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A NOVA ROTA DA SEDA: conquistas e controvérsias Laura Martucci Benvenuto 1 RESUMO O presente artigo abordará a visão chinesa, os principais objetivos e projetos da iniciativa Nova Rota da Seda, levando em consideração as possíveis contribuições do mesmo, para os países que estão além da rota. A princípio a iniciativa se concentra nos países que estão ao longo dos oceanos Pacífico e Índico, porém as autoridades chinesas já deixaram claro suas intenções em expandir os países membros, como é o caso do Brasil. Este artigo é uma pesquisa em andamento que por ora não possui uma conclusão, mas tem como diretriz tornar presente na academia brasileira o debate acerca desta temática e receber contribuições à pesquisa final. Diante disso, a metodologia utilizada será o método exploratório e a hipótese inicial é o fato da Nova Rota da Seda representar uma ambição geoeconômica chinesa, a fim de garantir o fornecimento de recursos naturais necessários para seu desenvolvimento. Nota-se também, que por meio desses investimentos em infraestrutura e conectividade ao longo da rota, os chineses buscam assegurar seus interesses nacionais pautados em um discurso de desenvolvimento pacífico e global. O foco será a abordagem marítima da iniciativa, mostrando os principais projetos e dificuldades encontradas nos mesmos. O marco teórico utilizado será a teoria Realista das Relações Internacionais e contribuições da geopolítica também. O trabalho está dividido em introdução, os principais projetos da Rota Marítima da iniciativa (conquistas e controvérsias), análise de discurso chinês sobre a iniciativa e considerações finais. Palavras-chave: geopolítica. Nova rota da seda. China. 1 Mestranda em Estudos Marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM) na Escola de Guerra Naval (EGN), bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]

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Page 1: A NOVA ROTA DA SEDA: conquistas e controvérsias...A Nova Rota da Seda representa a ideia de integração da Eurásia, região antes destacada por Mackinder como “World Island”,

A NOVA ROTA DA SEDA: conquistas e controvérsias

Laura Martucci Benvenuto1

RESUMO

O presente artigo abordará a visão chinesa, os principais objetivos e projetos da iniciativa

Nova Rota da Seda, levando em consideração as possíveis contribuições do mesmo, para

os países que estão além da rota. A princípio a iniciativa se concentra nos países que estão

ao longo dos oceanos Pacífico e Índico, porém as autoridades chinesas já deixaram claro

suas intenções em expandir os países membros, como é o caso do Brasil. Este artigo é

uma pesquisa em andamento que por ora não possui uma conclusão, mas tem como

diretriz tornar presente na academia brasileira o debate acerca desta temática e receber

contribuições à pesquisa final. Diante disso, a metodologia utilizada será o método

exploratório e a hipótese inicial é o fato da Nova Rota da Seda representar uma ambição

geoeconômica chinesa, a fim de garantir o fornecimento de recursos naturais necessários

para seu desenvolvimento. Nota-se também, que por meio desses investimentos em

infraestrutura e conectividade ao longo da rota, os chineses buscam assegurar seus

interesses nacionais pautados em um discurso de desenvolvimento pacífico e global. O

foco será a abordagem marítima da iniciativa, mostrando os principais projetos e

dificuldades encontradas nos mesmos. O marco teórico utilizado será a teoria Realista das

Relações Internacionais e contribuições da geopolítica também. O trabalho está dividido

em introdução, os principais projetos da Rota Marítima da iniciativa (conquistas e

controvérsias), análise de discurso chinês sobre a iniciativa e considerações finais.

Palavras-chave: geopolítica. Nova rota da seda. China.

1 Mestranda em Estudos Marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM) na

Escola de Guerra Naval (EGN), bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]

Page 2: A NOVA ROTA DA SEDA: conquistas e controvérsias...A Nova Rota da Seda representa a ideia de integração da Eurásia, região antes destacada por Mackinder como “World Island”,

Rio de Janeiro – 2018

ABSTRACT

This article will address the Chinese vision, the main objectives and projects of the New

Silk Road Initiative, taking into account the possible contributions of this initiative to

countries that are beyond the route. Initially, the initiative focuses on countries along the

Pacific and Indian Oceans, but Chinese authorities have already made clear their

intentions to expand member countries, with 78 countries currently involved. This article

is an ongoing research that for the moment does not have a conclusion, but it has as

guideline to make present in the Brazilian academy the debate about this subject and to

receive contributions to the final research. Therefore, the methodology used will be the

exploratory method and the initial hypothesis is that the New Silk Road represents a

Chinese geo-economics’ ambition in order to guarantee the supply of natural resources

necessary for its development. It is also noted that through these investments in

infrastructure and connectivity along the route, the Chinese seek to ensure their national

interests based on a discourse of peaceful and global development. The focus will be on

the maritime approach of the initiative, showing the main projects and difficulties

encountered in them. The theoretical framework used will be the Realist theory of

International Relations and contributions of geopolitics as well. The work is divided in

introduction, the main projects of the Maritime Route of the initiative (achievements and

controversies), analysis of Chinese discourse on the initiative and final considerations.

Key words: geopolitics. Silk Road Initiative. China.

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INTRODUÇÃO

Projetos de infraestrutura e conectividade tem se tornado um elemento crucial para

as políticas e economias domésticas ou internacionais dos países ao longo dos séculos.

Assim como Mackinder apontou em seu artigo: “the full development of her modern

railway mobility is merely a metter of time” (MACKINDER, 1904, p.436) se referindo

às ferrovias ao entorno geográfico da grande Eurásia, a partir disso, pode-se compreender

que a geopolítica se moldou conforme os efeitos transformativos das malhas ferroviárias

da época. A Nova Rota da Seda representa a ideia de integração da Eurásia, região antes

destacada por Mackinder como “World Island”, sem replicar o modelo de

desenvolvimento e expansão das potências ocidentais (PAUTASSO, 2016, p.4). Nesse

sentido, a iniciativa da Nova Rota da Seda inaugura um projeto ambicioso de

conectividade massiva em infraestrutura com base no antigo trajeto da Rota da Seda, que

costumava ser a mais extensa rede comercial do mundo pois ligava os mais importantes

centros civilizacionais e econômicos. Segundo os chineses, o “espírito da rota da seda”

era de paz, cooperação, abertura, inclusão, aprendizado e benefício mútuo. A rota

significou a comunicação entre o Oriente e o Ocidente, trazendo desenvolvimento para

as civilizações ao longo da mesma. Nesse sentido argumentativo, o presidente Xi Jinping

tem promovido a sua iniciativa, como um novo marco para o desenvolvimento e

cooperação mútua, a fim de recuperar a economia global e superar as complexidades

regionais. Em 2013, quando o presidente visitou a Ásia Central e o Sudeste Asiático, foi

anunciado a iniciativa Belt and Road de construção conjunta dos projetos: Silk Road

Economic Belt e o 21st Century Maritime Silk Road. O primeiro, é a rota via terrestre que

se visa conectar: a China e Europa através da Ásia Central e Rússia, conectar a China ao

Oriente Médio por meio da Ásia central e conectar a China ao Sudeste e Sul Asiático e

ao Oceano Índico. O segundo projeto, é via marítima, saindo dos portos chineses até a

Europa através do Mar do Sul da China e o Oceano Índico e conectar a China ao Oceano

Pacífico através do mar do sul da China. Essas principais rotas, estão sendo aproveitadas

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pela infraestrutura já existente e também sendo expandidas por meio de maciços

investimentos, a fim de formar os corredores que facilitarão o comércio e a logística

internacional, segundo a ótica chinesa. Essas cinco rotas formarão seis corredores

econômicos internacionais importantes: a) China-Mongólia-Rússia; b) New Eurasian

Land bridge; c) China-Ásia Central- Ociental; d) Bangladesh- China- Mianmar; e) China-

Península Indochina; f) China-Paquistão. Essa iniciativa conectará países ao longo do

oceano pacífico ocidental até o Mar Báltico, em tese, o que totaliza mais de 60% da

população mundial, 30% do PIB mundial e 35% do comércio internacional2. Segue

abaixo o mapa ilustrativo da iniciativa:

Figura 1 – Mapa da Iniciativa da Nova Rota da Seda (rota marítima e terrestre)

Retirada do site: <http://www.xinhuanet.com/english/2016-06/24/c_135464233.htm>.

Como o mapa mostra acima, o principal destino final da rota marítima da seda é a

Europa, por meio do Canal de Suez e Mediterrâneo, ramificando seu percurso para

diversos países da África Oriental, tais como: Djibuti, Quênia, Madagascar, Moçambique

e Tanzânia. Essa rota envolve inúmeros projetos de construção de infraestrutura de

potencial dual civil-militar, como aeroportos, pontes, oleodutos, usinas de energia,

ferrovias e estradas. Além disso, se espera que inúmeros investimentos em shipping,

2 Dados retirados em: <https://beltandroad.hktdc.com/en/node/15086>. Acessado em 01/04/2018.

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comunicação, energia, comércio, turismo, tecnologia da informação, biotecnologia sejam

desenvolvidos, alavancando oportunidades aos países receptores dessa atividade, além da

China (BLANCHARD, 2017, p. 5). Segundo o presidente Xi Jinping3, a Nova Rota da

Seda, é muito mais do que somente investimentos em infraestrutura, a iniciativa

promoverá intercâmbios de pessoas, entendimento entre diferentes culturas e entre

instituições também. Mais à frente será abordado a Nova Rota da Seda Marítima com

detalhes, seus principais objetivos e visão.

Um argumento que o autor Jean Blanchard (2017) defende em seu artigo é como

a MSRI (Maritime Silk Road Initiative) estreita os laços com os países membros da rota,

mas ao mesmo tempo reforça o alargamento dos países, devido às inúmeras

possibilidades de parcerias. Isso deixa claro, como a iniciativa é ampla e está aberta à

inclusão de novos países membros. A princípio a América Latina não parece ser um alvo

de parceria dentro da iniciativa, porém segundo relatório divulgado pelo BRICS Policy

Center afirma que o fórum CELAC continua sendo uma plataforma importante de

cooperação com a China, além do continente ser considerado “uma extensão natural” da

rota marítima da iniciativa, os investimentos chineses em infraestrutura são consideráveis

na região. A iniciativa de criação do Novo Banco de Desenvolvimento deve ser um

elemento a ser destacado, pois sua criação concerne ao financiamento de projetos de

infraestrutura para a Nova Rota da Seda e os países membros do banco são os cinco países

do bloco BRICS, no qual o Brasil faz parte. John Kemp por exemplo defende4 que essa

iniciativa marítima, tem como plano de fundo uma manobra chinesa para alavancar suas

capacidades econômicas, para fins estratégicos e que muito disso vem, de um medo norte-

americano do crescimento chinês. Apesar do discurso da iniciativa ser pautado no

desenvolvimento mútuo, sustentável com relações “ganha-ganha”, o exercício analítico

deve ser utilizado e a observação das repercussões ser levada com consideração, a fim de

evitar conclusões precipitadas acerca de uma iniciativa que nasceu em 2013.

3 “China Pledges $40 Billion for New ‘Silk Road,’” The Japan Times, novembro, 2014,

http://www.japantimes.co.jp/news/2014/11/09/business/economy-business/china-pledges-40-billion-for-

new-silkroad/#.VF_2KvSUdzM. 4 Como por exemplo John Kemp em “China flexes its Silk Road muscle”. Disponível em: < https://www.japantimes.co.jp/opinion/2014/11/11/commentary/world-commentary/china-flexes-silk-road-

muscle/#.W1k0PdJKjIW>. Acessado em 26/07/2018.

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Toda narrativa possui dois lados a serem defendidos, porém o papel do

pesquisador deve ser ponderar, observar e analisar todas as circunstâncias e fatos. É por

isso que, neste presente artigo será exposta a narrativa chinesa acerca da Visão Marítima

da Nova Rota da Seda, seus principais projetos e dificuldades, para depois com base em

teóricos das Relações Internacionais e da geopolítica, embasar se essa iniciativa marítima

é promovida com o intuito da China se manter como grande player no sistema

internacional, além de instigarmos o pensamento acerca de repercussões para o Brasil.

PRINCIPAIS PROJETOS DA ROTA MARÍTIMA: CONQUISTAS E

CONTROVÉRSIAS

Os 78 países5 das cinco rotas acima citadas que compõem a iniciativa chinesa,

devem segundo o plano de ação, trabalhar em conjunto para melhorar a infraestrutura

regional e consequentemente a facilitação do comércio e investimentos internacionais.

Segundo o documento oficial emitido pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e

Reforma (CNDR), do Ministério das Relações Exteriores e Comércio da China6, a

iniciativa visa promover a conectividade entre os continentes asiáticos, europeus,

africanos e seus mares adjacentes além de estabelecer e fortalecer parcerias entre os países

ao longo da rota. Tem como um dos principais objetivos promover o melhor intercâmbio

interpessoal e cultural com os países ao longo da rota, aprofundar a confiança política

mútua e promover a paz e amizade. A visão da iniciativa, se compromete em ligar os

países membros através de políticas, infraestrutura, comércio, finanças e pessoas. Um

elemento a ser ressaltado é como a iniciativa da Nova Rota da Seda está pautada nos

Cinco Princípios da Coexistência Pacífica da China7, além de estar alinhada com os

5 O governo chinês não lançou oficialmente a lista dos países membros da iniciativa, por isso optou-se por

utilizar a fonte do site Belt and Road Portal, disponível em: < https://eng.yidaiyilu.gov.cn/info/iList.jsp?cat_id=10076&cur_page=3>. 6 Disponível em: < http://en.ndrc.gov.cn/newsrelease/201503/t20150330_669367.html>. Acessado em

01/05/2018. 7 Para mais detalhes, acessar:

<http://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/ziliao_665539/3602_665543/3604_665547/t18053.shtml>. acessado

em 01/05/2018.

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princípios da Carta da ONU. São eles: respeito mútuo pela soberania e integridade

territorial de cada país, não-agressão, não-interferência nos assuntos internos de cada país,

igualdade e benefício mútuo e coexistência pacífica. Esses princípios de política externa

chinesa também se encontram aliados com os cinco objetivos cooperativos da iniciativa:

a) coordenação de políticas; b) conectividade de instalações; c) comércio desimpedido;

d) integração financeira; e) vínculo pessoa-pessoa. No que tange o primeiro elemento, a

iniciativa defende a formulação de medidas conjuntas de desenvolvimento a fim de

alcançar a cooperação transnacional ou regional. Em termos específicos sobre as

instalações, o mesmo visa a coordenação conjunta de políticas dos países envolvidos para

que a construção das instalações de infraestrutura seja promovida. A conectividade via

infraestrutura de ferrovias, rodovias, rotas aéreas, oleodutos, portos e gasodutos estão na

iniciativa como parte da estratégia e esforços dos países membros a cumprir. A fim de

facilitar o comércio desimpedido, a iniciativa se pauta em investimento e facilitação do

comércio, por meio da redução das barreiras comerciais, custos de comércio e

investimento. O plano de ação da Nova Rota da Seda, defende que esforços serão feitos

para alargar o comércio, desenvolver a cooperação na cadeia da indústria com todos os

países envolvidos. No que diz respeito à integração financeira, o mesmo se propõe a tomar

medidas para melhorar a coordenação monetária local e do câmbio no comercio e

investimento entre os países ao longo da rota, aprofundar a cooperação financeira

multilateral e bilateral, fortalecer o monitoramento de riscos financeiros e gerenciar os

riscos por meio de acordos regionais. Em termos de laços entre pessoas, a iniciativa

reunirá esforços para promover diálogos entre diferentes culturas, fortalecer as interações

amistosas entre os povos e com isso o avanço da cooperação regional.

A Nova Rota da Seda dispõe de seis “corredores econômicos” e três “passagens

econômicas azuis” e o componente marítimo da rota, é pouco explorado. Porém em 2017,

o governo publicou um documento referente à sua visão da cooperação marítima: “Vision

for Maritime Cooperation under the Belt and Road Initiative”8 propondo uma ideia de

“parceiros azuis” nas questões de exploração dos recursos marinhos, indústrias marítimas,

proteção ecológica e segurança marítima. Nesta diretriz, o governo chinês destaca a

8 Para mais

detalhes:<https://www.yidaiyilu.gov.cn/wcm.files/upload/CMSydylgw/201706/201706200153032.pdf>

Acessado em 01/05/2018.

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importância dos oceanos no processo de integração econômica regional, dentro do

processo de globalização, cooperação marítima e desenvolvimento. Essa parceria azul,

segundo o documento, serão esforços realizados para novas plataformas cooperativas em

termos de desenvolvimento verde, segurança marítima e colaboração governamental. A

China propõe neste documento que os países que fazem parte da rota, tenham um

engajamento acerca da conservação da ecologia marinha, serviços de salvaguarda e

segurança ecológica global dos mares. Outro fator importante levado em consideração

neste documento, é a preocupação chinesa acerca da mudança climática. O país se

responsabiliza em fornecer suporte aos “small island states”9 que sofrem com o elemento

de mudança climática, erosão costeira e elevação do nível do mar etc, esse compromisso

ambiental será firmado em nível de cooperação em pesquisa científica com os países

costeiros que fazem parte da rota do projeto, assim como a criação de instituições

regionais de proteção e monitoramento.

Essa promessa ambiental chinesa dentro da iniciativa da Nova Roda da Seda, vai

de encontro com a posição assumida como parte do Acordo de Paris sobre mudanças

climáticas. De certa forma, essas medidas por enquanto no âmbito político, acerca da

preservação do meio ambiente marinho, é uma forma que o país possui de resguardar às

críticas apontadas ao projeto que possui enormes proporções e também às questões

anteriores acerca dos danos causados aos recifes de corais no Mar do Sul da China10. O

programa proposto “Programa Carbono Azul da Rota Marítima do Século XXI” surge

por uma demanda também de políticas internas chinesas priorizarem o desenvolvimento

de sua consciência situacional marinha e o mesmo elabora programas detalhados para o

desenvolvimento dessas redes.

Os chineses defendem a ideia que para haver uma segurança marítima, o

desenvolvimento de uma economia azul se faz necessária. Nesse sentido, o foco marítimo

9 Esses países dentro da Organização Marítima Internacional, têm voz ativa acerca das questões de

aquecimento global, pois os mesmos sofrem as consequências gravíssimas em seus territórios. Para mais

detalhes ver: BENVENUTO, Laura e ALBUQUERQUE, Beatriz. O papel das pequenas potências na

International Maritime Organization (IMO), Rio de janeiro, 2018. Disponível em: < http://www.iri.puc-

rio.br/prodefesa/publicacoes>.

10 Para maiores informações: The Diplomat, 2016. “South China Sea Ruling: China Caused 'Irreparable

Harm' to Environment” by Shannon Tiezzi. Disponível em: <https://thediplomat.com/2016/07/south-china-

sea-ruling-china-caused-irreparable-harm-to-environment/>.

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dentro da iniciativa geral, se tornou um destaque com o objetivo de melhorar suas

capacidades, reduzir riscos e salvaguardar o ambiente marinho. Cinco áreas foram

formuladas, para a atuação chinesa dentro da rota marítima:

Desenvolvimento Verde: por meio do estreitamento da cooperação entre os

serviços públicos marinhos dos países (como um sistema de sensoriamento

remoto de satélite, a fim de compartilhar resultados e informações); promoção da

proteção do meio marinho regional (âmbito da ASEAN e seus planos de ação com

a China) etc.

“Prosperidade baseada no oceano”: cooperação em matéria de segurança da

navegação marítima para combater questões como a criminalidade no mar;

cooperação entre a indústria marinha chinesa e os países ao longo da rota (como

zona de cooperação econômica e comercial, parques industriais para os setores

marítimos) etc.

Segurança Marítima: realizações de missões de busca e salvamento marítimo para

melhorar as capacidades de lidar com emergências no mar e prevenção de

desastres marítimos; participação em foros bilaterais e multilaterais a fim de

expandir a cooperação técnica e exercícios conjuntos etc.

Crescimento Inovador: estreitar a implementação das leis em matéria de

cooperação e diálogo com os países que fazem parte da iniciativa; cooperação na

investigação marítima científica marinha e no desenvolvimento tecnológico;

cooperação em matéria de educação científica etc.

Governança colaborativa: promoção da cooperação oceânica por meio de políticas

mútuas, proporcionar um quadro institucional cooperativo, promoção de diálogos

de alto nível em matéria marinha (como o Fórum Global Blue Economy

Partnership), intercâmbio entre think tanks dos países ao longo da rota etc.

Essas cinco áreas destacadas no documento oficial chinês11, elas indicam a

disposição em usar seu poder marítimo para proteger seus interesses e rotas comerciais

marítimas em expansão, sob um pretexto da iniciativa e para fins de cooperação regional,

combatendo assim as ameaças marítimas.

11 Disponível em: < http://www.xinhuanet.com/english/2017-06/20/c_136380414.htm>. Acessado em

01/05/2018.

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Hoje, a China possui uma estratégia marinha, amplamente bem arquitetada, não

somente para a defesa de sua costa, mas para operações de longo alcance. Esta

necessidade surgiu diante das disputas territoriais marítimas no Mar da China Oriental e

no Mar do Sul da China, áreas que são palco de conflitos históricos. O Mar do Sul da

China abriga algumas das principais linhas de comunicação marítima e infraestrutura

portuária do mundo, além disso, a área é rica em recursos naturais (depósitos de petróleo

e gás natural), isso fez com que a área fosse disputada pelos países que circundam a

região. Portanto, garantir hoje que essa região tenha segurança e seja um ambiente sem

hostilidades, é fundamental para a iniciativa ser bem implementada e gerar ganhos

econômicos aos países envolvidos. Não se deve esquecer a necessidade que o país tem de

proteger suas rotas marítimas de fornecimento de energia que são vitais, por ser o segundo

maior importador de petróleo do mundo (DUARTE, 2012, p.507). Deve-se ressaltar, a

importância do Estreito de Malaca para a região, pois é uma área vulnerável a ações de

terrorismo internacional e de extrema importância para a segurança energética da China,

já 20,3% do petróleo global12, passa pelo estreito. A atenção chinesa se concentra de certa

forma, nos oceanos Índico e Pacífico, e há uma importância geoeconômica para essa

preocupação chinesa em assegurar os fluxos comerciais marítimos nessas regiões.

O foco nesta sessão agora será abordar os principais projetos marítimos

angariados na iniciativa. Olhando para o Oceano Índico, várias empresas chinesas estão

envolvidas na construção, expansão e operacionalidade dos portos comerciais em Gwadar

(Paquistão), Hambantota e Colombo (Sri Lanka), Kyaukpyu (Mianmar), Lamu (Quênia)

e Bagamoyo (Tânzania). Como bem ressalta, Brewster (2016, p.8), esses projetos e

investimentos portuários tem crescido significativamente no Oceano Índico, porém

acredita-se também na presença chinesa no Canal do Panamá por exemplo, o que significa

o interesse no Pacífico e Atlântico. É importante ressaltar que segundo Raffaello Pantucci,

diretor de Estudos Internacionais de Segurança da RUSI13, esses projetos não são somente

de ajuda, a China faz investimentos comerciais na maioria dos casos dos países do Oceano

Índico. Alguns empréstimos são oferecidos a taxas razoáveis e o parceiro é via contrato

12 “The Strait of Malacca, a key oil trade chokepoint, links the Indian and Pacific Oceans”. EIA (Energy

Information Administration), Agosto, 2017. 13 Ver mais em: < https://rusi.org/commentary/china-understanding-beijing%E2%80%99s-belt-and-road-

initiative>. Acessado em 10/07/2018.

Page 11: A NOVA ROTA DA SEDA: conquistas e controvérsias...A Nova Rota da Seda representa a ideia de integração da Eurásia, região antes destacada por Mackinder como “World Island”,

obrigado a ser chinês e existe uma dificuldade para os países ao longo da rota, em

usufruírem desses investimentos chineses, de modo que não sejam simplesmente estradas

que passam por seus territórios. Essa crítica é considerável, para se avaliar os pontos

positivos e negativos ao fazer parte de uma iniciativa tão grandiosa. Segundo Brewster

(2017, p. 9), os portos acima citados possuem categorias e funções econômicas distintas,

por exemplo: o porto de Somália é voltado aos serviços de importação e exportação para

mercados locais, os portos em Sri Lanka fazem o serviço de carregar as cargas de

containers e navios, para outros menores para chegarem aos portos de menor capacidade

e os portos do Paquistão e Myanmar são considerados “gateway”, cuja finalidade é

conectar o Índico com a China, por meio de suas ligações com os corredores de transporte

marítimo. Essas funções representam estratégias distintas, de acordo com a necessidade

de abastecimento chinês em cada local.

Esses projetos chineses de infraestrutura portuária no Oceano Índico, tem ganhado

visibilidade por alguns analistas em segurança internacional, ao associarem à tática do

“Colar de Pérolas”14, porém Beijing responde às críticas com a sua narrativa de

desenvolvimento econômico pacífico e mútuo (BREWSTER, 2017, p. 11-12 et seq.).

Segundo o autor, os analistas norte-americanos têm estudado sobre a estratégia chinesa

no Índico e um boletim do Instituto Nacional de Estudos Estratégicos dos EUA

concluíram que: “[...] although China has a significant need for military basing facilities

in the Indian Ocean region it is unlikely to construct dedicated military facilities there for

the purpose of supporting major combat operations”. Esse argumento de fato, coincide

com a narrativa de “ascensão pacífica chinesa” que perpassa pela visão da iniciativa, já

que a China não estaria de fato construindo bases militares ao longo do oceano e sim

cooperando estrategicamente com seus países-membros. Porém um olhar crítico à essas

narrativas são de suma importância, pois os estudiosos norte-americanos irão olhar a

Nova Rota da Seda com desconfiança, assim como a Índia e produzirão conhecimento

científico com base nesta e os chineses, a fim de garantir aceitação internacional de sua

iniciativa, produzirá discursos pautados na cooperação e prosperidade mundial. Como

14 Estratégia construída por preceitos de Alfred Mahan, no qual a China estaria construindo uma cadeia de

bases navais pelo Norte do Oceano Índico, a fim de proteger suas rotas comerciais e por consequência,

dominar a região.

Page 12: A NOVA ROTA DA SEDA: conquistas e controvérsias...A Nova Rota da Seda representa a ideia de integração da Eurásia, região antes destacada por Mackinder como “World Island”,

afirma Polina Rysakova em entrevista15, a China está criando “uma nova consciência

oceânica” devido à suas intenções estratégicas em se aproximar dos países no oceano

Índico, já que a região é produtora de petróleo e também da urgência de domínio nas rotas

de comércio internacional no Mar do Sul da China (MSC). Como bem aponta a notícia,

para o sucesso da implementação da iniciativa, uma série de medidas de segurança

regional devem ser articuladas, devido às ameaças de pirataria na costa da Somália por

exemplo. Os casos de instabilidade regional do MSC, preocupam os chineses e nesse

sentido, ao analisar o documento oficial sobre a iniciativa, o tópico segurança

internacional é frequentemente abordado como um dos elementos cruciais ao sucesso de

sua implementação. Está claro que a China está buscando conceitos capazes de fomentar

uma identidade singular à sua inserção internacional, com o desenvolvimento sendo um

imperativo autônomo ao país asiático. E com efeito a Nova Rota da Seda visa concretizar

o argumento político de integração de toda a Eurásia e que está reconstruindo um sistema

sinocêntrico (PAUTASSO, 2016, p.125).

A China possui inúmeras razões para focar em desenvolvimento de nações que

possuem posições estratégicas no globo e que são considerados menos desenvolvidos,

como é o caso do Laos e Djibuti por exemplo. Conforme o artigo “China’s Belt and Road

Initiative, Five Years In” da Stratfor Global Intelligence, esses países que possuem déficit

de infraestrutura, mas também não querem receber financiamento das instituições

ocidentais, se aproximam da China e se sentem mais confortáveis, devido à não-

interferência nas políticas internas. Essa também é uma forma de estabelecer uma posição

estratégica e balancear os poderes europeu, indiano e russo na região, ao passo que a

China dispõe de auxílios financeiros de longo prazo. Levando em consideração a lógica

do relatório de Allen Hamilton’s sobre o “colar de pérolas” abordado acima, o caso dos

investimentos chineses no Sri Lanka pode ser interpretado como uma tentativa chinesa

de assegurar sua “pérola” por meio do desenvolvimento e investimento no porto de

Hambantota e assim estabelecer sua esfera de influência na região. Porém independente

do que esses investimentos possam representar, por hora, pode-se concluir que de fato as

relações entre Sri Lanka e China tem crescido exponencialmente. Segundo Samaranayake

15 “Pequim está a caminho de se converter em grande potência marítima? ” Disponível em:

https://br.sputniknews.com/asia_oceania/2017122410141076-potencia-maritima-china-russia-rota-da-

seda/>.

Page 13: A NOVA ROTA DA SEDA: conquistas e controvérsias...A Nova Rota da Seda representa a ideia de integração da Eurásia, região antes destacada por Mackinder como “World Island”,

(2011, p.123), o Sri Lanka tem desenvolvido laços econômicos, militares e diplomáticos

com a China nos últimos anos.

Os dois acessos ao oceano Índico dentro da iniciativa, serão por meio da província

de Xinjiang – Paquistão – Gwadar e por meio de Yunnan – Mianmar – Golfo de Bengala.

Segundo considerações de Liu Jinxen (BREWSTER, 2016, p. 16), os corredores

econômicos de Mianmar e Paquistão são cidades que ocupam uma posição estratégica

importante em termos de logística e suprimento, além do controle dos fluxos de

commodities que passarão através dessas rotas. Por mais que a iniciativa tenha uma

narrativa econômica como objetivo principal, o componente político e de segurança

também se fazem presentes. O Corredor Econômico China-Paquistão (CEPC) se encontra

mais avançado do que o Corredor Econômico Bangladesh-China-Índia-Mianmar

(CEBCIM) que ainda está em fase de negociação. Segundo De Seixas (2017, p. 68 et seq.)

esses corredores são cruciais para o escoamento de manufaturas chinesas ao exterior, além

de desenvolver um aporte de infraestrutura regional capaz de trazer benefícios

geopolíticos à economia doméstica chinesa. Com o desenvolvimento da infraestrutura

regional da Ásia-Pacífico, a China garante que o comércio seja facilmente aumentado em

seu entorno estratégico. Ver figura 2 abaixo dos projetos:

Figura 2 – Projetos Marítimos e Terrestres da iniciativa da Nova Rota da Seda

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Retirada do site: https://www.straitstimes.com/asia/the-trains-and-sea-ports-of-one-belt-one-road-chinas-

new-silk-road

NARRATIVA CHINESA

A China nega a narrativa acerca do Colar de Pérolas e se pauta no

“desenvolvimento pacífico”. A rota marítima da iniciativa, como demonstrado

anteriormente, é uma tentativa chinesa de reposicionar seus interesses em infraestrutura

marítima sob um plano de ação singular. Xi Jinping em seu discurso de abertura no Fórum

Belt and Road16, ao abordar a Nova Rota da Seda, o presidente volta dois mil anos no

tempo para mostrar como a passagem transcontinental do passado abriram janelas de

comércio e intercâmbio entre as nações. Mais à frente, ele aborda a história chinesa desde

16 Disponível em: <http://www.xinhuanet.com/english/2017-05/14/c_136282982.htm>. Acessado em

08/06/2018.

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a dinastia Han expondo como a rota da seda construiu uma ponte entre o Oriente e o

Ocidente ao longo dos séculos. O argumento central ao abordar a história, é que essas

expedições proporcionaram um aprendizado mútuo, benefício mútuo e uma abertura e

inclusão chinesa para/com os outros países. Xi Jinping embasa sua narrativa nos

fenômenos de globalização (como a multipolaridade e o mundo economicamente,

digitalmente e culturalmente diversificado); na redução da pobreza (por meio de um

desenvolvimento mais inclusivo e equilibrado) e em instabilidades globais (como o

terrorismo) e como o país deve trabalhar para que a iniciativa da Nova Rota da Seda

represente prosperidade a todos os países. Outros elementos destacados em seu discurso

foram: a conectividade de infraestrutura, comercial, financeira e entre pessoas, que são

os principais elementos a serem desenvolvidos em parceria com os países membros da

iniciativa. Porém, como bem destacado, para que dê certo a iniciativa requer um ambiente

pacífico e estável no sistema internacional, que o fomento da cooperação ganha-ganha

seja desenvolvido, com diálogo e amizade.

Conforme foi visto, os dois projetos dentro da iniciativa representam o caráter

ambicioso de desenvolvimento de infraestrutura de longo prazo. No discurso chinês

acima, fica claro como a iniciativa foca em uma governança global, na coordenação de

políticas estratégicas que tem como plano de fundo, parte de sua estratégia “going out”.

Segundo Nie (2016, p.425) a China tem abordado uma estratégia pragmática de

“performance legitimacy” no qual o governo se pauta em alcançar os objetivos concretos

como: crescimento da economia, estabilidade social, fortalecimento do poder nacional e

boa governança, para obter uma legitimidade doméstica. A política externa no governo

de Xi Jinping é uma prioridade, tendo em vista suas viagens para 46 países dos 5

continentes e as inúmeras iniciativas bilaterais e multilaterais realizadas. Com relação à

iniciativa da Nova Rota da Seda, o presidente deixa claro em seus discursos que a mesma

é baseada em resultados a serem alcançados e não se limita a uma simples retórica. A

iniciativa foi incorporada na agenda de desenvolvimento nacional chinesa e lançado o

plano de ação, esses posicionamentos representam como a Nova Rota da Seda se encontra

em um patamar operacional. Nesse âmbito, os mecanismos de apoio financeiro aos

projetos previamente citados são cruciais para dar viabilidade à iniciativa e as fontes de

investimento são: o Banco Asiático de Infraestrutura em Desenvolvimento (AIIB) foi

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criado a fim de promover financiamentos e interconectividade por meio de uma

integração financeira na região, o Fundo da Nova Rota da Seda, contribuiu com mais de

U$40 bilhões de dólares de investimentos em projetos ao longo da rota e o Novo Banco

de Desenvolvimento dos BRICS. De todas as recentes iniciativas financeiras, a AIIB é

amais abrangente, pois conta com 57 países-membros fundadores, inclusive o Brasil,

Reino Unido, Israel e Egito que são países fora da rota.

Voltando ao elemento da narrativa chinesa, a Nova Rota da Seda representa a

construção do poderio chinês em um espaço geopolítico pré-determinado pela iniciativa,

podendo expandir seu eixo gravitacional à outras regiões. Esse poderio é conquistado de

inúmeras formas, seja pela via econômica de empréstimos, investimentos e construção de

infraestrutura, seja pela via diplomática dos acordos bilaterais ou multilaterais, ou seja,

pela via política através do discurso, assegurando segurança e cooperação. Essa ótica de

análise da iniciativa, pode ser baseada teoricamente pelos realistas estruturais, que

acreditam no aumento de seus interesses políticos e a busca de poder quando se sentiam

ameaçados prante outros Estados. A competição por segurança e os conflitos estatais

ocorrem por uma ausência de autoridade central no âmbito internacional, fazendo uso

desse recorte teórico, pode-se perceber como os chineses almejam segurança regional,

devido as suas questões litigiosas com os países do MSC. Outro recorte interessante, são

os realistas ofensivos que defendem que os Estados buscam oportunidades de ganhar mais

poder, em cima dos seus rivais, sempre que os benefícios superarem os custos (DE

SEIXAS, 2017, p. 19), nesse aspecto podemos fazer correlação com as iniciativas

chinesas com os países dos Oceanos Índico e Pacífico.

Porém o pensamento e a narrativa acerca da iniciativa, não se restringe somente à

Eurásia, conforme Xi Jinping deixa claro em suas afirmações, a possibilidade de inclusão

de novos países é sempre bem-vinda. Segundo André Luis Scherer, a China mudou sua

estratégia econômica, reverberando impactos em sua política externa:

“Até então as iniciativas prioritárias voltadas ao setor externo se destinavam a

assegurar os fluxos de matérias-primas da África e da América Latina a partir

da construção de infraestruturas voltadas a esse fim e aos investimentos diretos

em terras e nos setores extrativos minerais. Agora, a estratégia passa a ser a

construção de infraestruturas capazes de viabilizar não apenas as exportações

de matérias-primas, mas também a integração produtiva regional a partir da

presença de empresas chinesas, inclusive na indústria (SCHERER, 2015, p.

43).”

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O autor aponta que esse movimento de exportação de investimentos, em longo prazo e

menor escala, tenderá a ser replicado na América Latina, a fim de garantir demanda aos

produtos chineses em uma época que a China terá supercapacidade produtiva no mercado.

A China tem claras intenções e articula estratégias futuras no âmbito do desenvolvimento

econômico e de relações políticas gerais com a América Latina. Os braços financeiros de

financiamento da infraestrutura, acima citados, ilustram a vontade chinesa em não

depender mais dos mecanismos tradicionais de domínio europeu e norte-americano e os

BRICS de certa forma, surgem como uma alternativa também. Nesse sentido, o Brasil

possui um bom relacionamento político-diplomático com os chineses além de

complementar às necessidades mais urgentes da economia brasileira. Uma das principais

áreas de interesse da participação chinesa no Brasil, são nos setores de: infraestrutura e

logística, energia, alimentos, petróleo e gás, siderurgia, automotivo, química e

petroquímica, saúde e TICs. Os investimentos externos são cruciais para o sucesso da

estratégia chinesa, podendo estender essa benesse às indústrias brasileiras, ainda mais se

for o caso de uma futura inclusão do Brasil à iniciativa da Nova Rota da Seda. É possível

interpretar a iniciativa como uma forma de acelerar a busca por uma saída externa (devido

aos desequilíbrios da economia interna chinesa), replicada em menor escala fora do

continente asiático e possibilitando a ampliação da internacionalização de suas empresas

no mercado mundial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A China com seu crescimento econômico está em plena ascensão e se encontra

em patamares elevados de hierarquia dentro do sistema internacional. A China está

emergindo como polo de poder global e potência na Ásia e a iniciativa da Nova Rota da

Seda é um passo nesta direção. Conforme foram demonstrados ao longo do tópico

anterior, a iniciativa se mostra em prol do desenvolvimento e ganhos mútuo, visando a

cooperação e um ambiente de segurança internacional, porém essa iniciativa permitirá

maior penetração comercial e financeira da China aos países ao longo da rota. Deve-se

atentar sobre essa abertura e integração proposta pelos chineses, já que há possibilidade

de criar dependências econômicas principalmente nos países em desenvolvimento. Cabe

a esses países, formularem suas próprias políticas e defenderem seus interesses, levando

em consideração a esfera de influência que a China pretende exercer. As rotas terrestres

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e marítimas, ao passo que criam uma rede de infraestrutura no interior da Eurásia,

possibilita o apoio naval ao longo das rotas de comércio, solidificando também sua

presença no litoral. A Nova Rota da Seda proporcionará uma integração física da região

delimitada pelo plano de ação, formando um grande bloco econômico continental e essa

nova projeção geoeconômica ultrapassa qualquer motivação puramente econômica.

Trata-se de uma projeção geopolítica enquanto potência desafiante no sistema

internacional e ao passo que o Brasil carece de infraestruturas e de integração física com

os vizinhos da América do Sul, nesse âmbito a iniciativa pode atender aos interesses

mútuos. É necessário que esforços no âmbito dos objetivos nacionais e reformulações

políticas sejam feitas no Brasil, para que as oportunidades para/com a China sejam

proveitosas e não desafiadoras. É por isso que o estudo dessa temática no meio acadêmico

e posteriormente à sociedade se fazem necessários para compreender a globalização à

moda chinesa que vivemos hoje.

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