a organizaÇÃo do trabalho pedagÓgico das...
TRANSCRIPT
OS ASPECTOS CONSTITUTIVOS DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO MATERIALIZADAS NAS PRÁTICAS DO ENSINO DA
LEITURA E DA ESCRITA POR PROFESSORAS DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FOZ DO
IGUAÇU
Thuinie Medeiros Vilela Daros1
Armando Daros Junior2
Este trabalho tem por objetivo analisar os aspectos constitutivos da proposta para
a alfabetização no primeiro ano do Ensino Fundamental materializada nas práticas das
professoras que atuam em turmas do primeiro ano do ensino fundamental no município
de Foz do Iguaçu.
Acredita-se que estas professoras não são meras repetidoras de propostas, suas
práticas são demarcadas por suas histórias pessoais e profissionais e desse modo,
considera-se importante conhecer as apropriações e usos que essas professoras fazem
dos conhecimentos pedagógicos concretizados nas elaborações de suas práticas.
Procura-se mais do que as descrever, compreender o porquê de serem desenvolvidas da
forma como são.
Centraliza-se a discussão sobre a organização do trabalho pedagógico da
alfabetização bem com os critérios de seleção dos conteúdos que as professores utilizam
e apresentar o impacto dos estudos sobre o letramento. Entende-se que as escolhas das
atividades práticas, especialmente como fazem uso do caderno escolar, demarcam suas
opções teóricas e metodológicas e compreendendo que a sala de aula é o espaço
privilegiado para a conquista do conhecimento, acredita-se que é nela que estas
indagações são percorridas e construídas.
Adota-se a metodologia empírica, numa abordagem qualitativa e com enfoque
nos pressupostos da teoria histórico-cultural, por permitir maior aproximação entre
sujeito e objeto, na qual se estabelece uma relação dialógica. Por isso, não se pode
perder de vista que “(...) o objeto das ciências humanas é o ser expressivo e falante ’’ 1 Graduada em Pedagogia, pós graduação em Fundamentos Filosóficos e Políticos da Educação, professora da Uniamérica.2 Graduado em Pedagogia, pós graduação em Fundamentos Filosóficos e Políticos da Educação, professor das Faculdades Anglo Americano e Unioeste-Foz do Iguaçu.
1
(BAKHTIN, 2000, p.335, grifo do autor). Ao contrário das ciências exatas que, segundo
Bakhtin (2000, p. 403), é monológica, em que só há “o intelecto que contempla uma
coisa e emite um enunciado sobre ela”, as ciências humanas consideram sujeito como
sujeito que, como tal, não pode tornar-se mudo, visto que o conhecimento é considerado
como dialógico.
Para desenvolver esta investigação, realizou-se pesquisa de campo com
aplicação de um questionário semi-estruturado, entrevistas, análise dos cadernos
escolares e observação da rotina da sala de aula de três escolas municipais de Foz do
Iguaçu. Teve como ponto de partida o conteúdo manifestado pelos diálogos
estabelecidos, que é, por excelência, o instrumento que fundamenta a análise de
conteúdo, na medida em que esta abordagem possibilita ao pesquisador ir além daquilo
que é lhe dito.
A organização do trabalho pedagógico nas escolas de Foz do Iguaçu: aspectos constitutivos
A Secretaria da Educação do município de Foz do Iguaçu adotou como
alternativa metodológica para o ensino da leitura e da escrita no primeiro ano a
alfabetização fônica em 2009, segundo ano de implementação do ensino fundamental de
nove anos. Foi contratado autor e fornecedor deste material, reuniram-se as professoras
alfabetizadoras de todo o município, alguns representantes das faculdades e curso de
magistério estiveram presentes, caracterizando este evento como um curso de formação
continuada que as professoras denominaram de treinamento.
Na ocasião a “velha novidade” do método fônico foi apresentada como redentora
de todas as dificuldades de aprendizagem, um método de sucesso absoluto onde todos
estariam “salvos” do não alfabetizar-se. Comprou-se e distribuiu-se as cartilhas para
todas as crianças do município e desde então este método está em vigor como uma
alternativa, não como obrigação, porém, independentemente da escolha, as professoras
precisam mostrar resultados. Ora se a professora optar por uma metodologia diferente
daquela supostamente “sugerida” e não mostrar resultados, ou seja, não conseguir
alfabetizar as crianças do primeiro ano, ela será rotulada como incompetente, mas ao
fracassar com a metodologia proposta o método será ineficiente e ela estará salva.
2
Apesar destas considerações parecerem contraditórias no que diz respeito às
escolhas que as professoras fazem em relação a sua metodologia de trabalho levando a
entender que elas seguem todas as determinações oficiais nas várias esferas por medo da
rotulação, percebe-se as nuances de um currículo real, o currículo que sai da prática dos
professores, da percepção e do uso que os professores fazem do currículo formal.
Espera-se esclarecer esta questão no decorrer deste artigo, chamando a atenção para
como as professoras organizam e demarcam as suas características pessoais e opções
metodológicas em meio a tudo isto.
Constatou-se através de observação da rotina escolar de uma turma de primeiro
ano da escola que de modo implícito as professoras acabam mascarando a sua realidade
de sala de aula aos olhos dos outros. O medo da rotulação e a necessidade de serem
aceitas no grupo onde estão inseridas é maior do que a demarcação explícita do seu
trabalho então, elas fecham as suas portas e trabalham como sempre trabalharam
modificando as suas práticas de acordo com o que convém com que as consideram
relevantes.
Percebeu-se que no uso do material disponibilizado pelo município de Foz do
Iguaçu, as professoras “burlam” a proposta sugerida na maneira como utiliza o livro
didático e como organizam as outras atividades registradas nos cadernos escolares.
Implicitamente as professoras desta escola não optaram pela alfabetização fônica e não
acreditam que a correspondência entre som e letra são práticas exitosas, preferem o uso
do método silábico:
Pesquisadora: Qual é a sua maneira de alfabetizar?Vera: A gente tem um livro da alfabetização fônica, que á proposta do município e eu uso outras atividades no caderno ou em folhas separadas.Pesquisadora: Você usa o método fônico?Vera: Sim e não, (risos) eu uso porque tem que usar, para não parecer uma resistência minha, mas na sala de aula eu já trabalhava com as famílias silábicas, textinhos e este negócio de fazer os sons dão mais confusão na criança. Elas ficam (F) (A) e não (FA).Pesquisadora: Faz tempo que prioriza o uso das famílias silábicas?Vera: Desde que eu comecei, eu aprendi assim e assim que faço há anos, este método só não dá certo com quem tem algum problema de cabeça, que toma remédio, a gente tem muito disto aqui.Pesquisadora: Como você aprendeu este método?Vera: Tudo que eu sei, eu aprendi com uma colega minha, que não está mais nesta escola, ela foi uma mãe para mim, no começo eu fiquei na cola dela e ela me ajudou muito. (Caderno de campo, junho de 2010)
3
A metodologia tradicional é considerada ineficiente, pois não trata o ensino da
linguagem como uma atividade que se realiza entre sujeitos na forma de produção e
compreensão de sentidos ou discursos que podem ser materializam em textos orai e
escritos (unidades de sentidos) produzidos nas situações mesmas de interlocução, com
o conjunto de recursos expressivos da língua enquanto sistema de referências simbólico-
cultural.
Neste momento, não se pretende entrar na discussão sobre as
“querelas do métodos”3 nem responder qual é o melhor método ou mais exitoso para
alfabetização, pois uma metodologia é decorrente de formas para ensinar os conteúdos e
uma metodologia só é boa ou ruim de acordo com as significações dos sujeitos a
respeito da concepções de linguagens que carregam consigo:
A linguagem exerce na alfabetização, uma importância fundamental, na verdade tudo gira em torna dela. Por isso, dependendo da maneira como uma pessoa interpreta o que é linguagem é como funciona, que usos tem, pode ter um determinado comportamento pedagógico e métodos diferente na prática escolar. (CAGLIARI, 2005, p.41)
As crianças de modo geral, possuem capacidade mental para aprender a ler e
escrever independente do método de ensino adotado pela professora, mas a discussão
centraliza sobre os efeitos gerados por cada forma de ensinar. Os métodos discutidos
como silábico (opção implícita) e fônico (opção explícita) apresentam uma visão
distorcida de como se aprende a ler e a escrever, os métodos tradicionais nunca
garantiram a superação do fracasso escolar na alfabetização e continuam produzindo
muitos alunos que “tiram do quadro” e que “decoram cartilhas”. O métodos tradicionais
adiam o contato com textos, usam pseudo-textos promovendo leituras somente para fins
de “localização de informações” e copiação, e é necessária a prontidão para dar início
ao processo da alfabetização: as habilidades motoras e perceptivas - eram importantes
para o aprendizado da leitura e da escrita. O aluno deve aprender, recebendo e
memorizando informações prontas sobre as letras e os sons.
Analisando o livro didático utilizado pelo município de Foz do Iguaçu
verificou-se a existência de atividades como: jogos, desenhos, leitura e uso da escrita
em situações reais. Embora contenha algumas atividades que podemos considerar
3 A frase “querela dos métodos” foi utilizada primeiramente por MORTATTI (2008). Em seu artigo, promove uma discussão sobre a história dos métodos e suas implicações.
4
“boas” no que diz respeito ao uso da linguagem, a sua grande maioria são propostas
destituídas de simbolismo e de significação. Isto porque a criança não é levada a se
expressar através da escrita. Os exercícios propostos no livro obrigam a criança a
escrever segundo modelos rígidos, preenchendo tabelas e respondendo questões. Os
bons textos para a criança ler no livro didático: cantigas folclóricas, poemas, cartas, mas
estes textos estão acompanhados de uma espécie de cerceamento da compreensão, da
expressão e da atividade criadora da criança. Logo após o texto vem uma questão
objetiva, uma tabela para a criança preencher, um exercício para trabalhar as letras. São
poucas as questões postas no livro que levam a criança a refletir sobre as idéias de um
texto e sobre a função social da escrita.
Por outro lado, apresentam-se as atividades utilizados pelo caderno escolar estas
sim demarcam claramente as escolhas que as professoras fazem.
Na sequência são elencadas algumas atividades fotografadas dos cadernos e a
partir de parte desse acervo procura-se analisar as concepções de alfabetização nos
cadernos das crianças que sejam, também, indicadoras de práticas de ensino inicial da
leitura e da escrita. Para tanto, busca-se apreender essas concepções através dos
exercícios propostos, da forma de correção das atividades, dos indícios de práticas de
leitura e de escrita registrados.
A partir dos registros escritos que compõem o caderno escolar como fonte, de
investigação e, além disso, indicar questões referentes à apropriação de discursos
oficiais e acadêmicos recorrentes no meio educacional relacionado à alfabetização.
Figura 1: Transcrição da letra O de ovo.
A atividade está reduzida a uma condição figurativa, a escrita limita - se ao
exercício da cópia tendo como implícito o pressuposto de que aprender a escrever é
aquele que sabe desenhar as letras convencionalmente.
5
A associação forçada da letra ao desenho não permite perceber que as letras só
são associadas para produzir significados e que juntas podem trazer notícias, histórias
etc.
Figura 2: Treino das vogais e números.
.
Identifica-se o treino mecânico e repetitivo da escrita, valorizando o traçado
perfeito das letras ao invés de trabalhar com a legibilidade da letra maiúscula e
minúscula, até o aluno compreender o funcionamento da escrita.
Figura 3: Transcrição e silabação.
Figura 4: Treino da família silábica do F com ênfase nos tipos de letras caixa alta e cursiva.
6
Estas atividades desconsideram o caráter de interação da linguagem escrita,
como escrever algo para alguém. Segundo Soares (2008), muitas vezes as condições de
produção e de avaliação da escrita, na escola, levam o aluno a (des)aprender as funções
da escrita, pois esta lhe é apresentada em situações de interlocução artificial.
Figura 5: Treino da família silábica da letra M e trabalho com palavras isoladas.
Parte do treino da unidade menor para maior das partes, propondo nesta
atividade a escrita como um fim e si mesma ao invés da partir da unidade de sentido da
língua (texto) e propor à análise significativa estabelecendo a existência de um
interlocutor real presente ou ausente.
7
Figura 6: Leitura e cópia
Enfatiza o traçado da letra e as habilidades viso-motoras em geral superando qualquer expectativa do ato cognitivo inerente ao processo de apropriação da escrita.
Figura 7 e Figura 8. Ditado como instrumento de avaliação.
As atividades reproduzidas foram
apresentadas como um instrumento de avaliação (na verdade, o único observado
8
NOTA
NOTA
enquanto registro) e foram aplicadas em dias diferentes, após sua aplicação a professora
realizou uma correção coletiva no quadro.
Comparando as duas atividades, e a notas atribuídas para as crianças de acordo
com reprodução gráfica ortograficamente correta, percebe-se que a professora
desconsidera as hipóteses que as crianças realizam antes se apropriariam da escrita
convencional e utiliza o ditado como avaliação para atribuição de notas e não como
diagnóstico de escrita.
O ditado tradicional é uma atividade muito utilizada nas salas de alfabetização
nesta escola, pois as professoras consideram - na eficiente, pois além de avaliar seus
alunos, servem de reforço para aprendizagem.
Observou a aplicação desta atividade e percebeu-se que as técnicas que utilizam
para aplicar de modo a dar todas as pistas fonéticas levando o aluno ao acerto
ortográfico, por exemplo, em nossa região é comum dizermos “NOVU”, “SONU”,
“FOFU” OU INVÉS DE NOVO, SONO OU FOFO e a professora ao ditar estas
palavras, não às pronunciavam naturalmente.
Tais ditados são realizados foneticamente, ou seja, o professor fala e o aluno
escreve percebeu-se o uso do dialeto que a escola inventou para esta ocasião: o
professor ensina aos alunos como associar certas letras e certas articulações e mímicas
fonéticas e na hora do ditado, serve-se dessas regras para ditar. (CAGLIARI, 2009, p.
286) distanciando cada vez mais as possibilidades de refletir sobre as diferenças da
língua oral e escrita de modo consciente.
A abordagem das atividades registradas até agora não apresenta novidades, pois
nesta perspectiva está fundamentado todo o ensino tradicional de língua portuguesa,
Todos os métodos tradicionais de alfabetização, quer os sintéticos, quer o analíticos (Erasmo Pilotto, global, lúdico, natural ) ou ainda, os ditos ecléticos trabalhados anteriormente priorizam o trabalho com o código escrito (...), isto é independente do significado- das idéias vinculadas- o que importa é a fixação de determinados fonemas trabalhados a partir de letras, sílabas, palavras ou frases. Eis a origem de famosas reincidentes frases como “ A baba do bebê é boa”, A mula mói limão”, O dedo de didi dói”, “O vovô viu o ovo do Ivo” (BOZZA, 2008, p.16) .
Para quem encaminha suas atividades sob este prisma, a lógica é que primeiro se
domine a escrita ortográfica e somente mais tarde é que virá a preocupação com a
elaboração textual.
9
O processo de alfabetização decorrentes dos métodos tradicionais perpetuarão
uma geração de copistas, que mesmo alfabetizados, não serão capazes de utilizar a
língua escrita de modo autônomo, autêntico e criativo e principalmente não atenderão as
exigências sociais.
Para atender as exigências sociais o professor deverá ensinar e os alunos
aprenderem através de regras tiradas dos conhecimentos técnicos lingüísticos, pois esta
abordagem é contra o ensino vazio, metafórico, e contra deixar o aluno descobrir por si
os conhecimentos de que necessita para aprender a ler e a escrever.
O Letramento como horizonte para a organização do trabalho pedagógico, relação língua oral, língua escrita e a aprendizagem
No âmbito da alfabetização o termo letramento aparece como uma necessidade
de caracterizar e diferenciar os estágios e os usos da apropriação da linguagem (oral
/escrita) na sociedade. Sendo assim, (SOARES, 2001, p.21) o alfabetizado é o sujeito
que sabe ler e escrever, diferentemente do “letrado” que além de ler e escrever faz uso
social da leitura e da escrita, ou seja, responde as exigências sociais de leitura e da
escrita que a sociedade faz continuamente.
Nesse âmbito, o termo tem sido utilizado largamente para designar a participação de sujeitos alfabetizados, mas não letrados, em sociedade. Alfabetizados por se tratarem de sujeitos que sabem ler, escrever, contar. No entanto, esse conhecimento básico de letras e números não é suficiente para inserir os sujeitos em práticas sociais que exigem o domínio efetivo e conseqüente da leitura e da escrita – isso é o letramento. Em decorrência da necessidade dessa inserção é que o tema letramento, ao longo de quase três décadas, especialmente no meio acadêmico, tem estado presente nas mais diversas formas de divulgação. (BROTTO, p.01, 2008)
Ter em vista a concepção de letramento como um elemento norteador para o
trabalho pedagógico na alfabetização, significa superar a compreensão da linguagem
escrita como mera representação da linguagem oral interpretada e apresentadas aos
alunos como um processo sistematizado e mecânico de codificação e decodificação dos
signos lingüísticos para preconizar um ensino sistemático da notação alfabética, mas
com a vivência cotidiana de práticas letradas, que permitam ao estudante se apropriarem
das características e finalidades dos gêneros discursivos escritos que circulam
socialmente.
10
A interação pela linguagem materializa-se em textos, orais ou escritos. Por isto o
ensino da língua materna que visa o letramento, isto é o aperfeiçoamento da prática
social da interação lingüística do aluno de falar, ouvir e ler, em diferentes situações
discursivas, como unidade básica o texto.
Os textos orais ou escritos se caracterizam segundo a natureza da situação de
interação em que são produzidas, suas finalidades, suas funções, constituindo diferentes
gêneros. “A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados orais e escritos,
concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade
humana.” (BAKHTIN, 2000, p. 279)
No documento orientador para o ensino fundamental de noves anos, Goulart
(2007) aponta como práticas promotora de letramento situações de ensino que
possibilitem a crianças perceberem as manifestações das variações dialetais da língua
oral através de seus registros escritos espontâneos, pois ao permitir a livre escrita, o
erros de oralidade aparecerão e então serão a base de discussão entre professores e
alunos.
Ora, se aprender a ler, significa aprender a decifrar à escrita então para saber
decifrar a escrita, é preciso saber como os sistemas de escrita funcionam e quais seus
usos. Como a escrita é uma forma gráfica de representação da linguagem oral, é
necessário estudar os mecanismos da produção da linguagem oral, quais são seus usos, e
ainda, como a linguagem oral se relaciona com a forma escrita que a representa, num
contexto culturalmente específico da sociedade moderna segundo Cagliari (2009). Cabe
às professoras apresentarem a escrita aos alunos, não apenas um “objeto de
conhecimento”, mas como forma de linguagem que é constitutiva do conhecimento na
interação. Não deve ser tratado como forma de ensinar, no que diz respeito ao ato de
transmissão, mas de usar e fazer funcionar a escrita como interação e interlocução na
sala de aula, vivenciando a linguagem nas suas várias possibilidades pois é no
movimento das interações sociais e nos momentos das interlocuções, a linguagem se
cria, se transforma, se constrói, como conhecimento humano.
Conforme Goulart (2007, p.92) “todo professor é uma professor de linguagem”
no sentido em que através de suas manifestações e das mediações que estabelecemos
com os alunos exteriorizam-se as concepções de mundo e que para serem promotores de
letramento deverão utilizar no seu trabalho pedagógico as práticas de produções de
textos espontâneos e direcionados, leitura de gêneros que circulam socialmente
11
evidenciando os seus autores, o momento histórico que foram produzidos etc. e que a
sala de aula deve ser um espaço de formação de leitores e, portanto de muitas leituras
adentrando todas as áreas do conhecimento (história, geografia, ciências, matemática,
etc.) desde o início do processo de alfabetização tendo em vista as crianças que ainda
não dominam o sistema alfabético de escrita estarão inseridas não poderão perder de
vista especificidade do processo de alfabetização, especificidade é ensinar a criança e
ela aprender. É necessário que o aluno compreenda a tecnologia da alfabetização, que
existem convenções que precisam ser ensinadas e aprendidas.
Na verificação das existências de práticas de letramento presentes nas salas de
primeiro ano das escolas visitadas, constatou-se que esta proposta não está materializada
nem nos discursos produzidos, nem nas atividades aplicadas como já foi ilustrado
anteriormente através do registro dos cadernos escolares.
Partindo da hipótese de que as intervenções didáticas do trabalho pedagógico das
professoras alfabetizadoras estão intimamente ligadas por suas histórias pessoais e
profissionais, a pesquisa teve como objetivo fazer rastreamento exploratório da
metodologia utilizada (ou escolhida) subjacentes ao trabalho escolar, sem a pretensão de
esgotar o tema. A coleta de dados realizada até o presente momento possibilitou a
ampliação da compreensão de que apropriações e usos que essas professoras fazem dos
conhecimentos pedagógicos estão subsidiadas por concepções reducionistas ou
equivocadas a respeito da linguagem e seu ensino, o que dificulta ainda mais o
processos de escolha de outra metodologia.
As concepções docentes, sobretudo a presença de mitos persistentes nas classes
de alfabetização, justificam na assimilação parcial dos documentos oficiais teoricamente
formulados, ou seja, as limitações teóricas acerca da linguagem compreendida como “
necessidade do homem de expressar-se, de exterioriza-se (BAKTHIN, 2000, p.289)
impedem a compreensão e a possibilidade de se pensar em “como o fazer” e
principalmente “como o fazer nas minhas condições de trabalho”, oriundas de uma
realidade complexa e permanente como: salas numerosas, poucos materiais
diversificados, a organização do tempo, salas heterogêneas e a presença de diferentes
níveis de conceituação e desempenho da língua escrita (pré-silábico, silábico, silábico-
alfabético e alfabético denotam como aspectos decisivos na imutabilidade nas práticas
docentes. Em outras palavras, aos olhos das professoras, estas questões parecem
determinantes em seus processos de elaboração:
12
Como respeitar o tempo de aprendizagem garantindo um processo pessoal de
construção de conhecimento da escrita em classes numerosas e heterogêneas?
Como conciliar o conteúdo curricular programático com o processo de aquisição
da escrita?
Como fazer programar práticas diversificadas e flexíveis capazes de atender as
dificuldades das diferentes necessidades trazidas pelos alunos, ora comportamental,
cognitiva, social etc.?
É importante considerar que no momento em que estas indagações são realizadas
e as expectativas do “como fazer” não são atendidas em, ora pelos documentos oficiais,
ora pelos cursos de formação continuada ou pelas suas próprias buscas, as professoras
não convencidas e já imbuídas de jargões pedagógicos como “Na teoria é uma coisa a
prática é outra” ou “O papel aceita tudo, quero ver é agüentar a minha realidade” elas
continuam utilizando o que “sempre deu certo” e assim, se configurando como agente
do processo de sua formação e a escola como local onde esta formação acontece e
conseqüentemente levando a forma de ensino descrita a sua permanecia estática e sem
previsão de mutabilidade embora o momento exija a superação de polarizações entre
caminhos ou movimentos exclusivos e a busca de equilíbrio de princípios
metodológicos que são considerados permanentes, indispensáveis e indissociáveis como
dimensões constitutivas e simultâneas da alfabetização e do letramento.
Considerações Finais
O Ensino Fundamental de nove anos é uma política pública afirmativa de
equidade social implementada pelo Governo Federal que inclui a criança a partir de seis
anos no Ensino Fundamental. Sua implantação exigiu mudanças significativas
envolvendo a proposta pedagógica, o material didático, a formação de professoras,
concepções de espaço/tempo escolar, currículo, avaliação, infância, aluno, professor e
na metodologia constituindo uma possível nova organização do trabalho do ensino da
leitura e da escrita cujo objeto maior de reflexão.
Em um primeiro momento, esta pesquisa buscou verificar a viabilidade ao
professor e a efetiva assimilação do conjunto de teorias propostas, materializadas no
documento orientador e as possíveis concepções e diretrizes manifestadas pelo trabalho
pedagógico em sala de aula.
13
Empiricamente foi possível a verificação da dinâmica da atividade em sala de
aula, tal como é proposta pelas professoras alfabetizadoras refletem as concepções
docentes acerca da língua escrita e do processo de aprendizagem. As suas mediações
estabelecidas retratam as suas certezas, metas, convicções fundamentadas, contradições
conceituais e paradigmas.
Discutir as razões e suas justificavas põe em evidência os estágios de
dificuldades inerentes à transição teoria e prática.
A manifestação da tradicional opção brasileira pela escolha de métodos
imediatistas e supostamente exitosos, somados a um cenário de desvalorização dos
professores, de precárias condições de trabalhos e em especial a descontinuidade das
iniciativas de formação docente, explicam hoje a condição de iletrismo do povo
brasileiro.
A mesma escola que ensina a escrever, contribui para esfacelamento do
potencial criativo, para esvaziamento das manifestações expressivas e para o atento de
ao direito do dizer e transformar.
O fracasso produzido pela própria escola retrata o reducionismo conceitual das
professoras sobre a natureza da linguagem, pela confusão teórica acerca dos processos
de aprendizagem e outros fatores que nela interferem, pela artificialidade das práticas
pedagógicas, pelo distanciamento da relação professores-aluno - cultura - aprendizagem
escrita desarticuladas com práticas sociais de cultura oral e escrita.
A proposta do letramento que exprime a possibilidade reflexão das nuances da
linguagem, só serão materializadas quando as práticas de ensino estiverem voltadas para
contexto econômico, social e atendendo as particularidades do mundo infantil de modo
que garanta o significado do que é aprendido.
Referencias
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
____. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 13 ed. São Paulo: Hucitec, 2009.
BOZZA, Sandra. Ensinar a ler e a escrever: uma possibilidade de inclusão social. Pinhais – PR: Mello, 2008.
BROTTO, Ivete Janice de Oliveira. Alfabetização: um tema, muitos sentidos Curitiba, 2008, 223 p. Tese de doutorado. Universidade Federal do Paraná.
14
CAGLIARI, Carlos. Alfabetizando sem o ba-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 2005.
CARDOSO-MARTINS, Cláudia. (org.). Consciência fonológica e alfabetização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
FONTANA, Roseli. A. Cação. Mediação pedagógica na sala de aula. Campinas: Autores Associados, 1996.
_______. Como nos tornamos professoras? Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
GOULART, Cecília. A organização do trabalho pedagógico; alfabetização e letramento com eixos orientadores. In: BRASIL, Ministério da Educação. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação, 2007.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. A “querela dos métodos” de alfabetizaçãono Brasil: contribuições para metodizar o debate. Disponível em: <http://www.aco-alfaplp.net>. Acesso em: junho de 2010.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
_______. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2008.
VIGOTSKY, Lev Semenovitch. Formação Social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
15