a natureza jurÍdica do crime de dispensa indevida …
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE DIREITO
A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO
MONOGRAFIA DE GRADUACcedilAtildeO
LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO
SANTA MARIA RS BRASIL
2015
A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM
JURIacuteDICO
por
Leandro Guimaratildees de Aquino
Monografia apresentada ao Curso de Graduaccedilatildeo em Direito da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM RS) como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Direito
Orientador Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch
Santa Maria RS Brasil
2015
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciecircncias Sociais e Humanas
Curso de Direito
A Comissatildeo Examinadora abaixo assinada aprova a Monografia de
Graduaccedilatildeo
A A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO
elaborada por
Leandro Guimaratildees de Aquino
como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de
Bacharel em Direito
COMISSAtildeO EXAMINADORA
Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch
(PresidenteOrientador)
XXXXXXXX
(Universidade Federal de Santa Maria)
XXXXXXX
(Universidade Federal de Santa Maria)
Santa Maria 00 de dezembro de 2015
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO
AUTOR LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO ORIENTADOR JEROcircNIMO SIQUEIRA TYBUSCH
Data e Local da defesa Santa Maria 00 de dezembro de 2015
Licitaccedilatildeo eacute o procedimento administrativo necessaacuterio a administraccedilatildeo puacuteblica para a
obtenccedilatildeo da melhor proposta para a contrataccedilatildeo de serviccedilos obras e outros
interesses puacuteblicos podendo ser dispensada apenas se houver compatibilidade com
as previsotildees dos dispositivos 24 e 25 da lei de licitaccedilotildees a lei 8666 de 1993 O
presente trabalho busca dar a exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida
de licitaccedilatildeo delito previsto no artordm 89 da Lei 8666 de 1993 que considera como
iliacutecito penal a dispensa indevida de licitaccedilatildeo ou a sua inexigibilidade fora das
hipoacuteteses previstas em lei especificamente no artordm 24 e 25 respectivamente Ocorre
que paira sobre o judiciaacuterio brasileiro sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila (STJ) divergecircncias a respeito da classificaccedilatildeo do iliacutecito penal em questatildeo
Uma corrente afirma se tratar de delito material sendo indispensaacutevel para sua
configuraccedilatildeo a comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio bem como dolo
especiacutefico do agente penal em questatildeo Em outro passo parte dos magistrados e
doutrinadores especialistas em nosso ordenamento paacutetrio acreditam que o
dispositivo em questatildeo busca coibir um crime formal de mera conduta
resguardando acima de tudo os valores constitucionais que protegem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo desnecessaacuterio que resulte em dano econocircmico aos
cofres puacuteblicos Neste contexto atraveacutes de renomada doutrina buscar-se-agrave dar a
exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida de licitaccedilatildeo
Palavras-Chaves licitaccedilatildeo lei de licitaccedilotildees dispensa inexigibilidade comprovaccedilatildeo
de prejuizo economico ao eraacuterio
ABSTRACT Graduation Monograph
Law School Federal University of Santa Maria
TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino
Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015
Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime
Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49
INTRODUCcedilAtildeO
Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios
constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e
publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
bem como o previsto no art 2ordm da L 978499
A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo
Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da
legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por
uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados
Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como
postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento
administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos
previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a
Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem
como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos
Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar
as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-
se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a
dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador
puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio
Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento
juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da
improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz
uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico
Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos
administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa
a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de
observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal
dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua
interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais
superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo
possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das
turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de
dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a
lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo
do Administrador produzir tal resultado
Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio
desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria
vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de
sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta
prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade
no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de
desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata
natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)
necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua
configuraccedilatildeo
A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser
desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel
o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente
moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas
razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute
imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera
da atuaccedilatildeo estatal
De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia
de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz
mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes
Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro
capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa
e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as
principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693
Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia
jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma
resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria
alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM
JURIacuteDICO
por
Leandro Guimaratildees de Aquino
Monografia apresentada ao Curso de Graduaccedilatildeo em Direito da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM RS) como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Direito
Orientador Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch
Santa Maria RS Brasil
2015
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciecircncias Sociais e Humanas
Curso de Direito
A Comissatildeo Examinadora abaixo assinada aprova a Monografia de
Graduaccedilatildeo
A A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO
elaborada por
Leandro Guimaratildees de Aquino
como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de
Bacharel em Direito
COMISSAtildeO EXAMINADORA
Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch
(PresidenteOrientador)
XXXXXXXX
(Universidade Federal de Santa Maria)
XXXXXXX
(Universidade Federal de Santa Maria)
Santa Maria 00 de dezembro de 2015
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO
AUTOR LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO ORIENTADOR JEROcircNIMO SIQUEIRA TYBUSCH
Data e Local da defesa Santa Maria 00 de dezembro de 2015
Licitaccedilatildeo eacute o procedimento administrativo necessaacuterio a administraccedilatildeo puacuteblica para a
obtenccedilatildeo da melhor proposta para a contrataccedilatildeo de serviccedilos obras e outros
interesses puacuteblicos podendo ser dispensada apenas se houver compatibilidade com
as previsotildees dos dispositivos 24 e 25 da lei de licitaccedilotildees a lei 8666 de 1993 O
presente trabalho busca dar a exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida
de licitaccedilatildeo delito previsto no artordm 89 da Lei 8666 de 1993 que considera como
iliacutecito penal a dispensa indevida de licitaccedilatildeo ou a sua inexigibilidade fora das
hipoacuteteses previstas em lei especificamente no artordm 24 e 25 respectivamente Ocorre
que paira sobre o judiciaacuterio brasileiro sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila (STJ) divergecircncias a respeito da classificaccedilatildeo do iliacutecito penal em questatildeo
Uma corrente afirma se tratar de delito material sendo indispensaacutevel para sua
configuraccedilatildeo a comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio bem como dolo
especiacutefico do agente penal em questatildeo Em outro passo parte dos magistrados e
doutrinadores especialistas em nosso ordenamento paacutetrio acreditam que o
dispositivo em questatildeo busca coibir um crime formal de mera conduta
resguardando acima de tudo os valores constitucionais que protegem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo desnecessaacuterio que resulte em dano econocircmico aos
cofres puacuteblicos Neste contexto atraveacutes de renomada doutrina buscar-se-agrave dar a
exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida de licitaccedilatildeo
Palavras-Chaves licitaccedilatildeo lei de licitaccedilotildees dispensa inexigibilidade comprovaccedilatildeo
de prejuizo economico ao eraacuterio
ABSTRACT Graduation Monograph
Law School Federal University of Santa Maria
TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino
Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015
Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime
Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49
INTRODUCcedilAtildeO
Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios
constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e
publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
bem como o previsto no art 2ordm da L 978499
A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo
Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da
legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por
uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados
Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como
postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento
administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos
previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a
Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem
como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos
Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar
as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-
se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a
dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador
puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio
Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento
juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da
improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz
uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico
Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos
administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa
a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de
observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal
dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua
interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais
superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo
possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das
turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de
dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a
lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo
do Administrador produzir tal resultado
Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio
desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria
vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de
sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta
prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade
no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de
desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata
natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)
necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua
configuraccedilatildeo
A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser
desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel
o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente
moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas
razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute
imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera
da atuaccedilatildeo estatal
De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia
de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz
mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes
Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro
capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa
e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as
principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693
Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia
jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma
resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria
alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996
BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014
BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996
BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1
BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011
COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004
CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010
FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992
FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001
FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees
6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006
FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010
GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976
GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001
GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010
GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008
GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007
JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995
JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000
JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014
MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999
MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004
MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo
MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini
MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006
NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012
PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999
ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006
SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006
TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciecircncias Sociais e Humanas
Curso de Direito
A Comissatildeo Examinadora abaixo assinada aprova a Monografia de
Graduaccedilatildeo
A A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO
elaborada por
Leandro Guimaratildees de Aquino
como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de
Bacharel em Direito
COMISSAtildeO EXAMINADORA
Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch
(PresidenteOrientador)
XXXXXXXX
(Universidade Federal de Santa Maria)
XXXXXXX
(Universidade Federal de Santa Maria)
Santa Maria 00 de dezembro de 2015
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO
AUTOR LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO ORIENTADOR JEROcircNIMO SIQUEIRA TYBUSCH
Data e Local da defesa Santa Maria 00 de dezembro de 2015
Licitaccedilatildeo eacute o procedimento administrativo necessaacuterio a administraccedilatildeo puacuteblica para a
obtenccedilatildeo da melhor proposta para a contrataccedilatildeo de serviccedilos obras e outros
interesses puacuteblicos podendo ser dispensada apenas se houver compatibilidade com
as previsotildees dos dispositivos 24 e 25 da lei de licitaccedilotildees a lei 8666 de 1993 O
presente trabalho busca dar a exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida
de licitaccedilatildeo delito previsto no artordm 89 da Lei 8666 de 1993 que considera como
iliacutecito penal a dispensa indevida de licitaccedilatildeo ou a sua inexigibilidade fora das
hipoacuteteses previstas em lei especificamente no artordm 24 e 25 respectivamente Ocorre
que paira sobre o judiciaacuterio brasileiro sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila (STJ) divergecircncias a respeito da classificaccedilatildeo do iliacutecito penal em questatildeo
Uma corrente afirma se tratar de delito material sendo indispensaacutevel para sua
configuraccedilatildeo a comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio bem como dolo
especiacutefico do agente penal em questatildeo Em outro passo parte dos magistrados e
doutrinadores especialistas em nosso ordenamento paacutetrio acreditam que o
dispositivo em questatildeo busca coibir um crime formal de mera conduta
resguardando acima de tudo os valores constitucionais que protegem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo desnecessaacuterio que resulte em dano econocircmico aos
cofres puacuteblicos Neste contexto atraveacutes de renomada doutrina buscar-se-agrave dar a
exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida de licitaccedilatildeo
Palavras-Chaves licitaccedilatildeo lei de licitaccedilotildees dispensa inexigibilidade comprovaccedilatildeo
de prejuizo economico ao eraacuterio
ABSTRACT Graduation Monograph
Law School Federal University of Santa Maria
TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino
Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015
Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime
Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49
INTRODUCcedilAtildeO
Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios
constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e
publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
bem como o previsto no art 2ordm da L 978499
A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo
Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da
legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por
uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados
Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como
postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento
administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos
previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a
Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem
como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos
Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar
as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-
se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a
dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador
puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio
Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento
juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da
improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz
uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico
Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos
administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa
a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de
observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal
dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua
interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais
superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo
possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das
turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de
dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a
lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo
do Administrador produzir tal resultado
Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio
desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria
vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de
sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta
prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade
no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de
desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata
natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)
necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua
configuraccedilatildeo
A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser
desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel
o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente
moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas
razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute
imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera
da atuaccedilatildeo estatal
De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia
de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz
mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes
Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro
capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa
e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as
principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693
Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia
jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma
resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria
alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA
INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE
JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO
AUTOR LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO ORIENTADOR JEROcircNIMO SIQUEIRA TYBUSCH
Data e Local da defesa Santa Maria 00 de dezembro de 2015
Licitaccedilatildeo eacute o procedimento administrativo necessaacuterio a administraccedilatildeo puacuteblica para a
obtenccedilatildeo da melhor proposta para a contrataccedilatildeo de serviccedilos obras e outros
interesses puacuteblicos podendo ser dispensada apenas se houver compatibilidade com
as previsotildees dos dispositivos 24 e 25 da lei de licitaccedilotildees a lei 8666 de 1993 O
presente trabalho busca dar a exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida
de licitaccedilatildeo delito previsto no artordm 89 da Lei 8666 de 1993 que considera como
iliacutecito penal a dispensa indevida de licitaccedilatildeo ou a sua inexigibilidade fora das
hipoacuteteses previstas em lei especificamente no artordm 24 e 25 respectivamente Ocorre
que paira sobre o judiciaacuterio brasileiro sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila (STJ) divergecircncias a respeito da classificaccedilatildeo do iliacutecito penal em questatildeo
Uma corrente afirma se tratar de delito material sendo indispensaacutevel para sua
configuraccedilatildeo a comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio bem como dolo
especiacutefico do agente penal em questatildeo Em outro passo parte dos magistrados e
doutrinadores especialistas em nosso ordenamento paacutetrio acreditam que o
dispositivo em questatildeo busca coibir um crime formal de mera conduta
resguardando acima de tudo os valores constitucionais que protegem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo desnecessaacuterio que resulte em dano econocircmico aos
cofres puacuteblicos Neste contexto atraveacutes de renomada doutrina buscar-se-agrave dar a
exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida de licitaccedilatildeo
Palavras-Chaves licitaccedilatildeo lei de licitaccedilotildees dispensa inexigibilidade comprovaccedilatildeo
de prejuizo economico ao eraacuterio
ABSTRACT Graduation Monograph
Law School Federal University of Santa Maria
TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino
Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015
Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime
Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49
INTRODUCcedilAtildeO
Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios
constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e
publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
bem como o previsto no art 2ordm da L 978499
A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo
Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da
legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por
uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados
Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como
postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento
administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos
previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a
Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem
como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos
Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar
as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-
se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a
dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador
puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio
Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento
juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da
improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz
uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico
Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos
administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa
a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de
observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal
dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua
interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais
superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo
possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das
turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de
dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a
lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo
do Administrador produzir tal resultado
Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio
desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria
vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de
sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta
prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade
no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de
desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata
natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)
necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua
configuraccedilatildeo
A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser
desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel
o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente
moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas
razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute
imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera
da atuaccedilatildeo estatal
De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia
de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz
mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes
Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro
capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa
e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as
principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693
Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia
jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma
resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria
alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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ABSTRACT Graduation Monograph
Law School Federal University of Santa Maria
TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino
Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015
Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime
Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49
INTRODUCcedilAtildeO
Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios
constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e
publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
bem como o previsto no art 2ordm da L 978499
A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo
Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da
legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por
uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados
Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como
postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento
administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos
previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a
Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem
como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos
Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar
as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-
se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a
dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador
puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio
Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento
juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da
improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz
uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico
Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos
administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa
a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de
observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal
dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua
interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais
superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo
possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das
turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de
dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a
lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo
do Administrador produzir tal resultado
Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio
desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria
vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de
sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta
prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade
no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de
desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata
natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)
necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua
configuraccedilatildeo
A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser
desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel
o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente
moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas
razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute
imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera
da atuaccedilatildeo estatal
De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia
de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz
mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes
Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro
capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa
e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as
principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693
Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia
jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma
resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria
alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49
INTRODUCcedilAtildeO
Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios
constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e
publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
bem como o previsto no art 2ordm da L 978499
A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo
Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da
legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por
uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados
Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como
postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento
administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos
previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a
Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem
como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos
Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar
as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-
se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a
dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador
puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio
Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento
juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da
improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz
uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico
Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos
administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa
a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de
observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal
dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua
interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais
superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo
possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das
turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de
dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a
lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo
do Administrador produzir tal resultado
Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio
desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria
vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de
sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta
prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade
no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de
desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata
natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)
necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua
configuraccedilatildeo
A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser
desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel
o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente
moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas
razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute
imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera
da atuaccedilatildeo estatal
De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia
de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz
mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes
Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro
capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa
e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as
principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693
Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia
jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma
resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria
alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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INTRODUCcedilAtildeO
Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios
constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e
publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
bem como o previsto no art 2ordm da L 978499
A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo
Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da
legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por
uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados
Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como
postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento
administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos
previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a
Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem
como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos
Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar
as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-
se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a
dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador
puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio
Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento
juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da
improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz
uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico
Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos
administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa
a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de
observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal
dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua
interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais
superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo
possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das
turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de
dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a
lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo
do Administrador produzir tal resultado
Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio
desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria
vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de
sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta
prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade
no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de
desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata
natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)
necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua
configuraccedilatildeo
A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser
desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel
o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente
moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas
razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute
imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera
da atuaccedilatildeo estatal
De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia
de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz
mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes
Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro
capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa
e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as
principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693
Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia
jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma
resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria
alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995
turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de
dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a
lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo
do Administrador produzir tal resultado
Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio
desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria
vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de
sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta
prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade
no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de
desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata
natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)
necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua
configuraccedilatildeo
A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser
desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel
o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente
moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas
razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute
imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera
da atuaccedilatildeo estatal
De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia
de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz
mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes
Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro
capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa
e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as
principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693
Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia
jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma
resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria
alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995
seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a
respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave
Constituiccedilatildeo Federal
1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO
CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA
LEI 8666 DE 1993
11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade
Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca
avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei
de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os
principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo
Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o
presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio
conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos
princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e
inexigibilidade
Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely
Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto
contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da
primeira Veja-se
Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1
Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia
Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada
autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no
exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade
sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade
1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296
de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente
para a celebraccedilatildeo do contrato 2
Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um
procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo
final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o
certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute
oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre
os licitantes
Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento
constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos
excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de
obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a
celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica
pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a
redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia
Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees
Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao
regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar
dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput
da Constituiccedilatildeo acima transcrito
Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que
permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais
preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as
suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do
objetivo puacuteblico
2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370
Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo
regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do
procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e
fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica
Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello
no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema
atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e
inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios
que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute
por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente
age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um
princiacutepio se ofende todo um sistema
Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte
recomendaccedilatildeo
A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos
Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador
foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa
competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa
para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel
proporcionado a todos os interessados
Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os
princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e
publicidade
Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo
Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do
3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902
agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e
abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos
Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos
vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute
disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da
observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma
Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou
entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos
Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione
toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo
simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter
encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais
ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros
princiacutepios constitucionais4
Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees
vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento
licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido
processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade
escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo
realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja
devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5
Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da
impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa
visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo
tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou
perseguiccedilotildees
O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos
objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a
4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de
Janeiro Elsevier 2006 p110
contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no
tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute
competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de
consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda
que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que
comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento
licitatoacuterio
Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador
paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de
lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio
em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios
licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do
procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal
principio e invalidarem a licitaccedilatildeo
Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir
que
() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do
ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de
cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador
puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato
convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6
Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca
da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os
atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que
observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse
puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel
O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de
Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo
Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos
Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a
publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em
oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da
publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do
6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71
ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em
programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso
do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7
No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo
neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e
acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das
propostas ateacute a respectiva aberturardquo
Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer
outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de
modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle
dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a
motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com
sessotildees abertas como ato puacuteblico 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do
interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo
da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua
atuaccedilatildeo9
Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a
sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem
proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da
coletividade o bem estar da sociedade
Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que
a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa
determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de
nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da
compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos
sacrifiacutecios10
Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse
puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo
7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996
BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014
BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996
BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1
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MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini
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NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012
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TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995
administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de
suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico
Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o
detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute
a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos
puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes
da Administraccedilatildeo Puacuteblica11
Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento
convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas
propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a
Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)
observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do
edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo
Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio
baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando
que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse
documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna
da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12
Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o
princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar
a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo
devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees
teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo
Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio
para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro
criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no
instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a
discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se
aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver
11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275
previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor
teacutecnica13
Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e
da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo
sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e
amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite
necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos
Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o
princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14
Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a
Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade
esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos
puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal
Justen Filho posiciona-se da seguinte forma
Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15
Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que
permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui
antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem
celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica
O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse
puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal
procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os
objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste
instrumento pelo poder puacuteblico
Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela
contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de
13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73
licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e
inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas
objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o
administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos
puacuteblicos de seu interesse
A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de
competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios
de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no
artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo
Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange
os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar
licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute
considerado taxativo16rdquo
Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no
artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser
dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees
excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca
obter
No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo
devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria
o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos
do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem
dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que
para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute
de ateacute oito mil reais
Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as
hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no
inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a
licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a
urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o
administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo
16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244
comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores
prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo
Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade
de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de
modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu
balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular
os preccedilos ou normalizar o abastecimento
Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha
havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que
os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os
casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente
Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento
de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc
Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da
pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela
especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por
exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando
for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o
desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo
semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou
para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica
Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se
previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos
hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada
quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo
Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade
com o valor de mercado
Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre
inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees
17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas
Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em
especial
I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser
fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a
preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes
de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se
realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou
Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes
II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de
natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo
vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo
III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou
atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada
ou pela opiniatildeo puacuteblica
Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles
Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica
de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18
O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute
materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator
comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a
proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes
Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua
inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo
realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26
da lei 866693 da seguinte forma
Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do
art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente
justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm
deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para
ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo
para eficaacutecia dos atos
Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento
previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos
18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284
I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa
quando for o caso
II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante
III ndash justificativa do preccedilo
IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo
alocados
Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do
administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a
melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o
administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a
lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos
Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos
necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693
verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos
hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de
oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da
inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a
disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel
Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa
justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda
observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a
Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar
realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer
no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de
dispensa indevida de licitaccedilatildeo
12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo
No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da
licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da
doutrina administrativista especialista na mateacuteria
De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito
de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993
importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias
preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas
linhas que seguem
Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora
das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as
formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela
lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa
Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do
caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade
beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder
Puacuteblico Confira-se a iacutentegra
Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico
Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do
Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do
que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de
iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para
prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames
licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees
Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece
Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19
Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de
disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de
1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir
ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais
Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em
palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693
promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes
Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de
Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a
minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as
formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a
praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de
verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos
Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia
agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema
Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute
predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade
administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da
isonomiarsquo21
Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo
Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22
19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29
Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera
que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para
garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da
licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute
lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23
Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que
a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado
como um delito de obstaacuteculo Veja-se
[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24
No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que
no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que
declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal
ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular
(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a
contrataccedilatildeo ilegal25
Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas
lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico
alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com
o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam
para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em
sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem
funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da
leitura do dispositivo aqui grifado
Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico
23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61
sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade
controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico
Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput
do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim
entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial
do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal
comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo
em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)
Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo
Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as
infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados
a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas
puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer
outra entidade sob o seu controle direto ou indireto
Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente
imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A
esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser
referendadas neste ponto
Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27
Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e
paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04
(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar
licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses
26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62
previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a
inexigibilidade
Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como
aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade
objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece
Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28
Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei
8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses
taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada
em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar
diretamente
Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato
de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a
realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de
dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo
exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador
Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas
comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou
dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25
todos da Lei 866693
Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas
quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas
tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na
mesma linha
28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171
A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30
Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao
desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa
ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir
Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)
Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993
o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a
consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade
indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista
adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o
conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando
A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa
30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58
pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31
Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo
econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens
desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir
Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera
doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito
sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de
licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute
forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto
juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o
Direito Penal estaacute fundado
A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo
Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico
contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva
contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a
praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja
contrataccedilatildeorsquo33
Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que
ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e
doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da
adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de
Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo
Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo
dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89
caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como
lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal
calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel
interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo
eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que
31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906
Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34
Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas
seguintes hipoacuteteses
a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de
empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha
de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15
Dipp CE 21052003)
b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes
administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem
observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia
visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma
unacircnime 21032007)
d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a
soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a
populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma
julgado em 23022010)
De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes
situaccedilotildees
a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico
reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23
II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)
34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905
b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)
com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de
interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)
c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para
dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC
200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)
Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns
apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina
com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o
reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em
delitos dessa espeacutecie Nessa vertente
Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36
Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica
incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as
diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees
Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel
avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a
mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse
aqui proposto
36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52
2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO
ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA
DO BEM JURIacuteDICO
21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila
No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime
insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a
problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos
(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a
sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento
subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel
para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal
Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei
8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na
mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes
Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia
jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades
indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo
independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de
crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37
Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em
questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz
necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto
Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25
sect2ordm38
37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20
Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime
no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou
inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta
O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40
Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de
Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui
examinada Em seus dizeres
Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41
Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a
respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou
inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege
a mateacuteria
Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso
aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do
estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do
art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute
possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)
39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176
Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada
ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich
Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela
consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de
querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como
fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado
com propriedade por Rogeacuterio Greco42
Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o
elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um
elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da
situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado
na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico
Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa
Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43
Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela
compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a
conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura
juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo
objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista
em um tipo penal objetivo
Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de
demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de
1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir
retratada nessa intenccedilatildeo
Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade
desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se
torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina
42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22
Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44
Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees
doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento
Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a
respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva
(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do
Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a
respeito do tema
De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do
funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia
Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante
apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989
delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em
crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves
disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998
Transcrevem-se os dispositivos
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais
44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559
Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais
De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto
pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a
competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm
transcrito a seguir
Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo
A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo
(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a
responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando
recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A
seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de
demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro
detalhadas na proacutepria Carta Constitucional
E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido
no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios
conforme seraacute historiado nas linhas a seguir
Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos
da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma
conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos
supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de
Trecircs Pontas
Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria
fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval
naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento
da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei
8666 art 24 II)
No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a
Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos
precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do
prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas
acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal
(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua
consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada
na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo
oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres
Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae
No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento
Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao
iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666
de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma
casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados
pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela
Casa
Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal
45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011
Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha
posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz
Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos
distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo
contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado
ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente
Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia
daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha
sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes
provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo
ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob
os nuacutemeros 262 323 e 375
No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas
decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela
casa conforme adiantado)
Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG
(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE
12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em
21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de
entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ
RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI
866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)
PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)
De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e
jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes
entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui
discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam
promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de
improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992
Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade
administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento
licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)
Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com
competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se
inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a
tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento
perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se
a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma
datado de 2014
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)
Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso
modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que
autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou
inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-
constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute
sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase
da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do
recebimento da peccedila acusatoacuteria
De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos
puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente
soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com
os administradores de menor destaque poliacutetico
Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da
interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em
instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras
Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em
uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo
diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de
inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela
eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)
EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46
Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da
apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele
oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211
Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do
acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao
entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-
se a ementa
46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015
EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)
A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila
ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se
traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse
contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da
Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo
constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela
22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo
previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico
Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a
respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no
art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos
agregados para o debate a respeito do tema
Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila
bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente
se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e
rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo
vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais
requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o
denominado especial fim de agir de causar esse resultado
Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo
que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema
satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de
reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na
proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada
Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e
teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou
outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se
pondo em risco valores tutelados constitucionalmente
Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos
inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da
proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o
que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa
para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo
do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito
Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a
funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz
Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash
essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48
Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito
penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica
Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por
Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge
47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48
na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas
que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos
Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em
todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como
objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por
Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51
Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do
instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo
legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro
de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou
particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com
uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na
teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura
criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute
possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se
potildee em perigo um bem juriacutedico53
Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como
fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e
criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico
na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo
[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54
Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias
imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos
humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina
estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees
50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19
[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55
Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores
reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em
sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na
base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a
Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona
Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56
Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser
aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca
deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater
aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar
seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)
O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais
garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade
estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos
bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma
inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo
Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a
respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito
Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se
descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais
adequada sob uma perspectiva constitucional
55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado
acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute
perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao
legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua
interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido
Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do
Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo
eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute
cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)
Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua
aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese
trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz
Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises
desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um
instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos
princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a
eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico
Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos
crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito
no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses
princiacutepios reitores de toda a atividade estatal
Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em
tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela
econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do
tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar
para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos
que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal
Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto
estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns
votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e
atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes
invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus
57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal
probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos
crimes aqui estudados
Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como
fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto
da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)
natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993
se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos
Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com
os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se
compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um
crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado
naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial
de causar esse resultado
Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina
inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a
necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade
CONCLUSAtildeO
No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais
relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu
assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade
do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister
Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais
que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos
princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave
isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico
Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que
ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor
a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber
um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no
art 37 da Magna Carta
A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que
permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e
inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei
8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos
teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores
especialistas na mateacuteria
Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo
jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de
1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo
financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em
contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto
penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir
consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este
tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber
Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias
naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a
Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo
juriacutedica adotada em cada caso
Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior
Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio
em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando
aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia
administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees
lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal
Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo
Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e
conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do
Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram
Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma
soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico
balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo
Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a
respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando
ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a
respeito dessa questatildeo
Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma
perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da
exegese das leis penais
Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do
bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada
para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que
possuem assento constitucional
Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e
subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma
filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma
incriminadora busca proteger
Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente
pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse
enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de
Justiccedila
Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves
diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que
o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo
primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da
Constituiccedilatildeo Federal de 1998
Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de
Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a
tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da
proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo
do dispositivo
Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito
dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo
econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de
agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade
subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado
REFEREcircNCIAS
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