a opinião pública carioca e a questão da incorporação ... · como tubos cirúrgicos, ... que a...

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1 A Opinião Pública Carioca e a Questão da Incorporação do Acre ao Brasil (1898-1903) Felipe Rabelo Couto * Resumo: O objetivo neste artigo é analisar a relação entre a opinião pública 1 carioca e a conclusão, consubstanciada no Tratado de Petrópolis, da Questão da Incorporação do Acre ao território brasileiro, enfatizando a existência, por parte da opinião pública, de determinadas expectativas em relação ao comportamento do Brasil no cenário internacional, a partir do posicionamento do Congresso, que tomou corpo nos debates parlamentares, e do papel que Rui Barbosa desempenhou, na imprensa, no Senado e como representante brasileiro nas negociações do Tratado de Petrópolis de 1903. Abstract: The aim of this paper is to analyse the relationship between carioca public opinion and the conclusion, embodied in theb treaty of Petrópolis, of the Incorporation of Acre to Brasil, enphasizing the existence, by the public, of certain expectation about the behavior of Brasil in the internacional scene, from the position of the Congress, wich took shape in parlamantary debates, and the role that played Rui Barbosa , in the press, in the Senate and as the brazilian representative in the negotiations to the Treaty of Petrópolis. No último terço do século XIX a região do Amazonas ascendeu à vanguarda das regiões de relevância econômica mundial. Da industrialização de produtos de pouco valor agregado, tais como tubos cirúrgicos, botas e sapatos até a descoberta do pneumático, em 1888, e sua consequente aplicação a uma incipiente indústria automobilística, o que se vê é o aprimoramento contínuo do uso industrial da goma. Tratava-se do boom da borracha. Uma de suas principais * Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Política da UERJ. Bolsista da Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel e Licenciado em História também pela UERJ. E- mail: [email protected] ; tel. (21)2759-9842/ (21)71512522; endereço: rua Itaciaba, número 25, Bairro das Graças, Belford Roxo, Rio de Janeiro, CEP 26113-580. Orientador: Professor Doutor André Nunes de Azevedo.

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Page 1: A Opinião Pública Carioca e a Questão da Incorporação ... · como tubos cirúrgicos, ... que a Wilmington levara consigo os termos para um acordo, ... solicitando a retirada

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A Opinião Pública Carioca e a Questão da Incorporação do Acre ao Brasil

(1898-1903)

Felipe Rabelo Couto∗

Resumo: O objetivo neste artigo é analisar a relação entre a opinião pública1 carioca e a

conclusão, consubstanciada no Tratado de Petrópolis, da Questão da Incorporação do Acre ao

território brasileiro, enfatizando a existência, por parte da opinião pública, de determinadas

expectativas em relação ao comportamento do Brasil no cenário internacional, a partir do

posicionamento do Congresso, que tomou corpo nos debates parlamentares, e do papel que Rui

Barbosa desempenhou, na imprensa, no Senado e como representante brasileiro nas negociações

do Tratado de Petrópolis de 1903.

Abstract: The aim of this paper is to analyse the relationship between carioca public opinion and

the conclusion, embodied in theb treaty of Petrópolis, of the Incorporation of Acre to Brasil,

enphasizing the existence, by the public, of certain expectation about the behavior of Brasil in the

internacional scene, from the position of the Congress, wich took shape in parlamantary debates,

and the role that played Rui Barbosa , in the press, in the Senate and as the brazilian

representative in the negotiations to the Treaty of Petrópolis.

No último terço do século XIX a região do Amazonas ascendeu à vanguarda das regiões

de relevância econômica mundial. Da industrialização de produtos de pouco valor agregado, tais

como tubos cirúrgicos, botas e sapatos até a descoberta do pneumático, em 1888, e sua

consequente aplicação a uma incipiente indústria automobilística, o que se vê é o aprimoramento

contínuo do uso industrial da goma. Tratava-se do boom da borracha. Uma de suas principais

∗ Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Política da UERJ. Bolsista da Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel e Licenciado em História também pela UERJ. E-mail: [email protected]; tel. (21)2759-9842/ (21)71512522; endereço: rua Itaciaba, número 25, Bairro das Graças, Belford Roxo, Rio de Janeiro, CEP 26113-580. Orientador: Professor Doutor André Nunes de Azevedo.

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conseqüências foi a ocupação do vale do Acre – ponto de grande abundância da matéria-prima -

por brasileiros oriundos de Belém e Manaus.2

Desinteresse e indefinição. Até 1902 o Governo brasileiro nunca havia reivindicado a

posse do Acre. Aceitava como base para sua posição o Tratado de Ayacucho de 1867. A

interpretação do Império e dos primeiros anos da República era a de que o território pertencia à

Bolívia, que, aliás, à época do Tratado, permaneceu, tanto quanto o Brasil, indiferente ao Acre.

Somou-se a isso a ineficiência das comissões mistas, encarregadas de determinar com exatidão as

coordenadas que o Tratado estipulava.

Desinteresse e... ambição. Nos trinta anos que se seguiram, o desvelar do potencial

econômico desse espaço geográfico alterou a situação. Se o Brasil não percebia o anacronismo de

que se revestira o Tratado de 1867 e, desprezando a população brasileira estabelecida no Acre,

mantinha-se convicto dos direitos da Bolívia, estes já vislumbravam novos horizontes. Voltavam-

se para as possibilidades de exploração de um território sobre o qual a Bolívia detinha direitos de

soberania dos quais nenhuma vantagem tirava.

Em dezembro de 1898, o plenipotenciário da Bolívia no Rio de Janeiro, D. José

Paravicini, desembarcou com uma comitiva de compatriotas em Manaus. Objetivo: estabelecer

um sistema de alfândegas mistas em Puerto Alonso, na região do Acre.3. Paravicini estava

determinado a colocar a vida política e comercial do Acre sob estrita orientação boliviana. Além

de organizar as aduanas, ele decretou a abertura das vias fluviais da região do Acre, Purus e Iaco

à navegação das nações amigas.4

A oposição aos planos de Paravicini fez-se em duas frentes: regional e nacional. A frente

local consubstanciou-se na ação velada do Governo do Estado do Amazonas e na ação de

proprietários, comerciantes e seringueiros da região. Para o Governo Amazonense o jugo

boliviano sobre aquele território significaria a perda de numerário oriundo da arrecadação de

impostos sobre o comércio da borracha. Já os homens diretamente envolvidos na exploração da

goma viam no domínio alienígena a alteração da vida social e comercial do Acre: novas leis,

novos tributos e a possibilidade de uma concorrência internacional.

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A frente nacional delineou-se no Ministério das Relações Exteriores e no Congresso. O

primeiro mantinha-se fiel à inteligência de que o Acre pertencia à Bolívia. Só demonstrava

contrariedade ao decreto boliviano de abertura dos rios à navegação internacional. Via o ato

como grave precedente ao estabelecimento de interesses imperialistas em área de fronteira ainda

indefinida. O congresso, por sua vez, buscava impor a orientação da opinião pública, manifesta

na Imprensa e em outras esferas públicas de discussão.

Mas, se o Itamarati reconhecia os direitos bolivianos, pouco podia fazer para garanti-los.

Sendo assim, em 1º de maio de 1898, teve lugar a primeira insurreição acreana. Liderado por José

Carvalho, o movimento sedicioso depôs com extrema facilidade o incipiente e, portanto, ainda

frágil, governo boliviano, a esta altura sob a liderança do delegado D. Moisés Santivañez. A

Bolívia, no entanto, ainda não se dera por vencida.

Em 11 de março de 1899, aportava em Belém a canhoneira norte-americana Wilmington.

A acolhida da população, da Imprensa e da oficialidade do Estado não poderia ter sido mais

amigável. Tratava-se da missão de uma nação com a qual o Brasil mantinha laços de amizade

comercial. Seguiu-se, então, um simpático protocolo diplomático extra-oficial com direito a

congratulações recíprocas e sessão de gala no Teatro da Paz, da qual participaram os integrantes

de ambas as representações.5

A Wilmington chegou em Manaus no início de abril, esperando obter a mesma simpatia.

Mas um estranho incidente evidenciaria seus propósitos escusos e alteraria o ânimo geral em

relação aos norte-americanos. Sem aguardar autorização, o capitão Chapmann Todd rumou em

direção à Tabatinga e Iquitos, navegando com os faróis apagados, em flagrante clandestinidade.6

O incidente exigiu do governo brasileiro uma atitude de protesto junto ao Departamento

de Estado norte-americano. E formalidades diplomáticas seriam suficientes para encerrar a

questão não fosse a denúncia feita pelo jornalista espanhol Luiz Gálvez Rodrigues de Arias de

que a Wilmington levara consigo os termos para um acordo, no qual os EUA se comprometiam a

ajudar os bolivianos a firmar soberania no Acre. A informação alarmou o Ministério das Relações

Exteriores, que exigia explicações dos EUA.7

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O governador do Amazonas, Ramalho Jr., não esperou pela solução diplomática.

Informado sobre a intriga internacional em torno do Acre, proveu meios para uma expedição que,

tendo Galvez à testa, tinha por objetivo “não consentir que o estrangeiro tomasse conta do

território amazonense”.8 A 14 de julho de 1899, em Puerto Alonso, Galvez proclamava o Estado

Independente do Acre.

Houve manifestações tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, reivindicando

soluções que não comprometessem os interesses nacionais. Em setembro de 1900, Lauro Sodré,

senador pelo Pará, utilizando o argumento de que as repúblicas eram governos da opinião,

solicitava informações sobre a ação do Executivo diante da ocupação boliviana na fronteira com

o Brasil e afirmava ser necessário não perseverar “nesta política sentimental, que cogitara em

transformar as nossas fortalezas, como já ouvi dizer uma vez, em jardins de recreio”.9

A suspeita de envolvimento de outras forças internacionais se confirmou. Em julho de

1901, o Ministro das Relações Exteriores da Bolívia assinou o contrato de constituição do

Bolivian Syndicate, que congregava as firmas Cary & Withridge, United States Ruber Company e

Export Lumber. A sociedade deveria administrar e explorar as riquezas naturais do território do

Acre, auferindo os lucros provenientes da região, 60% dos quais reservados para o Governo

boliviano e 40% para o sindicato.10

Tratava-se de uma encruzilhada. O Brasil insistia em afirmar os direitos da Bolívia. Esta,

por seu turno, sendo incapaz de se estabelecer, sofria os revezes da reação das autoridades e

populações locais. No começo de 1902, quando um novo governador boliviano impôs leis severas

aos habitantes do Acre, teve lugar uma nova revolução dos seringueiros brasileiros. Outra vez era

proclamada a independência do Acre, desta vez por Plácido de Castro.

Em 1902 foi a vez da Câmara dos Deputados demonstrar interesse e preocupação. Diante

de um ofício no qual constava mensagem presidencial, solicitando a retirada do Tratado de

Amizade, Comércio e Navegação, que garantiria à Bolívia o acesso ao oceano Atlântico através

dos rios amazônicos, a Comissão de Diplomacia e Tratados aprovou solicitação de informações,

na qual indagava se executivo tinha “conhecimento de qualquer transação projetada ou já

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realizada, entre o governo boliviano e cidadãos da República dos Estados Unidos da América,

para exploração industrial dos produtos do Vale do Acre?”11

Bueno de Andrada, representante paulista e oposicionista, justificava o requerimento,

afirmando que o Legislativo não poderia ficar indiferente frente à manifestação da imprensa e da

população, no momento em que se tinha notícia do arrendamento, a um sindicato cuja

constituição representava os interesses do capital internacional, de território que consideravam

em litígio.12 E indicava atitude que o executivo deveria adotar:

(...) comunicar ao governo da República da Bolívia que o órgão legítimo do pensamento nacional

na questão, o Congresso, entendia e entendia bem que o terreno que se pretende arrendar é um

terreno litigioso, e tornar público, amplamente público, não só no país como fora dele, esta nossa

deliberação, para que não se organizasse o sindicato, ou, se já tivesse sido organizado, soubesse

que a fundação desse sindicato em terreno litigioso era declaração de guerra à nossa nação.13

A Câmara aproximava-se da opinião popular e não escondia seu posicionamento contrário

ao arrendamento e à imparcialidade do Executivo. Serzedelo Corrêa afirmava ser esta a “opinião

unânime do Parlamento, da Imprensa e da Nação”: não haveria então “um só brasileiro” que não

fosse “absolutamente contrário a esse arrendamento, que não condene, que não considere

impolítico, no sentido honesto e digno da palavra, o ato do governo boliviano”.14

Depreende-se dos documentos que o posicionamento do Legislativo e do Executivo não

convergiam. Caso não houvesse uma mudança de rumos na condução da questão, no momento

em que o Congresso fosse apreciar os atos do executivo relativos ao Acre, se chegaria a um

impasse. O Parlamento e o Executivo partiam de premissas completamente antagônicas.15

Outro que acompanhou detalhadamente o caso tanto no Senado como na Imprensa foi Rui

Barbosa. Uma das mentes mais brilhantes da República, importante político, jurista e jornalista, a

opinião de Rui tinha muito peso. Sua contribuição para a solução do problema de fronteira com a

Bolívia é igualmente notável na gestão de Olinto de Magalhães e na do Barão do Rio Branco, na

qual, aliás, atuou como representante brasileiro nas negociações que culminaram no Tratado de

Petrópolis.

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Em artigo da Imprensa de 27 de maio de 1899, intitulado “Questão do Acre”, no auge das

suspeitas em relação às conversações entre Bolívia e EUA a respeito da exploração do Acre, Rui,

além de reproduzir o telegrama no qual constavam as bases para o acordo, publicado

originalmente no jornal A Província do Pará, chamava atenção do público e das autoridades para

o perigo imperialista e os prejuízos econômicos que iriam advir de tal empreendimento. Segundo

ele, “era a ruína do Amazonas e o ingresso de uma grande e poderosa nação, cheia de ambições

colonizadoras, no coração dos nossos interesses e do nosso território”.16

Em “Espectros da cegueira”, artigo da Imprensa de 7 de junho de 1899, Rui combatia

duramente os desmentidos e a inércia do governo que o acusara de sonhar “com espectros,

receando incursões estrangeiras no território do país”. De maneira retórica, Rui Barbosa invertia

a seu favor a imagem dos espectros, utilizada por Campos Sales, afirmando que “à medida que a

vista se enfraquece, na retina (...) do homem, os objetos mais vivos, mais sólidos, mais próximos,

se distanciam, se atenuam (...), se rarefazem, movendo-se no meio obscuro em sombras

indistintas. São os espectros da cegueira”.17

De fato, Rui enxergava com clareza o cenário no Acre. A Bolívia sem possibilidades de se

fixar no território, deixava aos EUA a tarefa de administrar e explorar a região. Tudo porque o

Governo Brasileiro, aferrado ao Tratado de Ayacucho, permanecia cego às novas circunstâncias,

a saber: que se o Acre foi algum dia da Bolívia, já não o era mais, em função ação colonizadora

dos brasileiros que lá estavam.

A proclamação do Estado Independente do Acre por Galvez deu ensejo a mais uma crítica

de Rui. No artigo “Grandes Tempos!”, publicado pela A Imprensa a 2 de setembro de 1900,

afirmava estar “decerto reformado o papel das revoluções, o critério do direito das gentes, o

próprio brio dos povos. Dessa Mudança nos pólos do mundo moral temos a honra de ser o

teatro”. A indignação de Rui Barbosa era com o fato de que “a neutralidade de um governo

regular ante a luta armada entre uma das suas províncias (...) e as forças militares de um governo

estrangeiro não tem exemplo na história (...)”.18

No Senado, o opositor era igualmente combativo. Na sessão de 10 de dezembro de 1902,

Rui proferiu discurso no qual tratou, entre outras coisas, da questão do Acre. Diante da ascensão

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de Rodrigues Alves à Presidência da República ele fazia menção à atitude do governo anterior em

relação à questão:

O Governo passado tinha neste assunto convicções tão profundas e tão enraizadas que chegou a

dissipar os escrúpulos da Bolívia. As dúvidas que o Governo Boliviano manifestava a respeito de

seus direitos sobre aquele território, o Governo Brasileiro chegou a dissipá-las por um fato de que,

creio, será difícil encontrar exemplo nos anais diplomáticos de qualquer parte do mundo; chegou a

dissipa-las, dizendo ao Governo da Bolívia que eram infundadas as suas dúvidas sobre a

propriedade boliviana naquele território.

A opinião nacional, porém, não subscreveu o arbítrio do Governo passado; esta matéria é uma

chaga viva no sentimento popular (apoiados); o Brasil não se resignou nem se resignará à perda,

por um simples ato do Poder Executivo, de uma das partes mais opulentas e mais futurosas do

território nacional (muitos apoiados).19

Em dezembro de 1902, Rio Branco assume o Ministério das Relações Exteriores. O início

da nova gestão marca uma alteração na atitude do governo em relação ao assunto.20 Rio Branco

deu nova dinâmica ao problema: interpretou de maneira diferente o Tratado de 1867, colocando o

território do Acre em litígio. 21 Estabeleceu as bases para um modus vivendi com a Bolívia e

procurou isolar o Bolivian Syndicate através de uma indenização, evitando com isso qualquer

pretexto para intervenção estrangeira.

Em seguida, teve início a fase de entendimento. As negociações culminaram no Tratado

de Petrópolis de 1903. De acordo com o tratado, o Brasil faria permuta de territórios com a

Bolívia, cedendo-lhe cerca de 3,2 mil Km2 e a indenização de £ 2.000.000-ouro, em troca de 191

mil quilômetros quadrados. O Brasil ainda se comprometia a construir a ferrovia Madeira-

Mamoré, na qual, à semelhança do que ocorreria com os rios, a Bolívia teria livre-trânsito.

Rui Barbosa, atendendo ao convite do Barão do Rio Branco, participou de parte das

negociações do Tratado de Petrópolis. Depois de participar de algumas conversações, Rui acabou

pedindo exoneração devido a divergências com Rio Branco. No entanto, se Rui não teve o peso

de sua pluma a redigir os termos finais do Tratado de Petrópolis, teve indubitavelmente o peso de

suas opiniões considerado pelo Barão.

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Semelhantemente, o Congresso se posicionou, por diversas vezes, de maneira contrária à

política para o Acre até 1902, e mesmo depois, quando Rio Branco já havia assumido a pasta do

Ministério das Relações Exteriores, observou cuidadosamente a transação que se propôs através

do Tratado de Petrópolis.

Portanto, se o Barão do Rio Branco, com sua ação de homem de Estado, foi fundamental

para a conclusão da questão acreana, não se pode desprezar a ação da opinião pública através do

Congresso, da Imprensa e da intervenção de homens públicos. O que se percebe, até 1902, é uma

completa separação entre a ação do Ministério das Relações Exteriores e a expectativa de

comportamento internacional que partia da opinião pública. Talvez a genialidade de Rio Branco

esteja não tanto em construir uma solução exclusivamente pessoal, mas em reconhecer o sentido

no qual sua ação poderia ser legitimada pela opinião geral.

Notas e Referências

1 Utilizo aqui a concepção de opinião pública de HABERMAS, para quem opinião pública a noção de opinião pública como processo não pode limitar-se unicamente nas bases empíricas de uma teoria, deve também enfocar a posição que essa noção ocupa num modo geral de interpretação da sociedade. Como é sabido a Teoria Normativa de Democracia de Habermas se baseia nas condições comunicativas nas quais pode ocorrer uma formação discursiva da opinião de um público formado pelos cidadãos de um organismo político. Habermas retoma o projeto histórico-filosófico da modernidade atribuindo à opinião pública a função de legitimar o domínio político por meio de um processo crítico de comunicação, sustentado nos princípios de um consenso racionalmente motivado. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Investigações quanto a uma categoria da esfera burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. Ver também MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Editora Hucitec, 2005. 2 TOCANTINS, Leandro. Formação histórica do Acre. Rio de Janeiro: Conquista, 1979, 2 vol., p. 161. 3 “Toda a região banhada pelos rios Acre, Iaco e Alto-Purus formava o município de Floriano Peixoto, antigo Antimari, em que o Estado do Amazonas exercia jurisdição, como parte integrante de seu território.” Ibid., vol. I, p. 202. 4 Ibid., vol. I, p. 211. 5 Ibid., vol. I, p. 251. 6 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Barão de Rothschuld e a questão do Acre. Revista Brasileira de Política Internacional. 43 (2), p. 150. 7 TOCANTINS, Leandro, op. cit., vol. I, p. 252 – 253; BANDEIRA, Luiz Alberto Muniz, op. cit., p. 150. 8 TOCANTINS, Leandro, op. cit., vol. I, p. 269. 9 Anais do Senado Federal de 5/09/1900. 10 TOCANTINS, Leandro, op. cit., vol. II, p. 24. 11 Anais da Câmara dos Deputados de 16/04/1902. 12 Relações Exteriores, 1906, p. 37 – 39. 13 Anais da Câmara dos Deputados de 30/06/1902. 14 BUENO, 2003, p. 316.

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15 Ibid. p. 318 16 Obras Completas de Rui Barbosa [OCRB] – A Imprensa, vol. XXVI, 1899, tomo V, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1965, p. 143. 17 Ibid., p. 203-208. 18 Ibid., tomo V, p. 13-16. 19 Obras Completas de Rui Barbosa [OCRB – Discursos Parlamentares, vol. XXIX, 1902, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde/Fundação casa de Rui Barbosa, 1949, p. 239-272. 20 RODRIGUES, José Honório; SEITENFUS, Ricardo A S. Uma história diplomática do Brasil (1531-1945). “A 18 e 24 de janeiro de 1903, telegramas do Ministério do Exterior à legação Brasileira de La Paz e às demais legações do Brasil davam nova interpretação ao Tratado de 1867, e o comunicavam a resolução de defender como fronteira o paralelo de 10° 20’. Concentravam-se tropas no Amazonas e em Mato Grosso”. p. 254-255. 21 A interpretação anterior de Olinto de Magalhães pode ser apreendida deste ofício que enviou em 24 de junho de 1902 ao Barão do Rio Branco, então ministro em Berlim: “Apesar da opinião errada e irrefletidamente sustentada por corporações científicas, na imprensa e até no Congresso nacional, o território do Acre não é brasileiro. É objeto de litígio entre a Bolívia e o Peru e por isso este já protestou contra o arrendamento. Enquanto esse litígio não for resolvido a favor do Peru, para o Brasil, é território boliviano, em virtude do tratado de 1867. Não pomos, portanto, em dúvida a soberania da Bolívia”. SOARES, Teixeira. História da formação das fronteiras do Brasil. Rio de janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1973.