a neurologia e os acidentes de trÂnsito · em manter o foco sobre determinado objeto. alguns...
TRANSCRIPT
A NEUROLOGIA E OS ACIDENTES DE TRÂNSITO
Marília Denise Mariani Pimenta Titular da Academia Brasileira de Neurologia
Efetiva da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica e do Sono
XI Jornada Mineira de Medicina de Tráfego
Julho de 2014 Belo Horizonte - MG
Introdução
“E os humanos deveriam saber que de nenhum outro lugar senão do cérebro vêm as alegrias, delícias, risos, tristezas, divertimentos, afeições, desespero e lamentações. E através dele, de maneira especial, adquirimos sabedoria e conhecimento, vemos e ouvimos, sabemos o que é certo ou errado, o que é bom ou mau, o que é doce ou insípido...E pelo mesmo órgão tornamo-nos loucos e delirantes, medos e temores nos assaltam, alguns à noite, outros de dia, sonhos e inoportunos transvios, preocupações inadequadas, ignorância do presente, inabilidade. Todas estas coisas nós sofremos através do cérebro, quando ele não é sadio...” (escritos hipocráticos)
Trânsito e direção
! Cerca de 90% dos acidentes de trânsito estão associados a fatores humanos e 10% a condições ambientais, da via ou do veículo
! Foco no HOMEM – controle sobre 2 dos 3 subsistemas da tríade: as condições do veículo e as suas próprias => redução deste índice!
! Brasil – 8º lugar no mundo em acidentes de trânsito!
Trânsito e direção
! Focando-se no Homem, vários aspectos são importantes: ! averiguar sempre as condições do veículo: pneus, freios, embreagem,
mecânica, faróis, luzes, principalmente se for dirigir em estradas;
! respeitar as leis de trânsito e os limites de velocidade, além da distância entre os carros (principalmente em estradas e sob neblina ou chuva), com atenção para as mudanças de faixa;
! NÃO DIRIGIR se estiver com algum destes sintomas ou sinais: ingerido bebida alcoólica, com sono, cansado, com dores, sob efeito de medicamentos e/ou drogas, com febre alta, com tonturas ou vertigens, alterações visuais, irritabilidade em excesso ou forte estresse, com náuseas ou vômitos;
! não usar distratores como celulares, fones de ouvido, viva-voz, GPS, música alta.
Trânsito e direção
! Dirigir envolve comportamento e interação de múltiplas variáveis: ! tomada de informações ! processamento de informações ! tomada de decisão(ões) ! atividades motoras
! Motorista precisa ter ATENÇÃO – avaliação constante de estímulos dos aspectos interno (veículo) e externo (vias, outros veículos, pessoas, ambiente em geral)
Trânsito e direção
! Para dirigir com segurança, além do exposto é fundamental ter ATENÇÃO: ! ao retrovisor ! aos pontos cegos principalmente antes de mudar de
faixa ! ao frear (trafegar em distância segura entre veículos,
levando em conta a via e o clima) ! aos ambientes interno e externo do veículo ! não utilizar distratores
Trânsito e direção
! A 100 Km/hora, em via seca, ao pisar de urgência no freio, o veículo demora cerca de 40 metros para parar. Em pista molhada, a distância percorrida pelo veículo é de 50 metros.
! Se o motorista se distrair por 2 segundos, dependendo da velocidade, o veículo pode andar às cegas por cerca de 50 metros.
Trânsito e direção
! Algumas ações do motorista que trafega a 100 Km/hora e que comprometem a direção segura:
Ação Tempo gasto Distância percorrida
Acender cigarro 3 seg 80 m
Sintonizar rádio 4 seg 110 m
Consultar mapa > 4 seg > 110 m
Discar ao telefone 5 seg 140 m
Discar ao telefone demora mais tempo, afetando a atenção do condutor e envolvendo várias etapas:
" procurar/pegar o aparelho " discar " conversar " desligar e colocá-lo no lugar " dependendo do assunto, ainda poderão haver reações que refletirão na
segurança da direção.
Trânsito e direção
! Nos EUA, em 2009, houve 5474 mortes nas rodovias e destas, 995 foram diretamente relacionadas ao uso do telefone celular.
É um número expressivo, porém EVITÁVEL!
Atenção
A atenção é uma habilidade complexa e multidimensional, com vários componentes que se misturam a outras habilidades como memória e funções executivas. Assim, por exemplo, para se ter memória, um dos requisitos básicos é se ter atenção.
A diminuição da atenção # hipoprosexia.
Atenção
! Prestar atenção é: ! focar no que se está propondo ou fazendo ! detectar mudanças do ambiente (externo e/ou interno) ! ter a capacidade de se deter sobre estas mudanças
avaliando a relevância delas ! ao mesmo tempo, inibir a interferência de outros
estímulos, para a tomada da decisão
Para isto, o nível de alerta é fundamental!
Atenção
! Há 5 aspectos da atenção a considerar: 1. Nível de alerta ou ativação 2. Seletividade 3. Alternância 4. Divisão 5. Sustentação ou tenacidade
Atenção
1. Nível de alerta ou ativação, com 2 mecanismos distintos: A. Tônico (estado atentivo) – de controle interno, fisiológico,
regula a resposta global à estimulação ambiental. Inclui o ciclo vigília/sono, o nível de vigilância e o potencial para focalizar. Corresponde à intensidade em que o indivíduo está acordado, alerta, pronto para dar uma resposta.
B. Fásico – modificações momentâneas na responsividade, frequentemente sob controle do meio. Dirige a atenção para qualquer ponto dos campos interno ou externo e muda o foco conforme os acontecimentos circunstantes. Seria a vigilância.
Atenção
2. Seletividade É a seleção de parte dos estímulos para processamento,
enquanto se mantém os outros “suspensos”. É dirigida tanto pela atividade interna (pensamentos) quanto externa (ações). A importância da seletividade é a capacidade de não se processar tudo que vem dos campos visual e/ou auditivo, havendo a necessidade de se direcionar o foco para estímulos relevantes. Também chamada de atenção focada. => A atenção seletiva refere-se à capacidade de focalizar um estímulo específico em detrimento de distratores internos (como pensamentos) e externos.
Atenção
3. Alternância Capacidade de alternar entre um estímulo (ou um conjunto de estímulos) e outro, ou entre um tipo de tarefa e outra, sucessivamente.
4. Divisão A atenção dividida é quando 2 tarefas são executadas simultaneamente ou quando 2 fontes de informação concorrentes são selecionadas como relevantes para processamento.
=> capacidade de focar em 2 estímulos distintos simultaneamente (como estudar e ver TV).
Atenção
5. Sustentação ou tenacidade Capacidade de manter o foco atentivo em uma determinada atividade por um tempo maior, com o mesmo padrão de consistência, mantendo à margem possíveis distrações, como resolver um problema matemático complexo ou a leitura de um livro. Pode haver hipotenacidade, com incapacidade ou dificuldade em manter o foco sobre determinado objeto. Alguns autores a consideram sinônimo da atenção concentrada.
Celulares, fones de ouvido e viva-voz
! Estudos de Análise Epidemiológica e Pesquisas Experimentais comprovam os riscos de dirigir com estes distratores:
! Avalia-se o tempo de reação a estímulos do trânsito enquanto usa o celular e o tempo gasto para a ação (frear ou virar o volante rapidamente, por exemplo).
! Maior perigo => carga mental envolvida na conversa
! Raiva, medo, agressividade podem influenciar na velocidade do veículo e na ATENÇÃO!
! Estudos baseados nas contas telefônicas – motoristas se acidentaram 4 a 9 vezes mais nos 3 minutos que antecederam acidentes.
Celulares, fones de ouvido e viva-voz
! 2012 – Pedestres x fones/celulares # 89% da área urbana # > nº < 30 anos idade – 74% estavam com fones de ouvido
! 2013 – pesquisa com universitários – risco de acidentes fortemente associado ao uso de distratores
! 2014 – com condutores jovens e com experientes – resultados similares – risco significativamente aumentado com distratores
! Estudos envolvendo EEG dinâmico – alterações bandas teta e alfa relacionadas com distratores ao volante´- interiorização da atenção e diminuição do processamento visual.- aumento do tempo para frear
Celulares, fones de ouvido e viva-voz
! Pesquisa EUA aponta que uso do celular ao volante pode aumentar em 23 vezes o risco de acidentes. ! O risco é o mesmo para os 3 tipos. Portanto, ter a mão livre
não implica segurança.
! Dados epidemiológicos experimentais mostram que motoristas com estes distratores tem 3 a 9 vezes mais chance de acidentes fatais.
! Estudo em Uberlândia aponta que 25 % dos acidentes de trânsito são causados por falta de atenção, onde estes distratores tem seu lugar.
! Maior chance de acidentes do que motorista alcoolizado.
Celulares, fones de ouvido e viva-voz
! Pedestres com celulares ou fones de ouvido: ! tem 3 vezes mais chance de acidentes (Paris); ! acidentes ocorrem mais em zonas urbanas (1/10); ! idade média de 21 anos (adultos jovens e
adolescentes); ! Sexo: 2/3 M e 1/3 F ! número triplicou nos últimos 6 anos, sendo 70% mortais
(EUA);
Distração, absorvidos pela conversa ou pela música, envio de mensagens
Reduz acentuadamente a percepção do indivíduo e retarda o tempo de
resposta frente a situações adversas
Celulares, fones de ouvido e viva-voz
! Ouvir música ! Pode diminuir a atenção visual e as fontes
cerebrais que captam estímulos externos. (Baltimore – EUA)
! Dependendo do gênero musical, pode motivar o aumento de velocidade e/ou usar o veículo para expressar a euforia que a música está transmitindo.
! Música alta cria uma atmosfera como se a pessoa estivesse em casa ou até num show, com comprometimento da atenção, que fica focada na música.
Celulares, fones de ouvido e viva-voz
! É impossível saber com precisão o número de vítimas de acidentes de trânsito causados pelo uso de equipamentos tecnológicos. ! Nos BO não há informações sobre o uso do celular no
momento do acidente; muitas vítimas omitem o fato com receio de serem prejudicadas.
! Nos EUA já há cidades que proíbem o uso de celulares também pelos pedestres.
Artigo 252 do Código de Trânsito Brasileiro (setembro de 1997): É PROIBIDO dirigir usando celular ou fones de ouvido. Infração média (4 pontos na carteira)
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Doenças e sintomas Neurológicos podem ser a causa de importantes acidentes de trânsito ! Podem interferir no modo de direção do condutor do
veículo. ! Toda doença ou sintoma que altere a capacidade de
percepção, julgamento, vigilância e realização de ações necessárias para controlar um veículo, poderá prejudicar a aptidão do condutor, tornando a direção do veículo insegura e/ou perigosa.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC) ! efeitos residuais de um AVC podem incapacitar a
direção definitivamente. ! Dependendo da sequela motora, poderá haver
restrição e necessidade de veículo adaptado. ! Sequelas cognitivas, visuais, comportamentais,
hemianopsia homônima e ataxia deverão determinar inaptidão definitiva.
! Como a possibilidade de outro episódio é maior do que na população em geral, o prazo de validade dos exames deverá ser diminuído.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Ataques Isquêmicos Transitórios (AIT) ! dentre as várias causas, podem ser secundários a
arritmias cardíacas. ! Em face a um episódio de AIT, mesmo com total
recuperação dos déficits, deve-se aguardar 6 meses para retomar a direção de veículos amadores.
! Diminuir o prazo de validade dos exames.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Síncope ! As síncopes são definidas como perdas súbitas e
transitórias da consciência com perda do tônus postural e recuperação espontânea
! Dependendo da etiologia, podem ser causa de suspensão definitiva da carteira de motorista.
! Tonturas e Vertigens ! Podem ser por várias causas ! Dependendo do diagnóstico, poderão retornar após
total recuperação do quadro.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Doenças neurológicas progressivas ! As doenças que afetam a musculatura podem
ocasionar perda de força, rigidez, lentidão de movimentos, ataxia e incoordenação.
! Nos quadros iniciais, poderá não haver restrições para dirigir, mas com a evolução, não mais será possível dirigir.
Exemplos: EM e Parkinson.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Epilepsia ! Pacientes que estão controlados, sem crises há pelo
menos 1 ano, e façam uso constante e regular da medicação, não há impedimentos, desde que não interrompam a medicação sem ordem médica.
! Os que não estão controlados, não podem dirigir, pois o risco é para eles e para terceiros. $ Há algumas referências onde pacientes epilépticos, que
tenham intervalo longo entre as crises poderiam dirigir
PROBLEMA!
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Sonolência excessiva diurna (SED) ! pode ser a causa de vários tipos de acidentes, incluindo os de trânsito.
Interfere nas performances intelectual, profissional, clínica, emocional, social e sexual.
! Dentre as várias causas que podem levar a esta sonolência excessiva podemos citar problemas clínicos, o trabalho em turnos, as insônias e a síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS).
! A relação entre acidentes de trânsito e SAOS é tão expressiva que há inúmeros trabalhos sobre o tema. ! Há fortes evidências de que pacientes com SAOS tem risco aumentado
para acidentes de trânsito. ! Apnéias – podem ocorrer mais de 300 vezes/noite => hipóxia crônica
=> interferência nas performances acima. ! O tratamento da apnéia melhora a performance do condutor.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Demências e outras alterações cognitivas ! Geralmente há a combinação de déficits de memória,
alterações visuo-espaciais, abstração e capacidade de resolver problemas, em graus variados, porém com riscos para uma direção segura.
! A Academia Americana de Neurologia recomenda que se utilize a Escala Clínica de Demência (CDR) ao invés do Mini Mental (MM), pois aumenta a precisão. $ Pacientes com CDR > 1 não poderiam mais dirigir. E os com CDR
= 0,5, deveriam ser encaminhados para examinador qualificado quanto ao desempenho da condução. E avaliar com o neurologista a cada 6 meses, com CDR também.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Traumatismos Crânio-encefálicos (TCE) ! Se recentes, observar mobilidade ativa, passiva e
reflexa, coordenação motora, força muscular, fala, visão e campimetria visual, cognição.
! Pacientes com perdas cognitivas, crises convulsivas, déficits visuais e motores são candidatos mais fortes para impedimento da direção por mais tempo ou até definitivamente.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Tumores Intracranianos ! Após a remoção de um tumor intracraniano, os
pacientes deverão ser submetidos a avaliação da cognição, coordenação, campo visual, equilíbrio, reflexos e força motora.
! Abscessos cerebrais, aneurismas, malformações arteriovenosas ! avaliar cada caso, com suas peculiaridades, levando-se
em conta fases aguda e crônica/sequelar.
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Condutores alcoolizados ! não devem dirigir, pois seus reflexos e sua percepção
estarão mais lentos e comprometidos. ! Risco de acidentes fatais aumenta com ingestão de
bebida alcoólica $ com taxa de 0,05 % no sangue, o risco de acidentes é 4
vezes maior. E com taxa de 0,10, é 12 vezes maior!
! Álcool aumenta a distração e reduz a capacidade de atenção, aumentando a interferência de estímulos secundários
É questão de CONSCIÊNCIA!
Patologias neurológicas X Condução veicular
! Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ! Há relação entre TDAH, aumento de
velocidade do veículo e maior tendência a violar as leis do trânsito # maior risco de acidentes (2013).
Considerações finais
" O homem é o de maior peso nesta tríade (homem x via x veículo)
" Não adianta as melhores estradas e os veículos mais modernos, se não se respeita a sinalização e as condições físicas individuais.
" Distratores, como celulares, fones de ouvido e viva-voz NÃO DEVEM ser utilizados enquanto se dirige! Os 3 tem o mesmo efeito quanto aos acidentes.
" Há aplicativos como o “Mãos no Volante”, onde o celular não toca enquanto o motorista estiver dirigindo. Quem ligar vai receber a mensagem: “Estou dirigindo. Ligo mais tarde”. Ainda apenas para sistema Android (www.paradapelavida.com.br/mãos-no-volante)
Considerações finais
" O mais importante é a CONSCIÊNCIA de cada um, respeitando suas limitações e, principalmente, o DIREITO À VIDA de todos!
" Lembre-se: O VEÍCULO PODE SER UMA ARMA!