a opção pela escravidão africana no brasil colonial
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A historiografia brasileira e o trabalho escravo africano naAmérica portuguesa no século XVI
Wagner Aragão Teles dos Santos1
Resumo: Este presente trabalho aborda algumas das principais justificativas propostas pelos
historiadores brasileiros ao longo das últimas décadas, em relação a “opção” do trabalho
escravo africano no Brasil colonial. Explicitando diversas teorias que possibilitaram entender
os motivos e os interesses dos que estavam envolvidos na colonização da América
portuguesa, em relação à mão de obra vinda do continente africano.
Palavras-Chave: Africanos, Colonização, Escravidão, e Força de Trabalho.
Há muitas décadas, os historiadores brasileiros vêm discutindo sobre os motivos que
fizeram da mão de obra escrava vinda do continente africano, a força de trabalho
predominante no Brasil até o século XIX. Várias teorias foram propostas ao longo desse
período, fazendo com que se acreditasse que “esse ou aquele” motivo, fosse o responsável
pela opção do trabalho africano em terras americanas. Assim, vamos discutir sobre algumas
dessas teorias.
Dentre várias teorias, uma delas defende que um dos motivos da escolha dos
portugueses pela mão de obra escrava africana, teria sido o fato de os europeus conhecerem
esse tipo de escravidão desde os últimos séculos da Idade Média.
Ciro Flamarion Cardoso, em seu livro, A Afro-América: A escravidão no Novo Mundo
cita que um dos defensores dessa teoria é C. Verlinden, especialista em escravidão medieval.
Segundo ele, técnicas de colonização se difundiram em colônias do Mediterrâneo Oriental e
do Levante pouco depois da primeira Cruzada e que os Venezianos desde o Século XII, já
haviam criados na Palestina, verdadeira plantations açucareiras, aprendendo do açúcar com os
1 Wagner Aragão Teles dos Santos é graduado em Licenciatura em História pelo Centro Universitário Jorge Amado.
muçulmanos.2 Portanto, a fins da Idade Média, a colonização italiana em associação com as
coroas ibéricas utilizaram a escravidão em suas plantations.
Russel R. Menard e Stuart Schwartz lembram que:
Por volta de 1450 ocasionais viagens portuguesas de exploração e comércio com a
África já retornavam com escravos, e, ao redor de 1480, já havia sido estabelecido
um comércio permanente de escravos em vários pontos da costa ocidental africana.3
Baseado nessa teoria, Ciro Flamarion explica que, a Península Ibérica já conhecia
desde a Idade Média a escravidão de Eslavos e Mouros. Ele nos conta, que “a meados do
século XVI (1551), aproximadamente 10% da população de Lisboa eram escravos Mouros e
negros.”4 Isso demonstra o quanto Portugal praticava a escravidão nesse período.
Corroborando com essa linha de pensamento, S. Schwartz lembra também que, “uma
longa experiência com a escravidão negra na Península Ibérica, intensificada durante a
expansão da indústria açucareira no Atlântico, familiarizara os portugueses com os africanos e
suas aptidões.” 5
No entanto, essa teoria serve apenas para explicar, em parte, a opção dos portugueses
pela mão de obra escrava em geral, mas não explica, por si só, a opção pelos africanos nesse
trabalho, pois, se essa teoria se justificasse, os portugueses não teriam durante todo século
XVI, utilizado a mão de obra indígena como força de trabalho predominante em sua colônia
americana.
Darcy Ribeiro conta que a escravidão indígena predominou ao longo de todo o
primeiro século de colonização e que apenas no século XVII a escravidão africana se tornaria
predominante.6 Demonstrando assim, que os portugueses na verdade, pensavam em utilizar a
força de trabalho que fosse mais acessível naquele determinado momento.
Mas, por que os portugueses priorizaram mais tarde o trabalho escravo africano?
Sendo que, como o próprio Darcy Ribeiro ressalta: “nenhum colono pôs jamais em dúvida a
2 CARDOSO, Ciro F. S. A Afro-América: A escravidão no Novo Mundo. São Paulo: Editora Brasiliense 1ªed. 1982, p. 10 e 11.3 MENARD, Russel; SCHWARTZ, Stuart B. História Econômica do período Colonial. In: SZMRECSÁNYI,Tamás (Org.). Por que a escravidão africana? A transição de trabalho no Brasil, no México e na Carolina do Sul.São Paulo: Hucitec/ Associação brasileira de Pesquisadores em História econômica/Editora da Universidade deSão Paulo/ Imprensa Oficial, 2002. p. 084CARDOSO, Ciro F. S. A Afro-América: A escravidão no Novo Mundo. São Paulo: Editora Brasiliense 1ªed. 1982, p. 12. 5 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835; tradução Laura Tei-xeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 1988. p. 68.6 RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 2006. p. 88.
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utilidade da mão de obra indígena, embora preferissem a escravatura negra para a produção
mercantil de exportação.”7
Além disso, segundo Darcy Ribeiro, o escravo indígena era muito mais barato do que
o africano, durante o século XVI, “custando uma quinta parte do preço de um negro
importado, o índio cativo se converteu no escravo dos pobres, numa sociedade em que os
europeus deixaram de fazer qualquer trabalho manual.” 8
Uma das grandes teorias debatidas ao longo do século XX sobre a opção da mão de
obra africana em detrimento da indígena é a que defende que a escassez de força de trabalho
tanto livre, quanto escrava na colônia, foi a responsável por essa decisão pelos portugueses.
A escassez de mão de obra em Portugal e a necessidade de pagar salários altos para
prováveis imigrantes portugueses, também corroboraram para utilização dos indígenas no
primeiro momento, pois, tornar-se-ia impossível a implementação de uma “indústria”
açucareira com uma força de trabalho portuguesa tanto escassa, como provavelmente cara.
Celso furtado explica sobre a escassez de trabalhadores:
Transportá-la na quantidade necessária da Europa teria requerido uma inversãodemasiadamente grande, que provavelmente tornaria antieconômica toda aempresa. As condições de trabalho eram tais que somente pagando salários bemmais elevados que os da Europa seria possível atrair mão-de-obra dessa região.9
Celso Furtado ressalta também, que no inicio do século XVI, com o comércio com as
Índias Orientais em alta, era propício que esse comércio dificultasse a ida de trabalhadores
europeus para o novo continente.10 Por conta disso, a escravidão seria a opção mais lógica
para a falta de mão de obra.
Assim como Celso Furtado, Caio Prado Júnior esclarece:
Não somente Portugal não contava com população bastante para abastecer suacolônia de mão-de-obra suficiente, como também, já o vimos, o português, comoqualquer outro colono europeu, não emigra para os trópicos, em princípio, para seengajar como simples trabalhador assalariado do campo.11
A teoria da escassez de mão de obra, explica, junto com a teoria sobre experiência
portuguesa com a escravidão desde a Idade Média, de forma plausível, a escolha da
escravidão nas novas investidas econômicas do Novo Mundo. No entanto, não conseguem
7 Ibid, p. 88.8 Ibid, p. 89.9 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2007. p. 34.10 Ibid. p. 35.11 JÚNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. 26. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense.
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explicar o porquê da escolha da força de trabalho africana predominante a partir do século
XVII, pois, o trabalho indígena foi utilizado largamente durante o século XVI.
A partir disso, temos que entender como ocorreu essa migração, como também o
porquê dela.
Portanto, somos levados a ressaltar as teorias que discutem as dificuldades que tiveram
os colonos na manutenção da escravidão indígena durante os séculos de colonização.
Por conta disso, vale lembrar novamente, que, nos primeiros momentos da
colonização, os índios foram usados como força de trabalho principal, sendo utilizado para a
obtenção inicialmente de pau-brasil e pouco depois, nos engenhos de cana-de-açúcar. Porém,
as várias doenças trazidas pelos portugueses, vindas do continente europeu, que assolava a
Europa por muitos séculos e que não eram mais tão mortais para os emigrantes do velho
continente, se tornaram fatais para o sistema imunológico das populações indígenas
estabelecidas no Novo Mundo, fazendo do escravo indígena um investimento arriscado.
S. Schwartz nos conta que, “a suscetibilidade dos índios de todas as idades às doenças
europeias aumentava o risco do investimento de tempo e capital para treiná-los em trabalhos
artesanais ou de fiscalização”.12
Luiz Felipe Alencastro lembra, ao se tratar dos índios que eram levados à Portugal
como escravo, que, “Na virada do Quinhentos, Brandão repara que os índios do Brasil
desembarcados em Portugal “morrem apressados”, porque vinham de “terra tão sadia”,
enquanto os asiáticos ou os africanos, oriundos de ‘terra doentia’, já sobreviviam.”13
Luiz Felipe Alencastro explica também que, a vinda de africanos para o Brasil, desde
o início do tráfico de escravo africano, potencializou a incidências de doenças nos indígenas
que aqui estavam, pois, segundo ele:
A febre amarela, a malária e a verminose causadora da ancilostomíase, doençasoriginárias da África Ocidental, para as quais os africanos daquelas áreas e seusdescendentes desenvolviam reação imunitária, contagiam os enclaves na Américaportuguesa, gerando ao longo dos séculos XVI e XVII um novo ambienteepidemiológico aos brancos e aos índios. Desde logo, o tráfico negreiro aumenta amorbidade e a mortalidade dos índios livres e cativos, levando os moradores aampliar a demanda de africanos. 14
12 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835; tradução Laura Tei-xeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 1988. p. 70.13 ALENCRASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul – Séculos XVI eXVII. São Paulo: Cia das Letras, 2000. p. 39.14 Ibid. p. 39.
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Ciro Flamarion Cardoso entende também, que a mortalidade indígena foi um dos
fatores que possibilitaram a mudança de mão de obra escrava no Brasil colonial. Para ele:
(...) a terrível mortalidade dos índios nas fazendas, a baixa produtividade do seutrabalho – fatores apontados por Rocha Pita –, levaram a que se passasse a preferira importação de africanos, mesmo se inexistiu unanimidade a respeito: durantemuito tempo houve defensores do trabalho indígena, escravo ou não.15
As epidemias que assolaram as populações indígenas na colônia no século XVI, apesar
de importante para o comprometimento da economia colonial, não explicam completamente a
adoção da mão de obra escrava africana nos engenhos do além-mar. Pois, segundo Darcy
Ribeiro, “os primeiros contingentes de negros já tinham sido introduzidos no Brasil nos
últimos anos da primeira metade do século XVI, talvez em1538”.16 Mas, apenas a partir de
1560, essas epidemias começaram a diminuir significativamente a oferta de escravo indígena,
como relatam Russel R. Menard e S. Schwartz:
Após 1560, no entanto, tornou-se mais difícil – e, por isso, mais cara – a aquisiçãode trabalhadores indígenas. Uma série de epidemias, que varreram a costa entre1559 a 1563, dizimaram a população indígena que vivia nas plantations e nasaldeias jesuítas.17
Então, porque os colonos portugueses, mesmo antes de 1560, já importavam escravos
africanos, sendo que, existia em certa medida, até esse período, oferta de mão de obra
indígena?
Uma resposta inicial para essa pergunta seria possível explorando a teoria que defende
que essa decisão foi tomada por conta da melhor adaptação dos escravos africanos em
atividades específicas. Para muitos colonos, os negros eram mais capacitados para trabalhos
especializados do que os índios. Fazendo com que, a partir dessa percepção, os colonos
começassem a importar com maior frequência os africanos para serem utilizados
principalmente nos engenhos de cana-de-açúcar.
15 CARDOSO, Ciro F. S. A Afro-América: A escravidão no Novo Mundo. São Paulo: Editora Brasiliense 1ªed. 1982, p. 19.16 RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 2006.p. 145 e 146.17 MENARD, Russel; SCHWARTZ, Stuart B. História Econômica do período Colonial. In: SZMRECSÁNYI,Tamás (Org.). Por que a escravidão africana? A transição de trabalho no Brasil, no México e na Carolina do Sul.São Paulo: Hucitec/ Associação brasileira de Pesquisadores em História econômica/Editora da Universidade deSão Paulo/ Imprensa Oficial, 2002. p. 09.
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Quem defende de forma lúcida esse ponto de vista é S. Schwartz. Referindo-se à
observação portuguesa em relação à habilidade dos africanos, ele explica que:
Em fins do século XVI, sua habilidade em dominar as técnicas do fabrico doaçúcar na Madeira e em São Tomé já havia impressionado os portugueses. NoBrasil, os colonos, há tempos habituados ao emprego, em Portugal e nas Ilhasatlânticas, de negros em serviços domésticos, como artesãos urbanos e escravosespecializados, começaram a pensar na África como uma fonte lógica de homenscom tais aptidões.18
Para validar essa teoria sobre a preferência dos portugueses pelos escravos africanos,
em detrimento dos escravos indígenas, em relação à especialização destes, S. Schwartz nos
conta que:
Em 1548, o Engenho São Jorge dos Erasmos, em São Vicente, possuía 130escravos “da terra” e sete ou oito africanos. Estes últimos eram todos oficiais, ouseja, especializados em várias tarefas, e um deles era mestre de açúcar, a funçãomais importante de um engenho. 19
Essa divisão do trabalho nos engenhos coloniais entre africanos e indígenas,
provavelmente foi utilizada pelos portugueses, por observar a baixa produtividade nas
atividades especializadas pelos nativos, fazendo com que o preço médio de um escravo índio
fosse muito mais baixo do que um escravo africano.
Em 1572, enquanto um escravo africano custava em média 25 mil-réis, um escravo
indígena com a mesma habilidade, custava cerca de 9 mil-réis. Isso se justifica, pois que, “os
africanos, sem dúvidas, eram mais caros para se obter, mas a longo prazo representavam um
investimento mais lucrativo.”20
Porém, essa baixa produtividade, não se devia como conta Schwartz, à incapacidade
indígena de aprender determinadas tarefas. Ele relata que:
Muitos negros provinham da África ocidental, de culturas em que os trabalhos comferro, gado e outras atividades úteis para lavoura açucareira eram praticados. Essesconhecimentos e a familiaridade com a agricultura a longo prazo tornava-os maisvaliosos para os portugueses na escravidão especifica da indústria do açúcar. (...) assemelhanças de sua herança cultural com as tradições européias valorizavam-nosaos olhos dos europeus.21
18 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835; tradução Laura Tei-xeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 1988. p. 68.19 Ibid, p. 68.20 Ibid, p. 72.21 Ibid, .. 70
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Talvez, a baixa produtividade indígena pode ser explicada pela não adaptação destes, à
lógica de trabalho português, como lembra bem Schwartz, numa observação do historiador e
senhor de engenho, Rocha Pita: “Por obrigação e não voluntariamente como usavam na sua
liberdade, que na perda dela e na repugnância e pensão do cativeiro morrendo infinitos, vinha
a sair mais caro pelo mais limitado preço”.22
Apesar da visão etnocêntrica de Caio Prado Júnior ao discutir sobre esse assunto, ele
pensa de forma semelhante à Rocha Pita, ao explanar sobre a adaptação indígena à lógica de
trabalho europeu: “É que, [...] o índio brasileiro, saindo de uma civilização muito primitiva, não
podia adaptar-se com a necessária rapidez ao sistema e padrões de uma cultura tão superior à sua,
como era aquela que lhes traziam os brancos.” 23
Contudo, a teoria da baixa produtividade indígena não explica completamente a
migração da força de trabalho escrava predominante na colônia, da indígena para africana,
pois, como já foi citado, os colonos não se opuseram à utilização dos índios como força de
trabalho escrava, assim como também, os próprios colonos, contestaram por muito tempo as
decisões régias que proibiam os apresamentos de nativos, demonstrado seus interesses em
relação a estes.
Dentre as várias teorias existentes sobre esse assunto, por último, vamos discutir sobre
a que entende que o tráfico de escravos só existiu por causa da sua importância na
acumulação de capital no mercado europeu, sendo assim, um dos mecanismos principais da
máquina econômica colonial.
Para que a acumulação de capitais fosse eficiente, deveria ser necessária a utilização
de uma força de trabalho que não dispersasse os recursos coloniais. Portanto, a mão de obra
escrava foi a escolhida.
Sendo assim, Fernando Novais esclarece:
O que talvez tenha importado é a rarefação demográfica dos aborígenes, e asdificuldades de seu apresamento, transporte, etc. Mas, na “preferência” peloafricano revela-se, cremos, mais uma vez,, a engrenagem do sistema mercantilistade colonização; esta se processa, repitamo-lo tantas vezes quantas necessárias, numsistema de relações tendentes a promover a acumulação primitiva na metrópole.24
Em relação a acumulação de capital, Fernando Novais lembra também que:
22 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835; tradução Laura Tei-xeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 1988. p. 73.23 JÚNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. 26. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense.24 NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Hucitec, 1989. p. 105.
7
Não bastava produzir os produtos com procura crescente nos mercados europeus,era indispensável produzi-los de modo a que sua comercialização promovesseestimulo a acumulação burguesa nas economias européias. Não se tratava apenas deproduzir para o comércio, mas para uma forma especial de comércio – o comérciocolonial; é mais uma vez, o sentido último (aceleração da acumulação primitiva decapital), que comanda todo o processo da colonização.25
Além disso, Fernando Novais explica, que a utilização dos indígenas como força de
trabalho na colônia, fazia com que o capital acumulado nas negociações entre escravos ficasse
na colônia, enquanto que, nas negociações entre “peças” africanas, esse capital ficaria na
metrópole. Ele diz:
O tráfico negreiro, isto é, o abastecimento das colônias com escravos, abria umimportante setor do comércio colonial, enquanto o apresamento dos indígenas eraum negócio interno da colônia. Assim, os ganhos comerciais resultantes da preaçãodos aborígenes mantinha-se na colônia, com os colonos empenhados nesse “gênerode vida”; a acumulação gerada no comércio de africanos, entretanto, fluía parametrópole, realizavam-na os mercadores metropolitanos, engajados noabastecimento dessa “mercadoria”.26
Para Fernando Novais, “é a partir do tráfico negreiro que se pode entender a
escravidão africana colonial, e não o contrário.” 27 No entanto, Ciro Flamarion Cardoso
discorda dessa forma de pensar o tráfico.
Para Ciro Flamarion, as várias dificuldades enfrentadas pelos colonos é que foi
responsável pela intensificação da importação da mão de obra escrava vinda do continente
africano. Ele ressalta:
A transição gradual a um tráfico africano mais intenso deu-se em função decaracterísticas, dificuldades e necessidades intrínsecas da economia colonial doaçúcar em evolução, a qual preexistiu claramente a uma importação maciça decativos africanos; o contrário não é verdade: não vemos o fluxo do tráfico“gerando” uma economia colonial açucareira.28
Essas “características, dificuldades e necessidades intrínsecas”, que o autor se refere,
foram discutidas aqui, quando falamos da experiência portuguesa com a escravidão ainda na
Idade Média, da escassez de mão de obra, da baixa produtividade e da mortandade indígena,
dentre outras.
25 NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Hucitec, 1989. p. 97.26 Ibid, p. 105.27 Ibid, p.105. 28 CARDOSO, Ciro F. S. A Afro-América: A escravidão no Novo Mundo. São Paulo: Editora Brasiliense 1ªed. 1982, p. 18.
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Entretanto, Ciro Flamarion entende o quanto o tráfico de escravos foi importante para
a expansão do comércio europeu ao longo da colonização, ao explicar:
Independente de tais divergências interpretativas, o fato é que a colonização daAmérica esteve indubitavelmente vinculada á expansão comercial e marítima daEuropa, na época em que a constituição de um mercado mundial – pela primeiravez na história – dava seus primeiros passos.29
Em linhas gerais, podemos perceber que, além da importância do tráfico para a
acumulação primitiva do capital europeu, outros fatores foram também responsáveis pela
utilização do cativo africano em larga escala em terras coloniais da América portuguesa.
Todavia, percebe-se que, ao longo das últimas décadas, a maioria dos especialistas em
escravidão colonial, tenta utilizar “esse” ou “aquele” argumento como componente primordial
para entender as estruturas criadas em relação ao lucrativo tráfico de almas vindas do
continente africano.
29 CARDOSO, Ciro F. S. A Afro-América: A escravidão no Novo Mundo. São Paulo: Editora Brasiliense 1ªed. 1982, p. 19.
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REFERÊNCIAS
ALENCRASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico
Sul – Séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
CARDOSO, Ciro F. S. A Afro-América: A escravidão no Novo Mundo. São Paulo: Editora
Brasiliense 1ªed. 1982.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das
letras, 2007.
JÚNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. 26. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense.
MENARD, Russel; SCHWARTZ, Stuart B. História Econômica do período Colonial. In:
SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). Por que a escravidão africana? A transição de trabalho no
Brasil, no México e na Carolina do Sul. São Paulo: Hucitec/ Associação brasileira de
Pesquisadores em História econômica/Editora da Universidade de São Paulo/ Imprensa
Oficial, 2002.
NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo:
Hucitec, 1989.
RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:
Companhia das letras, 2006.
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial,
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