

A equipa portuguesa do Projecto Regional do Mediterrâneo,l.a Fase, calculou em 47 000 o total dos efectivos no EnsinoSuperior, em 1974-7540. Este número deverá provavelmente serexcedido em mais de 10 000 unidades, se tivermos em atenção oaumento do ritmo de crescimento a partir de 1960-61 e o factode no Relatório do Projecto Regional do Mediterrâneo se admitirque importantes efectivos seriam canalizados para o EnsinoMédio, hipótese de que até ao momento se não nota qualquerindício de verificação.

Um quantitativo de 56 300 a 62 500 alunos, ainda assimestimativa muito prudente, calculada a uma taxa de acréscimosconstantes respectivamente de 6% ou 7%, tomando como baseo total dos efectivos em 1963-1964, provocará uma enorme pressãoBobre as Universidades actualmente existentes, se até lá nãoforem planeadas e postas em execução medidas de desconges-tionamento, através da criação de novos estabelecimentos deensino. A pressão tenderá a agravar-se com o correr dos anose acentuar-se-á ainda a partir do momento em que se começarema sentir os efeitos do prolongamento da escolaridade obrigatória.

Se não se encarar a resolução do problema assim posto peloalargamento da capacidade do sistema, o excesso de procurasobre o número de lugares disponíveis provocará necessariamenteuma série de medidas de defesa por parte da própria Univer-sidade, que poderão ir desde a sujeição de todos os candidatosa exames de admissão a nível cada vez mais elevado ou a insti-tuição de um ano propedêutico que se substitua à função se-lectiva do ensino secundário, até a métodos mais drásticos como estabelecimento de um «numeras clausus» rígido.

As experiências congéneres estrangeiras ensinam que, nestescasos, se assiste ao engrossar do número de candidatos queprocuram melhorar a sua preparação para conseguirem forçara porta da Universidade, apresentando-se aos exames uma e outravez41. Nesta prova de resistência preponderam, naturalmente,os factores económicos que eliminarão os mais débeis. Por outro

*o Evolução da Estrutura Escolar Portuguesa, cit., págs. 124-126.41 Cf. F. BOWLES, Accès..., cit., págs. 177-178.

Page 35: A origem social dos estudantes portuguesesanalisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224252303F4vQS0wz8Sp18ML3… · pág. 182 e P. F. DRUCKER, The New Society, the Anatomy of the Industrial

lado, importa não esquecer, como já tivemos ocasião de salientar,que os próprios métodos pedagógicos de apreciação são influen-ciados em grau variável por considerações alheias à capacidadeintelectual, o que aconselha a evitar juízos definitivos.

Qualquer que venha a ser o sistema então adoptado, haveráuma forte tendência para agravar e perpetuar as desigualdadesde acesso ao Ensino Superior. Só um sistema de instituiçõesuniversitárias diversificado e flexível, capaz de responder semrigidez aos aumentos da procura, permitirá aproximar-nos do desi-derato da igualdade de oportunidades.