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  • A ORIGEM SECRETA DOS CIGANOS

    COMUNIDADE PORTUGUESA DE EUBIOSE

  • Revista Graal - Nmero especial - 3 edio Comunidade Portuguesa de Eubiose Autorizada a reproduo parcial desde que citada a origem

  • Olmpio Neves Gonalves

    A ORIGEM SECRETA DOS CIGANOS

    Palestra proferida no dia 22 de Maro de 1992

    na

    Sociedade Portuguesa de Naturalogia

  • A ORIGEM SECRETA DOS CIGANOS

    Prezados Amigos,

    Iniciaremos nossa palestra com um poema de um cigano ilustre, um investigador da Academia das Cincias Soviticas, LEKSA MANUSH:

    NO COMEO No comeo era uma palavra E esta palavra era: ROM E esta palavra era com o Rom. Tudo o que veio Veio desta palavra Veio deste ROM. O que se sabe que ns somos Rom Que errmos ao longo das estradas E cumprimos as nossas coisas de ciganos e dormimos fora, noite. O que se no sabe... pas da velha cultura! ndia! Onde est o teu sol? Est envolto pelo fumo dos sculos. Ns te perdemos atrs de ns! Pas e soberanos mudaram-se nossa volta... Estradas e caravanas e cavalos passam Atravs dos campos, areias e florestas... Histria! Como na caldeira Onde os pases fervem Tu repudiaste a famlia cigana! Tu queimaste seu corao de fogo...

  • Comunidade Portuguesa de Eubiose

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    Como diz Manush, "o que se sabe que errmos ao longo das

    estradas, que se cumpriram as suas coisas de ciganos, que dormiram fora, noite..."

    No poema deste cigano est contida e condensada toda a tragdia dos Rom, a nostalgia da sua ptria perdida (o pas da velha cultura, encoberto pelo fumo dos sculos), a sua errncia (ao longo das estradas), a maldio lanada sobre a sua raa ( Histria, tu repudiaste a famlia cigana! Tu queimaste seu corao de fogo), da sua esperana ltima (pas da velha cultura, onde est o teu sol?).

    Fundamentaremos este trabalho nestas linhas de fora essenciais em que tentaremos aflorar uma problemtica assaz complexa. A tradio dos ciganos constitui no seu todo uma tradio oculta, crepuscular. A sua idiossincracia mgica, de carcter anmica, to singular na sua afirmao, to distante dos conceitos e modus-vivendi dos arianos, diramos, judaico-cristos, dificulta qualquer propsito de investigao sincera, qualquer tentativa de penetrao por parte dos "gadjos", dos "payos" que somos, os estranhos, como eles nos chamam.

    O cigano uma constante social no quotidiano de todos os povos, que permanece, quase mau grado para muitos, um referencial bem vivo na vivncia de todos ns. Com excepo feita, provavelmente ao Japo, encontram-se dispersos por todo o mundo. O seu nmero estima-se em cerca de quatro milhes de almas. Em Portugal a populao cifrar-se- pelos 25 000 indivduos, distribudos pelas mais variadas regies do territrio nacional.

    Contrariamente ao que muitos julgam, a raa cigana distribui-se por vrias etnias:

    1 Etnia - os ROM:

    Kalderash

    Lovara

    Tchuara

    distribudos pela Moldvia, Valquia, Romnia e Hungria

    2 Etnia - os MANUSH ou SINTI:

    Manush - Alemanha do Sul, Alscia, Prssia e Frana

    Sinti - Piemonte

  • A Origem Secreta dos Ciganos

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    3 Etnia - os GITANOS: Vindos do Egipto para a Pennsula Ibrica, frica do Norte e Sul de Frana

    4 Etnia - os YENISH: Considerada inferior pelas outras etnias, pela sua condio hbrida e aparecimento tardio.

    Disseminados pelo mundo, aos ciganos so atribudos diversos nominativos, atravs dos sculos. Para uns, so os Bomios, para outros Egpcios, Gitanos, Agarianos, Cals, Zngaros, Rom-Kali, etc.

    Estes nomes so-lhes atribudos em funo do seu aparecimento tardio. A sua origem constitui, de facto, um problema difcil de resolver pelos ciganlogos mais conspcuos, pois nenhuma prova se mostra conclusiva, dada a carncia de documentos num povo que no possui uma tradio escrita. O estudo sistemtico da etnia cigana, dum povo sem histria, torna-se uma empresa paradoxal, porque se a sua histria se mantm, de gerao em gerao, ao nvel meramente oral e encoberta pelo manto do sigilo e do secretismo, ento poderemos afirmar, entre outros, que um povo sem histria, porque cortou com a sua histria ao iniciar a sua dispora, ele mesmo a sua histria.

    Segundo Efin Druts, a mais antiga referncia conhecida sobre a origem dos ciganos feita num poema intitulado "Shahname" do sc.V D.C. e da autoria de Firdusi. Mas foi no incio do sc. XV que eles se espalharam pela Europa. Surpreendidos, os pases europeus viam chegar estes bandos de viajeiros, morenos e desconhecidos. Hordas nmadas, sem religio conhecida, apesar de se confessarem cristos, tribos vivendo de uma forma endgama, servindo-se de "sinais" estranhos para fazer adivinhao.

    Donde vinham eles? De que mundo desconhecido viriam estes seres como autnticos "fragmentos vivos", no dizer do Hierofante da Eubiose?

    Tal como os judeus, este povo parece carregar um fardo bem pesado sobre as costas, uma trgica maldio que o persegue desde as sombras misteriosas da sua origem. No teria este povo, semelhana dos judeus, trado um salvador moribundo que os condenara a marchar sempre e sempre, numa perptua errncia? No constituiriam, acaso, o resto das dez tribos de Israel perdidas no cativeiro? No deixa de ser sintomtico que, tal como no sc. XV, ainda contemporaneamente as dvidas subsistam. A ordem negra dos nazis, a ordem de Tule, sustentava que os ciganos teriam sido os responsveis pelo dilvio e que, cumulativamente com os judeus e os antepassados arianos, seriam o seu povo remanescente.

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    A sua chegada Europa reveste-se de factos deveras singulares, intrigantes. Uma vez na Romnia, a cidade de Kronstadt fornece uma certa quantidade de dinheiro e outras ddivas, isto em 1416, ao "Senhor Emas do Egipto e seus cento e vinte companheiros" ciganos.

    Em 1417, o cigano "Voivoide" (Chefe) Ladislau, acompanhado de uma centena de indivduos, recebe de Segismundo, Imperador da Alemanha, uma carta de recomendao e de proteco, a fim de que fossem devidamente aceites "se o dito Ladislau e o seu povo se apresentar em qualquer lugar do imprio".

    A "Crnica de Bolonha", de um annimo, relata-nos a chegada a Bolonha, a 18 de Julho de 1422, de um duque do Egipto, de nome Andr, proveniente desse pas e acompanhado por um grupo de cem pessoas, constitudo por crianas, mulheres e homens. Esta curiosa crnica, assim como uma outra de que adiante falaremos, um dos referenciais responsvel pela criao dos mitos e rumores que se difundiram atravs dos tempos e que nos do alguma ideia sobre a capacidade de engenho deste povo para camuflar a sua verdadeira identidade e a verdade da sua origem, a par de um invejvel e sarcstico sentido de humor frente aos crdulos e ingnuos "gadjos" da idade-mdia.

    Relata-nos a crnica que, tendo os recm-chegados renegado a f crist, foi o duque preso pelo rei da Hungria e expatriado das suas terras. Arrependido, declarou ao rei a sua inteno de reconverter-se f crist, o que fez, baptizando-se a si e a cerca de quatro mil pessoas. Houve outros dos seus, porm, que se negaram converso, tendo sido mortos impiedosamente. Alm disso, como castigo, o rei da Hungria ordenou-lhes que peregrinassem pelo mundo durante sete anos e que, a menos que se dirigissem ao Papa, em Roma, no poderiam regressar.

    Uma outra crnica, coeva, escrita por um outro annimo francs, concorda em certos detalhes e pormenores e revela-nos como esta autntica narrativa simblica, de fico, estava bem urdida pelos espertos itinerantes.

    "A 17 de Agosto, um domingo, chegaram aos arredores de Paris treze deles, dizendo-se penitentes(*), a saber: um duque, um conde, uma dama e mais dez homens, todos eles a cavalo, dizendo-se bons cristos e originrios do baixo Egipto. Eles afirmam ter sido bons cristos outrora, que inmeros outros os subjugaram e levaram ao cristianismo. Os que se recusaram foram mortos, mas os que se fizeram baptizar tornaram-se senhores do pas, jurando

    (*) Os reales so nossos

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    conservarem-se leais, bons e guardarem a f de Jesus Cristo at morte. Dizem mais: que tm um rei e uma rainha em seu pas, que residem num rico palcio, alm de outras propriedades, por se terem volvido cristos. E por isso, acrescentam, algum tempo depois de nos termos feito cristos, os sarracenos vieram assaltar-nos. Grande nmero, pouco firme em nossa f, no resistindo guerra, no defendendo o seu pas como devia, submeteu-se, fez-se sarraceno e abjurou nosso Grande Senhor.

    Assim, dizem eles, o imperador da Alemanha, o rei da Polnia e outros senhores, tendo sabido que os mesmos renunciaram to facilmente f, fazendo-se logo sarracenos e idlatras, investiram contra eles, vencendo-os facilmente, como se tivessem o propsito de deix-los em seu pas para lev-los ao cristianismo. Mas o imperador e outros senhores, por deliberao do conselho, estaturam que eles nunca mais poderiam voltar ao seu pas, sem consentimento do Papa. Que, para isso, deviam ir a Roma, o que de facto fizeram grandes e pequenos com enormes dificuldades para as crianas.

    Ora, confessando o seu grande pecado ao Papa, que os ouvira com ateno e pacincia, lhes dera uma penitncia, por deliberao do conclio, de andar sete anos pelo mundo, sem fazer uso da cama, nem de outros objectos necessrios ao homem. Outrossim, que os bispos e os abades por onde passassem lhes entregassem dez libras tornezas, como um auxlio para as suas despesas. Entregou-lhes cartas para os mesmos, onde tudo era relatado, alm de abeno-los."

    E continua a crnica:

    "Alguns dias depois, dia de S. Joo Bivac, isto , a 29 de Agosto, chegou o povo comum, que no teve permisso de entrar em Paris mas, por justia, foi alojado na Capela S. Dinis. Eram cerca de 120, incluindo mulheres e crianas.

    Eles afirmam que deixando o seu pas se compunham de mil e duzentas criaturas, pois o restante morrera pelo caminho, como o rei e a rainha. Que os sobreviventes esperavam ainda possuir bens nesse mundo, porque o Santo Padre, depois de saber do seu crime e onde se dera... lhes prometera pas bom e frtil, logo terminada a penitncia."

    Esta narrativa fornece-nos alguns aspectos assinalveis que procuraremos evidenciar, pois uma anlise comparativa com outros factores de investigao conduzir-nos- concluso de que estes relatos, feitos por transmisso oral, tm caracter criptolgico.

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    Na "Crnica de Bolonha" fala-se da chegada de um "Duque do Egipto". Outros textos fazem referncias anlogas. Alguns ciganlogos opinam que os ciganos sejam originrios do Egipto. Adolfo Coelho escreve que "os ciganos em geral diziam-se vindos do Egipto, da o nome de gitanos que tm em Espanha, de Gipsies que lhes do os ingleses, de Gstoi usado pelos gregos". Lorenzo Palmireno, citado por Leo Maia, d-nos uma explicao bem interessante: "fingem que saram do Egipto menor e que tm uma peregrinao por penitncia (...) Um homem douto falou com eles na lngua do Egipto e dizem que, como saram de l faz muito tempo, no o entendiam".

    possvel que os numerosos grupos de ciganos que permaneceram na Hungria ou atravessaram Bolonha e Paris procurassem aproveitar-se da circunstncia dos peregrinos em romagem Terra Santa gozarem de muitos privilgios e auxlios, o que os ter induzido habilmente a criar o mito da sua origem egiptana e da sua converso ao cristianismo.

    A maioria dos ciganlogos propensa a crer que os ciganos procedam da India. Jean-Marqus-Rivire considera que "o tipo racial dos Bomios, o seu conhecimento das coisas mgicas, a sua especializao imediata no domnio das cincias ocultas, tudo isso os classifica entre certas castas de feiticeiros da India". , de resto, a tese defendida por Friedrich Pott, um especialista em etimologia, na sua obra "Os Ciganos na Europa e na sia". Pott defende que o idioma dos ciganos uma das novas lnguas indianas, modificada pela assimilao activa de elementos lingusticos com que eles se confrontaram nas suas migraes. A verdade, comprovada cientficamente, que, quer a estrutura gramatical, quer o vocabulrio da lngua cigana fundam as suas razes no snscrito, tal como algumas lnguas ainda vivas do mesmo grupo, como o Hindi, o Guzarati, o Marathe, o Cachemiri, segundo constata F. Vaux de Folitier.

    Que a estrutura idiomtica dos ciganos derive, de qualquer modo, do snscrito , j em si, bastante significativo. Comprovada cientificamente esta procedncia, no deixaremos de recordar que o snscrito tem uma conotao profunda com o idioma sagrado dos iniciados, o senzar, assim como o Vattan, a linguagem falada pelas hierarquias dos mundos subterrneos.

    O grande alquimista contemporneo, o misterioso autor de "O Mistrio das Catedrais", Fulcanelli, afirma que "a linguagem dos pssaros, dos deuses ou do corao (segundo os antigos Incas), numa palavra, a Gaya-Cincia, est hoje desaparecida" e que, "a no ser entre Filsofos e os Diplomatas (entenda-se, os alquimistas e cabalistas), alm do argot, s se encontra o seu caracter em alguns idiomas locais, tais como o picard, o provenal e o dialecto dos Gpcios, dos ciganos". Por outro lado, Naillant, o autor da "Histria dos

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    Rom-Muni" inclui-os numa "casta sacerdotal do mundo", o que no deixa de causar surpresa, primeira vista, dada a aparente degradao deste povo itinerante, sem tradio histrica reconhecvel e sem qualquer religio ou filosofia conhecidas.

    Se atentarmos devidamente nas palavras do senhor Naillant e na assero do Adepto Fulcanelli, comeamos a erguer um pouco o enigma da tradio inicitica dos ciganos e da sua origem ancestral. O prprio ttulo da Obra "dos Rom-Muni" nos indica um caminho, pois na linguagem dos "diplomatas", ou seja, da cabala fontica, Rom e Ram aparentam-se e Muni significa, entre outras coisas, "gente", "sbio". Teremos assim "gentes de Ram", ou mesmo, em referncia casta sacerdotal, "sbios de Ram" ou do reino solar, gente que fala um idioma que deriva da Gaya-Cincia, o idioma sagrado dos Adeptos.

    Mas, onde est a verdade cigana? "Romani istina kaj si?", pergunta o poeta zngaro RASIM SEJDIC:

    Onde est a verdade cigana? Romani istina kaj si?

    To longe quanto me lembro Otzad dzanav andar ma

    Vou com a minha tenda pelo mundo Tsahentza po tem pirav

    Procuro amor e afeio Rodav ljvav te zagriljaj

    Verdade e fortuna. Cacipe taj sreca

    Envelheci na estrada Purilem e dromentz

    No encontrei o verdadeiro amor Ljubav ni maraklen caco

    No ouvi a palavra justa. Caco alav ni asnudem

    A verdade cigana, onde est? Romani istina kaj si?

    Muito poucos sabero, mas existe entre a classe patriacal dos ciganos uma divisa muito especial:

    "KAMA-MARA GIGO ASGARDI"

    que significa literalmente "O Povo eleito da Terra Sagrada". Mas a terra sagrada identifica-se aqui com o termo Asgardi, que significa isso mesmo, terra sagrada. E

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    Asgardi um dos vrios topnimos de Agartha, como Agarthi, Albordi, Walhallah, o Reino da Bela-Aurora, dos mundos intra-terrenos. E no por acaso que a tradio dos Rom mantm que o seu verdadeiro pas celeste e que a regressaro um dia.

    Na crnica francesa, que comentmos, existem vrias menes metafricas que nos conduzem no mesmo sentido. Isolaremos as mais significativas.

    - dizem-se os ciganos "penitentes";

    - Afirmam ter sido "bons cristos, outrora";

    - que tm um "rei e uma rainha";

    - que abjuraram o seu "grande senhor";

    - que o "imperador", por deliberao do conselho, estatuiu que eles "nunca mais poderiam voltar ao pas sem o consentimento do Papa";

    - que confessando o seu "grande pecado" ao Papa, este, em conclio, os condenou a peregrinar "sete anos";

    - que "deixando o seu pas", esperam "ainda possuir bens nesse mundo, porque o santo Padre, depois de saber do seu crime e onde se dera... lhes prometera pas bom e frtil logo terminada a penitncia".

    Imaginaremos, ento, reconstituir a verdade histrica sob o vu alegrico da narrativa cigana, divulgada durante a idade-mdia.

    "Era uma vez um povo de semblante nobre, tez morena e de cabelos e olhos profundamente negros, que vivia numa regio da Terra Sagrada chamada Asgardhi, a Bela-Aurora da Tradio Primordial.

    Esse povo vivia, outrora, como bom cristo, quer dizer, de acordo com as leis justas e sbias promulgadas pelo supremo Man, o Suzerano de todo o povo agartino, um patriarca de origem divina.

    A, aprenderam os mistrios divinos da natureza e da alma dos seres, a desenvolveram o conhecimento das artes ocultas e mgicas das coisas, a arte subtil de "ver" e do saber premonitrio.

    Um dia, este povo que havia comeado a utilizar seus conhecimentos ocultos e prticas mgicas de forma abusiva e indevida, ou seja, contra a ordem e harmonia estabelecidas, entrou em rebelio, negando a lei vigente e abjurando os seus senhores, o rei e a rainha. Este, o imperador, reunido em conselho,

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    deliberou que o seu povo extraviado do recto comportamento fosse expulso e no mais voltasse ao seu pas de origem sem o consentimento do Papa, o Divino Suzerano de Agartha.

    Dirigiu-se este infeliz povo ao Patriarca ou Rei Divino, confessando-lhe o seu grande pecado, mas Ele e seus Iniciados, reunidos em conclio, condenou-os a peregrinar durante sete anos um ciclo crmico de regenerao exilando-os da sua ptria.

    Mas o cigano, na cintilao de fogo nostlgica e "rom-mntica" com que olha o sol e a distncia infindvel das suas estradas, sustenta ainda uma rstia de esperana e de sonho no seu corao amargurado, porque o Santo Padre, o Pai Divino, aps saber o seu crime e o pas onde se dera, lhes prometeu o seu regresso casa perdida, ao pas frtil e bom, logo que termine a sua penitncia, como filhos prdigos e recuperados."

    Pura imaginao? Exerccio gratuito sob a pragmtica realidade dos textos? Haveria perigo de s-lo, no fra a revelao dum documento tradicional, genuno, da tradio oculta dos ciganos, que nos vem confirmar a assero categrica formulada, desde h muitos anos e pela primeira vez publicamente, cremos pelos ensinamentos da Eubiose, de que a RAA CIGANA ORIUNDA DOS MUNDOS INTRA-TERRENOS.

    Este documento fundamental o Tarot inicitico dos Rom. Os ciganos dispem de vrios tarots que, segundo afirmam, derivam dos "chaturangas" que os prncipes rajputs faziam pender sobre discos de ncar ou de couro. Mas no a estes tarots exotricos ou baralhos que nos referimos.

    Se certo que os ciganos no possuem uma tradio escrita, a tradio que lhes subjaz mantm-se estvel, perene, nas imagens impressivas do seu Tarot esotrico. A mensagem perpetua-se neste verdadeiro Mutus Liber, livro mudo composto por 22 lminas principais, mais eloquentemente que por qualquer livro escrito.

    As imagens deste Tarot crptico, como todos, agora dados estampa talvez porque os tempos so chegados por Tchalai, estas imagens, dizamos, vm-nos de um outro sistema de pensamento e dimana delas uma fora interior intensa. E se esta herana que os ciganos nos legam representa a sntese paradigmtica da sabedoria imemorial dos Rom, ento, de ora em diante ser tambm pertena de todos ns.

    O Tarot cigano revela uma concepo de tipo no analgico, profundamente original, que no cpia ou interpretao, atravs de novas

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    figuras, de qualquer Tarot conhecido da tradio ocidental. A significao dos smbolos inscritos em cada lmina corresponde a um arqutipo oculto, conservado, at hoje, com desmedida paixo e transmitidos apenas aos que se chamam a si mesmos, de "Roman Chan", os Irmos Rom ou Irmos Homens.

    Ora , precisamente, nas lminas do Tarot dos Rom que encontramos a confirmao daquilo que, como eubiotas, afirmmos atrs. Um dos arcanos denomina-se "AGGARTTI" e alude, sem qualquer margem de dvida, a Agartha. Vejamos a descrio que Tchalai faz deste arcano.

    "A imagem, perfeitamente simblica, mostra o olhar da verdade que se abre no pas oculto. Sete estrelas lembram-nos que o Cosmos, ddiva perptua, o teatro da nossa demanda. As cortinas da aurora boreal, por cima, acentuam esta ideia para indicar o eixo da terra e o movimento da luz. A nossa tradio de Aggartti extremamente secreta. necessrio que nos sentemos junto a uma rvore, num estado de abandono total. Ento apercebemo-nos da abertura para um caminho que se afunda na terra. Passagem estreita, reduz-nos a ns mesmos. Nossas vestes rompem-se, nossos membros desnudam-se e a angstia incita-nos a rojar-nos na sombra com a respirao suspensa, sem nada ver. Parar, significa morrer. Trata-se de uma situao horrvel que parece no ter sada. Entretanto, de negro bao as paredes volvem-se num negro brilhante, iluminam-se depois, tornando-se coloridas como um arco-iris. A cabea e os ombros emergem num tnel mais vasto, o qual se abre para uma ampla sala. O corpo descontrai-se, o ar torna-se fresco e perfumado. A mo pousa-se sobre um livro que no se pode ler mas que, por contacto ou por infuso, comunica a sua substncia. Ela ensina como deixar de sentir fome, como no sentir mais sede. Depois, o sono... e a biblioteca imensa que se desenvolve em espiral, essa biblioteca onde os livros no so livros, mas lies, coisas, lugares, seres, conduz-nos aos 4 000 sbios, depois aos 400 sbios, depois aos 40 sbios, depois ainda aos 10 sbios, e parece que, no alto, nos apercebemos que esta austeridade esconde um jardim, grande como o cosmos, onde reside o THAGAR LUMEAKI, o muito real Rei do Mundo".

    Julgamos justificada esta algo extensa descrio da lmina "Aggartti" extrada do Tarot zngaro. Aquilo que nos parecer uma pura transcrio simblica, quando possumos a chave de interpretao, quando, como Colombo, sabemos colocar o "ovo" de p, revela-se-nos duma objectividade surpreendente e de uma eloquncia inequvoca, ao mesmo tempo que fascinante, pela sugesto da atmosfera recriada e da autenticidade da experincia mstica que prope.

    S um Mestre, somente um verdadeiro Adepto Rom poderia fornecer uma tal descrio deste arcano, e isto nos confirma que a sabedoria inicitica dos

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    ciganos enraza na fonte mais pura da Tradio Primordial e que a vivncia, o contacto deste povo misterioso com os mundos interiores no mera fbula, mas memria omnipresente, herana colectiva que modela, norteia e alimenta a sua prpria realidade existencial, que condiciona a vida e a morte deste povo errante e disperso.

    O tempo de que dispomos impede-nos, infelizmente, de desenvolver aqui o tpico de Aggartha. J por diversas vezes aludimos a este fascinante tema noutros trabalhos. Tomo a liberdade de vos remeter para eles, se o desejardes.

    No deixaremos, contudo, de tecer alguns comentrios s referncias simblicas deste arcano. Destacamos o conjunto das sete estrelas que "nos lembram o teatro da nova demanda" (sic) e expressam os sete continentes ou "dwpas" em que se divide o mundo agartino; a aurora boreal provocada pela refraco da luz solar interna, que induz esse fenmeno frequentemente sobre a zona polar (indicando o movimento da luz), (sic); o olho que se abre para o pas oculto e significa a viso da verdade, ou seja, a clarividncia espiritual; o estado de projeco consciencial necessrio deslocao a Agartha; a embocadura para o caminho que conduz ao interior; o livro que comunica a sua substncia por infuso e que uma clara aluso quilo que os iniciados de Agartha denominam de "Livro de Kmapa" ou Livro da Vida; a imensa biblioteca disposta por graus de acessibilidade inicitica, simbolicamente descrita em espiral; enfim, o jardim, mitologicamente conhecido como o Jardim do Eden ou de Edom, esse paraso confabulado por todas as tradies, onde reside o "Thagar Lumeaki, o muito real Rei do Mundo" (sic) que mais no do que o muito excelso Sanat Kumara, a manifestao do Logos, que tem como residncia a Paradesha Imortal, a Shamballah.

    Aconselho-vos a anlise do Tarot cigano. No perdereis, por certo, o vosso tempo. A encontrareis arcanos como "Thagar Lumeaki" o Rei do Mundo; "O Geape Vimanaki" (o Regresso do Vimana), sim, da nave espacial, utilizando um termo que coincide de forma exacta com o que consigna o texto milenar "Mahabaratha" dos hindus; a lmina "Puskaria" que se refere, para nosso espanto, quase ipsis verbis, ao nome da principal metrpole de Agartha; o arcano "Shamballa" (o vale da felicidade), que simboliza a Cidade dos Imortais ou dos Deuses, morada do "Adolescente das 16 primaveras"; e, finalmente, a "E Phuri Dai" (a que sabe), expressando a deusa Maya, o princpio feminino alegorizado pela Me Universal.

    Eis uma lmina muito importante para a nossa tese, esta "Phuri Dai", porque em cada grupo cigano, itinerante ou no, existe sempre uma mulher, geralmente anci, sem cuja opinio nenhuma deciso tomada. Ela conhece o

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    nome secreto de cada um. Chamam-na frequentemente de "Bibi", a Tia, a Sacerdotisa.

    Existe uma simbiose profunda entre a Grande Me, a "Phuri Dai", a Virgem Negra e a Terra, entre os ciganos. Esta analogia est bem patente numa litania fnebre entoada tradicionalmente pelos Rom:

    "Teu Ventre no est frio

    Sara

    Dele saram pequenos sis.

    Tua vida decorre, Sara

    No calor dos sis

    Que teu Ventre colocou na Terra.

    A Terra abre o seu ventre

    Para te receber, Sara.

    Foste um desses pequenos sis

    Que ela deu luz.

    Todos devem voltar para a sua me,

    Sara."

    Sara, sabemos, a personificao da Virgem Negra, entre os ciganos. E a Virgem Negra representa o Ventre da Terra, o mundo subterrneo, ctoniano, que jaz sob a realidade aparente. As deusas-Me negras simbolizam o mundo lunar, interior, das coisas. O negro a cor da grande obscuridade matricial, uterina, gestadora, onde se processa toda a criao e regenerao.

    Orfeu entoava: "Eu cantarei a noite, me dos deuses e dos homens, a noite, origem de todas as coisas criadoras". Nos "Cnticos de Salomo" poderemos ler: "No olheis por eu ser negra, porque o sol resplandeceu sobre mim", "sou negra, mas formosa", nigra sed formosa...

    O mistrio das Virgens Negras! A esplndida luz da obscuridade que irradia delas desde a noite dos tempos, atravs de Isis, das Demeteres, das Afrodites negras, ostentando no enigma das suas feies hierticas o segredo da vida, da morte, da ressurreio iniciadoras! Acaso no foram elas cultuadas pelos

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    egpcios, pelos druidas, pelos hindus, pelos alquimistas das mais remotas idades, como corporizao do princpio feminino, a matria-prima da arte real, a substncia universal ou Kali, a sempre virgem e pura?

    Dentro do respeito votado pelos ciganos a certos santos da igreja crist s cerimnias religiosas, peregrinaes e festas importantes, numa aparente adaptao local s diversas prticas, a raa cigana conserva habilmente a integridade da sua Tradio. A sua devoo, toda especial, dedicada Virgem, configura to somente a necessidade de exercerem o seu prprio culto, sem molestarem o status dos povos em que permanecem integrados.

    O seu culto no se dirige a uma qualquer virgem da hagiologia crist, mas para as virgens negras, nomeadamente para Sara, no uma santa mas uma serva. E tanto mais de estranhar, porque no universo mariano da cristandade as hierarquias eclesisticas sempre pugnaram pela destruio e desaparecimento destas imagens, quando puderam. Sara, a Virgem Negra, representa para a raa cigana o smbolo da Me, da Mulher, da Irm, da Rainha, a "Phuri Dai", a "Bibi" secreta e divina dos Rom do mundo inteiro.

    durante o sc. XV que comea a circular a lenda das Trs Marias. Pouco depois da crucificao, Maria Madalena, Maria Jacob e Maria Salom foram embarcadas num barco sem velas e sem remos, para escapar perseguio dos judeus. A barca, deriva, acabou por aportar Provena, numa praia prxima da foz do Pequeno Rdano, onde hoje se situa Saintes-Maries-de-la-Mer.

    As Trs Marias estavam acompanhadas por Jos de Arimateia, Lzaro e pela serva Sara, de tez escura, entre outros. As santas Marias so cultuadas, hoje, na Igreja de Saintes-Maries-de-la-Mer, mas a devoo dos ciganos vai para Sara, a humilde serva negra, para a sua imagem, que se encontra na cripta do templo. Todos os anos, gentes ciganas, provenientes de todos os cantos do mundo, de 24 a 25 de Maio, prestam o seu culto a Sara, oferecendo-lhe flores, rendas, jias e crios. Eles integram-se na clebre procisso anual, mas sabe-se que este povo nmada celebra a, afastado dos olhares profanos, certas cerimnias

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    secretas ao amanhecer, perto das marismas, em torno de um fogo mgico, cerimonial.

    Segundo a sua tradio oral, Sara, a Kali, a Negra, vivia no incio da era crist na Provena, onde dirigia uma tribo dos Rom, grandes adoradores do sol. Um dia, uma voz anunciou-lhe a chegada das Marias santas, expulsas da Palestina. Ento, impelida por uma fora misteriosa, reuniu sua tribo de Rom, foi ao seu encontro e, vendo a embarcao, estendeu o seu manto sobre as guas, reunindo-se s santas, que a baptizaram.

    At aos nossos dias, a Camarga, na regio do Languedoc, a terra por excelncia dos ciganos franceses e ponto de convergncia dos Rom de todo o mundo, verdadeira meta de peregrinao dos ciganos, pois a onde se encontra Sara, a sua Kali. Mas em qualquer lugar onde se encontre uma Virgem Negra ele se converte num ponto de encontro ou de peregrinao, como a catedral de Chartres, a catedral de Santiago de Compostela, a Virgem morena de Sevilha.

    Os cultos, as cerimnias, o prprio escalonamento social e suas funes so ditadas por uma magia natural, operativa, que se insere numa praxis vivida na natureza com que privam constantemente, numa empatia anmica que regula todos os seus actos e costumes tradicionais e os diferencia, numa recusa persistente, aos modelos convencionais dos "gadjos".

    O facto de um cigano se transformar num kakou, feiticeiro-curandeiro, um Homem-rvore curador de almas ou uma "ledora" visionria de cartas, das linhas das mos, dos signos astrais, ou de um kaldeirash manipulador de fogo, no depende de meros factores casusticos. O destino de muitos ciganos est marcado nascena pelos astros, pelos ritmos energticos das configuraes das estrelas e pela tradio peculiar a certas tribos.

    o caso das crianas com "marca", crianas que nascem com sinais de uma estrela, de uma ferradura e outros estigmas significativos e reconhecidos que, logo nascena, decidem do seu futuro. O segredo das crianas estigmatizadas, mantido secreto por tabus ancestrais regulados pela magia, extensivo a todas as etnias ciganas. Para elas, a criana predestinada volve-se no "Filho da Verdade", o "Filho do Pai", num futuro kakou ou feiticeiro. A sua importncia tanta que sua me ser venerada toda a vida como smbolo da deusa-me, a virgem-me das catedrais.

    Os equincios e os solstcios determinam os futuros Homens-rvore. Os Homens-rvore so kakous que tm a particularidade de haverem nascido na hora dos equincios ou dos solstcios ou, ainda, nos sete dias anteriores ou posteriores hora exacta destas efemrides. Os equincios e os solstcios caem

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    nos signos zodiacais de Carneiro, de Cancer, da Virgem e de Capricrnio. Na Tradio dos Rom estas datas correspondem aos dias do Carvalho, da Btula, da Oliveira e da Faia.

    Por isso, as crianas que nascem nestas alturas, tornar-se-o futuros kakous com os nomes correspondentes destas rvores. O kakou-rvore haver, naturalmente, de expressar as qualidades inerentes e os atributos iniciticos reconhecidos rvore que o identifica. Eis aqui o cerne de uma correspondncia totmica que estabelece uma espcie de assimilao mgica, de aliana, de simbiose anmica entre a rvore e o kakou.

    Contudo, o kakou-rvore distingue-se radicalmente do curador de mazelas fsicas habitual. O poder do kakou um fardo bem pesado, pois ele inculca a qualidade de penetrar os recnditos mais secretos da alma de cada um dos membros da tribo. O kakou-rvore priva, assim, de um estatuto singular, pois as medicinas que utilizar, sejam elaboradas das plantas, da argila, dos animais ou dos minerais, actuaro sempre, e de forma especfica, ao nvel da psique do paciente.

    So vinte e quatro as rvores utilizadas por estes homens um nmero que corresponde simbolicamente aos vinte e quatro ancios do Apocalipse mas apenas quatro rvores personalizam estes kakous.

    Pierre Derlon, um dos rarssimos "gadjos" aceites pelos ciganos como um dos seus, refere este caso interessante: conheo um homem-carvalho, companheiro de um homem-oliveira que, todos os anos, no dia do equincio, a 21 de Maro, exactamente ao meio-dia, se encontra com um homem-btula e um homem-faia na catedral de Chartres ou, ento, na cripta de Sara, na Igreja de Saints-Maries-de-la-Mer.

    Se estas quatro rvores adquirem especial relevo entre as outras vinte e quatro consideradas na tradio cigana, uma existe que nos merece meno mais atenta, o carvalho. Esta lendria rvore, importante para os ciganos devido ao visco e ao agrico que crescem na sua dependncia e se nutrem da sua seiva, assim como da mandrgora que brota sua sombra, simboliza para eles a rvore csmica, um verdadeiro templo e oratrio vegetais.

    O carvalho uma rvore sagrada em todas as tradies ocultas. Os celtas eram conhecidos como os "homens do carvalho" devido ao culto que lhe dedicavam e os seus sacerdotes druidas colhiam nele, tambm, o precioso visco com uma foice de ouro, ritualmente, durante o equincio. Para os antigos, o carvalho simbolizava o eixo do mundo e foi junto desta rvore que Abrao recebeu as revelaes de Jeovah, em Hebron. Mas tambm na tradio alqumica

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    o carvalho manter uma inequ-voca importncia simblica e operativa. O carvalho simboliza o atanor ou forno secreto dos sbios. Os velhos alquimistas consagraram o carvalho a Rha, a Terra, pois a Terra contm no seu ventre o forno csmico oculto da actividade do seu agente gneo primordial.

    Estas analogias apenas poderiam surpreender, entre muitas outras que poderamos evocar, se no soubssemos j que a tradio dos Rom entronca profundamente na Sabedoria das Idades e so o testemunho de que este povo em dispora, apesar de todas as contrariedades e perseguies hostis, de tentativas esprias de assimilao, tem sabido conservar, atravs de uma rgida tica endogmica, os vestgios do seu esplendor antigo, da grande civilizao hermtica que a sua ptria perdida.

    Cristo, conhecido por algumas fontes de tradio como o Kalki-Avatara, o Cavalo Branco o cavalo, um animal to amado pelos ciganos assimilado pelos ciganos instalados no ocidente a um Homem-rvore. Eles sublinham certos aspectos da vida de Cristo, tais como o facto de ter expirado no tronco e nos braos de uma rvore e da sua entrada em Jerusalm acompanhado por milhares de ramos de oliveira e de palmeira.

    Para os Rom, Cristo um Homem-Carvalho, pois nasceu no solstcio de Inverno, o qual corresponde a esta rvore. Ora, se o carvalho simboliza para os ciganos a rvore csmica, o verdadeiro Templo vegetal, Cristo protagoniza para eles a rvore da Vida e o Templo do Esprito. No deixa de ser intrigante que na Catedral de Notre-Dame, em Paris, exista uma imagem de Cristo com folhas de carvalho saindo do seu corpo, muito frequentada pelos ciganos. Para os ciganos, Cristo o grande Kakou da Palestina, um Feiticeiro Carvalho.

    Derlon conta que um kakou de Arles lhe dizia: "O Cristo lia os pensamentos, curava os cegos, os paralticos, amava os humildes e as prostitutas como Maria Madalena, amava os homens rudes como Pedro, os invertidos como

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    Joo. No esqueas que seu pai era carpinteiro. Este Homem, meu filho, era um dos nossos, era um Homem-rvore".

    A extraordinria vitalidade de que so dotados os ciganos, a sua capacidade singular de adaptao s condies mais avessas de rejeio, de perseguio e at de extermnio massivo a que tm sido sujeitos atravs dos sculos recordemos que os nazis em nome de uma pretensa raa "pura" fizeram perecer mais de 500 mil ciganos nos fornos crematrios tem-lhes permitido salvaguardar no essencial a pureza dos seus costumes, do seu folclore, das suas actividades ldicas, artsticas e culturais, a permanncia das suas tradies secretas.

    Melhor, o modo como tm sido interpretados muitos dos seus comportamentos, algo estranhos maioria das populaes, o desconhecimento de que tm sido objecto, o disfarado receio que inspiram, os mitos que tm sido criados sua volta, foram-se revelando o seu melhor escudo de proteco.

    Mas os patriarcas dos Rom tm vindo a observar, com muita apreenso, diversos factores de degenerescncia, visveis, sobretudo, na classe etria jovem, a sua permissividade a um tipo de sociedade dominada pelo consumo, pelo materialismo, que a relegou radicalmente da lei orgnica da vida e da natureza.

    A pretensa assimilao de que a prpria ONU se faz eco, atravs do reconhecimento, a nvel mundial, da casta cigana como uma minoria, confirma o perigo que ronda a integridade da etnia cigana. Uma assimilao deste tipo equivaleria provavelmente morte cultural dos ciganos, ao seu etnocdio. E mesmo que este espao de assimilao pudesse contribuir para uma melhoria das condies de vida desta raa (do que duvidamos) o preo seria demasiado elevado, pois poderia corresponder ao extermnio daquilo que os ciganos possuem de mais sagrado. Ao deixar-se assimilar, o nobre cigano, apenas tolerado, veria corrompida a sua identidade e no passaria de um "branco de segunda", como disse algum.

    E por isso que os velhos patriarcas assistem angustiados substituio crescente do nomadismo itinerante, imerso na natureza, pelo sedentarismo convivial numa sociedade consumista, "a substituio do cavalo pelo veculo motorizado, do caldeiro ancestral pelo fogo elctrico ou a gaz, da caravana mvel pelo apartamento, da mulher respeitada pela meretriz pblica."

    Os velhos patriarcas sentem, talvez, em tudo isto, os tristes sinais de desagregao e desaparecimento da sua raa, os sinais de que o fim dos tempos se aproxima.

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    Na sua dispora, na sua itinerncia pelo mundo, os ciganos contriburam, enriqueceram o patrimnio cultural com a sua arte, o seu canto, a sua msica, as suas danas. Pastores, viandantes observando as estrelas que serviram de luzeiros orientadores dos seus caminhos, coligiram e transmitiram, atravs de incontveis geraes, os conhecimentos que prepararam a astrologia para a sua idade dourada, no sc. VI A.C., nos trouxeram tambm a sua herana das medicinas naturais, da quiromancia, dos mistrios do fogo.

    Tshalai afirma: "No inventmos, nem um alfabeto, nem uma religio, no crimos um grande poeta herico, nem um grande legislador, nem um soberano pacificador, nem um chefe de guerra, nem um mito universal... Nada, nenhum trao tangvel. O canto profundo do sangue e da memria no se traduz. Ns passmos como o vento sobre o lago do mundo: sem marc-lo"

    Sim, os Filhos do Vento, no criaram qualquer mito, pois eles so em si mesmos um enigma e um mito; no tm uma histria, porque "o canto profundo do sangue e da memria no se traduz". Os Filhos do Vento, nunca quiseram, nunca precisaram de provar fosse o que fosse, porque sempre viveram com a sua prpria verdade. Eles tm passado como o vento sobre as coisas deste mundo porque os Rom NO SO DESTE MUNDO!

    E quando o final dos tempos, j iminente, quando o seu Homem-Carvalho vier, eles partiro, sem deixar qualquer marca no lago do mundo, para a sua ptria perdida sob as camadas subterrneas. Esgotada a sua penitncia, fatigados da sua longa peregrinao pelos caminhos da plancie e montes da Terra, regressaro, enfim, ptria adorada, essa "terra frtil e boa" que lhes est prometida. E, no entanto, no ter sido v a sua passagem entre ns. Como cantava Lavengr, um cigano: "a vida uma querida irm. Existem o irmo dia e a irm noite, ambos queridos; sol, lua, estrelas, todas coisas to queridas; existe tambm um vento que sopra da charneca."

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    Antes de finalizarmos, ouamos ainda um poema do Rom Tschalai, intitulado

    MEUS IRMOS

    Eles possuam olhos de noite, meus irmos como se fossem talhados num diamante negro

    Eles tinham cabelos de lua, meus irmos que luziam azuis com todas as neblinas

    Eles possuam dentes de lobo, meus irmos lindos dentes cerrados sobre a sua fome

    Eles possuam mos terrveis, meus irmos o mundo se enovelava nos seus dedos

    Eles partiram por todos os caminhos, meus irmos eram quentes como o fogo, frescos como o vento.

    Deixai-me tocar vossos cabelos, vossos clios, vossos lbios, escrutar a palma das vossas mos

    Nada mais fao que buscar por todo o lado. Poder viver, meus irmos, saber amar.

    Eles partiram sobre todos os caminhos mas eu os encontro em cada espelho, meus irmos!

    Tschalai ultrapassa o imediatismo do seu prprio poema. Se o espelho se volve um instrumento de iluminao, porque reflecte a luz e a verdade da imagem que se projecta, se o espelho uma porta mgica que abre para Tschalai um inter-face para outras realidades e dimenses, por certo que a sua nobre raa encontrar, tambm, o Portal de Passagem!

    SINTRA

    Equincio da Primavera 1992

    Olmpio Neves Gonalves

    (membro da Comunidade Portuguesa de Eubiose)

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    BIBLIOGRAFIA:

    "A Medicina Secreta dos Ciganos", Pierre Derlon

    "Tradies Ocultas dos Ciganos", Pierre Derlon

    "O Testamento Mgico dos Ciganos", E. Leo Maia

    "Ciganos e Itinerantes", Jean-Pierre Ligois

    "Tzigane Tarot (Tarot dos Roms)", Tchala

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    APNDICE:

    LISTA DOS ARCANOS DO TAROT ESOTRICO DOS CIGANOS INTITULADA:

    SRIE DE VIAGEM OU PORTAS DOS MISTRIOS

    1 - ASHOK CHAKRA (A RODA DAS ORIGENS)

    2 - O KUKHAN (O KUKANE E AS TRS DEUSAS)

    3 - E PHURI DAI (A QUE SABE)

    4 - E DRABARNI (A LEDORA DA SORTE)

    5 - O VATASH ROMENGORO (O CHEFE DOS ROM)

    6 - FRALIP ROMANI (A FRATERNIDADE DOS ROM)

    7 - O THAGAR LUMEAKI (O REI DO MUNDO)

    8 - O GRAST (O CAVALO)

    9 - E PUSKARIA (A ILHA)

    10 - MARIP TARAM (BATALHA DE TERAIN) - referncia batalha que esteve na origem da sua expulso

    11 - AGGARTTI ( O PAS OCULTO, A VERDADE)

    12 - SAMBALLA (O VALE DA FELICIDADE)

    13 - O NIGLO (O OURIO CACHEIRO)

    14 - O BERO (O URSO)

    15 - O SAP (A SERPENTE)

    16 - O KHER (A CASA)

    17 - O VURDON (A CARAVANA)

    18 - LOTCHOLIKOS (ESPIRITOS ELEMENTAIS)

    19 - O KHAM ( O SOL DAS ESTRADAS)

    20 - O SHON (A LUA)

    21 - O GEAP VIMANAKI (O REGRESSO DO VIMANA, DISCO VOADOR)

    22 - TATAGHI (O CORAO DO FOGO)

    TATAGHI, segundo a descrio da lmina, mostra o retorno do Rom sua viagem csmica e divina. Refere-se, evidentemente, ao Interior da Terra.

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