a natureza de ansel adams

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A natureza de Ansel Adams – parte 1 Por Celso Bessa e Biti Averbach em Perfis - 06 / jan Em 2015, a vida e obra de Ansel Adams, um dos mais importantes fotógrafos americanos, serão temas de uma exposição no Brasil que passará por Belo Horizonte, Curitiba, Recife e São Paulo. Em homenagem ao legado de Adams e como preparação à exposição, publicamos um perfil em 2 partes. “A arte é tanto amor e amizade, e compreensão; o desejo de doar. É ao mesmo tempo dar e receber beleza, a transformação da luz nas dobras internas da consciência do espírito.” Ansel Adams, em carta a Cedric Wright . Nos primeiros anos do século XX, a família de Ansel Adams morava numa área afastada em São Francisco, com uma vista espetacular de onde seria erguida a ponte Golden Gate. A localização permitia ao filho único da família — Ansel, uma criança hiperativa, sensível e curiosa–, explorar os arredores da casa em brincadeiras e devaneios particulares, percorrendo trilhas em meio ànatureza do local. O menino cresceu e continuou curioso e explorando o mundo à sua volta, transformando sua sensibilidade e hiperatividade em ferramentas para explorar e expressar os mundos dentro de si. E com isto, se tornou um dos mais importantes fotógrafos americanos do século XX.

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A Natureza de Ansel Adams

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A natureza de Ansel Adams – parte 1Por Celso Bessa e Biti Averbach em  Perfis -  06 / janEm 2015, a vida e obra de Ansel Adams, um dos mais importantes fotógrafos americanos, serão temas de uma exposição no Brasil que passará por Belo Horizonte, Curitiba, Recife e São Paulo. Em homenagem ao legado de Adams e como preparação à exposição, publicamos um perfil em 2 partes.“A arte é tanto amor e amizade, e compreensão; o desejo de doar. É ao mesmo tempo dar e receber beleza, a transformação da luz nas dobras internas da consciência do espírito.”Ansel Adams, em carta a Cedric Wright.Nos primeiros anos do século XX, a família de Ansel Adams morava numa área afastada em São Francisco, com uma vista espetacular de onde seria erguida a ponte Golden Gate. A localização permitia ao filho único da família — Ansel, uma criança hiperativa, sensível e curiosa–, explorar os arredores da casa em brincadeiras e devaneios particulares, percorrendo trilhas em meio ànatureza do local. O menino cresceu e continuou curioso e explorando o mundo à sua volta, transformando sua sensibilidade e hiperatividade em ferramentas para explorar e expressar os mundos dentro de si. E com isto, se tornou um dos mais importantes fotógrafos americanos do século XX.

Ansel Adams em seu auto retrato clássicoMesmo que você não preste muita atenção em fotos de paisagens, é bem provável que já tenha visto algumas imagens de Ansel Adams por aí, como Winter Sunrise, Sierra Nevada from Lone Pine; Moon and Half Dome; ou Tetons and Snake River. Adams já era um fotógrafo respeitadíssimo quando se tornou um fenômeno de popularidade nos anos 1970, época em que as imagens que fez do Parque Nacional de Yosemite e outros parques nacionais americanos foram largamente divulgadas em posters, calendários, livros e outros produtos.Se, por um lado, isso contribuiu para a divulgação e preservação de belezas naturais, por outro, pode dar a falsa impressão de que seu trabalho era banal. Mas não se engane. Há muito mais nas obras de Ansel Adams do que belas paisagens, e sua importância para a fotografia vai muito além de suas obras.

Cathedral Peak e lago no Yosemite National Park, “santuário” de Ansel AdamConhecer um pouco da vida de Adams pode ajudar a perceber como suas experiências e sua personalidade forjaram sua arte e ofício. Numa conversa recente com o Jornal da Fotografia, a nora de Ansel, Jeanne Adams, curadora da exposição sobre o fotógrafo, que faleceu em 1984, comenta sobre estas relações:“Ele conhecia muito bem o que ele fotografava: amava passar horas, dias, meses na áreas selvagens; ele conhecia o chão e a luz, ele conhecia as árvores e o sons, tudo. E sua experiência como pianista –ele tinha musicalidade e gostava de poesia — junto com o grande conhecimento que tinha da tecnologia, tornava- o capaz de expressar seus sentimentos como resposta a estes lugares, que considerava sagrados.”Esta íntima relação entre sua personalidade e o que fotografava é um dos motivos que fazem Jeanne acreditar que Ansel, mesmo sendo profundamente ligado à preservação de riquezas naturais, jamais faria imagens tão belas e significativas da Amazônia: não havia a mesma intimidade e ressonância pessoal que Ansel tinha com Yosemite, por exemplo.

Ansel Adams ao piano em retrato de Martha Casanave.A música foi a primeira paixão e teve papel importante na vida do fotógrafo.

Infância, Pianos e FotografiasComo uma criança hiperativa, Adams era mais curioso e menos comportado do que as escolas tradicionais eram capazes de aceitar e sua família decidiu por continuar sua formação em casa, o que incluiu aulas de piano que foram fundamentais para despertarem o senso estético e a disciplina nele, que passou a se dedicar com afinco à música e até buscou se tornar profissional, objetivo que só abandonou após se casar.A música influenciou sua postura em relação à fotografia, instigando a importância do treino e da dedicação, a busca pelo virtuosismo técnico em consonância com a busca pela emoção, e até mesmo a idéia de composição e interpretação. Adams considerava que registrar a imagem no negativo era como escrever uma partitura, enquanto a revelação e ampliação eram como a interpretação dada por um maestro em um concerto. E levava tão a sério esta idéia que dedicava ao trabalho no laboratório a mesma importância que ao ato de fotografar, se empenhando em experimentar e desenvolver técnicas que permitissem ao público sentir o mesmo que ele sentia ao fotografar.

Thousand Isles Lake, de 1923, já demonstra o desejo de Ansel Adams em transmitir o mesmo maravilhamento que sentia

O “namoro” com a fotografia começou em 1916, quando visitou pela primeira vez o Parque Nacional de Yosemite com a família e teve uma experiência reveladora. “O esplendor de Yosemite explodiu sobre nós de forma gloriosa … Havia luz em toda parte … Uma nova era começou para mim.” Na ocasião, ganhou uma câmera Kodak do pai e começou a fotografar freneticamente.A experiência com as belezas do parque foi tão impactante que despertou em Adams um profundo respeito pela natureza e o desejo de registrar e compartilhar o que via e sentia. Começou a aprender técnicas fotográficas e de revelação, sempre voltando às montanhas para retratá-las, tanto no inverno quanto no verão, desenvolvendo a resistência e habilidade necessárias para fotografar em alta altitude e em condições meteorológicas difíceis.

Ansel Adams explorava Yosemite com seu fiel Burro

O ExploradorAo mesmo tempo que sua habilidade técnica era desenvolvida, Adams aprofundava seu conhecimento da região e seu respeito pela a natureza. Não por acaso, em suas fotografias de paisagens, as montanhas são sempre gigantescas, quase sobrenaturais. E o homem, em comparação, é um ser minúsculo que se maravilha diante dessa beleza monumental. Há algo de espiritual nas imagens, embora Adams não fosse adepto de nenhuma religião e se considerasse agnóstico. Era como se, ao desbravar a natureza daquele pedaço do mundo, Adams desbravasse a sua própria natureza.Durante o início desta fase exploratória, no meio dos anos 1920, Adams chegou a experimentar técnicas fotográficas do movimento pictorialista, que propunha igualar a fotografia à pintura impressionista e tinha como um dos mentores Alfred Stieglitz. Mas acabou optando por um caminho mais realista, com foco nítido, manipulação precisa da luz e composição cuidadosa.Fotografando em grande formato, com a obsessão que lhe era peculiar, trabalhava a revelação e ampliação das fotografias até que ficassem perfeitas. Com o cuidado de um artesão, podia passar um dia inteiro ampliando um único frame, até conseguir o resultado certo.

Com Monolith, the Face of Half Dome, Ansel Adams tem sua “epifania” técnicaMonolith, the Face of Half Dome, presente em seu primeiro portfólio, foi a primeira foto em queconseguiu realizar o que desejava, não retratando o objeto real, mas a sua percepção dele. Nas suas melhores fotos, se pode sentir a temperatura do lugar, o horário, a umidade, a qualidade da luz.“Eu fui capaz de realizar uma imagem como desejava: não a forma como aparecia na realidade, mas como eu a senti e deveria aparecer na impressão final.”O desejo de dominar a “mensagem” e o cuidado com a qualidade da fotografia o levou a estudar e procurar aperfeiçoar todo o processo, incluindo impressão de postêres, portfólios e livros. Segundo Jeanne Adams, “Ansel jogava fora tiragens inteiras de livros se ele julgasse que a qualidade da impressão não tivesse atingido um bom resultado. Eu acho que ele ficaria maravilhado com a qualidade das tintas e impressões de hoje.” Não é surpresa, portanto, que Ansel Adams tenha sidoconsultor durante a criação da câmera Polaroid, tendo sido o primeiro fotógrafo a testar a invenção de Lund, anos mais tarde.

Church em Taos Pueblo, foto do primeiro livro de Ansel Adams

Dominando a arte e o ofícioOs anos 1930 foram prolíficos para Adams e sua produção artística passou a obter reconhecimentocada vez maior. Neste período, o fotógrafo experimentou mais, fazendo mais close ups, retratos, e voltando seu olhar também para arquitetura.

Taos Pueblo, seu primeiro livro foi lançado em 1930, e obteve boas críticas. Seguiu-se então sua primeira exposição individual, no Smithsonian Institute, em 1931, com 60 imagens feitas no High Sierra, e que recebeu uma excelente avaliação do Washington Post: “Suas fotografias são como retratos dos picos gigantes, que parecem ser habitados por deuses míticos.”No ano seguinte, participou de uma exposição coletiva com outros fotógrafos que viriam a se tornar, junto com Adams, fundadores do grupo f/64, que tinha a intenção de propagar a idéia da “fotografia pura“, definida pelo grupo como aquela “que não possui aspectos de técnica, composições ou idéias derivadas de qualquer outra forma de arte.”Os objetivos do grupo f/64 refletiam muito do esforço obsessivo de Adams por aperfeiçoar tanto a estética quanto as técnicas fotográficas. Os resultados deste esforço se apresentam em fotografias dramáticas como Clearing Winter Storm, de 1935, que com sua riqueza de detalhes nos diferentes planos, suas inúmeras variações de tons e texturas, seria um grande desafio para qualquer fotógrafo realizá-la e demonstra o grau de excelência que Adams atingira e o conhecimento que tinha sobre todos os elementos que compunham suas fotografias. Conhecimento que ele tinha prazer em compartilhar e transmitir, aliás.

Clearing Winter Storm talvez seja a fotografia “quintessencial” de Ansel Adams, cujo apuro técnico, senso estético e o conhecimento da natureza de Yosemite deram origem a uma imagem bela, detalhada e poderosa.

Em 1935, por exemplo, lança o livro “Making a Photograph“, o primeiro de uma série de livros técnicos e teóricos que se tornaram fundamentais no ensino da fotografia, abordando a câmera, o filme, o fotografar, a revelação, a cópia, etc. Também ministrou workshops em Yosemite, onde compartilhava as várias etapas de criação de suas obras no parque: as explorações de trilhas, a escolha dos locais para fotos, o treino e experimentações extensivas, a execução da fotografia, revelação e ampliação, etc.A pesquisa e experimentação de Adams nesta época foi fundamental para o estabelecimento doSistema de Zonas (Zone System), técnica desenvolvida por ele e pelo fotógrafo Fred Archer a fim de determinar a melhor combinação de exposição e processamento de filmes a fim de obter a ampliação que mais se aproximasse daquilo que imaginavam em suas mentes na hora do clique. Voltando à Clearing Winter Storm, foi esta técnica que permitiu que fotografia mostrasse uma

riqueza tonal e dramaticidade que, certamente, a cena real não apresentava aos olhos de quem a viu e só Adams enxergava em sua mente.

Meio-ambiente, sociedade e críticas

Um dos livros mais importantes de Ansel Adams, Sierra Nevada: The John Muir Trail, publicado em 1938, fez parte dos esforços de lobby do Sierra’s Club, do qual Adams era diretor, junto ao governo americano para a criação de 2 parques nacionais na década de 1930. Apesar disto, em entrevista ao Jornal da Fotografia, o filho de Ansel, Michael, conta que seu pai não se considerava um fotógrafo ambientalista: “Ele estava sempre envolvido com a preservação da Natureza e estava sempre disposto a ceder fotos para causas ambientais, mas ele diria que nunca saia para fazer uma foto específica para uma causa ambiental.”A temática de seu trabalho, apesar de inspirar a preservação da Natureza, também foi alvo de críticas. Na época da Grande Depressão, Cartier-Bresson, o pai do “fotojornalismo”, recriminava Ansel Adams e e seu colega Edward Weston, por apontarem as lentes para árvores e pedras ao invés de retratar o que acontecia na sociedade.Talvez Cartier-Bresson não tenha percebido que Adams era uma espécie de historiador e estava preservando (figurativamente e literalmente) as paisagens do interior dos Estados Unidos para as próximas gerações. A marcha para o oeste havia acabado algumas décadas antes e ao mesmo tempo que muitos dos locais ainda eram pouco conhecidos, as transformações do processo de urbanização e industrialização acelerada do século XX começavam a colocar em risco estas regiões.O trabalho pioneiro de Adams serviu para despertar estas preocupações ecológicas, que se tornariam comuns e teriam sua importância reconhecida apenas décadas depois.Ainda assim, Adams, que considerava o fotojornalismo uma forma de propaganda, ficou aborrecido com este assunto por um bom tempo, e foi só em 1942 que fez o ensaio que serviria de resposta às críticas de Cartier-Bresson, Born Free and Equal: The Story of Loyal Japanese-Americans, mostrando a vida em um campo de internação para descendentes de japoneses na Califórnia, durante aSegunda Guerra Mundial.Mas isto, é assunto para a parte 2 do perfil Ansel Adams, que publicaremos em breve. Por enquanto, fique com a galeria de imagens das primeiras décadas da carreira do fotógrafo.

Agradecimentos: nosso muito obrigado à Michael Adams e Jeanne Adams pela entrevista cedida em dezembro de 2014

Na primeira parte do perfil de Ansel Adams – cobrindo o período de 1902 e 1938 – vimos como traços da personalidade do fotógrafo como a hiperatividade, o gosto pela natureza, o perfeccionismo e o senso de disciplina foram fundamentais na definição da estética de seu trabalho e ethos. Acompanhamos também o amadurecimento do fotógrafo e sua busca pelo reconhecimento artístico. É no período entre 1936 e 1937 que este reconhecimento começa a chegar, quando Adams expôs em 3 locais diferentes pelo país em 1936, incluindo a galeria An American Place de Alfred Stieglitz, em Nova York –a mais prestigiada galeria de fotografia dos EUA à época. A preparação para as exposições se mostrou desgastante para Adams que,  obcecado pela perfeição e virtuosismo, fez e refez centenas de prints de suas fotografias até obter o que considerava digno, em especial para o que seria exposto na galeria de Stieglitz.“Eu tenho que fazer isto, tem que ser fantástico porque vai ser na galeria do Stieglitz”Ainda em Nova York, no ano seguinte, o curador Beaumont Newhall convidou Adams para a exposição coletiva Photography: 1839-1937 no MOMA. E 1937 se mostrou um ano intenso para o fotógrafo também por outros motivos: sua esposa herdou o estúdio da família; seu laboratório pegou fogo e boa parte de seu acervo se perdeu; e Ansel se viu às voltas com sentimentos conflitantes entre responsabilidades familiares e uma relação platônica com sua assistente de 22 anos.

Estresse, colapso e depressão

O estresse por conta da carga de trabalho e dos conflitos emocionais acabou por levar Adams a um colapso e uma subsequente depressão nos meses seguintes. É deste período a sua sensível e famosa carta à Cedric Wright:

“Querido Cedric, algo estranho me aconteceu hoje. Eu vi uma grande nuve se movendo sobre o Half Dome, e era tão grande e clara e brilhante que me fez várias coisas que vagavam dentro de mim; coisa que se relacionam com aqueles que amo e aqueles são amigos verdadeiros. Pela primeira vez eu sei o que é o amor; o que são os amigos; o que a arte deveria ser. Amor é a busca por um estilo de vida; um estilo que não pode ser feito sozinho; a ressonância de todas as coisas físicas e espirituais […] é tanto amor como amizade e compreensã: o desejo de doar […] é ao mesmo temo tomar e dar beleza, trazer à luz os recantos de percepção do espírito. É a recriação em um outro plano das realidades do mundo; as mágicas e trágicas realidades da terra e dos homens, e todas as interrelações entre estes.“

Uma cópia de Surf Sequence, de Ansel Adams, foi leiloada por USD 170,500 em 2011, na ChristiesEstes sentimentos e conflitos podem ser percebidos nas 5 belas fotografias deSurf Sequence, onde o mar e a areia são quase um simbolismo das idas e vindas na alma de Adams, e das mudanças entre o Ansel Adams dos anos 1930 e o dos anos 1940, que buscava estabilidade financeira, dedicava-se à família e tornava-se um importante articulador e fomentador da fotografia. Em 1941, Adams volta ao MOMA, em Nova York, desta vez como curador da exposiçãoImages of Freedom, ao lado de Nancy Newhall, que se tornaria amiga até o fim da vida e parceira em diversos livros. É também neste ano que Adam faz uma das suas fotos mais famosas, a icônicaMoonrise, Hernandez, New Mexico. Icônica não somente por ser uma fotografia instigante, mas também por revelar outro aspecto da personalidade de Adams, a do contador de “causos”. Numa de suas famosas histórias, Adams –então fotografando todos os parques nacionais para o Departamento de Interior norte-americano– relata estar de passagem pela localidade de Hernandez durante o crepúsculo e percebe a lua se levantando das montanhas atrás da vila. Na hora, viu a possibilidade de fazer uma foto única, que mostraria tanto as montanhas e a Lua ao fundo, quanto as casas e o cemitério no primeiro plano, mas teria que se apressar para aproveitar os últimos minutos de luz solar. Sem achar o medidor , ele teria se baseado na memória para calcular a exposição adequada para a Lua, e então para a foto como um todo. Outras versões anteriores da história possuem detalhes diferentes: Adams contaria com seu medidor, mas não conseguia medir adequadamente a luz, e já planejava muito trabalho de pós-tratamento ao revelar e ampliar, reinterpretando a foto no laboratório, como era seu costume. De fato, a fotografia foi sendo retrabalhada ao longo dos anos pelo fotógrafo, e apenas em 1970 chegou ao que considerou a versão ideal.

Moonrise, Hernandez, New Mexico

A versão anos 1970 de Moonrise, Hernandez, New Mexico, aliás, se tornou a fotografia mais popular de Adams e um caso raríssimo de fotografia de altíssima tiragem (mais de 1300 cópias de diversos tamanhos) que conseguiu lances altos em leilões de arte: enquanto uma cópia em tamanho mural desta foto alcançou mais de 72.000 mil dólares nos anos 1970, outra menor foi leiloada por mais de 609 mil dólares pela Sotheby’s em 2006.

Segunda Guerra Mundial e Campo de Internação de Manzanar

Em dezembro de 1941, os Estados Unidos entraram formalmente na 2.a Guerra Mundial. Neste época, Adams executou trabalhos para diferentes orgãos do governo americano, incluindo o treinamento de fotógrafos militares. Durante os anos de 1943 e 1944, entretanto, passou a olhar seu país de forma um pouco diferente, se sentindo incomodado com cidadãos americanos de origem japonesa presos em campos de internação por todo o país.

uma das fotografias da série e livro Born Free and Equal, de Ansel Adams

Adams conseguiu autorização para documentar o dia a dia dos internos do Campo de Manzanar, na Califórnia e registrou a forma como Isseis e Nisseis lidavam com a situação. As fotografias deram origem ao livro Born Free and Equal (Nascidos Livres e Iguais), um libelo contra uma situação que considerava injusta. Em entrevista ao Jornal da Fotografia, Michael Adams, filho de Ansel, conta: “A guerra tinha acabado de começar e havia pânico por todos os lados. Depois de Pearl Harbor, pensavam que os Japoneses iriam invadir os EUA e foi uma época muito difícil. ”

Japoneses e seus filhos trabalham a terra campo de internação Manzanar, EUA em foto do livro Born Free and Equal, de Ansel Adams

O lançamento do livro rendeu a Adams polêmicas diversas. Enquanto alguns o acusavam de anti-americano, muitos o criticaram de banalizar e até mesmo dar um tom feliz ao livro, evitando a contundência que o assunto deveria despertar e fazendo um ensaio “chapa branca”. Colocando qualquer viés ideológico de lado, fica fácil perceber que provavelmente não era nem um caso, nem outro. Adams era um esteta e, mesmo tendo seus momentos melancólicos, sua fotografia sempre era otimista. Se suas fotografias de paisagens eram monumentos à beleza natural americana, Born Free and Equal é igualmente um monumento à resiliência destes cidadãos e à memória de aspectos obscuros da história americana. “Estas pessoas eram cidadãs americanas e estavam sendo internadas. O governo passando por cima de seus direitos constituicionais. É necessário nunca deixar isto acontecer novamente“, diz Jeanne Adams, nora de Ansel, para quem este assunto é muito atual e importante, e uma das razões para a exposição no Brasil dedicar um espaço às fotos de Manzanar. “Ansel era uma pessoa honesta e durante este período de ódio racial ele fez vários amigos no campo. Quando a guerra acabou, ele visitou um desses amigos no hospital, e ao ver como ele estava disse: ‘não é justo você estar sendo tratado assim, venha morar conosco’. E ele ficou morando com Ansel e Virgínia até morrer, 10 anos depois.”

uma das fotografias da série e livro Born Free and Equal, de Ansel Adams

Ansel Adams e o pós-guerra

Nos anos pós-guerra, Ansel Adams passa a produzir menos fotografias, se concentrando em exposições e no ensino do fazer fotográfico. Em 1948, por exemplo, publica 2 livros, The Camera e The Negative. É mais ou menos nesta época que começa sua longeva colaboração com a Polaroid, que continuaria nas décadas seguintes, em especial nos anos 1950 e 1960. Grande entusiasta de inovações tecnólogicas, sua correspondência com cientistas da empresa era frequente. Testava e analisava seus produtos, sendo um dos grandes responsáveis por dar estofo artístico às inovações tecnológicas da empresa. Uma de suas fotografias mais belas – El Capitan, Winter, Sunrise, de 1968-, por exemplo, foi feita usando filmes Polaroid.

El Capitan, Winter, Sunrise, de Ansel Adams, feita em 1968 com Polaroid.

Ainda nos anos 1950, Adams publicou outros livros sobre fotografia e co-fundou a revista Aperturecom Nancy NewHall e outros fotógrafos. Já os anos 1960 viram um Ansel Adams mais dedicado à causas conservacionistas, com forte atuação para a criação de leis e áreas de conservação. Ao mesmo tempo, diversas galerias mainstream começam a demonstrar interesse por seu trabalho,pavimentando o sucesso comercial e popular que viria nos anos 1970. Em 1974 ele ganha uma retrospectiva no Metropolitan Museu of Art, e diversos outros museus passam a abrir departamentos de fotografia e a requisitar suas fotografias mais famosas. O sucesso nestes anos é tanto que, em 1979, Adams é convidado a fazer os retratos oficiais do presidente norte-americano Jimmy Carter e do vice-presidente Walter Mondale. Até então, apenas pinturas eram usadas para este fim. Neste mesmo ano, Adams aparece na capa da revista Time, e no ano seguinte, recebe a maior honraria oficial que um civil americano pode receber, a Medalha Presidencial da

Liberdade. Nos seus últimos anos, durante a década de 1980, o reconhecimento apenas aumentou. Adams ganha o Hasselblad Award in 1981 e tem uma exposição realizada em Shanghai em 1983, a primeira exposição dedicada à um americano desde a revolução comunista na China.

Moon and Half fome, de Ansel Adams (1960)

Este reconhecimento continuou mesmo após sua morte, no dia 22 de Abril de 1984, aos 82 anos. No mesmo ano, cerca de 200.000 acres de terra próximos à Yosemite, o local onde o fotógrafo se sentia em casa, se tornou a Área de Preservação Ansel Adams (Ansel Adams Wilderness Area), e no ano seguinte, um monte de mais de 3500 metros de altura, nos limites de Yosemite, é batizado de Monte Ansel Adams. Uma homenagem monumental, à altura do fotógrafo que melhor registrou os monumentos naturais de seu país. Agora, é a vez do Brasil conhecer a sua natureza. Que julho chegue logo.

Galeria de Fotos: A natureza de Ansel Adams – parte 2

Uma das

fotografias de Surf Sequence, de Ansel Adams