a noite da raposa

Download A Noite Da Raposa

If you can't read please download the document

Upload: david-rodrigues

Post on 28-Aug-2015

225 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

livro

TRANSCRIPT

A NOITE DA RAPOSAJack Higgins No todos os dias que um homem enterrado quarenta anos aps a sua morte. Mas tambm nunca existiu nada de vulgar na vida de Harry Martineau. Importante espio britnico, desapareceu durante a II Guerra Mundial e s Sarah Drayton sabe porqu. Apaixonou-se por ele na misso mais perigosa da sua carreira. E s agora que pode contar a espantosa verdade ... A histria comea em Abril de 1944. Um americano ferido,conhecendo detalhadamente os planos do Dia D, est em perigo de cair nas mos dos nazis. Com a vitria dos Aliados em jogo, ele tem de ser encontrado. Disfarado de oficial das SS, Martineau em breve envolvido num jogo mortal de bluff e contra-bluff, tendo como adversrio nada menos que o marechal-de-campo Rommel, a Raposa do Deserto!Jersey. 1985Captulo UmOs Romanos acreditavam que as almas dos defuntos ficavamperto das suas campas. Era fcil de acreditar numa fria manh deMaro em que o cu estava to escuro como se fosse quase noite. Fiquei de p na arcada de granito e observei o cemitrio. Aplaca dizia lGREJA PAROQUIAL DE ST. BRELADE, e O loCal estavaapinhado de lpides e campas. Aqui e ali, erguia-se uma cruz degranito. Ao fundo, via-se um anjo alado; olhei para ele e nessemomento um trovo ressoou no horizonte e a chuva varreu abaa. Abri o guarda-chuva e aventurei-me para fora do arco. Aindano domingo anterior, em Boston, eu nunca ouvira falar nas ilhasbritnicas do Canal, ao largo da costa francesa, ou na ilha deJersey. Agora era quinta-feira e c estava eu, depois de viajaratravs de meio mundo, procura da resposta final para algo queme ocupara trs anos de vida. Enquanto caminhava por entre as lpides em direco velhaigreja de granito, parando para olhar para a baa, ouvi vozes.Voltei-me e vi dois homens com bons de feltro acocorados sobum cipreste junto parede do fundo. Levantaram-se e afastaram-se, e reparei que levavam ps. Fui at parede e l estava umacampa acabada de abrir, coberta com uma lona impermevel.Acho que nunca me senti to excitado. Era como se ela tivesseestado minha espera. Voltei-me e fui por entre as lpides at entrada da igreja,abri a porta e entrei. Esperava encontrar um local de escuridoe tristeza, mas as luzes estavam acesas e era verdadeiramentebelo; o tecto em abbada era invulgar por ser de granito, e noexistiam quaisquer vestgios de vigas de madeira. Caminhei emdireco ao altar e fiquei de p por um momento, olhando emredor, consciente da tranquilidade. Ouviu-se o som de uma portaa abrir e depois a fechar. Um homem aproximou-se. Tinha o cabelo branco e os olhos de um azul muito plido.Envergava uma sotaina preta e trazia uma gabardina no brao. Asua voz era seca e tinha um ligeiro toque irlands. - Posso ajud-lo? O meu nome Cullen. Cnego DonaldCullen. Apertei-lhe a mo. Correspondeu com uma mo surpreendentemente firme. - Alan Stacey. - americano? - Sou - disse eu. - a minha primeira visita a Jersey. Ath alguns dias atrs, nem sequer sabia que este stio existia.Como a maioria dos Americanos, s ouvira falar em New Jersey. Sorriu e dirigimo-nos para a porta. - Escolheu uma m altura do ano para a sua primeira visita.Jersey pode ser um dos locais mais desejveis face da Terra,mas em Maro geralmente no. - No tive muito por onde escolher - disse eu. - Vimporque vai ser enterrada uma pessoa aqui hoje. Harry Martineau. Comeara a vestir a gabardina e ?arou surpreendido. - verdade. s duas da tarde. E da famlia? - No exactamente, embora s vezes me sinta como se fosse.Sou professor assistente de Filosofia em Harvard. Nos ltimostrs anos tenho estado a trabalhar numa biografia de Martineau. - Estou a ver. - Abriu a porta e samos para o adro. - Sabe alguma coisa sobre ele? - perguntei. - Muito pouco, para alm da forma extraordinria comomorreu. - E as circunstncias ainda mais extraordinrias dos seusltimos ritos - disse eu. - Afinal, cnego, no so muitas asvezes que se enterra um homem quarenta anos aps a sua morte. O euNo,?,ow do cnego Cullen ficava do outro lado da baade St. Brelade, prximo do Hotel Horizonte, onde eu estavaA Noite da Raposa 257hospedado. Era pequeno e despretensioso, mas a sala de estar erasurpreendentemente grande, confortvel e desarrumada. Duas paredes estavam cobertas de livros. As janelas de correr davam para um terrao, para um pequeno jardim e para a baa por trs. Ovento levantava a gua do mar em ondas de crista branca e a chuva batia nas janelas. O meu anfitrio veio da cozinha e ps um tabuleiro numapequena mesa junto lareira. Serviu-me uma chvena de chenquanto me sentava. O silncio pesava entre ns. Ergueu a suachvena e bebeu devagar, espera. - Tem uma casa muito confortvel - disse eu. - Pois - disse. - Sinto-me muito bem aqui. Sozinho,claro. A grande fraqueza de todos os seres humanos, professorStacey, a de todos ns precisarmos de algum. - Pousou achvena. - Passei trs anos em Jersey quando era rapaz e acabeipor gostar muito disto. Quando me reformei, pareceu-me umaescolha bvia. Tirou um cachimbo e comeou a ench-lo de uma velha bolsade couro. - Ento - disse ele energicamente. - Fale-me de Martineau. - Sabe alguma coisa sobre ele? - Nunca tinha ouvido falar no homem at h alguns diasatrs, quando a minha boa amiga, a Dr." Drayton, me veio ver eme disse que o corpo vinha de barco de Londres para ser enterrado aqui. - Sabe como que ele morreu? - perguntei. - Num desastre de avio em 1945. Em Janeiro de 1945, maisexactamente. Durante a II Guerra Mundial, a RAF possua umaesquadrilha chamada Enemy Aircraft Flight, que testava os aviescapturados aos Alemes para analisar a sua actuao. Harry Martineau trabalhava para o Ministrio da Guerra. Foi dado comodesaparecido quando viajava como observador para a RAF numArado 96, um avio de treino alemo. Sempre se pensou quetivesse cado no mar, mas h duas semanas foi encontrado durante umas escavaes num terreno para construo num pntanode Essex. - E Martineau e o piloto ainda estavam l dentro? - O que restava deles. Por alguma razo, as autoridadesforam muito discretas em relao ao assunto. A notcia s mechegou no fim da semana passada. Apanhei o primeiro avio queconsegui. - Acenou com a cabea. - Diz que tem estado atrabalhar numa biografia dele. Porque que ele to especial?Como lhe disse, eu nunca tinha sequer ouvido o nome dele antes. - Nem o pblico em geral - disse eu. - Mas nos anos 30era considerado uma das cabeas mais brilhantes e inovadoras noseu campo, que era a filosofia moral. - Um estudo interessante - disse o cnego. - Para um homem fascinante. Nasceu em Boston. O paidedicava-se construo naval. Rico, mas no exageradamente.A me, embora tenha nascido em Nova Iorque, era de ascendncia alem. - Levantei-me e fui at janela. Olhei l parafora, absorto em pensamentos. - Martineau frequentou Harvard,fez o doutoramento em Heidelberga e foi bolseiro de Rhodes emOxford. Mais tarde, foi nomeado membro do Trinity College etornou-se professor Croxley de Filosofia Moral com trinta e oitoanos. - Um feito notvel - disse Cullen. Voltei-me. - Mas o estranho que era o gnero de homem que punhatudo em questo. Virava todo o seu campo de actividade do avesso. Depois, comeou a guerra e o resto silncio. - Silncio? - Oh, deixou Oxford. Isso sabemos. Trabalhou para o Governo, tal como lhe disse. Muitos acadmicos fizeram isso. Masa tragdia que ele parece ter parado completamente com otrabalho acadmico aps Setembro de 1939. No existem maisescritos e o livro que estava a escrever ficou por acabar. O relgio na cornija da lareira deu as doze horas. Cullenlevantou-se, dirigiu-se ao armrio e serviu dois n?hiskies. Trouxe-os e estendeu-me um copo. - E ento, professor, quanto ao resto? - O resto? - Supe-se que os padres so almas ingnuas que nadasabem sobre a realidade da vida - disse ele. - Um disparate,claro est. Depois de cinquenta e dois anos de padre, aprende-sea perceber quando algum no nos est a dizer tudo. - Chegouum fsforo ao cachimbo e deu uma fumaa. - O que se aplicaa si, meu caro amigo, a no ser que eu esteja muito enganado. Respirei fundo. - Quando o encontraram, estava com o uniforme da Luftwaffe. Tanto ele como o piloto. - Como que sabe isso? - Tenho um amigo que trabalha para a CIA na nossa embaixada em Londres. E descobriu outra coisa. O relatrio que dizque o avio Arado pertencia RAF tambm suspeito. - Porqu? - Porque eles tinham sempre as insgnias circulares da RAFe este ainda tinha as da Luftwaffe. O velhote franziu o sobrolho. - E voc no conseguiu obter mais informaes de fontesoficiais? - Nenhumas. Por ridculo que parea, Martineau e o seu vooainda esto cobertos por uma classificao de segurana do tempo da guerra. A nica coisa que consegui descobrir foi que Martineau foi condecorado com a Distinguished Service Order em1944. Mas nenhuma informao sobre o que fez para a merecer.- Encolhi os ombros. - Nada faz sentido. Martineau e Jersey,por exemplo. Tanto quanto sei, ele nunca c esteve. - Engoli oresto do rs?hiskv. - Martineau no tem parentes vivos e nuncacasou, por isso diga-me l quem essa Dr.? Drayton? Deve termuita influncia junto do Ministrio da Defesa para ter conseguido que lhe entregassem o corpo. - Tem toda a razo - disse Cullen. Ergueu o copo para mefazer um brinde. ??Er.% SoU a Ressurrei?o e a Vida: quem cr em Mim, aindaque esteja mor-to, i?iver.?? O sotaque de Cullen parecia mais irlands ao erguer a vozcontra a chuva pesada. Tinha um capote escuro por cima doparamento e um dos homens da agncia funerria, de p ao seulado, segurava um guarda-chuva. Havia apenas uma pessoa de luto, Sarah Drayton, de p dooutro lado da campa aberta. Aparentava quarenta e oito ou cinquenta anos, embora, como descobri mais tarde, tivesse sessenta;era baixa e ainda tinha boa figura e estava de fato e chapupretos. O cabelo era curto, cinzento-platinado. No era nadabonita no sentido convencional, a boca grande demais e os olhoscor de avel sobre umas mas do rosto largas. Mas era uma caracom bastante carcter e havia nela uma extraordinria tranquilidade. Mantive-me afastado sob o abrigo das rvores; estava encharcado apesar do guarda-chuva. Cullen concluiu o servio e depoisaproximou-se dela e disse-lhe qualquer coisa. Ela deu-lhe umbeijo, ele voltou-se e dirigiu-se igreja, seguido pelos homens daagncia. Ela ficou junto sepultura por uns momentos e os doiscoveiros aguardaram respeitosamente a uns metros de distncia.Ignorou-me quando avancei na sua direco. - Dr. Drayton? - disse eu. - Desculpe vir incomod-la.O meu nome Alan Stacey. Pode dispensar-me alguns minutos? A sua voz era calma e tinha um tom agradvel. Sem olharpara mim, disse: - Sei perfeitamente quem , professor Stacey. Tenho estado espera que aparea a todo o momento nestes ltimos trs anos.- Voltou-se e sorriu, e de repente pareceu encantadora e comcerca de vinte anos de idade. - Temos mesmo que sair destachuva antes que nos faa mal. Acho que melhor vir comigopara tomar uma bebida. A cnsA no era a mais de cinco minutos dali. Era vitorianae erguia-se no meio de um hectare de jardim bem cuidado rodeado de faias, por entre as quais se podia ver a baa l em baixo.Enquanto subamos os degraus, a porta foi logo aberta por umhomem sombrio de cabelo grisalho, vestindo um casaco de alpaca preta. - Ah, Vito - disse a Dr. Drayton enquanto ele lhe pegavano casaco. - Este senhor o professor Stacey. - Professor. - Inclinou-se ligeiramente. - Tomamos caf mais tarde - disse ela. - Eu trato dasbebidas. - Com certeza, contessa .. - Voltou-se e deixou-nos. - Contessa? - perguntei. ? - Oh, no d ouvidos a Vito. - Fugiu minha perguntadelicada mas firmemente. - um snob terrvel. Venha por aqui. Abriu uma grande porta dupla de mogno e conduziu-me auma grande biblioteca. As paredes estavam cobertas de livros eas portas de vidrinhos davam para o jardim. Havia uma lareiraestilo Adam e um piano majestoso cujo tampo estava apinhadode fotografias, a maioria delas em molduras de prata. - Whiskey est bem para si? - perguntou ela. - ptimo. Esteve junto ao tabuleiro das bebidas e deu-me um copo. - Sei da sua existncia desde que comeou o trabalho sobreHarry. - Quem que lhe falou em mim? - Oh, amigos - disse ela. - Dos velhos tempos. O gnerode pessoas que conseguem saber as coisas. - A senhora deve ter influncias - disse eu. - Ningum noMinistrio da Defesa parece querer responder a nenhuma dasminhas perguntas e, no entanto, entregaram-lhe o corpo a si. Sentou-se num maple de orelhas ao p da lareira e cruzou aspernas magras. - J ouviu falar no EOE, professor? - Claro - disse eu. - Executivo de Operaes Especiais.Montado pelos Servios Secretos Britnicos em 1940 por instrues de Churchill para coordenar a Resistncia na Europa. Sarah Drayton tirou um cigarro de uma caixa de prata eacendeu-o. - Trabalhei para eles. Fiquei espantado. - Mas ainda era uma criana. - Dezanove anos - disse ela. - Em 1944. - E Martineau? - Olhe para o piano - disse ela. - A fotografia da ponta. Dirigi-me para o piano e peguei na fotografia. A cara delasaltou da moldura, surpreendentemente inalterada, excepto numaspecto. O cabelo era incrivelmente louro e era ondulado. Envergava um daqueles casaces do perodo da guerra, com grandesombros e justos na cintura. O homem a seu lado era de estatura mediana e envergava umcasaco militar de cabedal, as mos enterradas nos bolsos. A caraestava ensombrada por um chapu escuro de abas viradas parabaixo. Os olhos eram escuros, sem expresso, e o sorriso possuauma espcie de encanto implacvel. Parecia bastante perigoso. Sarah Drayton levantou-se e aproximou-se. - A no se assemelha muito ao professor Croxley de Filosofia Moral de Oxford, pois no? - Onde que foi tirada? - Em Jersey. No muito longe daqui. Em Maio de 1944. - Mas j estou em Jersey h tempo suficiente para saber quenessa altura estava ocupada pelos Alemes - disse eu. - Sem dvida. - E Martineau estava aqui? Consigo`." Dirigiu-se a uma secretria georgiana, abriu uma gaveta etirou vrias fotografias antigas. Passou-me uma. - Esta no a tenho em cima do piano por razes bvias. Estava vestida de modo semelhante ao da outra fotografia eMartineau envergava o mesmo casaco de cabedal impermevel.A nica diferena era o uniforme SS por baixo, a insgnia prateada com a caveira no bon. - Standanenfhrer Max Vogel - disse ela. - Quer dizer,coronel. Ficava muito bem, no ficava? - Santo Deus - disse eu. - Que significa isto`." No respondeu, passou-me simplesmente outra fotografia. Umgrupo de oficiais alemes. Em frente deles, de p, estavam doishomens sozinhos. Um era Martineau com um uniforme das SS,mas foi o outro que me tirou a respirao. O marechal-de-campoErwin Rommel. A Raposa do Deserto em pessoa. - Esta tambm foi tirada aqui? - Sim. - Tornou a pr a fotografia na gaveta e pegou nomeu copo. - Parece-me que est a precisar de outra bebida. - Sim, tambm me parece. Vou obter uma explicao? - Porque no? - disse ela, e voltou-se ao ouvir a chuvabater nas janelas francesas. - No vejo nada melhor para fazernuma tarde como esta, e voc?LONDRES, 1944Captulo DoisTUDo comeou com um telefonema recebido pelo brigadeiroDougal Munro no seu apartamento de Londres, a dez minutos doquartel-general do EOE, em Baker Street. Enquanto chefe daSeco D do EOE, Munro possua dois telefones junto cama,um dos quais estava ligado directamente ao seu escritrio. Foiesse que o acordou s quatro da manh do dia 28 de Abril de1944. Ouviu com uma expresso grave e depois declarou suavemente: - Vou j para a. Passados cinco minutos, j ele se apressava ao longo da ruadeserta. Tinha sessenta e cinco anos e era um homem atarracadocom ar vigoroso, cabelo branco e a cara redonda realada porculos de aros metlicos. Vestia uma velha gabardina Burberry?e levava um chapu-de-chuva. Entrou num edifcio no princpio da Baker Street, cumprimentou com a cabea a sentinela e dirigiu-se directamente ao gabinete. O capito Jack carter, o oficial de turno da noite, estavasentado por trs da sua secretria. - H ch, Jack'? - O termo est na casa dos mapas, sir. Munro tirou a tampa ao termo, encheu uma chvena e bebeu. - Oh, sabe mal, mas pelo menos est quente. Bem, vamos la isto. carter levantou-se e dirigiu-se a um mapa do Sudoeste daInglaterra que estava sobre a mesa, mostrando Devon, a Cornualha e o canal da Mancha. - Exerccio Tigre, sir- - disse ele. - Recorda-se dos detalhes? - Treino de desembarques para a invaso. - Sim. Aqui na baa de Lyme, em Devon, existe um stiochamado Slapton Sands. Possui semelhanas suficientes com apraia que designmos por Utah no desembarque da Normandiapara ser preciosa para os treinos. Como sabe, a maioria dosjovens americanos que vo tomar parte no possuem experinciade combate. O comboio da noite de ontem era composto por oitolanchas de desembarque de Plymouth e Brixton. Sob escolta naval, claro. Houve uma pausa. Munro disse: - Conte-me o pior. - Foram atacados no mar por barcos E alemes. Duas foramao fundo. Outras foram atingidas e ficaram danificadas. Desapareceram cerca de duzentos marinheiros e quatrocentos soldados. - Est a tentar dizer-me que na noite passada perdemosseiscentos homens? E ainda nem sequer comemos a invaso daEuropa? - Receio bem que sim. Munro passeou impacientemente pela sala e parou junto janela. - Havia alguns bigots entre os oficiais desaparecidos? - Trs, sir. - Santo Deus, eu avisei-os. Avisei-os disto - disse Munro.- Nenhum bigot deveria tomar parte em misses arriscadas. Bigot era uma designao dos Servios Secretos superior de??altamente secreto??. Os bigots sabiam o que os outros no sabiam - os detalhes da invaso da Europa pelos Aliados. - Eisenhower foi informado? - Ele est aqui na cidade, sir, em Hayes Lodge. Quer encontrar-se consigo ao pequeno-almoo. s oito horas. Munro abanou a cabea. - No seria uma ironia se a maior invaso da Histria tivessede ser cancelada por causa de um homem com todas as informaes ter cado em mos erradas? - No me parece provvel que qualquer dos desaparecidostivesse sido apanhado pelos Alemes, sir. Julgo que os barcos Eatacaram e depois desapareceram rapidamente. O tpico ataque efuga. Muita escurido e confuso de ambos os lados. E o tempono est muito bom. Com as correntes como esto, a maioria doscorpos deve dar costa. - Rezo para que tenha razo, Jack - disse Dougal Munrofervorosamente. MAS NESSE preciso momento, o coronel Hugh Kelso estavamais assustado do que alguma vez estivera na vida; encontrava-se encharcado, com frio e dores terrveis. Estava enrolado nofundo de uma jangada salva-vidas a cerca de uma milha da costade Devon, com uma corrente contrria a lev-lo rapidamente emdireco a Start Point, na ponta mais a sul da baa de Lyme. Dooutro lado estavam as guas abertas do canal da Mancha. Kelso tinha quarenta e dois anos, casado e com duas filhas.Engenheiro civil, fora incorporado no corpo de engenharia em1942. A sua experincia de problemas de engenharia relacionados com desembarques em praias de vrias ilhas do Pacfico Sulgranjeou-lhe uma transferncia para Inglaterra para trabalhar nospreparativos da invaso da Normandia. Seis semanas antes, protegido pela escurido, Kelso visitara a praia da Normandia designada em cdigo por Utah para verificar a aptido do terreno para veculos. Parecera por isso sensato t-lo a bordo quando o LST 31partiu de Plymouth para tomar parte no Exerccio Tigre. Como todos no barco, Kelso fora apanhado completamente desurpresa pelo ataque. Tinham visto alguns foguetes luminosos quesupuseram ser de escoltas britnicas. Foram ento atingidos peloprimeiro torpedo, e a noite transformou-se num verdadeiro inferno de leo a arder e homens a gritar. A fora da exploso atiraraKelso para o mar. O colete de salvao manteve-o superfcie,mas perdera os sentidos, e quando os recuperou, deu consigo aser arrastado pela gua glida. As chamas estavam a cerca de cem metros de distncia e como reflexo da luz reparou numa cara manchada de leo. - Est tudo bem, sir. Aguente-se. Est ali uma jangada desalvamento. A jangada surgiu das trevas - redonda, gorda, cor de laranja,e concebida para levar dez homens. No topo tinha uma coberturapara proteger os ocupantes do vento e da chuva. A entrada estavaaberta. - Vou p-lo l dentro, sir. Depois, vou buscar mais alguns.Vamos. Kelso sentia-se fraco, mas o seu amigo desconhecido era forte. Empurrou-o com fora, lanando-o de cabea para dentro dobarco. E nessa altura Kelso sentiu a dor na perna direita, a maiordor que alguma vez tivera. Gritou e desmaiou. Quando voltou a si, estava dormente e com frio. No haviasinais do seu amigo desconhecido. Espreitou pela abertura. Ossalpicos de gua batiam-lhe na cara. No havia luz em ladonenhum. Olhou para o mostrador luminoso do seu relgio provade gua. Eram quase cinco da manh. Depois, lembrou-se de queestas jangadas tinham um estojo de emergncia. Quando sevoltou para o procurar, a dor na perna recomeou. Cerrou osdentes e as suas mos encontraram a caixa e abriram a tampa. L dentro havia uma lanterna prova de gua. Acendeu-a.Estava sozinho, como imaginara, na cavidade cor de laranja, coma gua balanando em seu redor. A perna direita das calas estava rasgada por baixo do joelho e, quando ps a mo cuidadosamente l dentro, sentiu as extremidades salientes de um ossopartido. Tambm havia uma pistola Very dentro da caixa e por momentos segurou-a. Parecia bvio disparar um foguete luminoso,mas depois conteve-se. E se as unidades navais alems que os tinham atacado ainda estivessem na rea? Ele era, no fim de contas, um bigot. Dentro de semanas, uma armada de quinhentos navios navegaria atravs das guas estreitas do canal da Mancha, eKelso sabia a data e o local. No, era melhor aguardar o amanhecer. A perna doa-lhe agora imenso. Vasculhou a caixa e encontrou o estojo mdico com as provises de morfina. Deu umainjeco na perna e, aps um momento de hesitao, deu outra.Depois, encontrou o balde e comeou penosamente a deitar guafora atravs da abertura. Meu Deus, mas estava to cansado.Morfina demais talvez, mas ao menos a dor amainara. Encostou-se e adormeceu subitamente. EtsENHowER estava sentado janela da biblioteca de HayesLodge, tomando um pequeno-almoo de ovos escalfados, torradase caf, quando um ajudante-de-campo anunciou Dougal Munro. - Deixe-nos, capito - disse o general, e o ajudante retirou-se. - J comeu, brigadeiro'? - H anos que no tomo o pequeno-almoo, general - disseMunro. Por um momento, a cara de Eisenhower iluminou-se com aquele famoso sorriso. - O que prova que no um velho militar. Prefere ch, noprefere? Tem a em cima do aparador. Sirva-se e depois conte-me o que sabe deste desagradvel incidente. Munro serviu-se de ch, sentou-se no banco da janela e fez-lhe um breve resumo dos acontecimentos da noite. - Mas as escoltas navais deveriam ter sido capazes de evitarque uma coisa dessas acontecesse - disse o general. Munro encolheu os ombros. - Os Alemes saram obviamente de Cherburgo com os silenciadores ligados e o radar desligado. Ao aproximarem-se, dispararam foguetes luminosos, por isso as pessoas do comboio presumiram que fossem nossos. - Raios, nunca se presume nada neste jogo. Estou farto dedizer isso s pessoas. - Eisenhower levantou-se e foi para juntoda lareira. - Os corpos esto a dar costa s centenas, segundome dizem. - Receio que seja verdade. - escusado dizer, brigadeiro, que tudo isto deve permanecer em segredo. Se se soubesse, to prximo da invaso, poderiater um pssimo efeito sobre o moral. - Concordo. - Munro hesitou e depois disse cuidadosamente: - H a questo dos bigots, general. Ao todo estavam ltrs. Dois dos corpos foram j recuperados. O terceiro - Munrotirou um dossier da pasta e estendeu-lho - ainda no apareceu. Eisenhower pegou no dossier e leu-o rapidamente. - Coronel Hugh Kelso. - A sua cara ficou sombria. - Conheo Kelso pessoalmente. Verificou uma praia na Normandia algumas semanas atrs. - O general americano suspirou. - Sabequando e onde vamos. As implicaes so inacreditveis. - Temos homens nas praias procura dele, general. Pensoque o corpo pode perfeitamente aparecer como os outros. Eisenhower disse secamente: - Alguns dos corpos nunca sero trazidos pela mar. Sei issoe voc tambm, e se Kelso for um deles, nunca poderemos ter acerteza de que no foi apanhado pelo inimigo. - Foi at janela. A chuva precipitava-se contra o vidro. - Mas que dia. -- disse taciturnamente. H?'r?ER estava fora de si, andando para a frente e para trs nasala de mapas no Covil do Lobo, o seu quartel-general subterrneo, no corao das florestas do Leste da Prssia. - Estes assassinos no se cansam de tentar. - Virou-se paraRattenhuber, o comandante da guarda SS residente. - E voc,Oberfhrer? Quanto a si, que jurou proteger a minha segurana? - Meu Fhrer - gaguejou Rattenhuber. - Que posso eudizer? - Nada! - gritou Hitler tempestivamente, voltando-se paraos outros oficiais presentes na sala. - No dizem nada que mesirva de alguma coisa ... nenhum de vocs. No silncio do choque, foi Heinrich Himmler, Reichsfhrerdas SS, quem falou. - Que houve negligncia um facto, meu Fhrer, mas certamente no malogro deste atentado infame contra a sua vida vemos mais uma prova da certeza do destino do meu Fhrer. Maisuma prova da inevitvel vitria alem sob a sua conduo inspirada. Os olhos de Hitler brilharam. - Como sempre, Reichsfhrer, voc v. o nico que v. -- Voltou-se para os outros. - Saiam, todos. Quero falar com oReichsfhrer a ss. Saram sem um murmrio, enquanto Hitler, de p, olhava paraa secretria dos mapas com as mos firmemente cerradas por trsdas costas. - H uma conspirao, no verdade? - disse ele. - Umaconspirao generalizada para me destruir? - No tanto uma conspirao generalizada, mais umaconspirao de generais. Hitler voltou-se abruptamente. - Tem a certeza? - Oh, sim. Mas provas ... isso j outra coisa. Hitler assentiu. - Esse capito Koenig, o traidor que tentou trazer uma bomba-relgio para os meus aposentos hoje de manh, era um ajudante-de-campo do general Olbricht. Olbricht um daqueles dequem suspeita? Himmler disse que sim com a cabea. - E os outros? - Os generais Stieff, Wagner, Von Hase, Lindemann. E vrios outros; esto todos a ser vigiados atentamente. Hitler permaneceu admiravelmente calmo. - Traidores, todos eles. Sero todos enforcados quando chegar a altura certa. Mas no h patentes mais altas? Parece que pelo menos os nossos marechais-de-campo so leais. - Quem me dera poder confirmar isso, mas existe um que suspeito. No lho dizer seria faltar aos meus deveres. - Ento diga-me. - Rommel. Hitler fez um sorriso terrvel que era quase de triunfo. - Ento a Raposa do Deserto pretende entrar num jogo. - Tenho quase a certeza disso. - O heri do povo - disse Hitler. - Temos de lidar comele com cuidado, no acha? - Ou ser mais matreiros que ele, meu Fhrer - disseHimmler docemente. - Ser mais matreiros. Ser mais matreiros que a Raposa doDeserto. - Hitler sorriu, encantado. - Sim, a ideia agrada-me,Reichsfhrer. Agrada-me mesmo muito. Hu?H Kelso dormiu at ao meio-dia e quando acordou sentia-se muito doente. Voltou-se na jangada que estava a balanarviolentamente e puxou o fecho de correr da sada. A alma caiu-lhe aos ps. No havia nada a no ser mar. O cu estava escuro,pesado, e no havia vestgios de terra em lado nenhum. Estavaalgures no meio do canal da Mancha; isso era bvio. Se navegasse em linha recta, atingiria a costa da Frana, possivelmentea pennsula de Cherburgo. Abaixo dela, no golfo de St.-Malo,situavam-se as ilhas do Canal. No sabia muito sobre elas,excepto que eram britnicas e presentemente estavam ocupadaspelo inimigo. Tirou para fora a pistola Very e disparou um foguete luminosocor de laranja de SOS. Era raro haver trfego naval alemo noCanal durante o dia. Geralmente, ficavam-se por terra, por trsdos seus campos minados. Disparou outro foguete e ento a guacomeou a entrar em cascata pela abertura e ele correu apressadamente o fecho. A perna estava-lhe a arder outra vez. Pegounoutra ampola de morfina e injectou-se. Passado pouco tempo,deitou a cabea sobre as mos e adormeceu. L fora, o mar encrespava-se medida que a tarde passava.s cinco horas, o vento soprava para sudoeste, afastando-o dacosta francesa e da pennsula de Cherburgo, e por volta das seishoras estava a dez milhas a leste da ilha de Guemsey. Kelso no sabia nenhuma destas coisas. Acordou cerca dassete horas com febre alta, lavou a cara com um pouco de guae depois caiu numa espcie de coma. CoNto comandante do Grupo B do Exrcito, o marechal-de-campo Erwin Rommel era responsvel pela defesa do Muro doAtlntico, e a sua nica tarefa de momento consistia em derrotarqualquer tentativa aliada para desembarcar no Norte de Frana.Desde que assumira o comando em Janeiro, reforara enormemente as defesas costeiras, percorrendo ele prprio as praias,impondo a sua presena enrgica a todos, desde os comandantesdas divises at ao soldado mais raso. O seu quartel-general parecia estar sempre em aco, e eletinha o desagradvel hbito de aparecer inesperadamente no seuMercedes preto acompanhado apenas pelo motorista e pelo seuajudante-de-campo de confiana, o major Konrad Hofer, dos diasdo Afrika Corps. Na altura em que Hugh Kelso passava deriva pela costaleste de Guernsey, Rommel sentava-se para jantar com os oficiaisdo 21." Regimento de Pra-Quedistas num palcio em Campeaux,a umas dez milhas de St.-L, na Normandia. A razo principal para estar naquela rea era bastante vlida.O Alto Comando estava convencido de que a invaso dos Aliados, quando se desse, teria lugar prximo de Pas de Calais, a sulda Blgica. Rommel discordava e frisara bem que, se fosseEisenhower, apontaria para a Normandia. Nada disto aumentou asua popularidade em Berlim, mas Rommel j no se importavacom isso. A guerra estava perdida. A nica coisa que ainda noera certa era o tempo que ia demorar. O que o trazia segunda razo para estar na Normandia.Encontrava-se envolvido num jogo perigoso e era necessrioestar permanentemente em movimento. Desde que tomara o comando do Grupo B do Exrcito, renovara velhas amizades como general Von Stlpnagel, governador militar da Frana, e como general Alexander von Falkenhausen. Ambos estavam envolvidos, assim como o coronel Klaus von Stauffenberg, na conspirao para assassinar Hitler e salvar a Alemanha do desastre.No fora preciso muito tempo para fazer com que Rommelconcordasse com o ponto de vista deles. Todos eles tinhamconhecimento dos planos da tentativa de assassnio dessa manhno Covil do Lobo. Rommel j mandara Konrad Hofer para oquartel-general do general Olbricht, em Berlim, para aguardar odesenlace, mas at ao momento no houvera notcias. Naquele momento, o coronel Halder, comandante do 21.=' Regimento de Pra-Quedistas, ergueu-se para fazer um brinde. - Meus senhores ... Ao marechal-de-campo Erwin Rommel,a Raposa do Deserto, que nos honra esta noite com a suapresena. Esvaziaram os copos e depois aplaudiram Rommel ruidosamente, o qual ficou muito sensibilizado. Depois, Halder disse: - Os homens prepararam um pequeno shoH em sua honra,marechal-de-campo. Esperamos que queira assistir. - Mas com certeza. Fico encantado. Abriu-se uma porta no fundo da sala e Konrad Hofer entrou.Parecia cansado e estava muito necessitado de se barbear. - Ah, Konrad, c est voc - disse Rommel enquanto ohomem se aproximava dele. - Venha tomar uma taa de champanhe. Est com ar de quem precisa. O voo foi bom? - Pssimo. - Hofer engoliu o champanhe, agradecido. - Meu caro rapaz, tome um duche e vamos ver se lhe podemfazer uma sanduche. - Rommel voltou-se para o coronel Halder. - Pode adiar o show por meia hora'? - No h qualquer problema, marechal-de-campo. - ptimo. Vemo-nos mais logo, ento. - Rommel saiuseguido por Hofer. Mal a porta do quarto se fechou. Hofer voltou-se agitado. - Foi uma confuso terrvel. Tudo o que aquele palerma doKoenig conseguiu foi fazer-se explodir fora do porto principal. - Isso foi uma tremenda falta de cuidado da parte dele. -- disse Rommel secamente. - Agora acalme-se, Konrad, e v tomar o seu duche. Hofer desapareceu para a casa de banho. Enquanto esperava,Rommel endireitou o uniforme, examinando-se ao espelho. Tinhacinquenta e trs anos, era entroncado e corpulento, as feieseram duras e havia um poder qualquer em si, uma fora quaseelctrica. O uniforme era bastante simples, e as nicas condecoraes eram a Pour le Mrite - a famosa Blue Max - e a Cruzdos Cavaleiros com Folhas de Carvalho, Espadas e Diamantes,ambas ao pescoo. Uma vez tendo estas, era difcil precisar demais alguma. Hofer apareceu pouco depois de roupo, enxugando o cabelonuma toalha. - Olbricht e os outros esto furiosos e eu no posso censur-los. A Gestapo e as SS podem descobrir tudo a qualquer momento. - E como que estava Von Stauffenberg? - perguntouRommel. - To determinado como sempre. Sugeriu que se encontrassecom os generais Von Stlpnagel e Falkenhausen nos prximosdias. - Vou ver o que posso fazer. - No sei se ser boa ideia. Se Himmler tem suspeitas sobresi, pode j o ter sob vigilncia. - Oh, eu arranjo uma maneira qualquer - disse Rommel. -- Agora, despache-se. Os homens prepararam um pequeno showpara mim e no os quero desapontar. O sHow foi apresentado num pequeno palco no hall principaldo palcio. Rommel, Hofer e os oficiais do regimento sentaram-se frente; os homens ficaram de p atrs deles. Um jovem cabo apareceu, fez uma vnia, sentou-se a umenorme piano e tocou uma seleco de msica ligeira. Ouviram-se aplausos delicados. Depois, as cortinas afastaram-se para revelar o coro do regimento cantando vigorosamente. Ouviram-seaplausos vindos do fundo do hall e todos se lhes juntaram,incluindo os oficiais. A cortina desceu numa tempestade depalmas e houve uma pausa. - Brilhante - disse Rommel. - H mais? - Sim, Sr. Marechal-de-Campo. Algo muito especial. Ouviu-se o som forte e ritmado de um tambor. A cortinasubiu, revelando uma luz difusa. Enquanto o coro comeava acantar a cano do Afrika Corps de um lado do palco, Rommelavanou. Era ele, indubitavelmente. O bon com os culos deproteco do deserto, o velho casaco de cabedal, uma mo enluvada segurando o basto de marechal-de-campo, a outra pousadaarrogantemente na anca. A voz, quando falou, era perfeita ao dizer algumas linhas do seu famoso discurso no campo de batalhaantes de E1 Alamein. ??Sei que no vos ofereci grande coisa. Areia, calor e escorpies, mas partilhmo-los juntos. Mais um empurro e o Cairo,e se falharmos ... Bem, pelo menos tentmos - juntos.?? O silncio no hall era total quando o coronel Halder olhouansiosamente para Rommel. - Meu marechal-de-campo, espero que no tenha ficado ofendido. - Ofendido? Acho que ele espantoso - disse Rommel,pondo-se em p de um salto. - Bravo! - gritou, e atrs dele aaudincia juntou-se ao coro na cano do Afrika Corps, aplaudindoruidosamente. No Quando de vestir improvisado ao lado da cozinha, o caboErich Berger afundou-se numa cadeira e olhou-se ao espelho. Ocorao batia-lhe apressadamente e estava a suar. Era uma tensoterrvel para qualquer actor representar em frente do homem cujafigura estava a interpretar. E que homem este. O soldado maispopular da Alemanha. ??Nada mal, Heini??, disse ele docemente. ??Mazel Tov.?? Tirouda gaveta uma garrafa de schnapps, desrolhou-a e bebeu. Uma frase yiddish nos lbios de um cabo alemo poderiaparecer estranho a quem estivesse a ouvir. O segredo que eleno era nem por sombras Erich Berger, mas sim Heini Baum,actor judeu que actuava num cabar de Berlim. A sua histria era surpreendentemente simples. Actuara emcabars por toda a Europa. Nunca casara e persistira em viver emBerlim, mesmo quando os nazis subiram ao poder, porque os seuspais, j idosos, sempre tinham l vivido e no acreditavam quealgo de terrvel pudesse acontecer. Mas depois veio a fatdica noite de 1940 em que tinha chegadoao fim da sua rua, depois do cabar, a tempo de ver a Gestapolevar os seus pais de casa. Voltara-se e fugira a correr, parandoapenas para arrancar do casaco a estrela de David. Mas no tinhastio para onde ir, pois os seus documentos anunciavam aomundo que era judeu. Ento, apanhara um comboio para Kiel,com a ideia absurda de que talvez pudesse embarcar de l paraalgum lado - qualquer lado. Chegara logo aps um dos primeiros raides devastadores da RAF sobre a cidade e vaguearaatravs do caos e das chamas procura de abrigo. Ao agachar-se numa cave, encontrara o corpo de um homem, Erich Berger,como descobriu ao examinar o bilhete de identidade. E mais uma coisa. No bolso de Berger estavam os seus papisde recrutamento, chamando-o para se apresentar ao servio militar na semana seguinte. Haveria melhor esconderijo para um judeu que tinha medo deser judeu do que o Exrcito Alemo? Claro que com quarenta equatro anos era dez anos mais velho do que Berger, mas no sedaria pela diferena. E trocar as fotografias dos bilhetes deidentidade era simples. Fora integrado nas tropas pra-quedistas. Desde ento, estiveraem todo o lado - Creta, Estalinegrado, Norte de frica - umsimptico heri brilhante na sua camisa da Luftwaffe e calaslargas de pra-quedista, e obtivera a Cruz de Ferro para o provar.Bebeu mais um gole da sua garrafa de schnapps e brindou silenciosamente sua sorte. ALGUMAS horas mais tarde, no seu quarto, Rommel inclinou-sesobre a lareira e atiou o fogo com a bota. - Ento os outros gostariam que eu falasse com Von Stlpnagel e Falkenhausen? - Sim, meu marechal - disse Hofer. - Mas, como salientou, o sigilo seria essencial. - E a oportunidade - disse Rommel. - Sigilo e oportunidade. - O relgio sobre a lareira deu duas badaladas e eleriu-se. - Duas da manh. A melhor altura para ideias loucas. - Que que est a querer dizer, meu marechal? - muito simples, na verdade. Que tal se combinssemosum encontro na prxima semana com Von Stlpnagel e Falkenhausen enquanto eu estivesse supostamente noutro stio? EmJersey, por exemplo? - Nas ilhas do Canal? - Hofer parecia intrigado. - O prprio Fhrer sugeriu, ainda no h dois meses, que euinspeccionasse as fortificaes em Jersey. - Voltou-se e sorriu.- O Fhrer tem razo. Como comandante das defesas do Murodo Atlntico, devo sem dvida inspeccionar uma to importanteparte dele. Hofer acenou com a cabea em concordncia. - Compreendo, meu marechal, mas como que pode estarem dois locais ao mesmo tempo? Encontrar-se com Falkenhausene Stlpnagel em Frana e simultaneamente inspeccionar as fortificaes em Jersey? - Hoje, ao princpio da noite, viu-me em dois locais - disseRommel calmamente -, na audincia e no palco ao mesmotempo. - Santo Deus - murmurou Hofer. - Est a falar a srio? - Porque no? O Berger, quando subiu ao palco, at a mimme enganou. - Mas ele ser suficientemente inteligente para isso? Querodizer, ser marechal-de-campo bastante diferente de ser cabo. - A mim parece-me suficientemente inteligente - disse Rommel. - Um soldado corajoso, para alm disso. Cruz de Ferro dePrimeira Classe. E no se pode esquecer de que o teria a si aolado a todo o momento. - De repente, Rommel pareceu impaciente. - Onde que est o seu entusiasmo, Konrad? Vejamos,hoje sbado. Que tal aterrar em Jersey na prxima sexta-feira?S por trinta e seis horas mais ou menos. Podem regressar aFrana no domingo o mais tardar. - Muito bem, meu marechal. Aviso as autoridades das ilhasdo Canal que chegar na prxima sexta-feira. - No avisa, no - disse Rommel. - Vamos fazer as coisasde uma forma mais inteligente. Quem o comandante-chefe? - O major-general conde Von Schmettow. O seu quartel-general em Guernsey. - E quem o comandante militar em Jersey? - Vou ver. - Hofer tirou um dossier da pasta e percorreucom os olhos uma lista. - Sim, aqui est. O coronel Heine. - Bem - disse Rommel. - Eis o que vamos fazer. Envieuma mensagem ao general Von Schmettow ordenando-lhe quefaa uma reunio em Guernsey no prximo sbado para analisaras implicaes para as ilhas da ameaada invaso da Franadurante o Vero. Quero-os l a todos: o comandante militarHeine e quem quer que esteja encarregado dos contingentes daMarinha e da Luftwaffe nas ilhas. - O que deixar apenas os oficiais subalternos no comando. - Exactamente. Vou de avio na sexta-feira, no Storrh, oumelhor, vai voc e o Berger. S vo saber da vossa chegada quando pedirem licena torre para aterrar no campo de aviao. - E que ir pensar Von Schmettow? - Que foi uma operao deliberada para que eu possa fazeruma inspeco surpresa da situao militar na ilha. - Realmente, uma ideia bastante inteligente - disseHofer. -Tambm acho. - Rommel comeou a desabotoar o dlman.- Entretanto, encontro-me com Falkenhausen e Stlpnagel numstio sossegado. - Bocejou. - Oh, e fale com o coronel Halderamanh. Diga-lhe que fiquei muito impressionado com o caboBerger e quero pedi-lo emprestado por uns tempos. No me parece que levante qualquer objeco. NEssA noite, Dougal Munro dormiu numa pequena cama decampanha ao canto do seu gabinete em Baker Street. Eram cercadas trs horas da manh quando Jack Carter o abanou suavementepara o acordar. Munro abriu os olhos instantaneamente e sentou-se. - Que ? - As ltimas listas de Slapton, sir. Pediu para as ver. Aindah mais de cem corpos desaparecidos. - E no h sinais de Kelso? - Receio que no, sir. Mas a Marinha assegurou ao generalMontgomery que os barcos alemes no podiam ter recolhidosobreviventes. Estavam longe demais. - Um dos problemas da vida, Jack, que no momento emque algum nos diz que algo impossvel, aparece logo outra pessoaque nos prova que no . Pea um carro para as oito horas.Vamos at Slapton Sands ver com os nossos prprios olhos. s sEts horas nessa mesma manh, Kelso acordou com muitofrio. Os ps e as mos estavam dormentes, mas no entanto a caraardia-lhe e a testa suava. Correu o fecho e espreitou l para fora, para a luz cinzenta doamanhecer. Estava envolto por um denso nevoeiro martimo ealgures, ao longe, ouviu uma buzina de nevoeiro. Depois, ouviu as ondas quebrando-se numa costa invisvel eavistou uns rochedos com bases de cimento para canhes notopo. sua volta s havia espuma branca que deixava ver asrochas atravs de si. E ento ouviu uma voz, alta e clara, e onevoeiro afastou-se, revelando uma pequena praia. Um homemcom um chapu de l, um casaco de marinheiro e botas deborracha corria ao longo da praia. A jangada de salvamento balanou de lado na rebentao,ergueu-se no ar e bateu contra as rochas, atirando Kelso para agua. Tentou levantar-se, mas gritou quando sentiu a perna direita dobrar-se sob o peso, mas j o homem estava com gua pelosjoelhos, segurando-o. Foi s nesse momento que Kelso percebeuque era uma mulher. - Pronto, j o agarrei. Segure-se. No sabia ao certo o que se passara a seguir e recuperara ossentidos ao abrigo de umas rochas. A mulher estava a tentararrastar a jangada para terra. Quando procurava sentar-se, elaaproximou-se. Kelso, enquanto ela se ajoelhava, perguntou-lhe: - Onde que eu estou, Frana? - No - disse ela. - Jersey. - inglesa ento? - Espero que sim. O meu nome Helen de Ville. Onde queo seu avio caiu? - No caiu. Sou um oficial do Exrcito Americano. CoronelHugh Kelso. - Oficial do Exrcito? De onde que veio ento? - Inglaterra. Sou sobrevivente de um barco que foi atingidopor torpedos na baa de Lyme. - Gemeu repentinamente de dor. Ela abriu-lhe a perna das calas rasgadas, olhou e franziu osobrolho. - Isto est pssimo. Tem de ir para o hospital. Ele agarrou-se parte da frente do casaco dela. - No, alemes no. Ela empurrou-o suavemente para trs. - Fique a quieto. Vou ter de o deixar por um bocadinho.Vamos precisar de uma. carroa. - Est bem - disse ele. - Mas nada de alemes. Tem deme prometer. Debruou-se sobre ele com uma expresso decidida e disse: - Os Jerries no o vo apanhar, prometo-lhe. Agora, esperepor mim. Voltou-se e afastou-se rapidamente. Estava ali naquela praiacoberta de nevoeiro, tentando ordenar as ideias, e ento a pernacomeou a doer-lhe outra vez. Alguns segundos depois, mergulhou na escurido.Captulo TrsHELEN de Ville tomou um atalho para trepar a encosta ngremepelo meio dos pinheiros. Aps quatro anos de ocupao inimigae racionamento de comida, estava forte e rija. Dizia frequentemente a brincar que a ocupao lhe devolvera a figura dos seusdezoito anos, um bnus cado do cu aos quarenta e dois anos. Abrandou entrada do arvoredo e olhou para a casa. De VillePlace era uma casa muito antiga, construda em granito de Jersey, desgastada pelos anos. De cada lado da entrada viam-se filasde portas envidraadas e um muro de granito separava a casa deum ptio num dos lados. Parou, pois estava um velho Morris Sedan estacionado noptio, um dos que haviam sido requisitados pelo inimigo. Jdesde h dois anos que tinha oficiais da Marinha Alem aquartelados em casa. Iam e vinham, claro, por vezes ficando apenasuma noite ou duas. Comeara a atravessar a relva quando a porta da frente se abriue um deles saiu. Vestia uma camisola de l branca, um velhocasaco de marinheiro e botas de borracha e levava um sacogrosso numa das mos. A cara sob o bon da Marinha manchadode sal era bem disposta e inadvertidamente atraente. O bon tinhauma borla branca, geralmente smbolo da afectao aos comandos alemes de barcos U, mas tambm o tenente Guido Orsini eraele prprio uma lei, era um italiano ligado Marinha Alem,apanhado no lugar errado na altura errada, quando o GovernoItaliano capitulara. Helen de Ville sentia h muito uma afeioconsidervel por ele. - Bom dia, Guido. - Helen, cara mia. - Atirou-lhe um beijo. - Como sempresou o ltimo. - Para onde a ida hoje? - Normandia. Granville, para ser mais exacto. Vai ser divertido com este nevoeiro. Posso dar-lhe uma boleia para St. Helier? - No, obrigada. Estou procura de Sean. - Vi-o nem h dez minutos a ir em direco casa dele. Atamanh. Tenho de ir. Ciao, cara. Logo que ouviu o Morris afastar-se, atravessou o ptio, passoupor um porto e correu ao longo do carreiro, pelo meio dasrvores, at ao anexo de Sean Gallagher. J o conseguia avistar,com umas velhas calas de bombazina e botas de montar, com asmangas da camisa de xadrez arregaadas sobre os braos musculados, a rachar lenha. - Sean! - gritou ela e tropeou, quase caindo. Ele baixou o machado e voltou-se na sua direco, tirando dafrente dos olhos um caracol de cabelo castanho-avermelhado. Sean Gallagher tinha cinquenta e dois anos e era, enquantocidado irlands, neutro nesta guerra. Nascera em Dublin, mas asua me, que era de Jersey, morrera no parto e o rapaz cresceupassando os longos veres em Jersey com os avs e o resto doano em Dublin com o pai. A ambio de Sean era ser escritor.Mas as exigncias da vida fizeram-no soldado, pois ao acabar afaculdade rebentara a I Guerra Mundial. Alistara-se nos Fuzileiros Irlandeses e em 1918 tinha j unsvinte e seis anos muito batidos. Um major condecorado por valentia em Somme. Continuou a sua carreira militar na Irlanda eaos trinta anos foi feito general no decurso da guerra civil dopas. Depois, farto de matanas, partira para viajar pelo Mundo,instalando-se por fim em Jersey em 1930. Ralph de Ville fora umamigo de infncia e Sean amara Helen, mulher de Ralph, desesperadamente e sem esperana, desde o momento em que setinham conhecido. A casa de Sean, bem no meio do campo, forarequisitada pelos Alemes em 1940. Helen, com Ralph fora decasa no Exrcito Britnico, necessitava de um brao forte, e Seanmudara-se para o anexo dentro da propriedade. Ainda amavaHelen e sempre sem esperana. A VELHA carroa j vira melhores dias e o cavalo estava consideravelmente mais elegante do que devia, mas mesmo assimavanaram pelo carreiro que ia dar praia. - Se descobrem que ests a ajudar este homem - disse Seangravemente -, no ser s uma sentena de priso. Pode significar um peloto de fuzilamento. - Ento e tu? - perguntou Helen. - Eu sou neutro, no te esqueas. - Sorriu com manha, osolhos cinzentos repletos de humor. - Tm de me tratar comluvas de seda. Gallagher conduziu o cavalo para a praia coberta de nevoeiro.Hugh Kelso estava deitado com a cara na areia, inconsciente.Gallagher voltou-o delicadamente e examinou a perna. Assobioubaixinho. - Este rapaz precisa de um cirurgio. Vou p-lo em cima dacarroa. Apanha todos os bocados de madeira que puderes edespacha-te. Helen correu ao longo da praia e Gallagher ergueu Kelso,colocou-o em cima da carroa e tapou-o com umas sacas depano. Virou-se quando Helen voltou com a madeira nos braos. - Esconde-o com isso enquanto eu trato da jangada de salvamento - disse ele. Esta continuava aos trambolhes nos baixios. Gallagher entrouna gua, retirou o estojo de emergncia e depois tirou uma facade ponta e mola e comeou a cortar a jangada. medida que oar saa, foi-a enrolando e levou-a, atirando-a depois para o fundoda carroa. - Vou parar ao p do picadeiro e atiramos a jangada paradentro do poo. Vamos embora. Comearam a subir o carreiro, Helen sentada no varal dacarroa e Sean conduzindo o cavalo. - Levamo-lo para onde? - perguntou ela. - Neste momento, no est ningum em De Ville Place. E dei folga a Mrs. Vilbert. Temos a cmara. Durante a Guerra Civil Inglesa, Charles de Ville, nessa alturasenhor do domnio, mandara construir um quarto secreto notelhado de De Ville Place, quarto que ao longo do tempo setornou conhecido na famlia como a cmara. Salvara a vida deDe Ville quando fora procurado por traio durante o governo deCromwell. - No, muito complicado para j - disse Sean. - Eleprecisa de ajuda e depressa. Levamo-lo primeiro para o meuanexo. Agora, espera enquanto atiro esta jangada para dentro dopoo. Puxou-a c para fora e desapareceu por entre as rvores. Helenficou sentada, consciente da sua respirao irregular no silnciodo bosque. Por trs dela, sob os sacos e a madeira, Hugh Kelsogemia e agitava-se. EM SLAprON Sands, pouco antes do meio-dia, a mar mudoue deram costa mais alguns corpos. Dougal Munro e Carteraguardavam no sop de uma duna, enquanto os soldados percorriam a praia, aventurando-se ocasionalmente a entrar na guapara puxar mais um corpo para terra. Um jovem oficial americano aproximou-se e fez continncia. - Trinta e trs desde o amanhecer, sir. No h sinais docoronel Kelso. - Hesitou. - O meu brigadeiro deseja ver asdisposies para o enterro? - No, obrigado - disse Munro. - Acho que posso passarsem isso. O oficial fez continncia e afastou-se. Munro virou-se paraCarter. - Vamos, Jack. No h nada que possamos fazer aqui. Tenhoum mau pressentimento acerca disto. Um pressentimento muitomau. Vamos voltar para Londres. - ENto, Berger, compreende o que lhe estou a dizer? -- perguntou Konrad Hofer. Heini Baum estava rigidamente em sentido no gabinete deCampeaux que fora emprestado ao marechal-de-campo e ao seuajudante. Rommel estava de p junto janela, olhando para ojardim. - No tenho a certeza, Herr Major. Penso que sim. -- respondeu Baum. Rommel virou-se. - No seja estpido, Berger. Voc um homem inteligentee corajoso. - Tocou na Cruz de Ferro com a ponta do seubasto. - Sou um homem directo, por isso oua com ateno.Na noite passada, voc fez uma magnfica encarnao da minhapessoa. Muito profissional. - Obrigado. - Agora, peo-lhe uma segunda actuao. Na sexta-feira, irde avio para Jersey para passar o fim-de-semana, acompanhadopelo major Hofer. Acha que os pode enganar durante tantotempo, Berger? Gostava de o fazer? Baum sorriu. - Na verdade, penso que sim, meu marechal. Rommel voltou-se para Hofer. - V? Sensato e inteligente, tal como lhe disse. Agora, tratedos preparativos, Konrad, e vamo-nos embora daqui. O ANEXO da propriedade De Ville era da mesma espcie degranito que a casa. Tinha uma grande sala de estar com tecto demadeira e uma mesa de jantar com seis cadeiras no vo de umajanela. A cozinha era do outro lado do hall. L em cima, tinhaum quarto de dormir grande, um quarto de arrumaes e umacasa de banho. Gallagher deitou Kelso no sof da sala. O americano aindaestava inconsciente, e Gallagher encontrou a sua carteira e abriu-a. L dentro estava o carto de segurana, algumas fotografiasde uma mulher e duas raparigas novas - obviamente a sua famlia - e duas cartas pessoais. Kelso abriu os olhos e viu a carteira nas mos de Gallagher. - Quem voc? - Agarrou a carteira debilmente. - D-mac. Helen veio da cozinha e sentou-se no sof. Ps-lhe a mo natesta. - Est tudo bem. Esteja sossegado. Est a arder em febre.Lembra-se de mim, Helen de Ville? Acenou com a cabea devagar. - A senhora da praia. - Este um amigo, o general Sean Gallagher. Recorda-seonde est? - Jersey. - Sorriu. - Ainda no estou completamente louco. - Pronto, ento oua-me - disse Sean. - A sua perna estmuito mal. Precisa de um hospital e de um bom cirurgio. Kelso abanou a cabea. - No possvel. Como j disse a esta senhora h bocado,nada de alemes. Seria melhor matarem-me do que deix-losporem-me as mos em cima. - Porqu? - perguntou Sean Gallagher. - Qual a suaunidade? - Engenharia, engenheiros de assalto. Gallagher percebeu tudo. - Tem alguma coisa a ver com a invaso? Kelso ficou extremamente agitado. Helen acalmou-o, empurrando-o suavemente para trs. - Est tudo bem, prometo-lhe. - George Hamilton vem? - perguntou-lhe ento Gallagher. - No estava quando telefonei. Deixei recado governantaque tinhas feito um golpe na perna e precisavas de um ponto oudois. - Quem Hamilton? - perguntou Kelso. - Um mdico - disse Helen. - E um bom amigo. Kelso tremia por causa da febre alta. - Tm de falar com as pessoas da vossa resistncia. Digam-lhes para avisarem os Servios Secretos em Londres de queestou aqui. Eles tm de tentar tirar-me daqui. - Mas em Jersey no h nenhum movimento da Resistncia- disse Helen. - Nada que se parea com a Resistncia Francesa, se a isso que se refere. Kelso olhou-a, estupefacto, e Gallagher disse: - Esta ilha tem aproximadamente dezasseis quilmetros poroito. Cerca de quarenta e cinco mil civis. A populao de umacidade mercantil de tamanho razovel, e tudo. Quanto tempojulga que um movimento de resistncia duraria? Sem montanhaspara onde fugir, sem esconderijos. - Ento, e a Frana? - perguntou Kelso, desesperado. -- Granville, St.-Malo? So apenas a algumas horas daqui por mar.L deve haver uma unidade local da Resistncia Francesa. Houve uma pausa; depois, Helen voltou-se para Gallagher. - Savary podia falar com as pessoas indicadas em Granville.Ele tem contactos. - Pois . - E Guido disse-me h pouco que vo partir para Granvillehoje tarde. - Olhou para o relgio. - S vo ter a mar aomeio-dia. Podias levar a carrinha. Esto a aquelas batatas paralevar para St. Helier para o depsito de abastecimento e para omercado. - Est bem - disse Gallagher. - Mas arriscar muito. - Sean, no temos outra alternativa - disse Helen simplesmente. GALLAGHER f01 pela pequena e pitoresca vila de St. Aubin eseguiu a curva da baa em direco a St. Helier, que se via distncia. Tinham o velho Ford apenas como especial favor, porque asterras dos De Ville forneciam colheitas para as foras alems. Aquantidade da rao de gasolina significava que a carrinha spodia ser utilizada duas ou trs vezes por semana, mesmo quandoGallagher ??esticava?? a gasolina, adquirindo um pouco de combustvel no mercado negro. Olhou para o relgio. Faltava pouco para as onze horas. Haviamuito tempo para falar com Savary antes de o SS Victor Hugolargar para Granville, por isso virou esquerda para GloucesterStreet e dirigiu-se ao mercado. No havia muita gente em St. Helier devido ao mau tempo.Por cima da entrada da Cmara Municipal pendia a bandeiranazi, preta e escarlate com a cruz sustica, vacilante no arhmido. Estacionou do lado de fora do velho mercado vitoriano, tirouda carrinha duas sacas de batatas e dirigiu-se directamente parauma bancada ao fundo. Um homem grande e bem disposto estavaa arrumar nabos metodicamente em filas sob uma placa que diziaD. CHEVALIER. - Ento hoje so nabos? - perguntou Gallagher quandochegou. - Fazem-lhe bem, general - disse Chevalier. - Ai sim? Mrs. Vilbert no outro dia deu-me doce de nabo.- Gallagher teve um arrepio. - Ainda lhe sinto o gosto. Aquiesto duas sacas de batatas para si. Os olhos de Chevalier iluminaram-se. - Sabia que no me ia deixar ficar mal, general. Vamos p-las l atrs. Gallagher arrastou-as para trs da bancada e Chevalier abriuum armrio e tirou um velho saco de serapilheira. - Quatro cacetes de po branco. - Santo Deus - disse Gallagher. - Quem que voc matoupara arranjar isso? Chevalier riu-se. - Cem gramas de ch da China e uma perna de porco. Estbem? - agradvel fazer negcio consigo - disse Gallagher. -- At para a semana. A paragem seguinte foi no depsito de abastecimento militarem Wesley Street, onde um sargento robusto chamado Klingerestava sentado num escritrio envidraado comendo uma sanduche. Acenou e desceu os degraus. - Herr General - disse ele bem-humorado. - Hans, voc trata-se bem - disse Gallagher num alemoexcelente, tocando-lhe no amplo estmago. Klinger sorriu. - Um homem tem de ir vivendo. Tem alguma coisa? - Duas sacas de batatas para a lista oficial e outra para si seestiver interessado. - E em troca? - Gasolina. O alemo assentiu. - Uma lata de cinco gales. - Duas latas de cinco gales - disse Gallagher. - O senhor to modesto. - Klinger voltou-se para uma filade latas de gasolina do Exrcito Britnico, pegou em duas etrouxe-as para a carrinha. - E se eu o denunciasse? - Priso para mim e umas frias para si - disse Gallagher.- Dizem que a frente russa muito agradvel nesta poca doano. - Um homem prtico como sempre. - Klinger arrastou astrs sacas de batatas para fora da carrinha. Era tudo uma questo de sobrevivncia, pensou Gallagher enquanto se afastava. Era uma ilha antiga e, com o seu sangue deJersey, Gallagher era ferozmente orgulhoso desse facto. Ao longodos sculos, a ilha aguentara muitas coisas. Quando passou juntodo quartel-general da Marinha Alem, olhou para a bandeira nazie disse calmamente: ??E ns ainda aqui estaremos muito depoisde vocs, seus porcos, se terem ido embora.?? GALLAGHER estacionou a carrinha na ponte de Pergen e caminhou ao longo do Albert Pier. Olhou em redor do porto. Comosempre, estava fervilhante de actividade. Havia embarcaes devrios tipos, desde lanchas do Reno a grandes draga-minas.Muitos navios de carga, entre eles o SS Victor Hugo, estavamatracados no cais de embarque. Construdo em 1920, j tinha, sem sombra de dvida, conhecido melhores dias. A sua nica chamin fora perfurada emvrios stios por balas de canho dos Beaufighters da RAFdurante um ataque ocorrido h duas semanas. Robert Savary erao comandante, com uma tripulao de dez franceses. As defesasantiareas consistiam em duas metralhadoras e uma pea Bofor-s,accionadas por sete alemes comandados por Guido Orsini. Gallagher caminhou ao longo do cais em direco tenda queservia de caf. No estava muito cheia. Robert Savary, um homem grande de barba, casaco de marinheiro e bon de feltro,estava sentado sozinho. - Robert, como que vo as coisas? - perguntou Gallagher,sentando-se. - pouco frequente v-lo por aqui, mon gnral. O quesignifica que quer qualquer coisa. - Ah, seu velho campons perspicaz. - Gallagher passouum envelope por baixo da mesa. - Pronto, j o tem? Ponha-o nobolso e no faa perguntas. Quando chegar a Granville, v a umcaf dentro das muralhas chamado Chez Sophie. Conhece aSophie Cresson e o marido, Gerard? Savary j comeara a ficar plido. - Sim, claro que conheo. - Tentou passar o envelope denovo por baixo da mesa. - Ento sabe que eles no s matam os Boches como tambm gostam de fazer um exemplo dos colaboradores. Por isso, sefosse a si, agia sensatamente. Leve a carta, entregue-a a Sophiee d-lhe saudades minhas. Tenho a certeza de que ela me vaienviar uma mensagem. - Que o Diabo o carregue - murmurou Savary, colocandoa carta no bolso. - J o fez h muito tempo. No se preocupe. No tem nadaa temer. Guido Orsini bom rapaz. - O conde? - Savary encolheu os ombros. - Detestoaristocratas. - Este no fascista e provavelmente liga menos ao Hitlerdo que voc. Bem, sabe o meu nmero de telefone do anexo.Telefone-me logo que voltar. O DR. GEottGE Hamilton era um homem alto, anguloso, com umvelho fato de tweed Harris que parecia ser um nmero acima doseu. Fora em tempos um conhecido mdico e farmacologista deLondres, mas retirara-se para uma casa de campo em Jersey.Com o rebentar da guerra, muitas pessoas tinham deixado a ilha,algumas delas mdicos, o que explicava o facto de estar agora atrabalhar como mdico de clnica geral aos setenta anos. Afastou da testa uma onda de cabelo branco e ficou de polhando para Kelso, deitado no sof. - Devia estar no hospital. Preciso de raios X para ter acerteza, mas diria que tem pelo menos duas fracturas da tbia.Trs possivelmente. - Hospital, no - disse Kelso debilmente. Hamilton fez sinal a Helen e a Gallagher e eles seguiram-noat cozinha. - No h fractura exposta, por isso talvez seja possvelendireitar a perna e engess-la. - Consegue faz-lo? - perguntou Helen. - Podia tentar, mas preciso de condies adequadas. Nemsequer me passaria pela cabea avanar sem raios X. - Hesitou.- Existe uma possibilidade. H uma pequena casa de sade emSt. Lawrence dirigida por Irms da Misericrdia catlicas. Tmum aparelho de raios X e uma sala de operaes decente. A irmMaria Teresa, encarregada da casa de sade, minha amiga. Eupodia telefonar-lhe. - Os Alemes utilizam-na? - perguntou Helen. - De vez em quando. Geralmente, raparigas com problemaspr-natais, que uma maneira delicada de dizer que vo l paraabortar. As freiras, como podem imaginar, no gostam nadadisso, mas no podem fazer nada contra. Gallagher disse: - Est a arriscar-se muito ao ajudar-nos, George. - Eu diria que estamos todos - disse Hamilton secamente. - de importncia vital que o coronel Kelso permanea forado alcance das mos do inimigo - comeou Helen. Hamilton abanou a cabea. - No quero saber, Helen, e tambm no quero que as freirassejam envolvidas. Para elas, o nosso amigo simplesmente umhomem daqui que sofreu um acidente. Era uma grande ajuda setivssemos um bilhete de identidade para ele, para o que der evier. Gallagher dirigiu-se a uma secretria de pinho num canto dacozinha, abriu a gaveta de cima e retirou vrios cartes deidentidade em branco, assinados e selados com a guia nazi. - Santo Deus, onde que os arranjou? - Hamilton estavaestupefacto. - Conheo um irlands que trabalha no bar de um hotel dacidade e tem uma namorada alem. Recepcionista no Feldkommandantur. No ano passado, fiz-lhe um grande favor e ele emtroca deu-me isto. Vou preencher os dados de Kelso e dar-lhe-emos um bom nome de Jersey. Que tal Le Marquand? - Pegounuma caneta e sentou-se. - Henry Ralph Le Marquand. Residncia? - Olhou para Helen. - Quinta De Ville Place - disse ela. - Est bom. Vou pr como profisso pescador. Podemosdizer que sofreu um acidente de barco. E mais uma coisa,George. - Que ? - perguntou Hamilton enquanto levantava o auscultador do telefone. - Vou consigo. Vamos lev-lo na carrinha. No discuta.Lembra-se do que disse Benjamin Franklin quando da assinaturada Declarao de Independncia Americana? ??Devemos manter-nos unidos, seno somos de certeza enforcados separadamente!??- Sorriu de esguelha e saiu. HAn?tIt.ToN estava de p na sala de operaes examinando asradiografias. - Trs fracturas - disse a irm Maria Teresa. - Devia estarno hospital, mas no preciso de lhe dizer isso a si. - Irm - disse Hamilton -, se ele for para St. Helier, osnossos amigos alemes vo querer saber o que lhe aconteceu. ELe Marquand estava a pescar ilegalmente quando teve o acidente. Gallagher interrompeu. - O que lhe poderia valer trs meses de priso. - Compreendo. - Abanou a cabea. - Gostava de ter umacama para oferecer, mas est tudo cheio. - Alguns alemes? - Duas das namoradas deles - disse ela calmamente. - Ocostume. Um dos mdicos do Exrcito tratou disso ontem. Omajor Speer. - J trabalhei com ele - disse Hamilton. - J tenho vistopior. De qualquer maneira, irm, se no se importar de meassistir, vamos comear. A irm ajudou-o a vestir uma bata e ele foi desinfectar-se nolavatrio do canto. - Uma anestesia de curta durao apenas. Clorofrmio naalmofada suficiente. - Dirigiu-se mesa de operaes e olhoupara Kelso. - Tudo bem? Kelso cerrou os dentes e acenou com a cabea. Hamiltondisse para Gallagher: - melhor esperar l fora. Gallagher voltou-se para sair e nesse momento a porta abriu-se e entrou um oficial alemo. - Ah, c est a senhora, irm - disse ele em francs, depoissorriu e mudou para ingls. - Dr. Hamilton, mas que surpresa. - Major Speer - replicou Hamilton, levantando as mosenluvadas. Speer era um homem alto e atraente, com uma cara bemdisposta e um pouco rechonchuda. - Alguma coisa interessante, doutor? - Fracturas da tbia. Um empregado aqui do general Gallagher. - J ouvi falar em si, general. um prazer conhec-lo. -- Speer deslocou-se para examinar as radiografias. - Nada bom.Mesmo nada bom. Fractura cominutiva da tbia em trs stios. - Bem sei que a norma seria hospitalizao e traco. -- disse Hamilton. - Mas no h nenhuma cama disponvel. - Oh, julgo que perfeitamente aceitvel endireitar os ossose depois engessar. - Speer sorriu com um grande charme edespiu o casaco. - Mas, Herr Doctor, a cirurgia no a suaespecialidade. Seria um grande prazer para mim tratar-lhe destepequeno problema. - Estava j a tirar uma bata de um cabidena parede. - Se insiste - disse Hamilton calmamente. - No hdvida de que isto mais da sua rea do que da minha. Do canto, Gallagher observava a cena, fascinado. SAVARY no estava muito satisfeito com a vida ao caminharpelas ruas empedradas da cidade muralhada de Granville. Aviagem de Jersey at ali, com o nevoeiro, fora terrvel e estavavisivelmente infeliz com a situao em que Gallagher o colocara.Chegou a um largo sossegado e entrou devagar e relutantementeno Chez Sophie. Gerard Cresson tocava piano sentado na sua cadeira de rodas.Era um homem pequeno com uma cara plida e viva. Fracturaraa coluna num acidente dois anos antes da guerra e nunca maisvoltaria a andar. Havia uma dzia de fregueses espalhados pelo bar. Sophieencontrava-se sentada num banco alto por trs do balco de mrmore a ler o jornal. Estava perto dos quarenta anos, tinha ocabelo puxado para o alto da cabea, olhos pretos e a cara macilenta como a de uma cigana, a boca pintada de vermelho-berrante. Com o marido, controlava o movimento da resistncia local hj trs anos. Eram uma equipa de xito. - Ah, Robert, h quanto tempo. Como vai isso? - Podia ir pior, podia ir melhor. Enquanto ela lhe servia um conhaque, fez a carta deslizar sobreo balco. - Que isto? - perguntou ela. - O seu amigo Gallagher agora usa-me como carteiro. Nosei o que que est a dentro, mas ele est espera de umaresposta. Largamos amanh ao meio-dia. Venho c depois. -- Engoliu o conhaque e saiu. Sophie deu a volta ao balco e gritou para um dos fregueses: - Eh, Marcel, toma conta do bar por mim. O marido parou de tocar. - Que que ele queria? - Vamos l para trs descobrir. Ela afastou a cadeira de rodas do piano, voltou-a e empurrou-o at sala de estar, por detrs do bar. Gerard Cresson leu a carta de Gallagher sentado junto mesae depois empurrou-a para Sophie com uma expresso grave. Ela leu-a rapidamente. - Desta vez, o nosso amigo general est metido numa grandeembrulhada. Talvez os Ingleses nos peam para tentarmos tirareste yank de Jersey. - Seria difcil mesmo nas melhores condies - disse Gerard. - Impossvel no estado em que ele est. Leva-me aoarmazm. Preciso de enviar uma mensagem por rdio para Londres. O MAJOR Speer afastou-se do lavatrio, limpando as mos toalha, e atravessou a sala at mesa de operaes. Olhou paraKelso, inconsciente. - Um excelente trabalho - disse George Hamilton. - Sim, devo dizer que eu prprio estou bastante satisfeito. -- Speer pegou no casaco. - Estou certo de que consegue tratar doresto. Depois diga-me como que ele est a recuperar, HerrDoctor. - Voltou-se e saiu. Hamilton ficou de p a olhar para Kelso, que gemeu um poucoenquanto comeava a recuperar a conscincia e disse docemente: - Janet, amo-te. A pronncia americana era inconfundvel. A irm MariaTeresa olhou perscrutadoramente para Hamilton e depois paraGallagher. - Parece estar a vir a si - disse Hamilton de modo poucoconvincente. - Assim parece - disse ela. - Porque que o doutor e ogeneral Gallagher no vo para o meu gabinete? Uma das freirasleva-vos caf. A irm Bernadette e eu pomos o gesso. - muito simptico da sua parte, irm. Os dois homens saram e seguiram pelo corredor at aogabinete ao fundo. Hamilton sentou-se por trs da secretria eGallagher deu-lhe um cigarro e sentou-se no banco da janela. - O momento em que Speer entrou por aquela porta ficargravado na minha memria para sempre - disse o irlands. -- Pensa que Kelso vai ficar bem? - No vejo porque no. Devemos poder lev-lo dentro deuma hora mais ou menos. S teremos de o vigiar atentamente nosprximos dias. - A irm Maria Teresa j sabe que as coisas no so o queparecem. - Pois , e sinto-me mal por isso - disse Hamilton. -- Como se a tivesse usado. Ela no dir nada, claro. Seria contratodos os princpios que lhe so queridos. PAssAvn j das dez da noite e Dougal Munro estava ainda atrabalhar no seu gabinete quando a porta se abriu e Jack Carterentrou com uma expresso pesarosa. Colocou um relatrio sobrea secretria do brigadeiro. - Prepare-se, sir. Chegou agora mesmo uma mensagem donosso contacto da Resistncia em Granville, Normandia. Munro comeou a ler e sentou-se muito direito. - No acredito. - Eu avisei-o, sir. - No podia ser pior. No existe movimento da Resistnciaem Jersey. Ningum com quem contar. Quer dizer, esta mulherDe Ville e esse Gallagher quanto tempo iro aguentar a situao,especialmente estando ele doente? - O senhor encontrar uma soluo, sir, encontra sempre. -- disse Carter. - Obrigado pelo voto de confiana. - Mnro levantou-se epegou no casaco. - Agora melhor telefonar para Hayes Lodgepara me arranjar um encontro imediato com o general Eisenhower. HELEN de Ville aguardara ansiosamente o regresso da carrinhae, quando ela chegou ao ptio ao lado de De Ville Place, correul para fora. Assim que Gallagher e Hamilton saram da carrinha,gritou: - Ele est bem? - Ainda est drogado, mas a peroa est bem - disse Gallagher. - No est c ningum. Ou esto no mar ou no Clube dosOficiais, por isso vamos lev-lo l para cima. Gallagher e Hamilton tiraram Kelso da carrinha e levaram-nopela porta da frente, atravessaram o grande hall de painis esubiram as escadas. Helen abriu a porta do quarto de dormirprincipal e entraram. De um dos lados da cama de dossel haviauma estante embutida apinhada de livros desde o cho at aotecto. Os seus dedos tocaram uma mola escondida e uma parte daestante afastou-se para trs, revelando uma? escadas. Com Helen frente, Gallagher e Hamilton subiram com dificuldade, masconseguiram chegar at cmara sob o telhado, onde havia umacama e uma nica janela. Puseram Kelso na cama e Helen disse-lhe: - A nica entrada pelo meu quarto, por isso estar sempreseguro. - S quero dormir - disse Kelso com uma expresso tensa. Helen fez sinal com a cabea a Gallagher e ao mdico e os doishomens saram. Hamilton disse: - Tenho de me ir embora. Amanh volto c. Gallagher apertou-lhe a mo. - George, voc um homem e peras. - Faz parte da minha profisso. - Hamilton sorriu. - Atamanh. Gallagher foi para a cozinha. Estava a pr a chaleira ao lumequando Helen entrou. - Como est Kelso? - perguntou ele. - J est a dormir profundamente. Que que fazemos agora? - No podemos fazer nada at Savary voltar de Granvillecom alguma mensagem. Por isso, senta-te e bebe uma chvena dech. Ela abanou a cabea. - Temos de escolher entre ch de amora e ch de beterraba,e hoje no consigo enfrentar nem um nem outro. - Oh, senhora de pouca f. - Gallagher fez aparecer o pacote de ch da China que Chevalier lhe dera nessa manh no mercado. Ela comeou a rir e ps-lhe os braos em redor do pescoo. - Sean Gallagher, que seria de mim sem ti? EIsENHowER estava de uniforme completo, pois encontrava-senum jantar com o primeiro-ministro quando recebeu a mensagemde Munro. Andava para trs e para a frente na biblioteca deHayes Lodge. - No h hiptese nenhuma de pormos l algum? Munro aclarou a voz. - Se se refere a uma unidade de comandos, penso que no,sir. a costa mais bem defendida da Europa. - Por amor de Deus, Munro, tudo pode depender disto. Ainvaso inteira. Meses de planeamento. Jack Carter, de p, respeitosamente calado junto lareira,tossiu. - H uma hiptese, meu general. - Qual , capito? - perguntou Eisenhower. - O melhor local para esconder uma rvore um bosque.Parece-me que as pessoas que tm mais liberdade para ir e virso os prprios alemes. Quero dizer, tem de ser colocado pessoal novo a toda a hora. Eisenhower virou-se imediatamente para Munro. - Ele tem razo. Tem algum capaz de executar este gnerode trabalho? Munro fez que sim com a cabea. -- Talvez, sir. uma arte rara. No s uma questo de falarfluentemente alemo, mas tambm de pensar como um alemo. Eisenhower disse: - Dou-lhe uma semana, brigadeiro. Uma semana, e depoisespero que tenha este assunto resolvido. - Tem a minha palavra, sir. Munro saiu energicamente e Carter seguiu-o. - Contacte Cresson em Granville pelo rdio e diga-lhe paraenviar uma mensagem a Gallagher dizendo que estar l algumna quinta-feira. Foi uma sugesto espantosa a que voc fez, Jack- disse Munro, animado. - Obrigado, sir. preciso um homem muito especial. - S h um homem para este trabalho. Sabe isso to bemcomo eu. S h um homem capaz de representar o papel de nazina perfeio. E suficientemente duro para enfiar uma bala emKelso se suceder o pior: Harry Martineau. - Devo recordar-lhe, sir, que foi feita ao coronel Martineaua promessa de que os seus servios no tornariam a ser requisitados. A sade impede-o. - Disparates, Jack. Harry nunca consegue resistir a um desafio. Encontre-o. E mais uma coisa. Examine as fichas do EOE.Veja se temos algum com razes em Jersey.Captulo QuatroNA MANH a seguir ao encontro de Dougal Munro com Eisenhower, Harry Martineau passeava ao longo da costa em Dorset,atirando de vez em quando uma pedra para as ondas. Tinha quarenta e quatro anos, estatura mdia e ombros largossob o velho bluso de pra-quedista. A cara era plida, daqueletipo de pele que parece nunca ficar bronzeada, e os olhos toescuros que era impossvel dizer qual a sua verdadeira cor. Aboca exibia sempre um sorriso irnico - o olhar de um homemque achava a vida mais decepcionante do que imaginara. J sara do hospital h trs meses. A dor no peito deixara deexistir, excepto quando cometia exageros. Mas as insnias eramterrveis. Raramente conseguia dormir noite. Muitos anos deaco, com o perigo sempre a espreitar. J no tinha utilidade para Munro; os mdicos tinham deixadoisso bem claro. Podia ter regressado a Oxford, mas isso no seriauma resposta. E tentar reunir as partes do livro que comeara em1939 tambm no. Por isso, retirara-se to completamente quantopossvel. A casa sobre os penhascos, livros para ler, espao parase encontrar. - Ento est em Dorset, no ? - disse Munro. - A fazero qu? - Nada de especial, pelo que consegui descobrir. - Carterhesitou. - Mas, sir, ele levou duas balas no pulmo esquerdodurante aquele assunto em Lyons. - Nada de baladas tristes, Jack. Tenho mais em que pensar.J sabe das minhas ideias sobre a forma de o pormos em Jersey.Que que acha? - Excelente, sir. Penso que bastante seguro, pelo menospor alguns dias. - E tudo o que precisamos. Bom, que que tem mais paramim? - Pelo que depreendi do seu plano inicial, sir, pretendealgum para ir com ele e estabelecer as suas credenciais. Algumque conhea a ilha e as pessoas e a por diante? - Exacto. - Bem, temos Sarah Anne Drayton, sir, dezanove anos.Nascida em Jersey. Saiu da ilha mesmo antes da guerra para irpara a Malsia, onde o pai plantava borracha. Era vivo, ao queparece. Mandou-a para casa em Londres um ms antes da quedade Singapura. - Isso significa que no vai a Jersey desde quando? Munro olhou para a ficha que Carter lhe deu. - Desde 1938. Seis anos. ptimo. muito tempo e nessaidade muda-se muito, por isso, com sorte, ningum a vai reconhecer. Onde que a encontrou, Jack? - Foi indicada ao EOE h dois anos especialmente porquefala fluentemente francs com pronncia bret. Claro que foirecusada naquela altura devido idade. - Onde que ela est agora? - enfermeira estagiria aqui em Londres, no CromwellHospital. - Excelente. - Munro levantou-se. - Vamos l visit-la. POR VOLTA das oito horas dessa noite de domingo, o servio deurgncias do Hospital Cromwell estava a rebentar pelas costuras.Sarah Drayton deveria ter terminado o turno s seis horas. Jtrabalhara catorze horas sem um intervalo. Mas continuava, ajudando a tratar os feridos espalhados pelos corredores, tentandoignorar o estrondo das bombas que caam distncia, o som doscarros de bombeiros. Era uma rapariga baixa, viva, com o cabelo escuro puxado paracima sob a touca, a cara era muito determinada, e tinha uns olhossrios cor de avel. Depois de ajudar a colocar sob o efeito desedativos uma jovem rapariga em estado de choque que sangravaabundantemente dos ferimentos causados por estilhaos de granada,a enfermeira-chefe disse: - Pronto, v-se embora, Drayton. Daqui a pouco cai no chode cansao. No discuta. Sarah, cansada, foi pelo corredor, apercebendo-se de que asbombas caam agora a sul da cidade. A recepcionista da noite estava a ? falar com dois homens. - Vem a a enfermeira Drayton. Jack Carter disse: - Miss Drayton, este o brigadeiro Munro e eu sou o capitoJack Carter. - Em que lhes posso ser til? - A voz era baixa e muitoagradvel. Munro ficou muito impressionado com ela. Carter disse: - Lembra-se de uma entrevista a que foi h dois anos?Relacionada com os Servios Secretos? - Com o EOE? - Parecia surpreendida. - Fui recusada. - Pois bem, se nos pudesse dispensar uns minutos, gostaramos de falar consigo. - Levou-a para um banco encostado parede e ele e Munro sentaram-se um de cada lado. - Nasceu em Jersey, Miss Drayton? - perguntou Carter. - Nasci. Ele tirou o bloco de apontamentos e abriu-o. - Conhece por acaso uma Mrs. Helen de Ville? - Conheo. E prima da minha me, embora para mim sempretenha sido a tia Helen. - E Sean Gallagher? - O general? Conheo-o desde criana. - Quando os viu pela ltima vez'? - perguntou Munro. - Em 1938. Quando a minha me morreu, o meu pai aceitouum emprego na Malsia e eu fui ter com ele. - Franziu osobrolho na direco de Munro. - Mas de que que se trata? - muito simples, na verdade - disse Dougal Munro. -- Gostava de lhe oferecer um trabalho relacionado com o EOE.Queria que fosse a Jersey. Ela olhou-o, estupefacta. - Um tipo estranho, o Harry Martineau - disse Munro. -- Nunca conheci ningum como ele. - Pelo que me diz, eu tambm no - disse Sarah. O carro que os conduzia no dia seguinte para a costa inglesaera um enorme Austin, com uma divisria de vidro a separ-losdo condutor. Munro e Carter iam atrs, lado a lado, e SarahDrayton estava sentada no banco mvel em frente deles. Envergava um fato de tweed, sapatos pretos e uma blusa creme comuma gravata fina preta ao pescoo. Estava muito atraente. Tinhaum ar extremamente jovem. - Fez anos na semana passada - disse-lhe Carter. Ela interessou-se imediatamente. - Quantos anos tem ele? - Quarenta e quatro. - E, como se costuma dizer, um beb do sculo - disseMunro. - Nasceu no dia 7 de Abril de 1900. - Carneiro - disse ela. Munro sorriu. - verdade. Antes dos nossos tempos ditos iluminados, aastrologia era uma cincia. Sabia? Os antigos egpcios, porexemplo, escolhiam sempre os generais entre os Lees. - Eu sou Leo - disse ela. - Nasci a 27 de Julho. - Ento, espera-a uma vida complicada. uma espcie dehobby para mim. Veja o Harry, por exemplo. Muito dotado.Professor em Oxford aos trinta e oito anos. Depois, veja no quese tornou a meio da vida. - Como que explica isso? - perguntou ela. - Bem, o Carneiro um signo de guerreiros, mas geralmenteas pessoas nascidas na mesma altura que Harry so uma coisa porfora e outra por dentro. O signo ascendente Gmeos, percebe?Por um lado, o Harry Martineau, professor, filsofo, cheio dedoce raciocnio, mas, por outro, a faceta escondida ... - Encolheu os ombros. - Frio e impiedoso. Carter disse: - S para o caso de estar a ficar com uma m impresso deHarry Martineau, quero dizer-lhe duas coisas, Sarah. Embora ame tivesse nascido nos Estados Unidos, era de ascendnciaalem e Harry em criana passou muito tempo com os avs emDresden. O av, professor de Cirurgia, era um socialista activo.Morreu ao cair da varanda do seu apartamento. Um acidenteterrvel. - Ajudado por dois assassinos da Gestapo - acrescentouMunro. - E depois havia uma rapariga judia chamada Rosa Bernstein. Harry conheceu-a e apaixonou-se quando ela frequentouOxford em 1933. Os pais de Harry tinham morrido. O pai deixara-o numa situao econmica confortvel e, como era filhonico, no tinha famlia prxima. - Mas ele e Rosa nunca chegaram a casar? - No. Ela era militante do movimento clandestino. Andavade um lado para o outro, de Inglaterra para a Alemanha, comocorreio. Em Maio de 1938, foi apanhada e levada para o quartel-general da Gestapo. Foi interrogada com extrema brutalidade eexecutada. Fez-se um grande silncio. Sarah parecia absorta olhando paralonge atravs da janela. - Ento, Harry Martineau no gosta especialmente dos Alemes? - disse por fim. - No gosta dos nazis. O que diferente. Olhou pela janela novamente, com o pensamento cheio dessehomem que nunca vira. - H uma coisa que no lhe perguntmos - disse Carter. -- Espero que no se importe que lhe faa uma pergunta pessoal,mas existe algum na sua vida neste momento? Algum que sintaa sua falta? - Um homem? Santo Deus, no! Nunca trabalho menos quedoze horas no Cromwell. isso s me deixa o tempo suficientepara tomar um banho e comer qualquer coisa antes de cair nacama. - Abanou a cabea. - Ningum sentir a minha falta.Sou toda vossa, meus senhores. HARRY' Martineau acordou naquela manh com uma dor decabea maadora. S havia uma soluo para isso. Vestiu umfato de treino velho, agarrou numa toalha e correu em direcoao mar. Despiu-se e correu pelos baixios, mergulhando nas ondas. Ocu estava cinzento-escuro e havia chuva no vento. No entanto,de repente, viveu um daqueles momentos especiais. Cu e marpareciam tornar-se um s. Nada tinha importncia. Nem o passado nem o futuro. S o momento presente. Quando se virou decostas sobre a gua, comeou a chover. Uma voz gritou: - Est a divertir-se, Harry'? Martineau virou-se para terra e viu Munro, de p com umvelho casaco de tweed e um chapu maltratado, segurando umguarda-chuva aberto. - Oh, no! - disse ele. - No pode ser. Dougal? - O mesmo de sempre, Harry. Venha para casa. Quero apresentar-lhe uma pessoa. Munro voltou-se e atravessou a praia de volta casa.Martineau ficou a boiar durante uns momentos a pensar naquilo.Dougal Munro no estava apenas a fazer uma visita social, issode certeza, no vinha de propsito de Londres para o visitar. Aexcitao inundou-o e saiu da gua. Enxugou-se vigorosamentecom a toalha, vestiu o velho fato de treino e correu pela praia epelo caminho da falsia. Quando chegou a casa, Jack Carterestava em p na varanda. - O qu, voc tambm, Jack? - Martineau sorriu e apertoua mo do outro homem. - Aquele velho diablico quer que euvolte a trabalhar`? - Sim, uma coisa desse gnero. - Carter hesitou, depoisdisse: - Pessoalmente, Harry, acho que voc j fez o suficiente. - Essa palavra no existe no meu vocabulrio, Jack. -- Martineau passou por ele e entrou. Munro estava sentado junto lareira, lendo um bloco de notasque encontrara sobre a mesa: - Ainda escreve m poesia? - Sempre escrevi. - Martineau tirou-lhe o bloco, arrancoua folha de cima, amarrotou-a e atirou-a para a lareira. Foi entoque deu pela presena de Sarah Drayton, porta da cozinha. - Estou a fazer ch. Espero que no se importe, coronelMartineau. Sou Sarah Drayton. - No estendeu a mo commedo que tremesse demais. Tinha o estmago oco com a excitao e a garganta seca. Coup de foudre, chamam-lhe os Franceses. O ribombar do trovo. A melhor espcie de amor. Instantneo e irreversvel. Ao princpio, ele correspondeu com a cara iluminada por umsorriso. Depois, o sorriso desvaneceu-se e dirigiu-se a Munrocom clera na voz: - Santo Deus, Dougal. Ento agora usa rapariguinhas deliceu? As aventuras de Hugh Kelso no levaram muito tempo acontar. Quando Munro acabou de o fazer, acrescentou: - No ms passado, em Paris, abatemos um homem chamadoBraun. Jack tem os dados. Penso que os vai achar interessantes. - Que que ele era, Gestapo? - perguntou Martineau. - No, SD. - Carter voltou-se para Sarah Drayton, sentadado outro lado da lareira. - o departamento dos ServiosSecretos das SS que depende directamente do prprio Himmler. - Conte l a histria de Braun - disse Martineau. - Bem, segundo os documentos dele, era membro da equipapessoal de Himmler. - Passou um papel a Martineau. - Pareceque Braun tinha poderes para fazer as suas prprias investigaesonde muito bem quisesse. Leia essa carta. Martineau olhou para ela. O cabealho estava impresso a negro.DER REICHSFHRER - SS Berlim, 9 de Novembro de 1943SS - Sturmbannfhrer Erwin Braun actua sob as minhas ordenspessoais em assunto da maior importncia para o Reich. Todo opessoal, militar e civil, o deve ajudar de todas as formas que elejulgar adequadas. H. Himmler Um documento notvel. O que era ainda mais espantoso eraque estava rubricado em baixo pelo prprio Adolf Hitler. - Tinha obviamente bastante influncia - disse Martineausecamente, devolvendo a carta a Carter. - Bem, agora est morto, mas a nossa gente em Paris extraiu-lhe algumas informaes teis. - No duvido - disse Martineau, e acendeu um cigarro. - Himmler tem cerca de uma dzia destes enviados especiaisflutuando por toda a Europa. Tudo altamente secreto. Ningumsabe quem so. Fiz com que o departamento de falsificaes lhepreparasse um conjunto completo de documentos, incluindo umbilhete de identidade dos SD e uma cpia dessa carta. Em nomede Max Vogel. Pensmos dar-lhe uma patentezinha, Standartenfhrer. - Munro voltou-se para Sarah. - Coronel para si. - Estou a ver - disse Martineau. - Chego a Jersey e pregoum susto de morte a toda a gente. - Tem de admitir que d um ptimo nazi, Harry. - E Sarah? - perguntou Martineau. - Qual o papel delano meio disto tudo? - Voc precisa de algum para lhe estabelecer o contactocom Mrs. De Ville e o tal Gallagher. Sarah parente dela econhece o outro. Outra coisa, esteve em Jersey pela ltima vezh seis anos, tinha ento treze. Helen de Ville e Gallagher talvezainda a reconheam, mas passar por uma estranha junto dasoutras pessoas, especialmente quando tivermos acabado de atransformar. - E que que isso quer dizer? - Bem, existe um grande movimento de senhoras da noiteentre Frana e Jersey. - No est a sugerir que ela faa de pega francesa? - A maioria dos oficiais superiores em Frana tem amigasfrancesas. Porque havia voc de ser diferente? Sarah fala umfrancs excelente com pronncia bret, porque a av era daBretanha. Quando a nossa gente em Berkley Hall a deixarpronta ... tiver mudado a cor do cabelo, vestido as roupas adequadas. - E ? quando que suposto irmos? - Depois de amanh. Sero lanados do ar perto de Granville, na Normandia. Depois, serve-se da sua autoridade parafazer a travessia at Jersey num dos barcos da noite. Uma vez l,tem at domingo para tirar Hugh Kelso daquela ilha. - E se for impossvel tir-lo de l? - consigo. Apoiarei tudo o que decidir fazer. - Percebo. Torno a desempenhar o papel de carrasco para si?- Martineau voltou-se para Sarah. - Que que pensa de tudoisto? Estava zangado, com os olhos muito escuros. No entanto,Sarah permaneceu calma. - Oh, no sei - disse ela. - Parece bastante excitante. Ele abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas mudou deideias, e em vez disso virou-se e arranjou um whiskey. Ergueu ocopo e fez um brinde. - L vamos ns, ento. Prxima paragem, Berkley Hall. O campo de tiro de Berkley Hall era na cave da vasta casasenhorial, agora utilizada como local de treino em tempo deguerra. O armeiro era um sargento da Guarda Irlandesa chamadoKelly, que ultrapassara h muito a idade da reforma e que estavade volta ao trabalho unicamente devido guerra. O local estavabem iluminado na zona dos alvos, onde se encontravam rplicasde alemes em posio de ataque encostadas a sacos de areia.Kelly e Sarah Drayton eram as nicas pessoas na linha de fogo.Tinham-lhes dado roupas de combate para vestir - cales ecamisa de sarja azul. Ela prendera o cabelo em cima dentro dobon de pala, deixando o pescoo nu. Facto que, por qualquerrazo, lhe dava um ar muito vulnervel. Kelly tinha vrias armas expostas sobre a mesa. - J disparou alguma vez uma pistola, miss? - J - disse ela. - Na Malsia. O meu pai era plantadorde borracha. Costumava estar fora durante muito tempo, por issofez com que eu aprendesse a utilizar um revlver. - Isso bom. Obviamente, em circunstncias mais normaisteria um treino completo de armas como parte do seu curso, masneste caso no h tempo para isso. O que eu vou fazer familiariz-la com algumas armas bsicas que provvel que encontre. Depois, pode disparar umas balas. - Est bem. - disse ela. Deram uma vista de olhos pelas metralhadoras semiautomticas e depois pelas armas manuais. Quando Sarah experimentouuma Smith & Wesson, com o brao esticado, s conseguiu atingiro alvo uma vez em seis tiros. - Tenho a impresso de que por esta altura j estava morta,miss. Enquanto ele recarregava a arma, ela perguntou: - O coronel Martineau bom atirador? - Sem dvida, miss. Penso que nunca conheci ningummelhor. Agora experimente assim. - Ps-se de ccoras, com osps afastados, segurando na arma com as duas mos. - Est aperceber? - Acho que sim. - Imitou-o e desta vez saiu-se melhor,atingindo o alvo no ombro. - ptimo - disse Kelly. - No se tivermos em conta que ela provavelmente fezpontaria ao corao. - Martineau entrara silenciosamente portrs deles. Vestia uma camisola escura de gola alta e calaspretas de bombazina. - J que vou ter de tomar conta destacriana, importa-se que eu experimente? - Com todo o gosto, sir. Martineau pegou numa pistola de cima da mesa. Disse a Sarah: - Walther PPK, semiautomtica. Sete balas na cmara naextremidade mais grossa, assim. Puxa-se o gatilho e j est. No muito grande, mas d cabo de tudo. Agora, venha para a zonados alvos. - Ficaram a dez metros dos alvos. - Nunca deveestar mais longe do