a natureza jurÍdica do crime de dispensa indevida …

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE DIREITO A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO: UM RESGATE JURISPRUDENCIAL À LUZ DA TEORIA DO BEM JURÍDICO MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO LEANDRO GUIMARÃES DE AQUINO SANTA MARIA, RS, BRASIL 2015

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Page 1: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO

MONOGRAFIA DE GRADUACcedilAtildeO

LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO

SANTA MARIA RS BRASIL

2015

A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM

JURIacuteDICO

por

Leandro Guimaratildees de Aquino

Monografia apresentada ao Curso de Graduaccedilatildeo em Direito da

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM RS) como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Direito

Orientador Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch

Santa Maria RS Brasil

2015

Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Ciecircncias Sociais e Humanas

Curso de Direito

A Comissatildeo Examinadora abaixo assinada aprova a Monografia de

Graduaccedilatildeo

A A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO

elaborada por

Leandro Guimaratildees de Aquino

como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de

Bacharel em Direito

COMISSAtildeO EXAMINADORA

Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch

(PresidenteOrientador)

XXXXXXXX

(Universidade Federal de Santa Maria)

XXXXXXX

(Universidade Federal de Santa Maria)

Santa Maria 00 de dezembro de 2015

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO

AUTOR LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO ORIENTADOR JEROcircNIMO SIQUEIRA TYBUSCH

Data e Local da defesa Santa Maria 00 de dezembro de 2015

Licitaccedilatildeo eacute o procedimento administrativo necessaacuterio a administraccedilatildeo puacuteblica para a

obtenccedilatildeo da melhor proposta para a contrataccedilatildeo de serviccedilos obras e outros

interesses puacuteblicos podendo ser dispensada apenas se houver compatibilidade com

as previsotildees dos dispositivos 24 e 25 da lei de licitaccedilotildees a lei 8666 de 1993 O

presente trabalho busca dar a exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida

de licitaccedilatildeo delito previsto no artordm 89 da Lei 8666 de 1993 que considera como

iliacutecito penal a dispensa indevida de licitaccedilatildeo ou a sua inexigibilidade fora das

hipoacuteteses previstas em lei especificamente no artordm 24 e 25 respectivamente Ocorre

que paira sobre o judiciaacuterio brasileiro sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila (STJ) divergecircncias a respeito da classificaccedilatildeo do iliacutecito penal em questatildeo

Uma corrente afirma se tratar de delito material sendo indispensaacutevel para sua

configuraccedilatildeo a comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio bem como dolo

especiacutefico do agente penal em questatildeo Em outro passo parte dos magistrados e

doutrinadores especialistas em nosso ordenamento paacutetrio acreditam que o

dispositivo em questatildeo busca coibir um crime formal de mera conduta

resguardando acima de tudo os valores constitucionais que protegem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo desnecessaacuterio que resulte em dano econocircmico aos

cofres puacuteblicos Neste contexto atraveacutes de renomada doutrina buscar-se-agrave dar a

exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida de licitaccedilatildeo

Palavras-Chaves licitaccedilatildeo lei de licitaccedilotildees dispensa inexigibilidade comprovaccedilatildeo

de prejuizo economico ao eraacuterio

ABSTRACT Graduation Monograph

Law School Federal University of Santa Maria

TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino

Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015

Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime

Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49

INTRODUCcedilAtildeO

Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios

constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e

publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

bem como o previsto no art 2ordm da L 978499

A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo

Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da

legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por

uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados

Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como

postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento

administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos

previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a

Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem

como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos

Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar

as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-

se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a

dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador

puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio

Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento

juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da

improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz

uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico

Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos

administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa

a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de

observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal

dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua

interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais

superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo

possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das

turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de

dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a

lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo

do Administrador produzir tal resultado

Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio

desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria

vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de

sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta

prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade

no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de

desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata

natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)

necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua

configuraccedilatildeo

A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser

desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel

o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente

moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas

razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute

imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera

da atuaccedilatildeo estatal

De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia

de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz

mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes

Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro

capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa

e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as

principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693

Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia

jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma

resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria

alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999

MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 2: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM

JURIacuteDICO

por

Leandro Guimaratildees de Aquino

Monografia apresentada ao Curso de Graduaccedilatildeo em Direito da

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM RS) como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Direito

Orientador Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch

Santa Maria RS Brasil

2015

Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Ciecircncias Sociais e Humanas

Curso de Direito

A Comissatildeo Examinadora abaixo assinada aprova a Monografia de

Graduaccedilatildeo

A A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO

elaborada por

Leandro Guimaratildees de Aquino

como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de

Bacharel em Direito

COMISSAtildeO EXAMINADORA

Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch

(PresidenteOrientador)

XXXXXXXX

(Universidade Federal de Santa Maria)

XXXXXXX

(Universidade Federal de Santa Maria)

Santa Maria 00 de dezembro de 2015

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO

AUTOR LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO ORIENTADOR JEROcircNIMO SIQUEIRA TYBUSCH

Data e Local da defesa Santa Maria 00 de dezembro de 2015

Licitaccedilatildeo eacute o procedimento administrativo necessaacuterio a administraccedilatildeo puacuteblica para a

obtenccedilatildeo da melhor proposta para a contrataccedilatildeo de serviccedilos obras e outros

interesses puacuteblicos podendo ser dispensada apenas se houver compatibilidade com

as previsotildees dos dispositivos 24 e 25 da lei de licitaccedilotildees a lei 8666 de 1993 O

presente trabalho busca dar a exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida

de licitaccedilatildeo delito previsto no artordm 89 da Lei 8666 de 1993 que considera como

iliacutecito penal a dispensa indevida de licitaccedilatildeo ou a sua inexigibilidade fora das

hipoacuteteses previstas em lei especificamente no artordm 24 e 25 respectivamente Ocorre

que paira sobre o judiciaacuterio brasileiro sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila (STJ) divergecircncias a respeito da classificaccedilatildeo do iliacutecito penal em questatildeo

Uma corrente afirma se tratar de delito material sendo indispensaacutevel para sua

configuraccedilatildeo a comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio bem como dolo

especiacutefico do agente penal em questatildeo Em outro passo parte dos magistrados e

doutrinadores especialistas em nosso ordenamento paacutetrio acreditam que o

dispositivo em questatildeo busca coibir um crime formal de mera conduta

resguardando acima de tudo os valores constitucionais que protegem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo desnecessaacuterio que resulte em dano econocircmico aos

cofres puacuteblicos Neste contexto atraveacutes de renomada doutrina buscar-se-agrave dar a

exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida de licitaccedilatildeo

Palavras-Chaves licitaccedilatildeo lei de licitaccedilotildees dispensa inexigibilidade comprovaccedilatildeo

de prejuizo economico ao eraacuterio

ABSTRACT Graduation Monograph

Law School Federal University of Santa Maria

TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino

Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015

Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime

Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49

INTRODUCcedilAtildeO

Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios

constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e

publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

bem como o previsto no art 2ordm da L 978499

A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo

Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da

legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por

uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados

Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como

postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento

administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos

previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a

Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem

como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos

Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar

as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-

se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a

dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador

puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio

Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento

juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da

improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz

uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico

Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos

administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa

a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de

observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal

dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua

interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais

superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo

possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das

turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de

dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a

lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo

do Administrador produzir tal resultado

Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio

desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria

vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de

sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta

prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade

no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de

desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata

natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)

necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua

configuraccedilatildeo

A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser

desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel

o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente

moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas

razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute

imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera

da atuaccedilatildeo estatal

De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia

de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz

mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes

Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro

capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa

e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as

principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693

Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia

jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma

resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria

alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999

MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 3: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Ciecircncias Sociais e Humanas

Curso de Direito

A Comissatildeo Examinadora abaixo assinada aprova a Monografia de

Graduaccedilatildeo

A A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO

elaborada por

Leandro Guimaratildees de Aquino

como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de

Bacharel em Direito

COMISSAtildeO EXAMINADORA

Prof Dr Jerocircnimo Siqueira Tybusch

(PresidenteOrientador)

XXXXXXXX

(Universidade Federal de Santa Maria)

XXXXXXX

(Universidade Federal de Santa Maria)

Santa Maria 00 de dezembro de 2015

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO

AUTOR LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO ORIENTADOR JEROcircNIMO SIQUEIRA TYBUSCH

Data e Local da defesa Santa Maria 00 de dezembro de 2015

Licitaccedilatildeo eacute o procedimento administrativo necessaacuterio a administraccedilatildeo puacuteblica para a

obtenccedilatildeo da melhor proposta para a contrataccedilatildeo de serviccedilos obras e outros

interesses puacuteblicos podendo ser dispensada apenas se houver compatibilidade com

as previsotildees dos dispositivos 24 e 25 da lei de licitaccedilotildees a lei 8666 de 1993 O

presente trabalho busca dar a exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida

de licitaccedilatildeo delito previsto no artordm 89 da Lei 8666 de 1993 que considera como

iliacutecito penal a dispensa indevida de licitaccedilatildeo ou a sua inexigibilidade fora das

hipoacuteteses previstas em lei especificamente no artordm 24 e 25 respectivamente Ocorre

que paira sobre o judiciaacuterio brasileiro sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila (STJ) divergecircncias a respeito da classificaccedilatildeo do iliacutecito penal em questatildeo

Uma corrente afirma se tratar de delito material sendo indispensaacutevel para sua

configuraccedilatildeo a comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio bem como dolo

especiacutefico do agente penal em questatildeo Em outro passo parte dos magistrados e

doutrinadores especialistas em nosso ordenamento paacutetrio acreditam que o

dispositivo em questatildeo busca coibir um crime formal de mera conduta

resguardando acima de tudo os valores constitucionais que protegem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo desnecessaacuterio que resulte em dano econocircmico aos

cofres puacuteblicos Neste contexto atraveacutes de renomada doutrina buscar-se-agrave dar a

exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida de licitaccedilatildeo

Palavras-Chaves licitaccedilatildeo lei de licitaccedilotildees dispensa inexigibilidade comprovaccedilatildeo

de prejuizo economico ao eraacuterio

ABSTRACT Graduation Monograph

Law School Federal University of Santa Maria

TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino

Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015

Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime

Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49

INTRODUCcedilAtildeO

Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios

constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e

publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

bem como o previsto no art 2ordm da L 978499

A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo

Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da

legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por

uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados

Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como

postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento

administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos

previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a

Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem

como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos

Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar

as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-

se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a

dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador

puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio

Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento

juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da

improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz

uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico

Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos

administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa

a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de

observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal

dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua

interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais

superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo

possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das

turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de

dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a

lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo

do Administrador produzir tal resultado

Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio

desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria

vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de

sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta

prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade

no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de

desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata

natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)

necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua

configuraccedilatildeo

A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser

desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel

o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente

moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas

razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute

imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera

da atuaccedilatildeo estatal

De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia

de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz

mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes

Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro

capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa

e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as

principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693

Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia

jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma

resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria

alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

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TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 4: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

A NATUREZA JURIacuteDICA DO CRIME DE DISPENSA

INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO UM RESGATE

JURISPRUDENCIAL Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO

AUTOR LEANDRO GUIMARAtildeES DE AQUINO ORIENTADOR JEROcircNIMO SIQUEIRA TYBUSCH

Data e Local da defesa Santa Maria 00 de dezembro de 2015

Licitaccedilatildeo eacute o procedimento administrativo necessaacuterio a administraccedilatildeo puacuteblica para a

obtenccedilatildeo da melhor proposta para a contrataccedilatildeo de serviccedilos obras e outros

interesses puacuteblicos podendo ser dispensada apenas se houver compatibilidade com

as previsotildees dos dispositivos 24 e 25 da lei de licitaccedilotildees a lei 8666 de 1993 O

presente trabalho busca dar a exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida

de licitaccedilatildeo delito previsto no artordm 89 da Lei 8666 de 1993 que considera como

iliacutecito penal a dispensa indevida de licitaccedilatildeo ou a sua inexigibilidade fora das

hipoacuteteses previstas em lei especificamente no artordm 24 e 25 respectivamente Ocorre

que paira sobre o judiciaacuterio brasileiro sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila (STJ) divergecircncias a respeito da classificaccedilatildeo do iliacutecito penal em questatildeo

Uma corrente afirma se tratar de delito material sendo indispensaacutevel para sua

configuraccedilatildeo a comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio bem como dolo

especiacutefico do agente penal em questatildeo Em outro passo parte dos magistrados e

doutrinadores especialistas em nosso ordenamento paacutetrio acreditam que o

dispositivo em questatildeo busca coibir um crime formal de mera conduta

resguardando acima de tudo os valores constitucionais que protegem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo desnecessaacuterio que resulte em dano econocircmico aos

cofres puacuteblicos Neste contexto atraveacutes de renomada doutrina buscar-se-agrave dar a

exata natureza juriacutedica do crime de dispensa indevida de licitaccedilatildeo

Palavras-Chaves licitaccedilatildeo lei de licitaccedilotildees dispensa inexigibilidade comprovaccedilatildeo

de prejuizo economico ao eraacuterio

ABSTRACT Graduation Monograph

Law School Federal University of Santa Maria

TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino

Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015

Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime

Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49

INTRODUCcedilAtildeO

Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios

constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e

publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

bem como o previsto no art 2ordm da L 978499

A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo

Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da

legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por

uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados

Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como

postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento

administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos

previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a

Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem

como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos

Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar

as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-

se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a

dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador

puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio

Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento

juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da

improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz

uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico

Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos

administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa

a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de

observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal

dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua

interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais

superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo

possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das

turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de

dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a

lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo

do Administrador produzir tal resultado

Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio

desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria

vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de

sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta

prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade

no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de

desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata

natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)

necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua

configuraccedilatildeo

A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser

desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel

o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente

moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas

razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute

imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera

da atuaccedilatildeo estatal

De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia

de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz

mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes

Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro

capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa

e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as

principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693

Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia

jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma

resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria

alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999

MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 5: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

ABSTRACT Graduation Monograph

Law School Federal University of Santa Maria

TIacuteTULO TRADUZIDO Author Leandro Guimaratildees de Aquino

Adviser Jerocircnimo Siqueira Tybusch Date and Place of the Defense Santa Maria December 00nd 2015

Bidding is the administrative procedure required the government to obtain the best proposal for the procurement of services works and other public interests can be waived only if there is compatibility with the predictions of the devices 24 and 25 of the law of tenders the law 8666 1993 This work seeks to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime offense provided for in article 89 of Law 8666 of 1993 which it regards as a criminal offense the improper dismissal of bidding or its enforceability out of cases provided by law specifically in article 0025 respectively Is hovering over the Brazilian judiciary particularly in the context of the Superior Court of Justice (STJ) disputes regarding the classification of the criminal offense in question A current says it is material offense is essential to your configuration proof of economic loss to the treasury as well as specific criminal intent of the agent in question In another step the part of judges and legal scholars experts in our parental planning believe that the device in question seeks to restrain a formal crime mere conduct protecting above all the constitutional values that protect the public administration and needless to result in economic damage to the public coffers In this context through renowned doctrine be sought for to give the exact legal nature of improper bidding dispensation crime

Keywords bidding law of tenders dispensation improper dismissal of bidding needless to result in economic damage to the public cofers

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49

INTRODUCcedilAtildeO

Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios

constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e

publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

bem como o previsto no art 2ordm da L 978499

A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo

Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da

legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por

uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados

Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como

postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento

administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos

previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a

Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem

como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos

Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar

as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-

se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a

dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador

puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio

Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento

juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da

improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz

uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico

Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos

administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa

a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de

observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal

dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua

interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais

superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo

possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das

turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de

dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a

lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo

do Administrador produzir tal resultado

Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio

desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria

vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de

sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta

prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade

no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de

desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata

natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)

necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua

configuraccedilatildeo

A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser

desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel

o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente

moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas

razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute

imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera

da atuaccedilatildeo estatal

De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia

de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz

mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes

Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro

capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa

e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as

principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693

Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia

jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma

resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria

alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999

MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 6: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 07 1 APONTAMENTOS A RESPEITO DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 8 666 DE 1993 10 11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidadehelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip10 12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo 22 2 A (DES) NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA DO BEM JURIacuteDICO 31 21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila helliphelliphelliphelliphelliphellip31 22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico41 CONCLUSAtildeO 47 REFEREcircNCIAS 49

INTRODUCcedilAtildeO

Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios

constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e

publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

bem como o previsto no art 2ordm da L 978499

A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo

Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da

legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por

uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados

Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como

postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento

administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos

previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a

Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem

como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos

Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar

as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-

se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a

dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador

puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio

Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento

juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da

improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz

uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico

Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos

administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa

a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de

observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal

dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua

interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais

superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo

possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das

turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de

dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a

lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo

do Administrador produzir tal resultado

Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio

desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria

vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de

sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta

prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade

no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de

desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata

natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)

necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua

configuraccedilatildeo

A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser

desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel

o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente

moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas

razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute

imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera

da atuaccedilatildeo estatal

De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia

de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz

mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes

Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro

capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa

e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as

principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693

Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia

jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma

resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria

alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999

MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 7: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

INTRODUCcedilAtildeO

Sabidamente a Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute adstrita aos princiacutepios

constitucionais da moralidade publicidade legalidade impessoalidade e

publicidade a teor do disposto no caput do art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

bem como o previsto no art 2ordm da L 978499

A par de tais normas em sentido amplo as posturas da Administraccedilatildeo

Puacuteblica devem ser voltadas ao interesse puacuteblico nos contornos obviamente da

legalidade e em contrapartida impotildee-se que toda atividade estatal seja guiada por

uma postura impessoal e isonocircmica em relaccedilatildeo aos Administrados

Atento a essas diretrizes o ordenamento juriacutedico brasileiro estabelece como

postulado a necessidade de observacircncia de licitaccedilatildeo Licitaccedilatildeo eacute o procedimento

administrativo que visa aacute escolha da melhor oferta segundo criteacuterios objetivos

previstos no instrumento convocatoacuterio a proposta de contrato mais vantajosa para a

Administraccedilatildeo publica assegurando ampla participaccedilatildeo entre os interessados bem

como o seu tratamento isonocircmico observado todos os requisitos legais exigidos

Prevista na lei 866693 a licitaccedilatildeo via de regra eacute o meio para se concretizar

as contrataccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica Porem no mesmo diploma legal verifica-

se com a leitura dos artigos 24 e 25 da presente lei instituiacuteram-se respectivamente a

dispensa de licitaccedilatildeo e a inexigibilidade da mesma Nestes casos o administrador

puacuteblico esta autorizado a contratar sem preacutevio procedimento licitatoacuterio

Contudo haacute um desvirtuamento e abusos na utilizaccedilatildeo do instrumento

juriacutedico apontado A par dessa realidade a legislaccedilatildeo tanto na esfera da

improbidade administrativa (Lei 8429) quanto na esfera criminal (L 8666 art89) faz

uso de mecanismos de repreensatildeo para tal agressatildeo ao ordenamento juriacutedico

Nessa ordem de ideias a legislaccedilatildeo federal de licitaccedilotildees e contratos

administrativo sanciona com 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos de detenccedilatildeo aleacutem de multa

a conduta de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais ou deixar de

observar as formalidades relativas agrave dispensa ou agrave inexigibilidade No entanto tal

dispositivo penal tem sido alvo de diversas controveacutersias a respeito de sua

interpretaccedilatildeo tanto para doutrinadores do direito quanto para os tribunais

superiores O Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) em suas proacuteprias turmas natildeo

possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito do tema De um lado parcela das

turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de

dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a

lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo

do Administrador produzir tal resultado

Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio

desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria

vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de

sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta

prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade

no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de

desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata

natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)

necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua

configuraccedilatildeo

A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser

desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel

o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente

moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas

razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute

imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera

da atuaccedilatildeo estatal

De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia

de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz

mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes

Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro

capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa

e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as

principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693

Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia

jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma

resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria

alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999

MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 8: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

turmas daquela Corte delibera que a dispensa indevida se trata de crime material de

dolo especiacutefico reclamando para sua configuraccedilatildeo que a acusaccedilatildeo aponte a

lesividade financeira ao Eraacuterio decorrente do ato em questatildeo bem como o objetivo

do Administrador produzir tal resultado

Todavia outras turmas entendem que natildeo e a lesividade derivaria do proacuteprio

desrespeito agrave legislaccedilatildeo federal que rege a mateacuteria o que por si soacute traria

vulnerabilidade aos preceitos juriacutedicos tutelados pela norma penal aqui grifada de

sorte que a dispensa indevida de licitaccedilatildeo seria um delito de mera conduta

prescindindo portanto prova do prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica bem como a ausecircncia de uniformidade

no tratamento jurisprudencial sobre o tema nasce a problemaacutetica e por linha de

desdobramento o proacuteprio objetivo do presente trabalho que pretende dar a exata

natureza juriacutedica do crime em questatildeo bem como responder quanto agrave (des)

necessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para sua

configuraccedilatildeo

A justificativa para a elaboraccedilatildeo desta pesquisa tambeacutem pode ser

desmembrada em vaacuterios enfoques Primeiramente sob um prisma social eacute inegaacutevel

o papel que o denominado Direito Penal das Licitaccedilotildees possui como ingrediente

moralizador da atividade estatal sobretudo no campo das contrataccedilotildees puacuteblicas

razatildeo pela qual a correta interpretaccedilatildeo de seus preceitos incriminadores eacute

imprescindiacutevel para garantir a prevenccedilatildeo e repressatildeo de ilegalidades nessa esfera

da atuaccedilatildeo estatal

De outro lado sob um prisma cientiacutefico a pesquisa se justifica pela ausecircncia

de estabilidade interpretativa do tema pela jurisprudecircncia motivo pelo qual se faz

mister avaliar tal problemaacutetica agrave luz de teorias penais consistentes

Nessa perspectiva a pesquisa foi desenvolvida em dois lances No primeiro

capiacutetulo seratildeo desenvolvidos aspectos teoacutericos a respeito dos institutos da dispensa

e inexigibilidade de licitaccedilatildeo avanccedilando-se em sequecircncia para delinear as

principais caracteriacutesticas do tipo penal previsto no art 89 da L 866693

Na sequecircncia seraacute introduzida a problemaacutetica pertinente agrave divergecircncia

jurisprudencial a respeito de sua interpretaccedilatildeo passando-se por fim a buscar uma

resposta juridicamente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

Em tal direccedilatildeo utilizar-se-aacute o meacutetodo indutivo para agrave luz da sobredita teoria

alcanccedilar uma conclusatildeo satisfatoacuteria Os meacutetodos de procedimento a seu turno

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

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FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

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MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 9: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

seraacute basicamente o monograacutefico invocado aqui para traccedilar uma conceituaccedilatildeo a

respeito do delito examinado sob as lentes de um Direito Penal alinhado agrave

Constituiccedilatildeo Federal

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

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BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

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JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

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MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

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SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 10: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

1 DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO APONTAMENTOS A RESPEITO DO

CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITACcedilAtildeO PREVISTO NO ARTIGO 89 DA

LEI 8666 DE 1993

11 Licitaccedilatildeo conceitos objetivos princiacutepios dispensa e inexigibilidade

Conforme declinado no decorrer da introduccedilatildeo a presente pesquisa busca

avaliar os principais aspectos pertinentes ao delito previsto no art 89 caput da Lei

de Licitaccedilotildees e Contratos Administrativos (Lei n 8666 de 1993) apontando os

principais aspectos pertinentes ao seu bem juriacutedico e requisitos para sua tipificaccedilatildeo

Eacute natural no entanto que preliminarmente ao exame direto do objeto que o

presente estudo ora se propotildee trace-se algumas ponderaccedilotildees relativas ao proacuteprio

conceito da licitaccedilatildeo resgatando aspectos teoacutericos pertinentes aos seus objetivos

princiacutepios e elencando as hipoacuteteses em que estaacute autorizada a sua dispensa e

inexigibilidade

Nessa linha iniciar-se-aacute no exame do conceito de licitaccedilatildeo Segundo Hely

Lopes Meirelles licitaccedilatildeo eacute o precedente necessaacuterio agrave firmaccedilatildeo de um pacto

contratual com a Administraccedilatildeo Puacuteblica este a seu turno eacute o consectaacuterio loacutegico da

primeira Veja-se

Assim a licitaccedilatildeo eacute o antecedente necessaacuterio do contrato administrativo o contrato eacute o consequente loacutegico da licitaccedilatildeo Mas esta observa-se eacute apenas o procedimento administrativo preparatoacuterio do futuro ajusto de modo que natildeo confere ao vencedor nenhum direito ao contrato apenas uma expectativa de direito Realmente concluiacuteda a licitaccedilatildeo natildeo fica a Administraccedilatildeo obrigada a celebrar o contrato mas se o fizer haacute de ser com o proponente vencedor1

Partindo-se dessa ideia geral eacute cabiacutevel invocar a liccedilatildeo de Maria Sylvia

Zanella di Pietro para determinar a conceituaccedilatildeo do instituto Para a renomada

autora licitaccedilatildeo eacute um procedimento administrativo no qual o administrador no

exerciacutecio da funccedilatildeo administrativa abre a todos os interessados a possibilidade

sujeitadas agraves condiccedilotildees fixadas em preacutevio instrumento convocatoacuterio a possibilidade

1 MEIRELLES HelyDireito Administrativo Brasileiro32 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006p 296

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

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BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

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6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

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GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

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JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

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MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

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TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 11: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

de formularem propostas dentre as quais selecionaraacute e aceitaraacute a mais conveniente

para a celebraccedilatildeo do contrato 2

Assim partindo-se dessa premissa pode-se conceituar licitaccedilatildeo como um

procedimento administrativo vale dizer uma seacuterie de atos preparatoacuterios ao objetivo

final da Administraccedilatildeo a celebraccedilatildeo do contrato administrativo Naturalmente o

certame licitatoacuterio eacute o alinhamento de diversas medidas interligadas sempre eacute

oacutebvio nos lindes da legalidade com vistas a eleger a proposta mais vantajosa entre

os licitantes

Com efeito os procedimentos licitatoacuterios encontram fundamento

constitucional Na dicccedilatildeo do Magno Texto (CF art 37 XXI) ressalvados em casos

excepcionais desenhados em legislaccedilatildeo extravagante qualquer contrataccedilatildeo de

obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees que a Administraccedilatildeo porventura vier a

celebrar reclamam como requisito de validade um processo de licitaccedilatildeo puacuteblica

pautado pela igualdade de condiccedilotildees entre todos os interessados Veja-se a

redaccedilatildeo do dispositivo constitucional em referecircncia

Art 37 A administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios obedeceraacute aos princiacutepios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia e tambeacutem ao seguinte [] XXI - ressalvados os casos especificados na legislaccedilatildeo as obras serviccedilos compras e alienaccedilotildees seratildeo contratados mediante processo de licitaccedilatildeo puacuteblica que assegure igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes com claacuteusulas que estabeleccedilam obrigaccedilotildees de pagamento mantidas as condiccedilotildees efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitiraacute as exigecircncias de qualificaccedilatildeo teacutecnica e econocircmica indispensaacuteveis agrave garantia do cumprimento das obrigaccedilotildees

Avanccedilando agrave maneira do que sucede com os demais atos submetidos ao

regime juriacutedico de Direito Puacuteblico o procedimento licitatoacuterio natildeo pode se desalinhar

dos princiacutepios da Administraccedilatildeo Puacuteblica muitos deles desenhados no art 37 caput

da Constituiccedilatildeo acima transcrito

Neste momento torna-se necessaacuteria uma anaacutelise acerca dos princiacutepios que

permeiam o instituto da licitaccedilatildeo Com o objetivo de dar a devida importacircncia a tais

preceitos inerentes ao procedimento licitatoacuterio mesmo que sem exaurir todas as

suas caracteriacutesticas todavia deixando clara a sua observaccedilatildeo para o alcance do

objetivo puacuteblico

2 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p370

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

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6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

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GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

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GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

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JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

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MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

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ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 12: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

Primeiro insta indicar que princiacutepios satildeo norteadores de conduta compondo

regras que devem ser observadas sempre que necessaacuterio a tomada do

procedimento licitatoacuterio de modo geral compondo mandamentos baacutesicos e

fundamentais ao instituto em tela conferindo sua leal finalidade e loacutegica

Leciona a respeito do tema o renomado autor Celso Antocircnio Bandeira Mello

no sentido de que os princiacutepios compotildeem o mandamento nuclear de um sistema

atuando como alicerce deste disposiccedilatildeo fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo o espiacuterito e servindo de criteacuterio para sua exata compreensatildeo e

inteligecircncia exatamente por definir a loacutegica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe confere a tocircnica e sentido harmocircnico Eacute o conhecimento dos princiacutepios

que preside a intelecccedilatildeo das diferentes partes componentes do todo unitaacuterio que haacute

por nome sistema juriacutedico3 Ainda comentando que ao violar um princiacutepio o agente

age de modo mais do que se descumprisse uma norma qualquer pois ao violar um

princiacutepio se ofende todo um sistema

Neste prisma temos disposto no artigo 3ordm da Lei 866693 a seguinte

recomendaccedilatildeo

A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos

Nota-se com a leitura do dispositivo que a primeira preocupaccedilatildeo do legislador

foi garantir a isonomia pedido constitucional que visa garantir natildeo soacute a justa

competiccedilatildeo entre os licitantes mas tambeacutem a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa

para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel

proporcionado a todos os interessados

Continuando a leitura do dispositivo em tela nasce a preocupaccedilatildeo com os

princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade e

publicidade

Sob a oacutetica da legalidade principio de extrema importacircncia aacute Administraccedilatildeo

Puacuteblica de igual modo essencial ao Estado de Direito busca-se pautar a atuaccedilatildeo do

3 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 902

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999

MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 13: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

agente administrativo conforme a vontade da lei evitando discricionariedades e

abusos de poder por parte dos agentes puacuteblicos

Atraveacutes do princiacutepio da legalidade esta o Estado e todos os seus oacutergatildeos

vinculado aacute lei com a licitaccedilatildeo natildeo seria diferente visto que se encontra ateacute

disciplinada em legislaccedilatildeo proacutepria a lei 866693 sendo feita a promoccedilatildeo da

observacircncia quanto a legalidade no art 4ordm do referido diploma

Art 4ordm - Todos quantos participem de licitaccedilatildeo promovida pelos oacutergatildeos ou

entidades a que se refere o Art 1ordm tem direito puacuteblico subjetivo agrave fiel observacircncia do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei podendo qualquer cidadatildeo acompanhar o seu desenvolvimento desde que natildeo interfira de modo a perturbar ou impedir a realizaccedilatildeo dos trabalhos

Observa ainda Luacutecia Valle Figueiredo que embora a legalidade direcione

toda a atividade administrativa natildeo pode (a legalidade) ser entendida de forma tatildeo

simplista de modo que o administrador deixe de praticar tais atos por natildeo ter

encontrado respaldo na lei pois o administrador esta sujeito de forma bem mais

ampla natildeo soacute a lei mas todo um ordenamento juriacutedico abrangendo normas e outros

princiacutepios constitucionais4

Por fim argumenta Elias Freire que este princiacutepio no campo das licitaccedilotildees

vincula o administrador as prescriccedilotildees legais que regem todo o procedimento

licitatoacuterio bem como seus atos e fases desta forma torna-se necessaacuterio o devido

processo legal pela Administraccedilatildeo Puacuteblica sendo-lhe exigida que a modalidade

escolhida seja a correta com criteacuterios seletivos bem claros assim como a natildeo

realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo deve estar abarcada nos casos previstos em lei ou seja

devendo ser observado durante todo o procedimento todos os passos legais 5

Continuando a leitura do art 3ordm da lei 8666 de 1993 temos o princiacutepio da

impessoalidade que visa garantir a despersonalizaccedilatildeo da atividade administrativa

visando o interesse coletivo em detrimento do particular garantindo o mesmo

tratamento a todos os administrados sem discriminaccedilotildees favorecimentos ou

perseguiccedilotildees

O princiacutepio da igualdade ou isonomia eacute de vital importacircncia a consecuccedilatildeo dos

objetivos puacuteblicos via licitaccedilatildeo tendo em vista que a Administraccedilatildeo Puacuteblica busca a

4 FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992 p 21 5 FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de

Janeiro Elsevier 2006 p110

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

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TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 14: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

contrataccedilatildeo mais vantajosa isso soacute seraacute possiacutevel caso haja igualdade no

tratamento dos concorrentes ao procedimento licitatoacuterio pois seguramente natildeo haacute

competiccedilatildeo justa sem que exista isonomia entre os concorrentes Nesta ordem de

consideraccedilotildees o proacuteprio artigo 3ordm do diploma em tela em seu sect 1ordm inciso I veda

que os agentes puacuteblicos incluam ou admitam clausula ou condiccedilotildees que

comprometam restrinjam ou frustrem o caraacuteter competitivo do procedimento

licitatoacuterio

Passando pelo princiacutepio da moralidade temos a preocupaccedilatildeo do legislador

paacutetrio em obrigar os agentes puacuteblicos a atuarem conforme valores eacuteticos de

lealdade e com boa feacute nas suas relaccedilotildees administrativas Nota-se que o princiacutepio

em pauta no acircmbito da licitaccedilatildeo tambeacutem buscar condicionar a atuaccedilatildeo dos proacuteprios

licitantes corroborando com uma disputa honesta e favorecendo para lisura do

procedimento licitatoacuterio evitando conluios e fraudes sob pena de violarem tal

principio e invalidarem a licitaccedilatildeo

Neste sentido posiciona-se magistralmente Marccedilal Justen Filho ao sugerir

que

() na licitaccedilatildeo a conduta moralmente reprovaacutevel acarreta a nulidade do

ato ou do procedimento Existindo imoralidade afasta-se a aparecircncia de

cumprimento agrave lei ou ao ato convocatoacuterio A conduta do administrador

puacuteblico deve atentar para o disposto na regra legal e nas condiccedilotildees do ato

convocatoacuterio Isso eacute necessaacuterio mas natildeo suficiente para validade dos atos6

Encerrado o assunto da moralidade faz-se necessaacuterio consideraccedilotildees acerca

da probidade administrativa que consiste na maneira correta de proceder com os

atos administrativos deveres atribuiacutedos por lei ao administrador puacuteblico que

observando juntamente o princiacutepio da moralidade devendo primar pelo interesse

puacuteblico e promover a seleccedilatildeo da atuaccedilatildeo mais acertada possiacutevel

O princiacutepio da publicidade se mostra essencial ao Estado Democraacutetico de

Direito ordenando a divulgaccedilatildeo de atos e contratos celebrados pela Administraccedilatildeo

Puacuteblica para conhecimento controle e iniacutecio de seus efeitos

Dioacutegenes Gasparini em sua obra de direito administrativo leciona que a

publicaccedilatildeo de um ato administrativo para surtir os efeitos desejados eacute a feita em

oacutergatildeo oficial de modo que natildeo se considera como tendo atendido ao princiacutepio da

publicidade a mera notiacutecia veiculada pela imprensa falada escrita ou televisiva do

6 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000 p71

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

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FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

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FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

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JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

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JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

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MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 15: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

ato praticado pela Administraccedilatildeo Puacuteblica mesmo que a divulgaccedilatildeo ocorra em

programas dedicados a noticiar assuntos relativos ao seu dia a dia como eacute o caso

do programa de raacutedio A Voz do Brasil 7

No terceiro paraacutegrafo do art 3ordm da lei 8666 de 1993 verifica-se disposiccedilatildeo

neste sentido determinando que ldquoa licitaccedilatildeo natildeo seraacute sigilosa sendo puacuteblicos e

acessiacuteveis ao puacuteblico os atos de seu procedimento salvo quanto ao conteuacutedo das

propostas ateacute a respectiva aberturardquo

Nessa baliza Fernanda Marinela Santos aduz que a licitaccedilatildeo como qualquer

outro procedimento administrativo deve observar o princiacutepio da publicidade de

modo que permita o conhecimento dos demais interessados bem como o controle

dos administrados Por estas razotildees os atos e termos da licitaccedilatildeo inclusive a

motivaccedilatildeo devem ser expostos ao conhecimento de quaisquer interessados com

sessotildees abertas como ato puacuteblico 8

Maria Sylvia Zanella Di Pietro agora sobre o princiacutepio da supremacia do

interesse puacuteblico diz que este deve estar presente tanto no momento da elaboraccedilatildeo

da lei como no momento de sua execuccedilatildeo em concreto pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

de modo a inspirar o legislador e vincular a autoridade administrativa em toda a sua

atuaccedilatildeo9

Atraveacutes da supremacia do interesse puacuteblico que como o nome sugere eacute a

sobreposiccedilatildeo do interesse puacuteblico em detrimento do particular embora tambeacutem

proteja direitos individuais tem o objetivo essencial de atender ao interesse da

coletividade o bem estar da sociedade

Sobre isto pondera Odete Medauar ao dizer soberanamente que

a Administraccedilatildeo cabe realizar a ponderaccedilatildeo dos interesses presentes numa

determinada circunstacircncia para que natildeo haja sacrifiacutecios lsquoa priorirsquo de

nenhum interesse sendo o objetivo dessa funccedilatildeo a busca da

compatibilidade ou conciliaccedilatildeo dos interesses com a minimizaccedilatildeo dos

sacrifiacutecios10

Indo em sentido parecido temos o princiacutepio da indisponibilidade do interesse

puacuteblico um dos mais importantes do direito administrativo tratando a funccedilatildeo

7 GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p66 8 SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006 p 264 9 DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010 p64 10 MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 152

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

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DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010

GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

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GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999

MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 16: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

administrativa como irrenunciaacutevel de modo que os agentes puacuteblicos no exerciacutecio de

suas atividades natildeo podem retardar ou deixar de agir em prol do interesse puacuteblico

Diogenes Gasparini propotildeem em sua obra de direito administrativo que o

detentor da disponibilidade dos interesses puacuteblicos eacute o Estado e por essa razatildeo haacute

a necessidade de leis para alienar bens para outorgar concessatildeo de serviccedilos

puacuteblicos relevar prescriccedilatildeo e tantas outras atividades a cargo dos oacutergatildeos e agentes

da Administraccedilatildeo Puacuteblica11

Neste vieacutes deve-se ainda observar o princiacutepio da Vinculaccedilatildeo do instrumento

convocatoacuterio atraveacutes deste estatildeo obrigados os licitantes a adequarem suas

propostas ao edital de convocaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio vinculando tambeacutem a

Administraccedilatildeo Puacuteblica que conforme o artigo 41 da lei de licitaccedilotildees (L866693)

observa-se que ldquoa Administraccedilatildeo natildeo pode descumprir as normas e condiccedilotildees do

edital ao qual se acha estritamente vinculadardquo

Neste vieacutes defini Hely Lopes Meireles define tal princiacutepio como o princiacutepio

baacutesico da licitaccedilatildeo afirmando

que nem se compreenderia caso a Administraccedilatildeo fixasse no edital a forma e o modo de participaccedilatildeo dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realizaccedilatildeo do julgamento se afastasse do estabelecido ou admitisse

documentaccedilatildeo e propostas em desacordo com o solicitado O edital eacute a lei interna

da licitaccedilatildeo e como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administraccedilatildeo que o expediu12

Corroborando com a justa competiccedilatildeo tatildeo necessaacuteria agrave licitaccedilatildeo temos o

princiacutepio do julgamento objetivo o qual vincula o administrador puacuteblico a selecionar

a melhor proposta segundo criteacuterios objetivos sendo vedado o subjetivismo

devendo os julgadores atuarem de forma impessoal isentos e se aterem a questotildees

teacutecnicas e estabelecidas em lei ou no proacuteprio instrumento de convocaccedilatildeo

Assim deve o edital estabelecer de forma clara e precisa qual seraacute o criteacuterio

para a seleccedilatildeo da proposta vencedora sendo este escolhido natildeo poderaacute outro

criteacuterio ser escolhido pela comissatildeo de licitaccedilatildeo nem outros fatores natildeo previstos no

instrumento convocatoacuterio Leciona Elias Freire que tal preceito visa afastar a

discricionariedade na escolha das propostas obrigando os julgadores a aterem-se

aos criteacuterios jaacute prefixados pela Administraccedilatildeo de modo que se no edital estiver

11 GASPARINI Diogenes Direito Administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010 p72 12 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 275

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996

BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014

BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996

BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1

BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011

COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004

CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

DI PIETRO Maria Sylvia Zanela Direito administrativo 23 Ed Satildeo Paulo Atlhas 2010

FIGUEIREDO Lucia Valle Direito dos licitantes 3 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 1992

FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001

FREIRE Elias Direito administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees

6 Ed Rio de Janeiro Elsevier 2006

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GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976

GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001

GASPARINI Diogenes Direito administrativo 15 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2010

GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008

GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007

JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2000

JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014

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MEDAUAR Odete Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004

MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini

MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006

NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999

ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006

SANTOS Fernanda Marinela de Sousa Direito administrativo Salvador Juspodivm 2006

TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

Page 17: A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DISPENSA INDEVIDA …

previsto o criteacuterio do menor preccedilo natildeo poderaacute ser escolhida a proposta de menor

teacutecnica13

Ademais ainda temos os princiacutepios da proporcionalidade da razoabilidade e

da economicidade Os dois primeiros em linhas gerais buscam dar ao ato normativo

sua exata proporccedilatildeo de modo que o administrador puacuteblico aja com intensidade e

amplitude adequada a situaccedilatildeo da maneira que tal ato natildeo ultrapasse o limite

necessaacuterio a sua finalidade que deve ser atender aos interesses puacuteblicos

Nesta linha posiciona-se Celso Antocircnio Bandeira de Mello que em rigor o

princiacutepio da proporcionalidade natildeo eacute senatildeo faceta do princiacutepio da razoabilidade14

Sobre a economicidade urge ressaltar que seu objetivo eacute assegurar a

Administraccedilatildeo Puacuteblica a seleccedilatildeo da melhor proposta de modo que a economicidade

esteja diretamente ligada a indisponibilidade do interesse puacuteblico e que os recursos

puacuteblicos devem ser gastos da maneira mais eficaz possiacutevel Nesse prisma Marccedilal

Justen Filho posiciona-se da seguinte forma

Natildeo bastam honestidade e boas intenccedilotildees para validaccedilatildeo de atos administrativos A economicidade impotildee adoccedilatildeo da soluccedilatildeo mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestatildeo dos recursos puacuteblicos Toda atividade administrativa envolve uma relaccedilatildeo sujeitaacutevel a enfoque de custo benefiacutecio O desenvolvimento da atividade implica produccedilatildeo de custos em diversos niacuteveis Assim haacute custos relacionados com o tempo com a matildeo-de-obra etc Em contrapartida a atividade produz certos benefiacutecios - tambeacutem avaliaacuteveis em diversos acircmbitos15

Nesse momento passa-se a fazer consideraccedilotildees a respeito dos institutos que

permitem a dispensa ou a inexigibilidade da licitaccedilatildeo esta que em regra constitui

antecedente obrigatoacuterio para a maioria dos contratos administrativos a serem

celebrados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

O procedimento licitatoacuterio como falado visa a consecuccedilatildeo do interesse

puacuteblico objetivando a melhor proposta para a contrataccedilatildeo Ocorre que aacutes vezes tal

procedimento pode acabar por prejudicar os interesses puacuteblicos dificultando os

objetivos diante de situaccedilotildees que tornam inconveniente a utilizaccedilatildeo deste

instrumento pelo poder puacuteblico

Em algumas hipoacuteteses a Administraccedilatildeo puacuteblica poderaacute optar pela

contrataccedilatildeo direta ou seja sem licitaccedilatildeo observado os artigos 24 e 25 da lei de

13 FREIRE Elias Direito Administrativo teoria jurisprudecircncia e 1000 questotildees 6 Ed Rio de Janeiro elsevier 2006 p112 14 MELO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 20 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p99 15 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos 16 ED Satildeo Paulo Dialeacutetica 2014 p73

licitaccedilatildeo a lei 866693 que tratam respectivamente de dispensa de licitaccedilatildeo e

inexigibilidade da mesma Desta forma natildeo havendo pluralidade de propostas

objetos licitantes ou verificada a inviabilidade de competiccedilatildeo poderaacute o

administrador puacuteblico valer-se da contrataccedilatildeo direta para efetivar obras e serviccedilos

puacuteblicos de seu interesse

A dispensa de licitaccedilatildeo ocorreraacute quando houver possibilidade factiacutevel de

competiccedilatildeo entre os licitantes pressuposto este da licitaccedilatildeo mas que por criteacuterios

de oportunidade conveniecircncia e sendo observadas as possibilidades trazidas no

artigo 24ordm da lei de licitaccedilotildees seraacute facultada a sua realizaccedilatildeo

Neste sentido Odete Medauar emiti o seguinte parecer ldquoa dispensa abrange

os casos em que a situaccedilatildeo enseja competitividade sendo possiacutevel efetuar

licitaccedilatildeo mas a lei faculta a sua natildeo realizaccedilatildeo Por isso o rol do art 24 eacute

considerado taxativo16rdquo

Deste modo fazendo um apanhado geral dos mais de 20 incisos contidos no

artigo 24 da lei de licitaccedilatildeo (L866693) tem-se que a licitaccedilatildeo poderaacute ser

dispensada em linhas gerais por trecircs criteacuterios a) pequeno valor b) situaccedilotildees

excepcionais c) peculiaridades da pessoa contratada ou do objeto que se busca

obter

No primeiro criteacuterio eacute faculdade do administrador a dispensa da licitaccedilatildeo

devido o baixo valor da contrataccedilatildeo que se pretende realizar pois natildeo compensaria

o custo com o procedimento licitatoacuterio Conforme leitura dos dois primeiros incisos

do artigo 24 do diploma em analise as obras e serviccedilos de engenharia que forem

dispensadas da licitaccedilatildeo natildeo poderatildeo ultrapassar quinze mil reais Ao passo que

para a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar ou comprar outros serviccedilos este limite seraacute

de ateacute oito mil reais

Jaacute nos casos das situaccedilotildees excepcionais satildeo ainda mais incisos trazendo as

hipoacuteteses em que seraacute concebiacutevel a dispensa do procedimento licitatoacuterio Logo no

inciso IV do artigo 24 da lei 8666 verifica-se a possibilidade de dispensar a

licitaccedilatildeo em casos de emergecircncia e calamidade puacuteblica Satildeo casos em que a

urgecircncia da situaccedilatildeo natildeo permite esperar a conclusatildeo de uma licitaccedilatildeo devendo o

administrador puacuteblico priorizar a situaccedilatildeo em questatildeo no intuito de natildeo

16 MEDAUAR ODETE Direito administrativo moderno 8 Ed Satildeo Paulo editora Revista dos tribunais 2004 p 244

comprometer ainda mais a seguranccedila dos administrados bem como evitar maiores

prejuiacutezos aacutes obras e serviccedilos em questatildeo

Neste mesmo leque de situaccedilotildees excepcionais temos ainda a possibilidade

de se dispensar a licitaccedilatildeo para que a Uniatildeo intervenha no domiacutenio econocircmico de

modo a autorizar o Estado a adquirir e alienar bens que permita equilibrar o seu

balanccedilo patrimonial sem a utilizaccedilatildeo do procedimento em questatildeo seja para regular

os preccedilos ou normalizar o abastecimento

Verifica-se ainda a possibilidade de dispensa nos casos em que jaacute tenha

havido licitaccedilatildeo deserta17 (sem licitantes na anterior) ou tambeacutem nos casos em que

os licitantes ofertem preccedilos acima dos valores praticados no mercado Em ambos os

casos seraacute obrigado a comprovaccedilatildeo da licitaccedilatildeo jaacute frustrada anteriormente

Ademais verifica-se ainda a previsatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo para abastecimento

de navios ou casos que envolvam a seguranccedila nacional etc

Quanto ao terceiro criteacuterio que diz respeito agraves peculiaridades do objeto ou da

pessoa contratada satildeo casos em que a dispensa de licitaccedilatildeo eacute permitida pela

especificidade do objeto ou desta pessoa que se pretende contratar Temos por

exemplo a hipoacutetese trazida no artigo 24 inciso XIII que permite tal dispensa quando

for contratar entidades que tenham como finalidade a pesquisa ensino e o

desenvolvimento tecnoloacutegico desde que estas natildeo visem lucro Ainda haacute previsatildeo

semelhante para a contrataccedilatildeo de associaccedilatildeo de portadores de deficiecircncia fiacutesica ou

para a contrataccedilatildeo de serviccedilos de fornecimento de energia eleacutetrica

Jaacute quanto agraves peculiaridades dos objetos a serem contratados encontram-se

previsotildees para dispensar a licitaccedilatildeo por exemplo nos casos de produtos

hortifrutigranjeiros patildees pereciacuteveis e outros Semelhante previsatildeo eacute adotada

quando da contrataccedilatildeo de imoacuteveis especiacuteficos para a utilizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica desde que avaliados previamente e comprovado a sua compatibilidade

com o valor de mercado

Findo os comentaacuterios sobre a dispensa de licitaccedilatildeo passa-se a pincelar sobre

inexigibilidade de licitaccedilatildeo nesses lindes prevecirc o artigo 25 da lei de licitaccedilotildees

17 Inscrito no artigo 24 da lei 8666 de 1993 inciso V verifica-se a hipoacutetese de licitaccedilatildeo deserta disposto da seguinte forma ldquo quando natildeo acudirem interessados a licitaccedilatildeo anterior e esta justificadamente natildeo puder ser repetida sem prejuiacutezo para a Administraccedilatildeo mantidas neste caso todas as condiccedilotildees preestabelecidas

Art 25 Eacute inexigiacutevel a licitaccedilatildeo quando houver inviabilidade de competiccedilatildeo em

especial

I para aquisiccedilatildeo de materiais equipamentos ou gecircneros que soacute possam ser

fornecidos por produtor empresa ou representante comercial exclusivo vedada a

preferecircncia de marca devendo a comprovaccedilatildeo de exclusividade ser feita atraveacutes

de atestado fornecido pelo oacutergatildeo do registro de comeacutercio do local em que se

realizaria a licitaccedilatildeo ou obra ou serviccedilo pelo Sindicato Federaccedilatildeo ou

Confederaccedilatildeo Patronal ou ainda pelas entidades equivalentes

II para a contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos enumerados no art 13 desta Lei de

natureza singular com profissionais e empresas de notoacuteria especializaccedilatildeo

vedada a inexigibilidade para serviccedilos de publicidade e divulgaccedilatildeo

III para a contrataccedilatildeo de profissional de qualquer setor artiacutestico diretamente ou

atraveacutes de empresaacuterio exclusivo desde que consagrado pela criacutetica especializada

ou pela opiniatildeo puacuteblica

Sobre o respectivo dispositivo comenta Hely Lopes Meirelles

Em todos esses casos a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel em razatildeo da impossibilidade juriacutedica

de se instaurar competiccedilatildeo entre eventuais interessados pois natildeo se pode pretender melhor proposta quando apenas um eacute proprietaacuterio do bem desejado pelo Poder Puacuteblico ou reconhecidamente capaz de atender agraves exigecircncias da Administraccedilatildeo no que concerne agrave realizaccedilatildeo do objeto do contrato18

O que significa dizer que a realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio eacute

materialmente impossiacutevel em face da singularidade do objeto tendo como fator

comum para todos os casos em que se operar a inexigibilidade de licitaccedilatildeo a

proacutepria inviabilidade de disputa ou a falta de pluralidade de possiacuteveis licitantes

Por fim cabe ressaltar que tanto para se dispensar licitaccedilatildeo quanto para sua

inexigibilidade faz-se necessaacuterio uma justificativa do motivo que levou a natildeo

realizaccedilatildeo do procedimento licitatoacuterio recomendado de forma expressa no art 26

da lei 866693 da seguinte forma

Art26 ndash As dispensas previstas nos sectsect 2ordm e 4ordm do art17 e nos incisos III a XXIV do

art24 as situaccedilotildees de inelegibilidade referidas no artigo 25 necessariamente

justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8ordm

deveratildeo ser comunicados dentro de trecircs dias agrave autoridade superior para

ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de cinco dias como condiccedilatildeo

para eficaacutecia dos atos

Paraacutegrafo uacutenico ndash O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento

previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos

18 MEIRELLES Hely Lopes Direito administrativo brasileiro 32 Ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2006 p 284

I ndash caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergente ou calamitosa que justifique a dispensa

quando for o caso

II ndash razatildeo da escolha do fornecedor ou executante

III ndash justificativa do preccedilo

IV ndash documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo

alocados

Desta leitura extrai-se que estas exigecircncias visam limitar a atuaccedilatildeo do

administrador puacuteblico que deveraacute se valer de criteacuterios objetivos no intuito de dar a

melhor alternativa ao interesse puacuteblico este irrenunciaacutevel Desta forma devendo o

administrador provar em sua justificativa que natildeo soacute agiu em conformidade com a

lei todavia tambeacutem buscou a melhor opccedilatildeo a satisfaccedilatildeo dos interesses puacuteblicos

Portanto a licitaccedilatildeo eacute a regra a ser cumprida para as contrataccedilotildees que a

Administraccedilatildeo Puacuteblica buscar concretizar compondo uma seacuterie de passos

necessaacuterios a obtenccedilatildeo da melhor proposta Presente no artigo 24 da lei 866693

verificamos a possibilidade de se dispensar licitaccedilatildeo constituindo em seus incisos

hipoacuteteses que em que pese haja competiccedilatildeo esta seraacute afastada por criteacuterios de

oportunidade e conveniecircncia do administrador puacuteblico Ao passo que o instituto da

inexigibilidade de licitaccedilatildeo se daraacute nos casos que por razoes de fato ou de direito a

disputa pela contrataccedilatildeo se torne inviaacutevel

Devendo para ambos os dispositivos acima mencionados conter expressa

justificativa conforme o artigo 26 do diploma licitatoacuterio em questatildeo e ainda

observar os princiacutepios baacutesicos que orientam natildeo soacute a licitaccedilatildeo mas toda a

Administraccedilatildeo Puacuteblica de modo que o administrador nunca deixe de celebrar

realmente o contrato mais vantajoso em sua atividade administrativa sem incorrer

no crime previsto no artigo 89 da lei 866693 que dispotildeem a respeito do crime de

dispensa indevida de licitaccedilatildeo

12 Apontamentos doutrinaacuterios especiacuteficos a respeito do delito de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo

No subitem anterior declinou-se algumas consideraccedilotildees a respeito da

licitaccedilatildeo sua importacircncia seus princiacutepios regentes e seus objetivos agrave luz da

doutrina administrativista especialista na mateacuteria

De outro lado ponderando que o presente trabalho tenciona analisar o delito

de dispensa indevida de licitaccedilatildeo desenhado no art 89 da Lei n 86661993

importa neste lance da pesquisa aprofundar algumas ponderaccedilotildees doutrinaacuterias

preliminares a respeito do injusto penal em espeacutecie Eacute o que se passa a fazer nas

linhas que seguem

Na dicccedilatildeo da Lei 8666 de 1993 o fato de dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora

das hipoacuteteses previstas na legislaccedilatildeo aleacutem da conduta de deixar de observar as

formalidades correlatas agrave dispensa ou inexigibilidade satildeo medidas reprimidas pela

lei penal sancionada com detenccedilatildeo de 03 (trecircs) a 05 (cinco) anos aleacutem de multa

Na mesma direccedilatildeo a lei sob exame tambeacutem penaliza nos mesmos lindes do

caput aquele que tendo comprovado concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade

beneficia-se da dispensa ou inexigibilidade para celebrar contrataccedilatildeo com o Poder

Puacuteblico Confira-se a iacutentegra

Art 89 Dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes agrave dispensa ou agrave inexigibilidade Pena - detenccedilatildeo de 3 (trecircs) a 5 (cinco) anos e multa Paraacutegrafo uacutenico Na mesma pena incorre aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Puacuteblico

Bem se vecirc portanto que o diploma legal em referecircncia buscou pela via do

Direito Penal assentar a importacircncia juriacutedica do instituto da licitaccedilatildeo nos termos do

que preleciona o art 37 XXI da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Aleacutem da regra de

iacutendole constitucional cabe aludir que haacute um mandamento internacional para

prevenccedilatildeo e repressatildeo de crimes derivados de praacuteticas iliacutecitas em certames

licitatoacuterios conforme se deflui da leitura da Convenccedilatildeo da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas (ONU) contra a corrupccedilatildeo a qual em seu art 9ordm estabelece

Cada Estado Participante em conformidade com os princiacutepios fundamentais de seu ordenamento juriacutedico adotaraacute as medidas necessaacuterias para estabelecer sistemas apropriados de contrataccedilatildeo puacuteblica baseados na transparecircncia na competecircncia e em criteacuterios objetivos de adoccedilatildeo de decisotildees que sejam eficazes entre outras coisas para prevenir a corrupccedilatildeo19

Natildeo haacute como olvidar a respeito das razotildees que orientaram a introduccedilatildeo de

disposiccedilotildees penais na Lei 8666 distanciando-se aqui do Decreto Lei n 2306 de

1986 o qual natildeo explicitava qualquer conteuacutedo criminal para reprimir e prevenir

ilicitudes perpetradas em certames concorrenciais

Com efeito na linha de pensamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro em

palestra proferida20 no seminaacuterio intitulado 20 anos da Lei Federal n 866693

promovido na Escola Superior de Gestatildeo e Contas Puacuteblicas Conselheiro Euriacutepedes

Sales centro difusatildeo de conhecimento sobre administraccedilatildeo puacuteblica do Tribunal de

Contas do Municiacutepio de Satildeo Paulo um dos motivos que respaldou o legislador a

minudenciar ateacute de certa forma exagerada segundo a doutrinadora as

formalidades pertinentes agraves modalidades de licitaccedilatildeo foi uma tentativa de barrar a

praacutetica de atos de corrupccedilatildeo envolvendo essa mateacuteria que sempre foi palco de

verdadeiros absurdos envolvendo recursos puacuteblicos

Avanccedilando analisa-se os principais marcos teoacutericos do delito em referecircncia

agrave luz da doutrina especiacutefica sobre o tema

Quanto ao bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada eacute

predominante em niacutevel doutrinaacuterio o entendimento de que se lsquocuida da moralidade

administrativa especialmente quanto aos princiacutepios da competitividade e da

isonomiarsquo21

Paulo Joseacute da Costa Jr alude agrave mesma compreensatildeo

Objetividade juriacutedica Eacute a moralidade administrativa e a lisura das concorrecircncias em que satildeo validamente premiados os que oferecem melhores condiccedilotildees ao Estado22

19 A norma internacional foi incorporada ao ordenamento juriacutedico Brasileiro por intermeacutedio do Decreto n 5687 de 2006 cuja iacutentegra pode ser acessada em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2004-20062006DecretoD5687htmgt Acesso em 08 nov 2015 20 A palestra pode ser conferida em lt httpswwwyoutubecomwatchv=tRvPPdgsL9Egt Acesso em 08 nov 2015 21 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p902 22 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 29

Na mesma ordem de ideias Andreacute Guilherme Tavares de Freitas pondera

que a objetividade juriacutedica do injusto penal em liccedilatildeo eacute a busca especialmente para

garantir a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa da

licitaccedilatildeo chancelando por vias transversas a moralidade administrativa a qual eacute

lesada por praacuteticas das condutas desenhadas neste tipo penal incriminador 23

Eacute com base nessas consideraccedilotildees que Joatildeo Marcelo de Arauacutejo Jr reputa que

a dispensa ou inexigibilidade indevida de certame licitatoacuterio pode ser catalogado

como um delito de obstaacuteculo Veja-se

[] Pois na realidade o que a Lei deseja punir eacute a celebraccedilatildeo de contratos administrativos com violaccedilatildeo da regra da isonomia e da seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a Administraccedilatildeo24

No que tangencia ao sujeito ativo do delito Vicente Greco Filho leciona que

no caso do caput do artigo o sujeito ativo eacute o administrador (intraneus) que

declara a dispensa ou a inexigibilidade ou natildeo obedece ao seu procedimento legal

ao passo em que na hipoacutetese veiculada no paraacutegrafo uacutenico eacute o particular

(extraneus) contratante ou pretendente a contratante que concorre para a

contrataccedilatildeo ilegal25

Agrave maneira do que preconiza o art 327 do Coacutedigo Penal (doravante apenas

lsquoCPrsquo) o art 84 da Lei n 86661993 adotou um conceito amplo do servidor puacuteblico

alcanccedilando todos aqueles que ainda que transitoriamente sem viacutenculo efetivo com

o Estado atuem como gestores de recursos puacuteblicos Logo embora natildeo possam

para fins de Direito Administrativo serem catalogados como servidores puacuteblicos em

sentido estrito a norma penal aqui grifada alcanccedila todos aqueles que assumem

funccedilotildees puacuteblicas ainda que sem receber qualquer remuneraccedilatildeo Eacute o que ressai da

leitura do dispositivo aqui grifado

Lei n 86661993 (Lei de Licitaccedilotildees e Contratos) Art 84 Considera-se servidor puacuteblico para os fins desta Lei aquele que exerce mesmo que transitoriamente ou sem remuneraccedilatildeo cargo funccedilatildeo ou emprego puacuteblico

23 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p51 24 ARAUacuteJO JR Joatildeo Marcello de Espaccedilo Juriacutedico-criminal dos Tribunais de Contas Breviacutessimas Notas sobre o crime do art 89 da Lei 8666 de 21 de junho de 1993 Revista Brasileira de Ciecircncias Criminais ano 4 n 13 janmar 1996 p 176 25 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61

sect 1o Equipara-se a servidor puacuteblico para os fins desta Lei quem exerce cargo emprego ou funccedilatildeo em entidade paraestatal assim consideradas aleacutem das fundaccedilotildees empresas puacuteblicas e sociedades de economia mista as demais entidades sob controle direto ou indireto do Poder Puacuteblico sect 2o A pena imposta seraacute acrescida da terccedila parte quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissatildeo ou de funccedilatildeo de confianccedila em oacutergatildeo da Administraccedilatildeo direta autarquia empresa puacuteblica sociedade de economia mista fundaccedilatildeo puacuteblica ou outra entidade

controlada direta ou indiretamente pelo Poder Puacuteblico

Nessa perspectiva impotildee-se concluir que as condutas alinhavadas no caput

do art 89 da Lei n 86661993 satildeo delitos classificados como proacuteprios assim

entendidos aqueles que se exige uma determinada qualidade ou condiccedilatildeo especial

do agente26 Naturalmente por ser elementar ainda que subjetiva do injusto penal

comunica-se aos demais coautores e partiacutecipes do delito (CP art 30) admitindo

em linha de consequecircncia concurso de agentes (CP art 29)

Noutro giro natildeo haacute maiores controveacutersias em relaccedilatildeo ao sujeito passivo

Conforme expresso na proacutepria legislaccedilatildeo extravagante (Lei 86661993 art 85) as

infraccedilotildees penas ali insculpidas satildeo pertinentes agraves licitaccedilotildees e aos contratos levados

a efeito pela Uniatildeo Estados Distrito Federal Municiacutepios autarquias empresas

puacuteblicas sociedades de economia mista fundaccedilotildees puacuteblicas aleacutem de qualquer

outra entidade sob o seu controle direto ou indireto

Dito de outro modo a sujeiccedilatildeo passiva do crime em questatildeo eacute fortemente

imbricada com o proacuteprio conceito de Administraccedilatildeo Puacuteblica direta ou indireta A

esse tiacutetulo as consideraccedilotildees trazidas por Vicente Greco Filho devem ser

referendadas neste ponto

Sujeito passivo eacute o Estado personificado na pessoa juriacutedica agraves normas de licitaccedilatildeo da lei colocada em situaccedilatildeo de dano ou perigo em virtude da praacutetica da infraccedilatildeo A pessoa juriacutedica eacute que poderaacute intentar a accedilatildeo penal privada subsidiaacuteria no caso de ineacutercia do Ministeacuterio Puacuteblico (art 103 do CP cc os arts 29 e 30 do CPP) e tambeacutem ingressar como assistente na accedilatildeo penal puacuteblica27

Volvendo ao exame da dicccedilatildeo legal cabe refletir que o art 89 (caput e

paraacutegrafo uacutenico) em uma redaccedilatildeo uacutenica erigiu normas proibitivas em relaccedilatildeo agrave 04

(quatro) condutas 03 (trecircs) destas inseridas no caput do dispositivo dispensar

licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses previstas em lei inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses

26 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 256 27 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 61 a 62

previstas em lei e deixar de observas as formalidades atinentes agrave dispensa ou a

inexigibilidade

Trata-se a toda evidecircncia de norma penal em branco assim entendida como

aquelas que reclamam um complemento normativo para respaldar a tipicidade

objetiva do injusto penal em questatildeo Nesse tema a doutrina esclarece

Natildeo eacute pois este tipo exauriente isto eacute natildeo descreve de forma integral exaustiva a conduta proibida necessitando de tal sorte de um complemento para que entatildeo possa ser visualizada a conduta tiacutepica penal A necessidade de complemento aqui eacute facilmente observada pelo emprego das expressotildees lsquofora das hipoacuteteses previstas em leirsquo e lsquoformalidades pertinentesrsquo pelo que necessita essa norma de disposiccedilotildees integradoras para que seja complementado o seu preceito incriminador28

Na linha de raciociacutenio desenvolvida no subitem precedente o art 24 da Lei

8666 de 1993 em seus 24 (vinte e quatro) incisos desenhou diversas hipoacuteteses

taxativas e de interpretaccedilatildeo restritiva os quais autorizam a Administraccedilatildeo calcada

em criteacuterios de conveniecircncia e oportunidade (ato discricionaacuterio) a contratar

diretamente

Na mesma direccedilatildeo a inexigibilidade de licitaccedilatildeo eacute instituto marcado pelo fato

de inviabilidade de competiccedilatildeo (art 25 da Lei n 8666 de 1993) de sorte que a

realizaccedilatildeo de certame licitatoacuterio resta inviabilizada Diversamente dos casos de

dispensa o dispositivo em questatildeo (art 25) possui situaccedilotildees ilustrativas natildeo

exaustivas o que datildeo uma margem interpretativa maior ao Administrador

Assim as duas primeiras condutas (dispensar e inexigir) satildeo condutas

comissivas consubstanciadas na expediccedilatildeo do ato declaratoacuterio de inexigibilidade ou

dispensa de licitaccedilatildeo em menosprezo agraves limitaccedilotildees impostas no art 17 24 e 25

todos da Lei 866693

Conveacutem ressalvar entrementes que a puniccedilatildeo penal eacute invocada natildeo apenas

quando o agente ignorar as hipoacuteteses previstas para a contrataccedilatildeo direta mas

tambeacutem quando de modo fraudulento simular a presenccedila de tais requisitos29 Na

mesma linha

28 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 86 29 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1171

A primeira parte do dispositivo incriminador (dispensar ou inexigir licitaccedilatildeo fora das hipoacuteteses legais) consiste no ato de declarar dispensada ou inexigiacutevel a licitaccedilatildeo em situaccedilatildeo que natildeo corresponde a um dos casos dos arts 24 e 25 jaacute citados natildeo soacute pela alegaccedilatildeo de hipoacutetese natildeo prevista mas tambeacutem pela inexistecircncia da situaccedilatildeo faacutetica que legitimaria a dispensa ou a inexigibilidade Ou seja ocorreraacute a infraccedilatildeo por exemplo se o administrador afirma a emergecircncia mas ela natildeo existe ou se afirma a notoacuteria especializaccedilatildeo do contratante e natildeo existe essa qualidade30

Por outro lado a terceira conduta descrita no dispositivo eacute correlacionada ao

desrespeito agraves formalidades inerentes ao procedimento de declaraccedilatildeo de dispensa

ou inexigibilidade desenhadas no art 26 da Lei 8666 transcrito a seguir

Art 26 As dispensas previstas nos sectsect 2o e 4o do art 17 e no inciso III e seguintes do art 24 as situaccedilotildees de inexigibilidade referidas no art 25 necessariamente justificadas e o retardamento previsto no final do paraacutegrafo uacutenico do art 8o desta Lei deveratildeo ser comunicados dentro de 3 (trecircs) dias agrave autoridade superior para ratificaccedilatildeo e publicaccedilatildeo na imprensa oficial no prazo de 5 (cinco) dias como condiccedilatildeo para a eficaacutecia dos atos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 11107 de 2005) Paraacutegrafo uacutenico O processo de dispensa de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo seraacute instruiacutedo no que couber com os seguintes elementos I - caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa quando for o caso II - razatildeo da escolha do fornecedor ou executante III - justificativa do preccedilo IV - documento de aprovaccedilatildeo dos projetos de pesquisa aos quais os bens seratildeo alocados (Incluiacutedo pela Lei nordm 9648 de 1998)

Em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 8666 de 1993

o qual sanciona nos mesmos limites do caput aquele que tenha concorrido para a

consumaccedilatildeo da ilegalidade beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade

indevidas de licitaccedilatildeo cabe registrar que se cuida de exceccedilatildeo agrave teoria monista

adotada pelo art 29 do CP A literatura juriacutedica bem desenha as distinccedilotildees entre o

conteuacutedo do caput e de seu paraacutegrafo uacutenico Ilustrando

A distinccedilatildeo entre os crimes previstos no caput e no paraacutegrafo uacutenico eacute evidente entatildeo O crime do caput do art 89 tem por materialidade a conduta de promover a contrataccedilatildeo direta indevidamente Trata-se de crime cuja configuraccedilatildeo pressupotildee a qualidade de funcionaacuterio puacuteblico numa acepccedilatildeo ampla A conduta criminosa somente pode ser consumada por um sujeito investido na condiccedilatildeo de agente estatal e no exerciacutecio da competecircncia para deliberar sobre o aperfeiccediloamento de contrataccedilatildeo administrativa sem licitaccedilatildeo Jaacute o crime do paraacutegrafo uacutenico do art 89 da Lei 86661993 envolve a conduta de um particular que pode ou natildeo integrar os quadros de uma pessoa administrativa Mas se integrar os quadros dessa

30 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 58

pessoa o sujeito natildeo eacute o titular da competecircncia para deliberar sobre a contrataccedilatildeo direta31

Quanto ao elemento subjetivo e agrave necessidade de concretizaccedilatildeo de prejuiacutezo

econocircmico ao Eraacuterio por constituiacuterem a mateacuteria meritoacuteria da pesquisa seratildeo itens

desenvolvidos com mais vagar em toacutepico apartado a seguir

Por outra via a consumaccedilatildeo do delito natildeo eacute mateacuteria tatildeo paciacutefica na esfera

doutrinaacuteria De um lado parcela dos autores defende que a consumaccedilatildeo do delito

sucede no momento em que for declarada a dispensa ou a inexigibilidade de

licitaccedilatildeo ainda que natildeo se opera a contrataccedilatildeo em momento posterior De outro haacute

forte corrente aludindo agrave compreensatildeo de que eacute necessaacuteria a formalizaccedilatildeo do pacto

juriacutedico sobre pena de malferir o princiacutepio da intervenccedilatildeo miacutenima base sob a qual o

Direito Penal estaacute fundado

A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo cabe citar o entendimento perfilhado por Paulo

Joseacute de Costa Jr para quem o crime lsquoperfaz-se no instante em que o agente puacuteblico

contratar obra ou serviccedilo sem promover a necessaacuteria licitaccedilatildeo32 perspectiva

contestada por Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior lsquopara quem a figura consuma-se com a

praacutetica do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade ainda que natildeo haja

contrataccedilatildeorsquo33

Com efeito a segunda corrente parece estar com a razatildeo Na linha do que

ajuizado no subitem precedente eacute bastante paciacutefico em niacutevel jurisprudencial e

doutrinaacuterio que o resultado selado pela licitaccedilatildeo exteriorizada no fenocircmeno da

adjudicaccedilatildeo do objeto gera para o licitante vencedor apenas uma expectativa de

Direito natildeo representando portanto Direito adquirido agrave contrataccedilatildeo

Em tal ordem de raciociacutenio a princiacutepio se o legislador buscasse a puniccedilatildeo

dessas praacuteticas ficasse condicionada agrave contrataccedilatildeo posterior a redaccedilatildeo do art 89

caput da Lei 866693 caberia a utilizaccedilatildeo de uma expressatildeo mais especiacutefica como

lsquocontratar mediante dispensa ou inexigibilidades indevidasrsquo mas o diploma legal

calou a esse respeito de sorte que natildeo se admite a introduccedilatildeo em niacutevel

interpretativo de elementos natildeo constantes expressamente no tipo penal Outra natildeo

eacute a leitura realizada por Dioacutegenes Gasparini quando discorre que

31 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176 32 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20 33 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906

Consuma-se o crime no que respeite agrave dispensa dispensabilidade ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo com a ediccedilatildeo do ato administrativo que libera a Administraccedilatildeo Puacuteblica de realizaccedilatildeo dessa espeacutecie de certame independentemente da celebraccedilatildeo do contrato Ateacute porque este pode natildeo ser celebrado natildeo obstante o crime jaacute se consumara No que pertinente agrave inobservacircncia da dispensa ou de inexigibilidade de licitaccedilatildeo sem o atendimento preacutevio das formalidades nos prazos previstos ou apoacutes o vencimento do prazo para a sua praacutetica No que diz respeito ao crime do paraacutegrafo uacutenico a infraccedilatildeo consuma-se no momento da celebraccedilatildeo do contrato isto eacute da assinatura do ajuste quando for exigido um termo de contrato ou ocorrer a aceitaccedilatildeo ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa ordem de execuccedilatildeo de serviccedilo34

Em niacutevel jurisprudencial35 entendeu-se como configurado o crime nas

seguintes hipoacuteteses

a) De dispensa irregular de procedimento licitatoacuterio lsquona contrataccedilatildeo de

empresa de publicidade pelo Governo de Rondocircnia a fim de promover campanha

de aumento de arrecadaccedilatildeo atraveacutes da expediccedilatildeo de notas fiscaisrsquo (STJ AP 15

Dipp CE 21052003)

b) De diretor-executivo de autarquia federal possuidor de amplos poderes

administrativos que efetua compra de imoacuteveis dispensando a licitaccedilatildeo sem

observar o devido procedimento (TRF4 AC 2001700022836-4 Eacutelcio 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

c) Do fracionamento irregular do objeto da reforma de imoacutevel de autarquia

visando evitar a licitaccedilatildeo (TRF4 AC 2003710073774-0 Paulo Afonso 8ordf Turma

unacircnime 21032007)

d) Do Prefeito que lsquofoi procurar a empresa de transportes oferecendo a

soluccedilatildeo para a contrataccedilatildeo sem licitaccedilatildeo com o objetivo de natildeo deixar de atender a

populaccedilatildeo durante periacuteodo eleitoral (STJ REsp 1073676 Napoleatildeo 5ordf Turma

julgado em 23022010)

De outro lado entendeu-se por natildeo configurado o delito nas seguintes

situaccedilotildees

a) De contrataccedilatildeo de empresa para a execuccedilatildeo de concurso puacuteblico

reconhecida a hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo (Lei 866693 art 24 II cc art 23

II a) (STJ Inq 152 CE maioria 28995)

34 GASPARINI Diogenes Crimes na Licitaccedilatildeo 2 ed Satildeo Paulo NDJ 2001 p 97 35 Precedentes citados na obra de Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior p 905

b) No convecircnio firmado pelo Municiacutepio com fundaccedilatildeo puacuteblica (LL art 24 XII)

com fins de muacutetua colaboraccedilatildeo finalidade de cunho social sem contraposiccedilatildeo de

interesses ou preccedilo estipulado (STF Inq 1957 Velloso Plenaacuterio 11505)

c) No caso em que o contrato tem valor inferior ao limite maacuteximo para

dispensa de licitaccedilatildeo em Sociedade de Economia Mista (STJ RHC

200301067692MS Laurita 5ordf Turma unacircnime 11405)

Em linha de encerramento deste capiacutetulo urge alinhar aqui alguns

apontamentos relativos aos concursos de crimes Para a vasta maioria da doutrina

com a chancela de diversos precedentes de nossas Cortes eacute plenamente viaacutevel o

reconhecimento de concurso material (CP art 69) e cadeia delitiva (CP art 71) em

delitos dessa espeacutecie Nessa vertente

Contudo algumas vezes (que natildeo satildeo poucas) a contrataccedilatildeo direta indevida pode vir acompanhada de superfaturamento de preccedilos de desvios de verba puacuteblica de crimes de corrupccedilatildeo etc caso em que aleacutem da sanccedilatildeo civil estabelecida no art 25 sect2ordm da Lei 866693 poderemos ter um concurso de crimes do art 89 desta lei com as outras infraccedilotildees penais porventura indicadas Esse concurso de crimes poderaacute ser vg com o crime de peculato (art 312 do CP) com o crime de formaccedilatildeo de quadrilha ou bando (art 288 do CP) Ou com alguma modalidade delitiva do Decreto-Lei n 20167 poreacutem maacutexime na situaccedilatildeo de superfaturamento de preccedilos jamais poderaacute ser com o art 96 da Lei 866693 pois neste temos como elementar do tipo a expressatildeo lsquolicitaccedilatildeo instauradarsquo o que evidentemente natildeo se observa no art 89 da mesma lei em que natildeo houve licitaccedilatildeo36

Por derradeiro anote-se que para esses casos a accedilatildeo penal eacute publica

incondicionada cabendo seu manejo pelo Ministeacuterio Puacuteblico observadas as

diretrizes legais de diluiccedilatildeo de atribuiccedilotildees

Alinhavadas essas consideraccedilotildees preliminares poreacutem imprescindiacutevel

avanccedila-se no capiacutetulo a seguir para resgatar o debate jurisprudencial envolvendo a

mateacuteria apontando as consideraccedilotildees teoacutericas relevantes para a soluccedilatildeo do impasse

aqui proposto

36 FREITAS Andreacute Guilherme Tavares Crimes na lei de licitaccedilotildees 2 ed Rio de Janeiro Lumes Juris 2010 p 52

2 (DES)NECESSIDADE DE DANO AO ERAacuteRIO E ELEMENTO SUBJETIVO

ESPECIAL UMA ANAacuteLISE DA JURISPRUDEcircNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTICcedilA A RESPEITO DO ART 89 DA LEI 8666 DE 1993 Agrave LUZ DA TEORIA

DO BEM JURIacuteDICO

21 Breve evoluccedilatildeo da mateacuteria no acircmbito do Superior Tribunal de Justiccedila

No uacuteltimo item desenhou-se rapidamente os contornos teoacutericos sobre o crime

insculpido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Neste capiacutetulo seraacute introduzida a

problemaacutetica quanto agrave interpretaccedilatildeo desse injusto penal em relaccedilatildeo a dois aspectos

(1) a necessidade ou natildeo de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao Eraacuterio para a

sua tipificaccedilatildeo objetiva bem como (2) a imprescindibilidade ou natildeo de um elemento

subjetivo especial do agente de causar tal resultado como requisito imprescindiacutevel

para a tipificaccedilatildeo subjetiva do injusto penal

Volvendo ao resgate doutrinaacuterio especiacutefico sobre o crime do art 89 da Lei

8666 de 1993 vislumbra-se que a maioria dos doutrinadores referendados na

mateacuteria satildeo concordes em enxergar a desnecessidade destas duas condicionantes

Ilustrando Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior embora reconheccedila a divergecircncia

jurisprudencial enunciada adiante pondera que a dispensa ou inexigibilidades

indevidas de licitaccedilatildeo estatildeo consumadas no instante de sua declaraccedilatildeo

independentemente de prejuiacutezo para a administraccedilatildeo tratando-se portanto de

crime formal ou ateacute mesmo de mera conduta37

Na mesma direccedilatildeo Paulo Joseacute da Costa Juacutenior averba que o delito em

questatildeo se trata de perigo abstrato sendo que para aperfeiccediloar-se natildeo se faz

necessaacuterio que a Administraccedilatildeo Puacuteblica venha a padecer algum prejuiacutezo concreto

Nessa hipoacutetese segundo esse autor sobreviraacute a sanccedilatildeo civil prevista no art 25

sect2ordm38

37 BALTAZAR Joseacute Paulo Baltazar Juacutenior Crimes Federais 9 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2014 p 906 38 COSTA JUacuteNIOR Paulo Joseacute da Direito penal das licitaccedilotildees comentaacuterios aos arts 89 a 99 da Lei n 8666 de 21-6-1993 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 p 20

Na sua claacutessica liccedilatildeo Hely Lopes Meirelles39 tambeacutem assevera que o crime

no caput do art 89 eacute formal consumando-se com a mera dispensa ou

inexigibilidade natildeo autorizada em lei A seu turno Vicente Greco Filho assenta

O bem juriacutedico protegido eacute em termos gerais a moralidade administrativa e em termos especiacuteficos a estrita excepcionalidade dos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitaccedilatildeo Trata-se de crime de perigo abstrato ou seja natildeo se indaga o contrato celebrado ou a ser celebrado com a Administraccedilatildeo venha a causar prejuiacutezo O contrato pode ser necessaacuterio e adequado A incriminaccedilatildeo estaacute na dispensa ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo independentemente do prejuiacutezo O prejuiacutezo concreto agrave administraccedilatildeo que consistiria no superfaturamento do serviccedilo pode ensejar a responsabilidade adicional prevista no art 25 sect2ordm40

Na doutrina especializada na mateacuteria foi localizada apenas a opiniatildeo de

Marccedilal Justen Filho para respaldar a necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro agrave Administraccedilatildeo para a tipificaccedilatildeo objetiva da norma proibitiva aqui

examinada Em seus dizeres

Natildeo se aperfeiccediloa o crime do art 89 sem dano aos cofres puacuteblicos Ou seja o crime consiste natildeo apenas na indevida contrataccedilatildeo indireta mas na produccedilatildeo de um resultado final danoso Se a contrataccedilatildeo direta ainda que indevidamente adotada gerou um contrato vantajoso para a Administraccedilatildeo natildeo existiraacute crime Natildeo se pune a mera conduta ainda que reprovaacutevel de deixar de adotar a licitaccedilatildeo O que se pune eacute a instrumentalizaccedilatildeo da contrataccedilatildeo direta pera gerar lesatildeo patrimonial agrave Administraccedilatildeo41

Nessa perspectiva conclui-se que haacute predominacircncia em niacutevel doutrinaacuterio a

respeito da desnecessidade de comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo em virtude da dispensa ou

inexigibilidade de certame licitatoacuterio operado agrave revelia da legislaccedilatildeo federal que rege

a mateacuteria

Por outro lado sabe-se que salvo disposiccedilatildeo legal em sentido inverso

aplicam-se agraves normas penais extravagantes as disposiccedilotildees da parte geral do

estatuto repressivo (CP art 12) Em linha de consequecircncia como o dispositivo do

art 89 da Lei 8666 de 1993 natildeo preconiza puniccedilatildeo a tiacutetulo de culpa somente eacute

possiacutevel a puniccedilatildeo em sua modalidade dolosa (CP art 18 paraacutegrafo uacutenico)

39 MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 15ordf ed Atualizada por Joseacute Emmanuel Burle Filho Carlo Rosado Burle e Luiacutes Fernando Pereira Franchini p 237 40 GREGO FILHO Vicente Dos crimes da lei de licitaccedilotildees 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 60 a 61 41 JUSTEN FILHO Marccedilal Comentaacuterios agrave lei de licitaccedilotildees e contratos administrativos Lei 86661993 16 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 1176

Portanto agrave luz da teoria finalista desenvolvida por Welzel (natildeo superada

ainda que se adote os modelos funcionalistas de Claus Roxin ou de Hans-Heinrich

Jescheck) toda accedilatildeo consciente eacute conduzida pela decisatildeo da accedilatildeo vale dizer pela

consciecircncia do que se quer ndash o momento intelectual ndash e pela decisatildeo a respeito de

querer realizaacute-lo ndash o momento volitivo Ambos os momentos conjuntamente como

fatores configuradores de uma accedilatildeo tiacutepica real formam o dolo conforme abordado

com propriedade por Rogeacuterio Greco42

Tambeacutem nessa linha de raciociacutenio Guilherme de Souza Nucci leciona que o

elemento subjetivo doloso dos tipos penais corresponde a uma conjugaccedilatildeo entre um

elemento cognitivo consubstanciado na compreensatildeo do agente a respeito da

situaccedilatildeo faacutetica em que se encontra aliado a um dado de iacutendole volitiva retratado

na vontade do autor de perpetrar uma conduta proibida pelo ordenamento juriacutedico

Na mesma linha pondera que satildeo caracteriacutesticas da tipicidade dolosa

Caracteriacutesticas do dolo Satildeo as seguintes a) abrangecircncia o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo b) atualidade o dolo deve estar presente no momento da accedilatildeo natildeo existindo dolo antecedente nem dolo subsequente c) possibilidade de influenciar o resultado43

Em breves palavras o elemento subjetivo doloso eacute concretizado pela

compreensatildeo da situaccedilatildeo faacutetica agregada a vontade do agente em praticar a

conduta proibida pelo arcabouccedilo normativo Daiacute exsurge a razatildeo da literatura

juriacutedica propalar uma necessidade em uma congruecircncia entre tipo subjetivo e tipo

objetivo o dolo eacute a compreensatildeo e a vontade de perpetrar a hipoacutetese faacutetica prevista

em um tipo penal objetivo

Assim para manter compatibilidade teoacuterica para advogar a premecircncia de

demonstraccedilatildeo de dano ao eraacuterio para tipificaccedilatildeo objetiva do art 89 da Lei 8666 de

1993 eacute mister que tambeacutem se defenda a necessidade do especial fim de agir

retratada nessa intenccedilatildeo

Em sentido contraacuterio ao se acolher a posiccedilatildeo que propotildee a desnecessidade

desse requisito para autorizar a reprimenda penal o elemento subjetivo especial se

torna desnecessaacuterio Eacute nesse compasso que estaacute posicionada a doutrina

42 GRECO Rogeacuterio Curso de Direito Penal Parte Geral Volume I 10 ed Rio de Janeiro Impetus 2008 p 183 43 NUCCI Guilherme de Souza Manual de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial 6 ed rev ampl atual Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 22

Para a caracterizaccedilatildeo do crime exige-se apenas o dolo geneacuterico que consiste na vontade conscientemente dirigida agrave dispensa e natildeo exigecircncia 17 de licitaccedilatildeo ou agrave inobservacircncia das formalidades exigidas para a sua realizaccedilatildeo Eacute geneacuterico posto natildeo reclamar a norma que o sujeito ativo tenha um objetivo especiacutefico para o seu patrociacutenio como obter vantagem pecuniaacuteria ou funcional que a licitaccedilatildeo se conclua ou que esta ou aquela empresa seja vencedora no certame Natildeo eacute necessaacuterio dizer que natildeo haveraacute crime sem dolo isto eacute sem a vontade livre e consciente de praticar a accedilatildeo contraacuteria agrave lei penal natildeo desaparecendo pelo fim ou objetivo do agente44

Sem a miacutenima pretensatildeo de esgotar o tema estas eram as consideraccedilotildees

doutrinaacuterias que se mostraram convenientes trazer ateacute este momento

Avanccedilando poreacutem eacute de se ver que apesar de certa inquietaccedilatildeo doutrinaacuteria a

respeito da tipicidade objetiva (desnecessidade de dano ao Eraacuterio) e subjetiva

(desnecessidade de especial fim de agir de causar prejuiacutezo) a jurisprudecircncia do

Superior Tribunal de Justiccedila reproduzida em grande medida pelos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila de todo o Paiacutes eacute deveras controvertida a

respeito do tema

De saiacuteda eacute necessaacuterio tecer raacutepidas consideraccedilotildees a respeito do

funcionamento da Corte Especial para a boa compreensatildeo da divergecircncia

Com efeito o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila (doravante

apenas lsquoRISTJrsquo) publicado no DJ 07071989 republicado no DJ 17081989

delineia em seu art 11 que cabe agrave sua Corte Especial processar e julgar em

crimes comuns diversas autoridades com prerrogativa de funccedilatildeo em atenccedilatildeo agraves

disposiccedilotildees constitucionais vertidas no art 103 I a da Magna Carta de 1998

Transcrevem-se os dispositivos

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiccedila I - processar e julgar originariamente a) nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante tribunais Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiccedila Art 11 Compete agrave Corte Especial processar e julgar I - nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os Desembargadores dos Tribunais de Justiccedila dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais

44 FRANCO Alberto Silva STOCO Rui Leis Penais Especiais e sua interpretaccedilatildeo jurisprudencial 7 ed Satildeo Paulo RT 2001 p 2559

Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municiacutepios e os do Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo que oficiem perante Tribunais

De outro norte a Terceira Seccedilatildeo do Superior Tribunal de Justiccedila composto

pelas 5ordf e 6ordf Turmas a teor do que preleciona o art 1ordm sect4ordm do RISTJ possuem a

competecircncia penal residual naquela casa conforme se infere do art 9ordm sect3ordm

transcrito a seguir

Art 9ordm A competecircncia das Seccedilotildees e das respectivas Turmas eacute fixada em funccedilatildeo da natureza da relaccedilatildeo juriacutedica litigiosa sect 3ordm Agrave Terceira Seccedilatildeo cabe processar e julgar os feitos relativos agrave mateacuteria penal em geral salvo os casos de competecircncia originaacuteria da Corte Especial e os habeas corpus de competecircncia das Turmas que compotildeem a Primeira e a Segunda Seccedilatildeo

A par dessas disposiccedilotildees regimentais pode-se afirmar que a Terceira Seccedilatildeo

(fruto da conjugaccedilatildeo da 5ordf e 6ordf Turmas) do Superior Tribunal de Justiccedila eacute a

responsaacutevel por ditar a jurisprudecircncia em niacutevel revisional naquela casa apreciando

recursos especiais e remeacutedios constitucionais que versem sobre mateacuteria criminal A

seu turno a competecircncia de sua composiccedilatildeo especial limita-se ao julgamento de

demandas penais originaacuterias restritas aos reacuteus que tecircm prerrogativa de foro

detalhadas na proacutepria Carta Constitucional

E com efeito a grande divergecircncia interpretativa a respeito do delito inserido

no art 89 da Lei 86661993 ocorre em embates entre os oacutergatildeos fracionaacuterios

conforme seraacute historiado nas linhas a seguir

Um marco na jurisprudecircncia sobre o tema foi a divergecircncia travada nos autos

da accedilatildeo penal puacuteblica n 480MG promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal perante

a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila e dirigida em desfavor de uma

conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por fatos

supostamente perpetrados enquanto ainda era chefe do Executivo do Municiacutepio de

Trecircs Pontas

Segundo a denuacutencia ofertada pelo oacutergatildeo ministerial a acusada teria

fracionado despesas para a realizaccedilatildeo dos eventos relacionados ao carnaval

naquela cidade o que em linha de desdobramento teria simulado o enquadramento

da hipoacutetese como dispensa de licitaccedilatildeo em virtude do baixo valor do objeto (Lei

8666 art 24 II)

No julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal (julgado em 29 de marccedilo de 2012) a

Excelentiacutessima Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Mouro invocando diversos

precedentes daquela Corte (no sentido da dispensabilidade de prova efetiva do

prejuiacutezo) e ancorando-se em diversas liccedilotildees doutrinaacuterias (algumas delas transcritas

acima) entendeu que o injusto penal aqui examinado tratava-se de crime formal

(dispensando-se pois a ocorrecircncia de qualquer resultado naturaliacutestico para a sua

consumaccedilatildeo) razatildeo pela qual julgou procedente a pretensatildeo punitiva estatal aviada

na denuacutencia para o efeito de condenar a reacute pelas imputaccedilotildees desenvolvidas pelo

oacutergatildeo ministerial Em seus dizeres

Agrave toda evidecircncia na condiccedilatildeo de gestora das financcedilas municipais ao deixar de observar conscientemente os paracircmetros da segunda parte do inciso II do art 24 da Lei 866690 a prefeita descumpriu um dever legal o qual resultou no rompimento dos princiacutepios do certame licitatoacuterio jaacute referidos que satildeo sem embargo o bem tutelado pela norma penal Neste caso entendo que o resultado natildeo eacute naturaliacutestico e natildeo poderia secirc-lo pois no crime em questatildeo se haacute resultado este haacute de ser sempre juriacutedico jaacute que envolve a violaccedilatildeo de valores e princiacutepios da conduccedilatildeo da res publicae

No entanto essa natildeo foi a orientaccedilatildeo predominante naquele julgamento

Abrindo a divergecircncia o Excelentiacutessimo Ministro Cesar Asfor Rocha ao

iniciar a sua interpretaccedilatildeo a respeito do injusto penal descrito no art 89 da Lei 8666

de 1993 primeiramente ressalvou natildeo desconhecer precedentes daquela mesma

casa em sentido diverso ao que estava a expor 45 Eis os fundamentos declinados

pelo julgador para se distanciar da jurisprudecircncia sedimentada na esfera daquela

Casa

Ouso divergir da orientaccedilatildeo das Turmas componentes da Terceira Seccedilatildeo por entender que as infindaacuteveis e naturais duacutevidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administraccedilotildees em geral ensejando erros e acertos por parte dos agentes puacuteblicos inclusive pelos mais habilitados juridicamente impotildeem uma interpretaccedilatildeo mais cuidadosa e restrita das normas punitivas sobretudo as do acircmbito criminal Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaccedilas de condenaccedilotildees criminais eacute tatildeo pernicioso quanto a sua liberaccedilatildeo total descontrolada sendo necessaacuterio encontrar um ponto de equiliacutebrio na interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas destinadas a punir os agentes puacuteblicos os quais tecircm a obrigaccedilatildeo de impedir uma desastrosa estagnaccedilatildeo da atividade estatal

45 Ilustrando o ministro cita precedentes da 5ordf e 6ordf Turmas em sentido contraacuterio agrave posiccedilatildeo que estava a firmar HC 94720PE Quinta Turma Ministro Felix Fischer DJe de 1882008 HC 113067PE Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 10112008 REsp 1073676MG Quinta Turma Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho DJe de 1242010 HC 122011PR Quinta Turma Ministra Laurita Vaz DJe de 2862010 HC 171152SP Sexta Turma Ministro Og Fernandes DJe de 11102010 REsp 1185750MG Quinta Turma Ministro Gilson Dipp DJe de 22112010 HC 109039BA Sexta Turma Ministro Jorge Mussi DJe de 3062011

Acompanhando a divergecircncia aberta pelo ministro Ceacutesar Asfor Rocha

posicionaram-se os ministros Joatildeo Otaacutevio de Noronha Massami Uyeda Laurita Vaz

Castro Meira Felix Fischer e Teori Abino Zavaschi (embora este com fundamentos

distintos dos demais) Diante da esmagadora maioria (7 votos pela absolviccedilatildeo

contra 1 pela condenaccedilatildeo) o acoacuterdatildeo restou assim ementado

ACcedilAtildeO PENAL EX-PREFEITA ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL FESTA DE CARNAVAL FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVICcedilOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITACcedilAtildeO ARTIGO 89 DA Lei N 86661993 ORDENACcedilAtildeO E EFETUACcedilAtildeO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVICcedilO PELO PARTICULAR CONTRATADO ARTIGO 1ordm INCISO V DO DECRETO-LEI N 2011967 CC OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N 43201964 AUSEcircNCIA DE FATOS TIacutePICOS ELEMENTO SUBJETIVO INSUFICIEcircNCIA DO DOLO GENEacuteRICO NECESSIDADE DO DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO E DA CARACTERIZACcedilAtildeO DO EFETIVO PREJUIacuteZO ndash Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n 86661993 (dispensa de licitaccedilatildeo mediante no caso concreto fracionamento da contrataccedilatildeo) e 1ordm inciso V do Decreto-lei n 2011967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviccedilo pelo particular) exigem para que sejam tipificados a presenccedila do dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio e da caracterizaccedilatildeo do efetivo prejuiacutezo Caso em que natildeo estatildeo caracterizados o dolo especiacutefico e o dano ao eraacuterio Accedilatildeo penal improcedente

Houve diante desse marco uma verdadeira reviravolta na jurisprudecircncia

daquela Corte (que conforme registrado no voto do ministro a Ceacutesar Asfor Rocha

sempre se inclinou em sentido inverso) Isso pode ser lido em diversos precedentes

provenientes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Apenas a tiacutetulo

ilustrativo cite-se as decisotildees prolatadas nas accedilotildees penais originaacuterias tombadas sob

os nuacutemeros 262 323 e 375

No entanto esse posicionamento ainda eacute alvo de contestaccedilotildees pelas

decisotildees prolatadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (componentes da Terceira Seccedilatildeo daquela

casa conforme adiantado)

Seguem-se as ementas das deliberaccedilotildees tomadas no REsp 1073676MG

(Rel Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho 5ordf Turma julgado em 23022010 10 DJE

12042010) e no HC 113067PE (Rel Ministro OG Fernandes 6ordf Turma julgado em

21102008 DJE 10112008) e que conferem uma boa dimensatildeo da dissonacircncia de

entendimento entre a Terceira Seccedilatildeo e a Corte Especial do STJ

RECURSO ESPECIAL PENAL DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITACcedilAtildeOFORA DAS HIPOacuteTESES LEGAIS (ART 89 CAPUT DA LEI

866393)EX-PREFEITO MUNICIPAL DOLO COMPROVADO DESNECESSIDADE DO EFETIVOPREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO PARA A CONFIGURACcedilAtildeO DO DELITO PRECEDENTES DA 3ASECcedilAtildeO PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO RECURSOCONHECIDO PELA DIVERGEcircNCIA MAS DESPROVIDO 1 () O tipo penal descrito no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees busca proteger uma seacuterie variada de bens juriacutedicos aleacutem do patrimocircnio puacuteblico tais como a moralidade administrativa a legalidade a impessoalidade e tambeacutem o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei 3 Jaacute decidiu a 3a Seccedilatildeo desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmaccedilatildeo de que a licitaccedilatildeo eacute inexigiacutevel fora das hipoacuteteses previstas em lei tendo o agente a consciecircncia dessa circunstacircncia isto eacute natildeo se exige qualquer resultado naturaliacutestico para a sua consumaccedilatildeo (efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio por exemplo) (HC94720PE Rel Min FELIX FISCHER DJ 18082008 e 113067PE RelMin OG FERNANDES Dje 10112008) 4 Recurso conhecido pela divergecircncia mas desprovido (STJ - REsp 1073676 MG 20080153167-7 Relator Ministro NAPOLEAtildeO NUNES MAIA FILHO Data de Julgamento 23022010 T5 - QUINTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 12042010)

PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS CONTRATACcedilAtildeO SEM LICITACcedilAtildeO EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS ART 89 CAPUT DA LEI Nordm 866693 DOLO ESPECIacuteFICO PREJUIacuteZO AO ERAacuteRIO INEXIGEcircNCIA ACcedilAtildeO PENAL TRANCAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 Eacute entendimento paciacutefico desta Corte que o trancamento da accedilatildeo penal pela via do habeas corpus eacute medida de exceccedilatildeo soacute admissiacutevel se emerge dos autos de forma inequiacutevoca a ausecircncia de indiacutecios de autoria e prova da materialidade a atipicidade da conduta ou a extinccedilatildeo da punibilidade 2 Havendo indiacutecios de que cabia ao agente puacuteblico realizar licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo de empresa promotora de eventos afigura-se prematuro o trancamento da accedilatildeo penal ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto faacutetico-probatoacuterio dos autos na estreita via do habeas corpus 3 O tipo previsto no art 89 da Lei nordm 866693 eacute delito de mera conduta natildeo exige dolo especiacutefico mas apenas o geneacuterico representado portanto pela vontade de contratar sem licitaccedilatildeo quando a lei expressamente prevecirc a realizaccedilatildeo do certame Independe assim de qualquer resultado naturaliacutestico como por exemplo prejuiacutezo ao eraacuterio 4 Ordem denegada (STJ - HC 113067 PE 20080174888-8 Relator Ministro OG FERNANDES Data de Julgamento 21102008 T6 - SEXTA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 10112008)

De outro lado cabe lembrar que eacute sedimentado em niacutevel doutrinaacuterio e

jurisprudencial que as instacircncias penais ciacuteveis e administrativas satildeo independentes

entre si (embora sejam previstas legalmente algumas exceccedilotildees desinteressa aqui

discuti-las) A par disso eacute regular que em virtude dos mesmos fatos sejam

promovidas pelo oacutergatildeo ministerial accedilotildees penais e accedilotildees civis puacuteblicas de

improbidade administrativa nos lindes da Lei 842992

Na dicccedilatildeo do diploma legal em referecircncia satildeo reputados atos de improbidade

administrativa na modalidade de lesatildeo ao Eraacuterio o fato de frustrar procedimento

licitatoacuterio ou dispensaacute-lo indevidamente (L 842992 art 10 VII)

Realizando a exegese do dispositivo os oacutergatildeos fracionados com

competecircncia em Direito Administrativo do Superior Tribunal de Justiccedila tecircm se

inclinado em dispensar a demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo econocircmico ao eraacuterio para a

tipificaccedilatildeo do ato de improbidade administrativa agrave semelhanccedila do entendimento

perfilado pela 5ordf e 6ordf Turmas daquele oacutergatildeo em relaccedilatildeo a mateacuteria criminal Veja-se

a propoacutesito a redaccedilatildeo da ementa lanccedilada em julgado proveniente da 2ordf Turma

datado de 2014

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATOacuteRIO ART 10 VIII DA LEI N 84291992 DANO IN RE IPSA SOCIEDADE EMPRESAacuteRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NAtildeO FOI CONHECIDO NO AcircMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA POSSIBILIDADE POR FORCcedilA DOS ARTIGOS 3ordm E 5ordm DA LEI N 84291992 E DO ART 499 sect 1ordm DO CPC DISPOSITIVOS LEGAIS NAtildeO PREQUESTIONADOS SUacuteMULA N 211 DO STJ 1 () O STJ tem externado que em casos como o ora analisado o prejuiacutezo ao eraacuterio na espeacutecie (fracionamento de objeto licitado com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatoacuterio) que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao eraacuterio eacute in re ipsa na medida em que o Poder Puacuteblico deixa de por condutas de administradores contratar a melhor proposta (no caso em razatildeo do fracionamento e consequumlente natildeo-realizaccedilatildeo da licitaccedilatildeo houve verdadeiro direcionamento da contrataccedilatildeo) (REsp 1280321MG Rel Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES SEGUNDA TURMA julgado em 06032012 DJe 09032012) 8 Quanto agrave alegaccedilatildeo de inexistecircncia de ato de improbidade por parte da recorrente que argui ter prestado o serviccedilo de boa feacute o recurso natildeo merece prosperar agrave luz dos entendimentos das Suacutemulas n 7 e n 211 do STJ 9 A ausecircncia de menccedilatildeo do Tribunal de origem quanto agrave intenccedilatildeo da sociedade empresaacuteria recorrente ou sua participaccedilatildeo na conduta iliacutecita natildeo tem o condatildeo de induzir agrave conclusatildeo de que natildeo pode ser apenada pela Lei de Improbidade a qual aliaacutes eacute clara ao estabelecer que as disposiccedilotildees desta lei satildeo aplicaacuteveis no que couber agravequele que mesmo natildeo sendo agente puacuteblico induza ou concorra para a praacutetica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art 3ordm) e que ocorrendo lesatildeo ao patrimocircnio puacuteblico por accedilatildeo ou omissatildeo dolosa ou culposa do agente ou de terceiro dar-se-aacute o integral ressarcimento do dano (art 5ordm) Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte improvido (STJ - REsp 1376524 RJ 20120110410-8 Relator Ministro HUMBERTO MARTINS Data de Julgamento 02092014 T2 - SEGUNDA TURMA Data de Publicaccedilatildeo DJe 09092014)

Sob esse prisma eacute lamentaacutevel identificar tamanha distorccedilatildeo em nosso

modelo punitivo De um lado tem-se que os reacuteus ocupantes de cargos que

autorizem o acesso ao foro privilegiado tecircm sua puniccedilatildeo em casos de dispensa ou

inexigibilidade indevidas de licitaccedilotildees condicionadas agrave existecircncia de prova preacute-

constituiacuteda de superfaturamento ou desvio de recursos (o que naturalmente eacute

sobremaneira dificultoso de se dimensionar em um juiacutezo delibatoacuterio proacuteprio da fase

da anaacutelise preliminar da denuacutencia) sob pena de se elidir ateacute mesmo a viabilidade do

recebimento da peccedila acusatoacuteria

De outro o sistema eacute falho diante de gestores de pequenos recursos

puacuteblicos porque a jurisprudecircncia de revisatildeo daquela casa recusa equivalente

soluccedilatildeo apta a impedir a punibilidade tornando-se por conseguinte implacaacutevel com

os administradores de menor destaque poliacutetico

Na mesma ordem de ideias a inseguranccedila juriacutedica proveniente da

interpretaccedilatildeo insegura do Superior Tribunal de Justiccedila tem se exteriorizado em

instabilidade no entendimento das Cortes Revisoras

Apenas para ilustrar o Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo jaacute se filiou em

uma assentada ao entendimento adotado pela Corte Especial do STJ absolvendo

diversos reacuteus dados como incursos no art 89 da Lei 866693 sob fundamento de

inexistecircncia de prova do dano ao Eraacuterio Nesse sentido acoacuterdatildeo relatado pela

eminente desembargadora Salise Monteiro Sanchonete (7ordf Turma)

EMENTA PENAL ART 89 DA LEI 866693 DOLO ESPECIacuteFICO DE CAUSAR DANO AO ERAacuteRIO EFETIVO PREJUIacuteZO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA NECESSIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL NAtildeO DEMONSTRADA ABSOLVICcedilAtildeO MANTIDA 1 De acordo com recentes julgados do Tribunal Pleno do STF e da Corte Especial do STJ eacute imprescindiacutevel para a caracterizaccedilatildeo do crime previsto no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees a presenccedila de dolo especiacutefico de causar dano ao eraacuterio assim como a comprovaccedilatildeo de efetivo prejuiacutezo agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica 2 O conjunto probatoacuterio natildeo demonstra a presenccedila de nenhum dos citados elementos impondo-se portanto a manutenccedilatildeo da sentenccedila absolutoacuteria com fundamento no art 386 inc III do CPP (TRF4 ACR 5000199-3920114047101 Seacutetima Turma Relatora p Acoacuterdatildeo Salise Monteiro Sanchotene juntado aos autos em 27062014)46

Em que pese o entendimento externado pela 7ordf Turma no julgamento da

apelaccedilatildeo criminal n 5000199-3920114047101 o tema voltou ao exame daquele

oacutergatildeo jurisdicional nos autos da apelaccedilatildeo criminal n 5000477-9820114047211

Examinando o teor daquele julgado observa-se que em voto vista (condutor do

acoacuterdatildeo) o Desembargador Ricardo Rachid de Oliveira manifestou resistecircncia ao

entendimento adotado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila Observe-

se a ementa

46 BRASIL Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo Acoacuterdatildeo que deliberou a respeito da natureza do delito inserido no art 89 da Lei 8666 de 1993 Disponiacutevel em lthttpseproctrf4jusbreproc2trf4controladorphpacao=acessar_documento_publicoampdoc=41403889891049611110000000053ampevento=41403889891049611110000000016ampkey=b098685b3df943d4732dbae8c5fb7ddd6539b838b2d27c773b75fb6b8d9cea76gt Acesso em 24 nov 2015

EMENTAART 1ordm III DL 20167 RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA ART 89 DA LEI 866693 NATUREZA JURIacuteDICA DO DELITO CONTROVEacuteRSIA CRIME FORMAL DESNECESSIDADE DE RESULTADO NATURALIacuteSTICO DOLO ESPECIacuteFICO DE LESAtildeO AO ERAacuteRIO IMPRESCINDIBILIDADE CASO CONCRETO EXISTEcircNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIacuteFICO E DE EFETIVA OCOREcircNCIA DE PREJUIacuteZO MANUTENCcedilAtildeO DO DECRETO CONDENATOacuteRIO REPRIMENDAS CRIME DE RESPONSABILIDADE CONSEQUEcircNCIAS E PERSONALIDADE NEGATIVAS CULPABILIADE NEUTRA REDUCcedilAtildeO DA PENA PRESCRICcedilAtildeO OCORREcircNCIA CRIME CONTRA A LEI DE LICITACcedilOtildeES PROPORCIONALIDADE AgraveS CIRCUNSTAcircNCIAS JUDICIAIS DIMINUICcedilAtildeO DA PENA-BASE SUBSTITUICcedilAtildeO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS (hellip) 2 O crime do art 89 da Lei de Licitaccedilotildees eacute formal natildeo se exigindo o efetivo prejuiacutezo ao eraacuterio para a sua configuraccedilatildeo porque o tipo penal em tela natildeo visa a tutelar apenas o patrimocircnio puacuteblico mas tambeacutem os princiacutepios norteadores da Administraccedilatildeo Puacuteblica e ainda busca oportunizar a todos igualdade de condiccedilotildees para contratar com o Poder Puacuteblico 3 O Supremo Tribunal Federal ao analisar o disposto no art 90 da Lei 866690 pelas mesmas razotildees invocaacuteveis em relaccedilatildeo ao ao delito do art 89 por mais de uma vez afirmou tratar-se aquele crime de delito formal que natildeo demanda portanto ocorrecircncia de prejuiacutezo concreto ao eraacuterio () (TRF4 ACR 5000477-9820114047211 Seacutetima Turma Relator p Acoacuterdatildeo Ricardo Rachid de Oliveira juntado aos autos em 07012015)

A par dessas consideraccedilotildees eacute de se ver que o Superior Tribunal de Justiccedila

ainda natildeo possui jurisprudecircncia sedimentada a respeito da mateacuteria o que vem se

traduzindo em inseguranccedila juriacutedica nos demais Tribunais do Paiacutes Frente esse

contexto desenvolver-se-aacute nas linhas que se seguem uma anaacutelise do art 89 da

Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico buscando uma soluccedilatildeo

constitucionalmente adequada para a interpretaccedilatildeo do injusto penal em tela

22 Anaacutelise do crime de dispensa indevida ou inexigibilidade de licitaccedilatildeo

previsto no artigo 89 da Lei 8666 de 1993 agrave luz da teoria do bem juriacutedico

Nas linhas antecedentes viu-se que natildeo haacute consenso jurisprudencial a

respeito dos elementos da tipicidade objetiva e subjetiva do injusto penal descrito no

art 89 da Lei 8666 de 1993 Eacute de se observar no entanto que os fundamentos

agregados para o debate a respeito do tema

Inuacutemeros acoacuterdatildeos de Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiccedila

bem como decisotildees monocraacuteticas lanccediladas por Juiacutezos singulares tecircm simplesmente

se reportado a precedentes da Corte Especial para respaldar decretos absolutoacuterios e

rejeiccedilotildees de denuacutencias veiculadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico sob fundamento de natildeo

vislumbrar (por vezes ateacute mesmo as peccedilas iniciais deixam de fazer alusatildeo a tais

requisitos por discordar da soluccedilatildeo juriacutedica adotada) o dano ao Eraacuterio tampouco o

denominado especial fim de agir de causar esse resultado

Pode-se dizer portanto ainda que soe com ares indesejaacuteveis de pretensatildeo

que as discussotildees travadas nos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio a respeito desse tema

satildeo marcadas por pobreza de suporte teoacuterico nas quais se divisa uma ausecircncia de

reflexatildeo de maior dimensatildeo a respeito do impacto desses posicionamentos na

proteccedilatildeo do bem juriacutedico tutelado pela norma penal aqui grifada

Mas afinal qual seria uma saiacuteda viaacutevel juridicamente adequada e

teoricamente embasada para solver o impasse aqui proposto Ao perfilhar uma ou

outra corrente sem uma reflexatildeo criacutetica aprofundada sobre o tema natildeo estaria se

pondo em risco valores tutelados constitucionalmente

Pelo que se constata da leitura dos votos exarados nos julgamentos

inventariados no toacutepico precedente parece haver certo dissenso a respeito da

proacutepria funccedilatildeo da norma penal desenhada no art 89 da Lei 8666 de 1993 Afinal o

que ela visaria proteger e reprimir Desdobrando esse questionamento interessa

para os fins do presente trabalho monograacutefico questionar qual eacute a proacutepria funccedilatildeo

do Direito Penal em nosso Estado Democraacutetico de Direito

Para a vasta maioria da doutrina eacute predominante o entendimento de que a

funccedilatildeo do Direito Penal eacute a tutela de bens juriacutedicos fundamentais47 Ilustrando Luiz

Regis Prado sinaliza que o lsquopensamento juriacutedico moderno reconhece que o escopo

imediato e primordial do Direito Penal radica na proteccedilatildeo de bem juriacutedico ndash

essenciais ao indiviacuteduo e agrave comunidade48

Seguindo o mesmo raciociacutenio Nilo Batista leciona que lsquoa missatildeo do direito

penal eacute a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos atraveacutes da cominaccedilatildeo aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

da pena49 A conceituaccedilatildeo desse instituto entrementes tambeacutem natildeo eacute paciacutefica

Em uma perspectiva histoacuterica digno de nota os registros desenvolvidos por

Cezar Roberto Bittencourt50 O autor relembra que o conceito de bem juriacutedico surge

47 TOLEDO Francisco de Assis Princiacutepios baacutesicos de Direito Penal 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 3 e 6 MARQUES Frederico Tratado de Direito Penal Vol III Campinas Millenium 1999 p 143 GARCIA Basileu Instituiccedilotildees de Direito Penal Vol I T II 4 ed Satildeo Paulo Max Limonad 1976 p 406 JESUS Damaacutesio Direito Penal Parte Geral 19 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995 p 456 a 457 48 PRADO Luiz Regis Bem juriacutedico penal e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 47 49 BATISTA Nilo Introduccedilatildeo criacutetica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro Revan 1996 p 48

na histoacuterica dogmaacutetica em princiacutepios do seacuteculo XIX frente concepccedilotildees iluministas

que definiam o fato puniacutevel como lesatildeo de direitos subjetivos

Entretanto alguns autores exprimiram necessidade de demonstrar que em

todo o preceito penal existia um direito subjetivo do particular ou do Estado como

objeto de proteccedilatildeo Bittencourt reportando-se agraves consideraccedilotildees traccediladas por

Jescheck que essa foi agrave ideia desenvolvida por Feurbach a exemplo51

Por outro lado o mesmo autor ainda ilustra que houve uma deturpaccedilatildeo do

instituto ao ser proposta a ideia de bem juriacutedico como estado valorado pelo

legislador posiccedilatildeo advogada por Binding52 Von Liszt nessa linha deslocou o centro

de atenccedilatildeo da concepccedilatildeo de bem juriacutedico do terreno do Direito subjetivo (puacuteblico ou

particular) para o acircmbito do denominado lsquointeresse juridicamente protegidorsquo com

uma pequena distinccedilatildeo enquanto Binding teria enxergado uma figura secundaacuteria na

teoria do delito Von Liszt teria vislumbrado a verdadeira pedra de toque da estrutura

criminosa Daiacute a razatildeo de se afirmar que existem numerosos delitos nos quais natildeo eacute

possiacutevel demonstrar a lesatildeo de um direito subjetivo e no entanto se lesiona ou se

potildee em perigo um bem juriacutedico53

Nesse raciociacutenio pode-se entender que a ideia de bem juriacutedico como

fundamento de proteccedilatildeo do Direito Penal oferece um criteacuterio material seguro e

criterioso na construccedilatildeo dos tipos penais Em relaccedilatildeo ao conceito de bem juriacutedico

na acepccedilatildeo moderna Claus Roxin veicula a seguinte liccedilatildeo

[] podem-se definir os bens juriacutedicos como circunstacircncias reais dadas ou finalidades necessaacuterias para uma vida segura e livre que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos54

Portanto pode-se notar que o bem juriacutedico satildeo garantias ou circunstacircncias

imprescindiacuteveis para a manutenccedilatildeo do conviacutevio social garantindo a todos os direitos

humanos e civis indispensaacuteveis ou para o proacuteprio funcionamento da maacutequina

estatal Tambeacutem merecem vecircnia as seguintes ponderaccedilotildees

50 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 51 BITTENCOURT Ceacutesar Roberto Tratado de Direito Penal parte geral I 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 37 52 Ibidem p 37 53 Ibidem p 37 54 ROXIN Claus A proteccedilatildeo de bens juriacutedicos como funccedilatildeo do direito penal Org e Trad Andreacute Luiacutes Callegari e Nereu Joseacute Giacomolli Porto Alegre Livraria do Advogado 2006 p 18 a 19

[] eacute o bem relevante para o indiviacuteduo ou para a comunidade (quando comunitaacuterio natildeo se pode perder de vista mesmo assim sua individualidade ou seja o bem comunitaacuterio deve ser tambeacutem importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que quando apresenta grande significaccedilatildeo social pode e deve ser protegido juridicamente A vida a honra o patrimocircnio a liberdade sexual o meio-ambiente etc satildeo bens existenciais de grande relevacircncia para o indiviacuteduo55

Em tal linha de intelecccedilatildeo se de um lado bens juriacutedicos satildeo aqueles valores

reputados relevantes pelo ordenamento juriacutedico como basilares para o conviacutevio em

sociedade de outro natildeo se pode olvidar devem ser buscados primordialmente na

base sobre a qual todas as regras normativas satildeo construiacutedas qual seja a

Constituiccedilatildeo Federal Nessa temaacutetica a literatura leciona

Entende a doutrina quer a nacional quer a estrangeira que o criteacuterio de dignidade penal eacute conferido pela Constituiccedilatildeo Eacute esta que vai fixar os bens juriacutedicos fundamentais e determinar expliacutecita ou implicitamente sejam eles tutelados pelo Direito Penal Assim os valores constitucionais fundamentais vatildeo merecer esta forma extrema de proteccedilatildeo56

Equivale dizer se os bens e valores tutelados pelas normas penais devem ser

aqueles imprescindiacuteveis para o conviacutevio em sociedade naturalmente sua busca

deve ser orientada primeiramente pelo Texto Constitucional Natildeo se estaacute a debater

aqui se a Magna Carta seria a uacutenica fonte em que o Direito Penal deveria buscar

seus objetos de proteccedilatildeo (haacute severo embate doutrinaacuterio nesse ponto)

O que se estaacute a dizer eacute que na medida em que a CF lista as principais

garantias e direitos fundamentais aleacutem de reger toda a principiologia da atividade

estatal eacute seguro afirmar que o Direito Penal natildeo pode se omitir nas proteccedilotildees dos

bens tipos como relevantes por aquele texto sob pena de se chancelar uma

inconstitucionalidade por desproteccedilatildeo

Avanccedilando sedimentado ainda que brevemente algumas consideraccedilotildees a

respeito do bem juriacutedico e sua faceta como papel de atuaccedilatildeo de todo o Direito

Penal cabe elencar algumas funccedilotildees deste instituto para que por fim possa-se

descortinar qual seria a interpretaccedilatildeo do art 89 da Lei 8666 de 1993 mais

adequada sob uma perspectiva constitucional

55 BIANCHINI Alice MOLINA Antonio Garciacutea-Pablos de GOMES Luiz Flaacutevio Direito penal Introduccedilatildeo e princiacutepios fundamentais 2 ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 Coleccedilatildeo Ciecircncia Criminais v1 p 232 56 CRUZ Ana Paula Fernandes Nogueira da A culpabilidade nos crimes ambientais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008

Seguramente um dos papeacuteis da teoria do bem juriacutedico conforme jaacute declinado

acima eacute de ser erigido como funccedilatildeo do Direito Penal a sua proteccedilatildeo Logo eacute

perfeitamente adequado que subsequentemente agrave compreensatildeo de que cabe ao

legislador erigir os valores que seratildeo protegidos pelo injusto penal a sua

interpretaccedilatildeo gravite nesse mesmo sentido

Melhor explicando a proteccedilatildeo do bem juriacutedico como funccedilatildeo primordial do

Direito Penal natildeo se limita simplesmente agrave fase legislativa enquanto estatildeo sendo

eleitos os valores que seratildeo protegidos por esse ramo do Direito (que como eacute

cediccedilo deve ser utilizado em casos extremos vale dizer ultima ratio)

Essa linha exegeacutetica deve irradiar tambeacutem sobre o momento de sua

aplicaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio durante a sua concretizaccedilatildeo em cada hipoacutetese

trazida a seu conhecimento Portanto tambeacutem atuam nessa diretriz

Alinhadas essas ponderaccedilotildees eacute de se ver conforme se extrai das anaacutelises

desenvolvidas no primeiro capiacutetulo deste trabalho monograacutefico a licitaccedilatildeo eacute um

instituto que sempre foi concebido como uma forma de garantir a chancela dos

princiacutepios iacutensitos agrave atividade estatal como agrave guisa de ilustraccedilatildeo a moralidade a

eficiecircncia a isonomia e a supremacia do interesse puacuteblico

Por essa razatildeo que a vasta maioria da doutrina que se dedica ao estudo dos

crimes licitatoacuterios compreende que a objetividade juriacutedica do injusto penal descrito

no art 89 da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos eacute justamente a proteccedilatildeo desses

princiacutepios reitores de toda a atividade estatal

Natildeo se pode relegar e amesquinhar como querem alguns o injusto penal em

tela simplesmente para o campo financeiro do eraacuterio Natildeo se duacutevida que a tutela

econocircmica dos cofres puacuteblicos seja necessaacuteria Contudo estreitar a interpretaccedilatildeo do

tipo penal aqui focado apenas para esse campo a rigor eacute o equivalente a relegar

para segundo plano e subtrair importacircncia para todos os princiacutepios administrativos

que a duras penas foram inseridos em nossa Constituiccedilatildeo Federal

Parece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiccedila neste ponto

estaacute calcada em argumentos meta juriacutedicos57 (conforme se pode colher em alguns

votos colacionados alhures) limita sobremaneira a aplicabilidade do dispositivo e

atuando como legislador positivo (na medida em que nenhuma das condicionantes

invocadas pelo STJ estatildeo descritos expressamente no dispositivo penal) impotildee ocircnus

57 Ilustrando fundamentou-se conforme passagem anteriormente transcrita que o art 89 da Lei de Licitaccedilotildees poderia causar medo aos administradores e engessar o andamento da maacutequina estatal

probatoacuterios para o Ministeacuterio Puacuteblico que dificultam sobremaneira a reprimenda dos

crimes aqui estudados

Nesses paracircmetros tendo em mira a funccedilatildeo primordial de bem juriacutedico como

fundamento de todo o Direito Penal e calcada nos valores tutelados pelo instituto

da licitaccedilatildeo (moralidade probidade isonomia e consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico)

natildeo se pode admitir que a exegese mais adequada do art 89 da Lei 8666 de 1993

se restrinja agrave proteccedilatildeo econocircmica dos cofres puacuteblicos

Por tudo que se disse deve ser essa norma penal lida em conformidade com

os valores protegidos por nossa Constituiccedilatildeo Natildeo haacute portanto como se

compreender que a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitaccedilatildeo se trata de um

crime material (cuja tipicidade estaacute atrelada agrave configuraccedilatildeo de um resultado

naturaliacutestico) tampouco que reclame a existecircncia de um elemento subjetivo especial

de causar esse resultado

Arrematando deve ser compreendido conforme a vasta maioria da doutrina

inventariada propotildee o injusto como delito formal e de dolo simples sem a

necessidade de qualquer dado agregado agrave sua tipicidade

CONCLUSAtildeO

No primeiro subitem da pesquisa buscou-se delinear os aspectos mais

relevantes a respeito do instituto da licitaccedilatildeo seus princiacutepios e objetivos seu

assento constitucional bem como balizar os institutos da dispensa e inexigibilidade

do certame licitatoacuterio aleacutem dos requisitos legais reclamados para esse mister

Pode-se perceber jaacute naquele momento que o Direito das Licitaccedilotildees mais

que mera burocracia da maacutequina estatal possui papel destacado na defesa dos

princiacutepios elementares em um Estado Democraacutetico de Direito como a reverencia agrave

isonomia agrave impessoalidade da Administraccedilatildeo e a consecuccedilatildeo do interesse puacuteblico

Nessa ordem de ideias como a dispensa e inexigibilidade satildeo institutos que

ainda que chanceladas pelo ordenamento juriacutedico constitucional permitem transpor

a obrigatoriedade de licitaccedilatildeo para a contrataccedilatildeo da Administraccedilatildeo devem receber

um certo temperamento sob pena de fragilizar os proacuteprios princiacutepios desenhados no

art 37 da Magna Carta

A par disso tencionou-se delinear os principais marcos teoacutericos que

permeiam o injusto penal que preconiza sanccedilotildees para o abuso da dispensa e

inexigibilidade de licitaccedilatildeo realizadas em desacordo com os permissivos legais (Lei

8666 art 17 24 25 e 26) Nessa ordem de ideias pincelou-se os principais marcos

teoacutericos relativos agrave sua tipicidade e antijuridicidade referenciando doutrinadores

especialistas na mateacuteria

Em sequecircncia avanccedilou-se para uma linha histoacuterica a respeito da evoluccedilatildeo

jurisprudencial da interpretaccedilatildeo do tipo penal inscrito no art 89 da Lei 8666 de

1993 especialmente no que toca agrave necessidade de demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo

financeiro aos cofres puacuteblicos (tipicidade objetiva) e portanto crime material em

contraponto agraves liccedilotildees doutrinaacuterias que advogam a caracteriacutestica formal do injusto

penal bem como a premecircncia de evidenciar o elemento subjetivo especial de agir

consubstanciado em causar o resultado danoso (tipicidade subjetiva) requisito este

tambeacutem contestado pela literatura juriacutedica como se pode perceber

Historiou-se ainda as divergecircncias entre a Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiccedila (com competecircncia para julgamentos accedilotildees penais originaacuterias

naquela casa) e as decisotildees externadas pela 5ordf e 6ordf Turmas (as quais compotildeem a

Terceira Seccedilatildeo do STJ) apresentando graves divergecircncias a respeito da soluccedilatildeo

juriacutedica adotada em cada caso

Na mesma ordem de ideais foi citada a jurisprudecircncia do mesmo Superior

Tribunal de Justiccedila a respeito da necessidade de demonstraccedilatildeo de dano ao Eraacuterio

em casos de improbidade administrativa derivados de dispensa de licitaccedilatildeo Citando

aresto bastante recente pode-se notar sob certa perspectiva que a jurisprudecircncia

administrativista do mesmo Tribunal estaacute inclinada em divergir das conclusotildees

lanccediladas pela Corte Especial do mesmo oacutergatildeo jurisdicional em mateacuteria penal

Nessa linha vislumbrou-se que a inseguranccedila no tratamento da mateacuteria pelo

Superior Tribunal de Justiccedila tem repercutido a reboque em decisotildees colidentes e

conflitantes nas Cortes Revisoras e nos Juiacutezos singulares como alguns arestos do

Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sobremaneira recentes ilustram

Frente tamanha inseguranccedila juriacutedica a pesquisa avanccedilou para alcanccedilar uma

soluccedilatildeo constitucionalmente adequada agrave luz da denominada teoria do bem juriacutedico

balizadora de toda a interpretaccedilatildeo do Direito Penal contemporacircneo

Neste uacuteltimo lance da pesquisa tambeacutem foi feito um resgate histoacuterico a

respeito das origens doutrinaacuterias da denominada teoria do bem juriacutedico apontando

ainda que sem a pretensatildeo de esgotar o tema as principais divergecircncias juriacutedicas a

respeito dessa questatildeo

Oportunamente apoacutes sedimentar o conceito de bem juriacutedico em uma

perspectiva doutrinaacuteria atual discorreu-se sobre suas principais funccedilotildees dentro da

exegese das leis penais

Nesse tom foram alinhadas consideraccedilotildees a respeito da funccedilatildeo exegeacutetica do

bem juriacutedico vale dizer que as normas penais devem ter sua interpretaccedilatildeo norteada

para buscar proteger os bens juriacutedicos os quais tutelam sobretudo aqueles que

possuem assento constitucional

Dito em outras palavras a delimitaccedilatildeo do alcance da tipicidade objetiva e

subjetiva de cada injusto penal necessariamente deve ser realizada sob uma

filtragem a partir da funccedilatildeo de seu bem juriacutedico buscando avaliar o que a norma

incriminadora busca proteger

Concretamente conforme pontuado jaacute nas linhas introdutoacuterias da presente

pesquisa o tipo do art 89 da L 866693 carece de uma interpretaccedilatildeo sob esse

enfoque pelos Tribunais Superiores sobretudo no acircmbito do Superior Tribunal de

Justiccedila

Nessa linha buscando solucionar o impasse proposto e reportando-se agraves

diretrizes traccediladas no segundo subitem do primeiro capiacutetulo da pesquisa viu-se que

o injusto penal desenhado no art 89 da Lei 8666 de 1993 tem como objetivo

primordial a defesa dos princiacutepios constitucionais insculpidos no caput do art 37 da

Constituiccedilatildeo Federal de 1998

Nessa senda divergiu-se das conclusotildees adotadas pela Corte Especial de

Justiccedila no sentido de que o art 89 da Lei 8666 teria como funccedilatildeo primordial a

tutela financeira do eraacuterio Esse pode ser naturalmente um efeito secundaacuterio da

proibiccedilatildeo mas jamais pode ser lido como um marco absoluto para a interpretaccedilatildeo

do dispositivo

Assim a presente pesquisa concluiu pela natureza formal do delito

dispensando-se em via de consequecircncia a prova material de qualquer prejuiacutezo

econocircmico ao eraacuterio bem como a desnecessidade de evidenciar um especial fim de

agir para causar esse resultado Afinal deve haver congruecircncia entre a tipicidade

subjetiva e objetiva conforme abordado no decorrer do trabalho monograacutefico telado

REFEREcircNCIAS

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